Cinque Terre
GT 045. Moralidades, afetos e políticas: sobre e das relações de gênero entre indígenas
Patricia Carvalho Rosa (Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá) - Coordenador/a, Elizabeth de Paula Pissolato (Universidade Federal de Juiz de Fora) - Coordenador/a, Diógenes Egidio Cariaga (PPGAS/UFSC) - Debatedor/a, Suzana Cavalheiro de Jesus (Universidade Federal do Pampa) - Debatedor/a, Andréa Carvalho Mendes de Oliveira Castro (Universidade Federal do Paraná) - Debatedor/a
O GT pretende colocar em diálogo pesquisas que reflitam sobre os modos indígenas de elaboração e significação de suas noções de identidades de gênero e sexuais diante de suas existências híbridas quando observamos as escalas de mobilidades/trânsitos de referentes morais e éticos que passam a circular e constituir seus cotidianos. Estes referentes plurais têm conectado diferentes pontos de vista entre os coletivos ameríndios; nos modos como as narrativas sobre pessoa, corpo, parentesco não estão distantes de relações que envolvem distintos regimes de alteridade e relações de poder. Sob tais condições sempre plásticas e conjunturais de produzir gradientes relacionais, etnografias recentes conduzem nossos olhares às considerações dos fatores que contribuem para a heterogeneidade de experiências indígenas relativas às problemáticas de gênero que atravessam as estruturas simbólicas e práxis coletivas. Entre estes processos a afiliação religiosa, idade, escolarização, relações com o sistema de saúde, mobilidades e migração, gestão dos territórios, são fatores transversais que intersectam elementos culturais, históricos e políticos que cominam nas cosmopolíticas efeitos conceituais, de tradução, manejo das diferenças e experimentações de vivências diferenciadas. Esperamos reunir pesquisas que reflitam sobre os (re)posicionamentos dos entendimentos indígenas sobre os domínios, relações e agenciamentos masculinos e femininos e como estes vem vivenciando e significando estes processos.
Resumos submetidos
A Agonia do Parentesco: Feitiçaria e Fuga entre os Karitiana
Autoria: Andréa Carvalho Mendes de Oliveira Castro
Autoria: Os Karitiana são um povo de língua Tupi-Arikém, os únicos falantes, que habita a atual região de Rondônia. Somando cerca de 400 indivíduos, o grupo se encontra, hoje, dividido em cinco aldeias. Atualmente, os casamentos prescritivos e arranjados com a ZD e FZD caminham pari passu com sentimentos e aspirações pessoais de “casar com quem se gosta” e driblar o que chamam de “casar aforçada”. Cabe notar que utilizo a flexão de gênero aqui, pois apesar de o casamento arranjado afetar homens e mulheres de maneiras diferentes, o que pretendo explorar neste work é o quinhão que recai sobre as mulheres. Já visando o acordo matrimonial, num grupo no qual a virgindade assume valor absoluto, os namoros são fortemente proibidos. Contudo, eles existem secretamente. No mais das vezes, quando uma moça ou rapaz é prometido, eles já estão apaixonados e/ou envolvidos com alguém. Situação inelutável, resta apenas o sofrimento. A resistência da moça a casar com o prometido é entendida como normal, pois, de acordo com eles, ela acabará “se acostumando ao noivo/marido”. Por sua vez, a recusa é entendida como disruptiva da sociabilidade e inaceitável; ela terá de casar. Não fazê-lo causará imensa vergonha à sua família por não cumprir o acordo estabelecido por seu pai. Muitas vezes, a moça enfrenta os mal-dizeres, acusações e indisposições das parentas do novo marido, principalmente da sogra, a seu respeito e de sua família. Tais circunstâncias agravam o quadro de insatisfação feminina e aprofundam a tristeza já sentida por casar com quem não se quer. Nos casos em que o marido adoece ou morre, inevitavelmente virão as acusações de envenenamento pela esposa e suspeitas de feitiçaria, seja por ela ou por seu amado oculto. Para desespero e enfurecimento geral, recentemente, as mulheres mais novas têm adotado como estratégia, a fuga pós-marital. Pelo fato de que muitas das atuais uniões maritais entre pessoas mais jovens estejam infundidas pelos fatores acima expostos, a possibilidade de fuga se tornou uma ameaça generalizada que pende sobre a comunidade. Esse tipo de agência, a fuga, tem sido lida pelos adultos como “crime grande”, pois que coloca o grupo sob o risco de “acabar”. Absolutamente indignados com esse comportamento e na tentativa de coibi-lo, em 2016 fui chamada para auxiliá-los na formulação das “leis dos Karitiana”. Responsabilizando o convívio com os brancos, o “Estatuto da Criança e do Adolescente” e a possibilidade de acesso ao sistema jurídico nacional, os Karitiana tentam, desesperadamente, recuperar o controle sobre o feminino e com isso combater o que percebem como risco à sua existência.
