Cinque Terre
GT 063. Saúde e Doença como Experiência, Itinerário Terapêutico e Remédios Caseiros
Laércio Fidelis Dias (Unesp-Marília) - Coordenador/a, Reginaldo Silva de Araújo (Universidade Federal de Mato Grosso) - Coordenador/a
Diante de uma doença, um infortúnio, quando a vida não sorri da maneira como se gostaria, que caminhos percorrer para resolver ou mitigar problemas e aflições decorrentes da doença? Contar as histórias acerca desses episódios talvez seja o que de melhor os seres humanos já elaboraram para orientar a resolução dos problemas práticos e encontrar algum sentido para a realidade desvanecida de sentido diante de um grave problema de saúde. O recurso a diferentes especialistas terapêuticos insere-se numa lógica denominada de itinerário terapêutico; itinerário este que expressa a busca pela cura ou mitigação do sofrimento. De que modo se dá a utilização dos remédios caseiros feitos à base de ervas e outras substâncias animais e minerais na construção do itinerário terapêutico entre as populações indígenas, tradicionais, rurais ou urbanas para solucionar seus problemas de saúde? Como as narrativas acerca destes episódios de doenças trazem consigo os princípios de ordenação e sentido da experiência da doença? O Grupo de Trabalho aceitará trabalhos que oferecem respostas ou reflexões para estas duas questões. O objetivo é selecionar comunicações que versem sobre a doença e saúde enquanto experiência, como processo de elaboração sociocultural, cuja construção e negociação de seus significados se dá num universo de sistemas médicos diversos e de forças políticas não necessariamente simétricas, e que dêem destaque ou refiram-se a remédios à base de ervas, substâncias animais e vegetais.
Resumos submetidos
A experiência da doença entre os Kayapó Metyktire: uma análise antropológica
Autoria: Michelle Carlesso Mariano
Autoria: O infortúnio, seja individual ou coletivo, insere-se nos modos de explicação que fundamentam as representações do homem, de suas dinâmicas sociais e de seu meio natural, de maneira que a doença é um evento inscrito numa totalidade sociocultural. É nessa perspectiva que o work em questão se insere, uma análise sobre as representações de saúde e doença junto ao povo Kayapó Metyktire, Terra Indígena Capoto/Jarina, Norte do estado de Mato Grosso. É no xamanismo que encontramos os fundamentos conceituais que ajudam na compreensão das representações simbólicas que organizam a sua visão de mundo e dos itinerários terapêuticos que se dão entre o sistema médico ocidental e o tradicional. Nesse último, os wajangá (pajé) e os mari (especialistas) organizam e interpretam os infortúnios, operando tanto no ‘registro das causas’ (BUCHILLET, 1991) como na terapêutica e são eles (além do diagnóstico pessoal e familiar) que distinguem, em última instância, as categorias ‘doença de índio’, com tratamento tradicional, e ‘doença de kube’ (doença de branco), com tratamento pela medicina ocidental. A medicina ocidental mostra-se como uma alternativa complementar que age na ‘esfera dos efeitos’ e é procurada pelas pessoas como terapia adicional e não substitutiva, um instrumento assim como outros destinados a diminuir os sintomas, juntamente com técnicas tradicionais. Já as práticas xamãnicas e os inúmeros especialistas operam no registro das causas. É nesse registro que ocorrem os diagnósticos, tão essenciais para a dinâmica do itinerário terapêutico, visto que muitas mortes são creditadas ao tratamento errado, principalmente se for ‘doença de índio’ tratada com remédios de branco. A eficácia do tratamento, o desaparecimento de uma doença ou infortúnio está mais relacionado neste nível de causalidade do que do próprio tratamento em si, de modo que a coexistência de dois sistemas médicos não implica numa mudança dos dispositivos cognitivos de interpretação da doença pelo indígenas.