A participação social e política de mulheres indígenas entre os Gavião das matas do Tocantins
Autoria: Ana Paula de Souza Fernandes
Autoria: O foco das pesquisas sobre organização política e seus agentes nas sociedades indígenas do Brasil varia conforme o grupo, área geográfica ou grau de contato com a sociedade nacional, versando sobre faccionalismo, atuação das chefias, as relações de poder com o Estado e organizações políticas indígenas. Contudo, são poucas as etnografias encontradas que estabelecem um recorte de gênero com objetivo de compreender o papel da mulher no cenário político, quer seja no âmbito de suas aldeias ou fora delas. De fato, apesar de muitas indígenas despontarem como lideranças a frente de importantes organizações – a exemplo de Sônia Guajajara – parece que existe pouco interesse por pesquisas em que o protagonismo esteja centrado na figura feminina. A impressão que passa é que o “poder” somente é entendido enquanto tal vinculado ao masculino, do contrário, o que explicaria a escassez de pesquisas sobre as questões simbólicas e os papéis de gênero nos grupos indígenas, uma vez que são estruturantes da organização social e da cosmologia? Neste sentido, o objetivo deste work é apresentar alguns resultados relacionados a minha pesquisa de mestrado, em andamento, cujo objetivo é compreender e refletir sobre a relação entre as experiências desempenhadas por mulheres e homens indígenas no passado e suas ligações com as práticas atuais nas quais mulheres desempenham a função de chefias e lideranças políticas, sem perder de vista a construção social destas relações e os modos pelos quais elas vivenciam estas experiências e as categorias que empregam para apreendê-las. O estudo está sendo realizado com três chefias do povo Gavião, residente da Terra Indígena Mãe Maria, município de Bom Jesus do Tocantins, estado do Pará, contudo, neste work, será dado enfoque na trajetória da liderança Kátia Gavião, cacique da aldeia Akrãtikatêjê. Os relatos fazem parte de entrevistas, conversas e observações de campo realizadas em diversos períodos - entre abril de 2017 e julho de 2018 - e que demonstram a efetiva participação dessas mulheres na organização política deste povo.
Amor e gênero nahua: um caso transviado
Autoria: Lucas da Costa Maciel
Autoria:

A pessoa kuilot, alguém que recusa a masculinidade e se torna um terceiro tipo de corpo num sistema de sexo/gênero binário, é continuamente vista pelos demais nahua como um ingrato, uma pessoa incapaz de produzir amor e de dar conta das expectativas do princípio de reciprocidade. Como todo ingrato, é concebido como um mau parente. Pouco a pouco, as relações de parentesco em que o kuilot participa, assumindo lugar de ego masculino, se veem desgastadas pela sua incapacidade de produzir amor, o que em termos nativos implica reprodução. No limite, o kuilot perde sua inscrição de parentesco e foge, deixando de pensar na sua família. Ou pelo menos é isso que homens e mulheres dizem sobre quem é kuilot. Já ele, diz que homens e mulheres são incapazes de amá-lo. Para o kuilot, ele produz e demanda um tipo de amor que diverge da versão heterossexualizada e assentada sobre o princípio de reprodução que produz a ortodoxia do parentesco nahua. Questionando os fundamentos da categoria nativa de amor, o kuilot coloca em cheque a necessidade da reprodução, produzindo uma abertura ontológica no mundo nahua que nos exige pensar o parentesco sem reprodução e para além do binarismo homem-mulher que, sob muitos olhares antropológicos, se assume como o fundamento do parentesco. Nesta comunicação, mapearemos o ponto de vista kuilot para argumentar que gênero e sexualidade são eixos que tocam e produzem versões de mundo e que exigem que tratemos de ver os fenômenos numa perspectiva prísmica (Strathern). Em especial, argumentaremos que uma teoria geral do parentesco que assume homens e mulheres como seu fundamento reproduz e legitima, em termos de etnografia nahua, uma visão ortodoxa que exclui o kuilot e o transforma num mau parente, quando esta percepção é apenas uma versão daquilo que entendemos como "cultura" nahua.

Caminhando junto: produção de cura, corpos e “caminhos” a partir das rezadeiras Pankararu
Autoria: Arianne Rayis Lovo
Autoria: Esse work busca investigar noções de corporalidade e mobilidade entre os Pankararu que se encontram na Terra Indígena Pankararu (TI Pankararu), em Pernambuco, e no Real Parque, em São Paulo, a partir das rezadeiras. Noções como “flechamento”, “dona-do-corpo” e “preparada” serão analisadas como categorias que nos informam sobre práticas de resguardo que podem orientar ou desestabilizar a vida da mulher e do grupo. Ao mesmo tempo, privilegiando o caminhar das rezadeiras que circulam nessas localidades, pretende-se investigar de que forma a mobilidade terapêutica coloca em relação diferentes elementos, como indígenas, não indígenas, Estado, “encantados”, cura, memória, saberes etc. Nesse sentido, essa pesquisa se insere nos debates acerca de processos de fabricação da pessoa, mobilidade e xamanismo entre os Pankararu, buscando compreender como as rezadeiras se apropriam desses lugares por onde circulam, bem como seus processos de cura, cuidado e produção de corpos.
Compor-se com outrxs: mulheres, doenças e outras 'mais do que metáforas' numa instituição de saúde indígena em São Paulo
Autoria: Valéria Mendonça de Macedo
Autoria: “Mais do que metáfora” é o modo como Donna Haraway formula a condição a um só tempo carnal e textual de corpos ou composições. A doença é uma delas, evidenciando relações que constituem e alteram um corpo, podendo decompô-lo e desafiando-o a novas composições. Esse é o ponto de partida do que espero compartilhar de minha experiência etnográfica em uma instituição federal que hospeda e acompanha indígenas de diferentes regiões do país que vêm a São Paulo para tratamentos de saúde. A ideia é tematizar não só a doença como um “compor-se com outrxs”, mas também a condição de mulher – ambas categorias vinculadas aos divisores “natureza x cultura” em práticas de conhecimento nessa instituição e nos hospitais que a ela se vinculam pelos itinerários terapêuticos de pacientes indígenas. Tais práticas de conhecimento, por sua vez, participam de agenciamentos mais amplos e heterogêneos, que busco acompanhar por meio de enredos, no duplo sentido de narrativa de uma sequência de ações e de participação em uma rede de relações. Espero trazer à cena modos como a condição de mulher, e diferentes premissas que a ela se vinculam, participa intensamente do agenciamento que constitui a doença na experiência de mulheres de diferentes povos que vêm a São Paulo para tratamento, como aquelas que vêm acompanhando um filho. Tais enredos incluem investidas sexuais de outros indígenas ou funcionários; contaminações e agressões xamânicas pelo compartilhamento de quartos, banheiros e refeitório com pessoas desconhecidas; repreensões, imposições e exposições de enfermeirxs, técnicxs e médicxs, incluindo exames e procedimentos laboratoriais e clínicos; proselitismo religioso de outrxs pacientes ou funcionárixs; entre muitas outras alteridades intra e entre corpos. Estar em São Paulo é estar entre muitxs, implicando vulnerabilidade, mas também aquisição de vínculos e capacidades - assim como ocorre no adoecimento. De modo análogo a minhas interlocutoras e interlocutores indígenas, para quem a doença é vivida como descontrole relacional e destotalização, mobilizando novas composições, tenho buscado incorporá-la como um imperativo metodológico de compor-me com outrxs.
Construção e Valorização da Identidade Indígena: a Presença Kaingang no Espaço Acadêmico
Autoria: Tatiane Motta da Costa e Silva, Cristiane Barbosa Soares - UNIPAMPA/RS. Suzana Cavalheiro de Jesus - UNIPAMPA/RS.
Autoria: Este work desenvolve-se a partir da problematização do processo educacional para a constituição das identidades dos sujeitos que transitam no ambiente universitário, com ênfase, na construção das identidades indígenas. Com o ingresso de seis acadêmicos e acadêmicas indígenas na Universidade Federal do Pampa, campus Uruguaiana, passou-se a ampliar as discussões quanto à temática indígena. Com o propósito de contribuir para essa discussão o Grupo de Pesquisa TUNA – Gênero, Educação e Diferença buscou, através de encontros quinzenais, buscou promover o estudo, o aprimoramento e a produção de conhecimento sobre as culturas indígenas. Os encontros proporcionaram aos/as acadêmicos/as o reconhecimento e legitimidade de suas identidades historicamente negadas na construção da sociedade brasileira.