Ao som de cada folha: práticas terapeuticas no Cariri Cearense
Autoria: Hayane Mateus Silva Gomes, JOSÉ FELIPE DE LIMA ALVES
Autoria: HAYANE MATEUS SILVA GOMES (URCA) JOSÉ FELIPE DE LIMA ALVES( URCA) A presente pesquisa relaciona-se sobre as práticas de saúde e de cuidado realizado no Cariri Cearense, tem por objetivo analisar as práticas populares de saúde através das experiências de apropriação, manipulação de ervas e benzeduras. A cidade do Crato está localizada no sul do Ceará, região de chapada e vale, que acolhe a Floresta Nacional do Araripe, com uma gama de biodiversidade de flora e fauna e que possui particularidades em relação à construção de saberes gestados pela confluência de matrizes indígenas, europeias e africanas. É um município majoritariamente católico e conhecido como “berço cultural “caririense” por preservar expressões da cultura popular como os benzedeiros, mezinheiras, caximbeiras, rezadeiras, curandeiros, e outros especialistas da medicina popular nas comunidades rurais. Estes especialistas por sua vez, acolhem as significações produzidas pelos adeptos desse tratamento com plantas, ervas, chá e benzeduras, escuta e acolhimento com os “terapeutas”. de acordo com Pinho e Pereira (2012) esse conceito de itinerário terapêutico, foi proposto inicialmente pelo antropólogo frânces Marc Augé, que pode ser definido como o caminho percorrido pelo indivíduo na busca de solução para seus problemas de saúde, diante de uma heterogeneidade de recursos. Da mesma forma, na benzedura, são utilizadas ervas especificas, gestos, cantos e rezas que se concentrará, ora em partes, ora se estendendo a todo corpo do paciente.
As Enfermidades do Corpo e os Males da Alma: Itinerário Terapêutico e as Benzedeiras em Belém do Pará
Autoria: Ana Carolina da Silva Brito, Luís Fernando Cardoso e Cardoso
Autoria: A relação saúde e doença vêm assumindo importância em debates nas mais diversas áreas das ciências humanas. A centralidade do tema vincula-se a compreensão que estar são, sem doenças, não é apenas um estado biológico, mas também cultural, sobretudo em situações em que os sujeitos são capazes de definir seu itinerário terapêutico, o qual se caracteriza pelo conjunto de estratégias voltadas ao tratamento de aflições físicas ou espirituais. A escolha do itinerário estabelece, portanto, um forte vínculo entre o âmbito sociocultural e a ação na cura da enfermidade. Diante disso, este work objetiva apontar como ocorre a construção da cura atrelada ao itinerário terapêutico de três Benzedeiras em Belém do Pará. Neste estudo realizou-se pesquisa de campo e entrevistas não estruturadas. A análise dos dados mostrou que cada benzedeira possui uma forma específica de levar os pacientes à cura. Uma conta com ajuda dos "encantados", outra com as plantas medicinais, e a terceira associa a benzeção, "garrafadas" e orações do catolicismo popular. Os principais males que as benzedeiras curam são: mal olhado, criança com quebranto,” espinha”, grávidas com barriga “arriada no pente”, casos do mal (onde geralmente uma pessoa faz algum “work” de cunho espiritual para que a outra sofra moléstias) infertilidade”, “limpar o útero”, “curar doenças feias” (como a gonorreia, “corrimento”, “cobreiro”). Diante disso, evidenciamos que a construção do itinerário terapêutico ocorre por meio das representações sociais das doenças, da saúde e do processo de cura, que no universo sociocultural amazônico assume formas particulares relacionadas ao contexto religioso e ambiental da região.
Entre folhas e rezas: as sapiências de mulheres quilombolas sobre cuidado em saúde
Autoria: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Rute Ramos da Silva Costa Giselle Maria da Silva Juliana da Silva Pontes Tamiris Pereira Rizzo
Autoria: A partir de pesquisa etnográfica realizada na Comunidade Remanescente de Quilombo da Machadinha, Quissamã/RJ, neste work discute-se um conjunto de saberes tradicionais e práticas de cuidado em saúde por meio de ervas e rezas, prioritariamente de domínio feminino, sistematizados a partir das narrativas de mulheres quilombolas, com destaque as rezadeiras, as mães de terreiro, as mães biológicas e as parteiras. De onze entrevistadas, oito eram analfabetas, uma possuía o ensino fundamental e duas o ensino médio completo. Em decorrência da “falta de leitura”, a observação é uma das estratégias mais utilizadas para garantir o aprendizado. As sabenças e práticas refletem aprendizados ancestrais inscritos na memória social da comunidade, organizados de um modo próprio e com fundamentos da dimensão afetiva e espiritual do cuidado. “As folhas de mato” são compreendidas como remédios, classificadas a partir da percepção de sua natureza; de acordo com a forma com que são preparadas e usadas; combinadas a partir de uma percepção do ser ou da experiência aprendida, o que pode ser expressa em sequências numéricas. São os tipos mais citados: chás, emplastos, ungüentos, banhos, aplicação direta, associação com álcool etílico e xaropes. Os modos de aprendizado e ensino desses saberes são principalmente pela via dos relatos compartilhados oralmente; pela observação e ação compartilhada com outras mulheres da comunidade; pela experimentação individual e; pelo acesso a uma memória ancestral. Os modos de rezar e tratamentos são os mais variados. As percepções sobre a experiência do adoecer e do curar-se revelam a inserção destes conhecimentos sistematizados e acionados a partir de um exame cuidadoso da realidade de cada membro da comunidade, respeitando ordenamentos coletivos de uma rede de troca de práticas terapêuticas entre as guardiãs desse cuidado.
Experiências de cura e adoecimento na negociação de itinerários terapêuticos entre os Akwẽ Xerente
Autoria: Ariel David Ferreira
Autoria: Os Akwẽ Xerente são uma população indígena que habita as terras indígenas (TI) Xerente e Funil, localizada no município de Tocantínia (TO), cerca de 70 km de Palmas (TO). Apresentam um modelo etiológico subjetivo e simultaneamente social decorrente de suas representações e experiências sobre saúde e adoecimento. O grupo utiliza o substantivo hâze, que pode ser traduzido em português como doença, para designar uma série de sintomas, mal estares e dores pelos quais uma pessoa pode passar. Trata-se de uma categoria ampla que reúne doenças ou mal estares inscritos no repertório biomédico, algumas dessas inscritas no grupo como “doenças de branco” (ktuanõ hâze), mas também padecimentos ou enfermidades que são localizados à margem dessa concepção, como os que decorrem de quebras de restrições ou de resguardo, estopor, congestão ou quebra de recomendação alimentar, arca-caída, quebranto e mau olhado (datmõkunẽ), mal estares que envolvem relações e estados inadequados com a alma dos vivos (dahemba) e alma dos mortos (hêpãri) e as que decorrem de relações com os donos e os feitiços de pajé. Quando estão aflitos ou sofrem algum mal-estar, adoecimento ou padecimento os Xerente recorrem a uma multiplicidade de sujeitos, caminhos ou itinerários terapêuticos para preservar ou recuperar sua saúde. Tais itinerários são expressos por meio da atuação, negociação e relação dos aflitos com os conhecedores de raízes, plantas e remédios caseiros, benzedores, rezadores, pajés ou sekwa, pastores evangélicos, padres e profissionais de saúde como médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e agentes de saúde. Esses sujeitos e especialistas em cura e adoecimento utilizam práticas terapêuticas diversas envoltas em um conhecimento que pode apresentar acesso ou transmissão restrita, como as rezas, benzeduras, práticas terapêuticas de pajés e o preparo de remédios caseiros. Este work objetiva discutir por meio das narrativas dos Xerente da aldeia Salto a relação entre a experiência dos aflitos e os agenciamentos e negociações que constroem os itinerários terapêuticos no grupo. Mais especificamente, dou atenção as interpretações dos sujeitos sobre os padecimentos, mal estares, adoecimentos reconhecendo-as, em consonância com Langdon (2001), tanto como criações e recriações de modelos de realidade, quanto como formas de orientar suas ações sobre a “ruptura” que tais situações inscrevem na vida dos aflitos. REFERÊNCIA: LANGDON, Esther Jean. A doença como experiência: o papel da narrativa na construção sociocultural da doença. Etnográfica, Vol. V (2), 2001, pp. 241-260.
Itinerários terapêuticos e práticas de cura entre os Tenetehar-Tembé do Guamá (PA): saberes tradicionais, territorialidade(s) e dinâmicas ambientais
Autoria: Benedito Emílio da Silva Ribeiro, Vanderlúcia da Silva Ponte
Autoria: Problematizamos a relação entre a transmissão e manutenção dos saberes sobre o uso das “ervas medicinais” e os processos de promoção de saúde, tencionada com a defesa do território, entre os Tenetehar-Tembé da Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), situada na região nordeste do Estado do Pará. O work é resultante do Projeto Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão intitulado “Wà Zemukátuhaw: práticas terapêuticas, território e cultura”, finalizado em dezembro de 2017 e financiado pela Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da Universidade Federal do Pará. Tomamos como base metodológica o estudo etnográfico pautado em atividades de campo e na observação direta e participante com a comunidade de quatro aldeias da região do Guamá: Sede, Ytwuaçú, Ypyd’hô e Pinawá, desenvolvendo reuniões comunitárias, oficinas pedagógicas com os jovens e entrevistas semiestruturadas com os “velhos” – conhecedores da cultura – para o registro dos saberes referentes às práticas terapêuticas. Através disso, realizamos o levantamento e mapeamento dos recursos culturais indispensáveis para a manutenção da saúde – sobretudo aqueles existentes na floresta e no entorno das aldeias onde a pesquisa foi desenvolvida – e a análise dos processos sócio-históricos e cosmológicos das práticas de cura entre os Tembé. Percebemos um processo de dinamização e fortalecimento do território e das trocas intergeracionais entre jovens e velhos em virtude das interações suscitadas durante as ações do projeto. Assim, constatamos que as práticas terapêuticas do povo Tenetehar-Tembé delimitam elementos de resistência, e r-existência (PORTO-GONÇALVES, 2008), que acionam a identidade e processos de territorialidade ao tencionarem com o Subsistema de Saúde Indígena e suas diretrizes científicas eurocentradas. Observamos também que a medicina tradicional, ou xamanística, consiste em um sistema integrador, que conecta o homem com a natureza e com o sobrenatural. Na perspectiva Tembé, a floresta é o lugar, por excelência, de morada dos espíritos e carrega uma força gigantesca, sendo suas plantas e animais aqueles com maior potencial curativo. Desta forma, preservar a floresta e seus recursos ambientais, além de respeitar as entidades espirituais que ali habitam, também significa salvaguardar um patrimônio de alto valor terapêutico para os Tenetehar-Tembé e para a humanidade. E para preservar a floresta, é imperativo manter e defender ferozmente o território que a engloba. Portanto, compreendemos que o tema da saúde constitui-se em um recurso estratégico e justificador (BOLTANSKI & THÉVENOT, 1991) para fortalecer a defesa do território Tembé, enquanto direito legal deste povo, bem como a legitimidade política do grupo, reforçando os elementos fundamentais para a afirmação do “Ser” Tenetehar-Tembé.
kampok - Medicina Tradicional para cuidar do corpo Matis
Autoria: May Anyely Moura da Costa, Antonio Guerreiro
Autoria: O povo Matis, falante de uma língua da família linguística Pano em território brasileiro (cerca de 434 pessoas-SIASI/nov. 2017), habita a Terra Indígena do Vale do Javari, localizada no Município de Atalaia do Norte (AM). A injeção do veneno do sapo kampok é realizado pelos Matis como mecanismo de tratamento do corpo, especialmente, utilizado por homens, caçadores, para preparar o corpo para a caça. A substância é usada “tradicionalmente” para eliminar a “má sorte”, a “inveja”, a “fraqueza”, a “falta de harmonia com a natureza” e para fazer a purga de alguma comida estragada ou de mal estar. Este texto, além de desvelar como o veneno é usado para livrar o caçador da “panema”, analisa como o uso do kampok está associado à produção de um determinado tipo de pessoa: os verdadeiros homens Matis. A pesquisa foi baseada em entrevistas realizadas com alguns Matis, na cidade de Atalaia do Norte e nas aldeias: Paraíso, Tawaya e Kuraya (vale do javari), no período de janeiro a fevereiro de 2017 e agosto a setembro de 2017, sobre as técnicas e o envolvimento deles neste processo. Esses resultados fazem parte de pesquisa de doutorado que visa contribuir tanto para compreensão da ação ritual na Amazônia como das transformações decorrentes da circulação dos chamados “conhecimentos tradicionais”.
Novos dilemas, outros itinerários: o bem viver como reinvenção da saúde indígena
Autoria: Pedro de Lemos MacDowell
Autoria: Em contextos de intensas transformações sociais, diversos povos indígenas do Brasil vêm experimentando problemas novos em seus territórios, incluindo aqueles relacionados ao uso de álcool, a diversas formas de violência e sofrimento, e um expressivo aumento no número de suicídios. Uma das abordagens que vêm sendo acionadas por setores do Estado para responder a estes fenômenos é a da saúde mental. Um maior acesso de parte da população indígena a serviços de saúde pública tem aumentado significativamente, ainda, o uso de psicotrópicos. Como reação, abordagens alternativas à medicalização têm sido propostas tanto “de cima”, no nível das políticas públicas de saúde, como “de baixo”, nas reivindicações de sujeitos e coletivos indígenas sobre formas mais adequadas de cuidar da “saúde mental”. No Pará, os conselheiros indígenas do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) do Distrito Sanitário Especial Indígena Guamá Tocantins (DSEI GUATOC/SESAI/MS) solicitaram oficialmente que seu Programa de Saúde Mental fosse renomeado. Não viram seus dilemas e suas necessidades contemplados pelo conceito de saúde mental. Após um processo eleitoral, foi escolhido o nome de “Programa Bem Viver”, em consonância com diversos outros movimentos similares em outras partes do Brasil e da América do Sul (ACOSTA, 2016). Este work procura analisar a construção do Programa Bem Viver do DSEI Guatoc, nas confluências e divergências entre os interesses dos diversos atores envolvidos nesse processo, com maior ênfase nos agentes indígenas, nos trabalhadores do órgão e nas instâncias de formulação das diretrizes das políticas diretamente acionadas. Busca-se, assim, compreender como se constroem, nas mediações possíveis, em meio a conversas permeadas por ruídos e traduções cheias de equivocações, novos e improváveis itinerários terapêuticos que ampliam a noção de saúde até mesmo para os profissionais da área envolvidos. Neste processo, diversas transformações se produzem: na elaboração por atores indígenas dessas “novas” experiências de doença e dos horizontes de saúde possíveis; na concepção de saúde dos profissionais do DSEI; nas possibilidades de articulação e formulação das políticas de saúde mental para a população indígena; nas relações entre esses atores.
Percepções sobre saúde, adoecimento e cuidado entre prostitutas do Distrito Federal
Autoria: Ana Carolina Oliveira Costa, Sílvia Maria Ferreira Guimarães
Autoria: Existe uma concepção de saúde-doença que marca o modo de vida das prostitutas e faz uma associação simplória entre sua atividade e a existência de determinadas patologias. Tal concepção é pautada pelo modelo biomédico e não abrange a dimensão sociocultural, psicológica, subjetiva, nem tampouco quaisquer outros aspectos da vida dessas mulheres. Pensando nisso, é válido observar que existem determinantes estruturais que interferem diretamente no cuidado de si, nas concepções de saúde-adoecimento e na prevenção e promoção à saúde. Importante mencionar que prostitutas mesmo em contextos de precariedade e abandono se reinventam e desenvolvem diferentes estratégias de cuidado. Desse modo, esta investigação tem pretensões de problematizar e refletir os saberes criados e recriados por elas. Objetiva também compreender as suas próprias construções acerca dos conceitos de saúde-adoecimento no momento em que estão envolvidas no processo de cuidado de si. A partir do material etnográfico produzido ao longo de dois anos de mestrado, busco aqui recuperar cenas as quais representam os caminhos trilhados por prostitutas neste processo. Cabe ressaltar, que elas se utilizam de conhecimentos, para além do biomédico, que dão suporte a este cuidado. As estratégias de cuidado extrapolam o nível individual e se configuram em novas produções de conhecimento em saúde. Tais estratégias articulam-se como resposta a vulnerabilidade e configuram-se em uma forma de resistência.
Raizeiras e benzeiras: entre novas e velhas práticas
Autoria: Melina Soares Rodrigues
Autoria: Esta pesquisa diz respeito a minha dissertação de mestrado, ela reflete sobre pessoas, saberes e fazeres advindos de conhecimentos populares, exercidos em processos de cura e adoecimento. Tem por objetivo conhecer as práticas populares de benzimento e uso ervas a partir de pessoas que fazem atendimentos e dão cursos em duas regiões do centro-oeste distintas, Pirenópolis-Go e Brasília-DF. Por meio da convivência e entrevistas semiestruturadas, analisa as histórias de vida dessas terapeutas populares, buscando compreender seus processos terapêuticos e a rede de sociabilidade que se forma em torno desses cursos e atendimentos. Há uma conformação de três grupos de terapeutas, sendo a primeira, um casal de raizeiros, a segunda uma benzedeira que também é raizeira, ambos residentes em Pirenópolis-GO e um grupo de benzedeiras de Brasília, que atendem em uma Unidade Básica de Saúde. Utiliza-se a abordagem qualitativa como caminho metodológico. Possui também inspiração na etnografia. Reflito sobre saberes e práticas que, longe de estarem presas a algo do passado, estão em plena atividade na sociedade, sendo por ela constantemente remoldadas.
Religião, Xamanismo e o Tratamento das Doenças entre os Karipuna do Uaçá
Autoria: Laércio Fidelis Dias
Autoria: Para além de um organismo físico que oscila entre a saúde e a doença, o corpo humano agrega crenças, interpretações e significados socioculturais e religiosos acerca de sua estrutura e funcionamento. Num contexto sul-ameríndio brasileiro, onde há manifestações religiosas diferentes, bem como formas variadas de acesso ao sobrenatural, que papel teriam as crenças religiosas na seleção dos recursos terapêuticos? Historicamente católicos, a relação entre as crenças religiosas e o xamanismo foi descrita, entre Karipunas, como distintas e complementares no acesso ao sobrenatural, ainda que não haja fusões ou sincretismos e, obviamente, há algum conflito. Neste sentido, o tratamento das doenças e cuidados com a saúde, em sentido mais amplo, têm sido realizados através dos mais diversos meios, entre os quais se incluem tratamentos com remédios caseiros à base de ervas, xamãs, sopradores, benzedores e promessas a santos padroeiros disponíveis nas aldeias, e, os tratamentos oficiais encontrados nos hospitais e unidades básicas de saúde nas cidades. À luz dos textos de Max Weber que abordam a relação entre crenças religiosas e magia, pretende-se nesta comunicação pensar as mudanças de comportamento das famílias pentecostais e neo-pentecostais em relação à resolução de seus problemas de saúde. Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva que se vale de dados etnográficos colhidos em pesquisa de campo por meio de observação e entrevistas, feitas sob a orientação da “estratégia de amostragem de conveniência por saturação”, que considera o “princípio de saturação” no qual se percebe, após certo número de entrevistas, ter obtido a resposta necessária à pergunta devido ao acúmulo de opiniões que tendem a repetir-se. Os dados apontam que as famílias cristãs não-católicas tendem a se distanciar das práticas terapêuticas cuja eficácia possa ser atribuída a alguma divindade que não seja exclusivamente Deus.
“Ir ao terreiro quando não tem mais jeito ou consultar logo os búzios?” Encruzilhadas entre itinerários terapêuticos e candomblé
Autoria: Daniela Calvo
Autoria: Na tentativa de solucionar um problema de saúde ou um infortúnio, muitos doentes e seus familiares buscam - contemporaneamente ou em sucessão - diferentes agentes de cura, que incluem a biomedicina, terapias alternativas, medicinas populares, tradições esotéricas e religiões. Nos itinerários terapêuticos, nem sempre lineares, interpretações e estratégias diferenciadas (e, às vezes, contrastantes) se confrontam ao contato com diferentes especialistas, em parte substituindo-se umas às outras e em parte sobrepondo-se. O candomblé se insere na oferta de tratamento terapêutico, seja como meio para cuidar de problemas de origem espiritual, seja como acervo de conhecimentos médicos tradicionais africanos. Atende pessoas de diferentes camadas sociais e orientações religiosas, mas a maioria da clientela é constituída por pessoas que já pertencem ou frequentam uma religião de matriz africana. A visita a uma mãe ou um pai de santo para consultar o oráculo e pedir ajuda em resolver ou amenizar o problema de saúde é, para alguns, a primeira opção, mas, muitas vezes, é adiada mesmo quando a pessoa já conhece a relação da doença com os orixás ou pertence ao candomblé, recorrendo ao candomblé “quando não tem outro jeito”. As histórias de vida de algumas pessoas fazem sobressair caminhos tortuosos, em que a solução é encontrada no candomblé após conflitos pessoais e familiares e uma redefinição de si e dos próprios valores, ou após ter circulado entre hospitais, terapeutas holísticos, igrejas evangélicas, templos espíritas e terreiros de umbanda. Ao fim de investigar a experiência da doença e os itinerários terapêuticos, e de entender as racionalidades que subjazem as várias estratégias, analiso as narrativas de pessoas que pertencem ou frequentam o candomblé e que utilizam, para cuidar de si ou de outras pessoas, diferentes âmbitos terapêuticos quais: candomblé, umbanda, a biomedicina, medicinas populares, terapias holísticas e tradições esotéricas. Meu objetivo é analisar não somente os aspectos positivos - quais as escolhas, as ações e a construção de sentido - mas também os obstáculos, as evitações de certos caminhos e as contradições que sobressaem dos itinerários terapêuticos. As narrativas (recolhidas entre pessoas de diferentes terreiros) foram solicitadas através de entrevistas baseadas em um roteiro semi-estruturado ou surgiram de forma espontânea nas conversas ou no compartilhamento de momentos cotidianos ou rituais durante minha pesquisa de campo sobre tratamentos terapêuticos em um terreiro de candomblé no Rio de Janeiro.
“Mas e eles já têm os tratamentos pra isso?”: Os conhecimentos tradicionais e a Chikungunya e Zika em Pankararu
Autoria: Ana Letícia Beltrão Veras Rocha Lima
Autoria: Em meados de 2014 houve, em contexto nacional, um grande índice de Chikungunya e Zika, principalmente no estado de Pernambuco, mobilizando diversos setores na investigação destas novas doenças. Estes se configuram como casos que não receberam atenção para as demandas especiais, que é o caso da especificidade da Saúde Indígena, não havendo investigações que se voltem às comunidades indígenas brasileiras, apesar destas contarem com um grande índice de contaminações. Em Pankararu, grupo indígena localizado no sertão pernambucano, houve esse alto índice, inclusive, aldeias em que quase todas as pessoas tiveram uma dessas, conhecidas como, “arboviroses”. A nomenclatura “arbovirose” já afirma a transmissão através de artrópodes, por este motivo, esta já é conceitualmente negada por este work. Pois este work está baseado na Etnoepidemiologia, que irá tratar estas doenças como singulares em cada contexto que se proliferam, assim, a forma como se lida irá se modificar para se adequar a realidades encontradas, unindo aspectos ambientais, culturais, sociais e políticos. Assim, temos como objetivo compreender as visões Pankararu, sem impor as explicações biomédicas, mas sim valorizando as explicações locais a respeito de suas origens, causas e necessidades específicas. Apesar destas serem “novas doenças”, quando lidamos com contexto diferenciado de saúde, sabemos que existem “antigas explicações”, pautadas nas relações com as Forças Encantadas e na Ciência encontrada naquele território, capazes de explicar os mais diversos fenômenos. Na realidade Pankararu, há uma negação que estas doenças sejam transmitidas por mosquitos. Então, é fundamental compreender como se deu a chegadas destas doenças nas aldeias, as localizando em relação a tempo e espaço; compreendendo quais as doenças decorrentes; como se lida e se interpreta o mosquito neste contexto; assim como, registrando os conhecimentos tradicionais Pankararu utilizados para tratamento e proteção destas enfermidades e suas consequências. Como estamos interessados nos conhecimentos tradicionais, pautamos nossos diálogos com os detentores de saber Pankararu, como caciques, pajés, rezadeiras, parteiras, raizeiras e lideranças, além de pessoas, indicadas pela própria comunidade, que tiveram alguma destas doenças. A partir deste work, estamos conseguindo registrar a compreensão Tradicional Pankararu do que são a Chikungunya e a Zika, como elas chegaram até às aldeias, quais são suas causas e quais os métodos que podem ser utilizados para tratar e se proteger dessas enfermidades. Desta forma, pretendemos propor mais uma quebra da colonização de conhecimentos que ainda se efetua dentro das aldeias, demonstrando a importância de não apenas respeitar, mas, valorizar os conhecimentos tradicionais.
“O câncer não é mais o meu vilão”: estudo de caso sobre as narrativas em torno do câncer
Autoria: Nathália Caroline Dias
Autoria: Neste artigo, a proposta é compreender como as narrativas em torno do episódio do câncer caracterizam-se como um meio de conferir ordenação e sentido à doença. Para tanto, procedo a análise do estudo de um caso em particular, o da apresentadora de televisão Ana Furtada, que recentemente divulgou em suas redes socias estar em tratamento contra um câncer de mama. Como explica Susan Sontag (1984), desde o século passado, o câncer tem representado o papel de uma doença impiedosa e misteriosa. Este papel é acompanhado pela noção de que a doença é moralmente, senão literalmente, contagiosa. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar o “poder mágico” que seria atribuído ao próprio nome da doença, uma vez que no imaginário popular haveria o receio de se pronunciar a palavra “câncer” pelo medo de atrair ou de piorar o episódio da doença. Isto posto e tendo como referencial bibliográfico pesquisas sobre a relação entre antropologia e saúde, a experiência e a busca de sentido da doença, realizo a análise das narrativas de Ana Furtado sobre seu tratamento compartilhadas com seus seguidores em suas redes sociais.