Corpos-territórios kanhgág: políticas e violências de gênero a partir de uma perspectiva descolonizante
Autoria: Paola Andrade Gibram, Jaciele Nyg Kuita Fideles
Autoria: Este work, fruto de uma parceria entre uma pesquisadora kaingang e uma pesquisadora não-indígena, busca problematizar e trazer reflexões críticas a respeito de práticas cotidianas e formas de organização política contemporâneas entre os Kaingang, explorando questões de gênero de forma associada às históricas - e ainda presentes- imposições colonizadoras do Estado, que culminaram em transformações profundas no modo de ser indígena. Partindo da concepção de que o corpo kaingang é constantemente construído de forma relacional em seu território próprio e ancestral, propõe-se que os esbulhos territoriais sofridos ao longo dos últimos séculos não podem ser pensados de forma dissociada das violências imputadas aos corpos indígenas. Neste sentido, os estupros que hoje mancham a história do contato entre mulheres indígenas e homens fóg (não-indígenas), são percebidos como invasões e expropriações do corpo da mulher kaingang, assim como ocorreu com seus territórios. Por outro lado, entende-se aqui que a política indígena não pode ser concebida como algo destacado das percepções, olhares e posturas acerca da criação e construção do corpo e pensamento kaingang. Assim, ainda que as lideranças políticas kaingang sejam majoritariamente masculinas, a atuação das mulheres no plano político se dá de forma profunda desde tempos imemoriais, uma vez que são elas as principais responsáveis pela transmissão intergeracional de conhecimentos relativos à construção do corpo e dos modos de ser indígena, bem como da consolidação de vínculos e da constante construção de coletivos sociopolíticos a partir de suas redes relacionais e da criação em suas próprias casas ou núcleos familiares. As mulheres, portanto, seriam relacionadas ao sentido criativo da noção de “produção” – produção de corpos, pensamentos, vínculos, coletivos. Aos homens, caberia o plano da “ação”. Estas formulações do político, por sua vez, convergiriam com a concepção de mundo kaingang dualista, relacionando-se pela diferença, dinamicidade e transformação. Diante do apresentado, buscaremos neste work pensar, a partir de situações concretas do cotidiano e da percepção de mulheres kaingang envolvidas com o movimento indígena nacional – portanto, altamente atuantes no plano das mediações, lutas e diplomacias entre as políticas indígenas e não-indígenas-, diretrizes que poderiam contribuir para a construção de políticas públicas relativas às violências de gênero, destacando as especificidades necessárias para o mundo kaingang.
Do ponto de vista das mulheres: socialidade e agência femininas entre os/as Karo-Arara
Autoria: Júlia Otero dos Santos
Autoria: A presente comunicação é uma reflexão inicial sobre o que poderia ser uma descrição do social a partir do ponto de vista das mulheres. A inspiração vem de Belaunde (2006), para quem os mitos de Lua sobre a menstruação podem ser entendidos como a perspectiva feminina sobre a teoria da aliança. Se em muitas etnografias e teorias é a relação entre os homens que funda a sociedade – vide, por exemplo, a sociedade de caçadores gauyakis concebida por Clastres em “O arco e o cesto” –, busco esboçar que socialidade poderia ser imaginada a partir da agência feminina. Tendo em mente que a distinção entre domínio doméstico e domínio político diz respeito a tipos distintos de ação e de engajamento em relações, e não a esferas mais ou menos “sociais” (cf. Strathern 1988), a ideia é, de um lado, demonstrar como as capacidades agentivas (cf. McCallum 1999) das mulheres Karo-Arara, manifestas no cotidiano e em um ritual feminino, são imprescindíveis para a perpetuação do parentesco e para o agenciamento da alteridade (de espíritos e animais). De outro lado, busca-se compreender como uma recusa por parte de mulheres mais jovens de fazer um pai para seus filhos bem como transformações nas escolhas matrimoniais feitas por algumas mulheres, que optam por casar com brancos ou indígenas de outras etnias, são potencialmente perigosas para a reprodução do parentesco e geram incertezas, especialmente entre homens e mulheres mais velhos, quanto à continuidade social dos Karo-Arara
Entre dualidades: o protagonismo de mulheres indígenas e o xamanismo
Autoria: Josiane Abrunhosa da Silva Ulrich
Autoria:

O work a ser apresentado é parte da pesquisa que desenvolvo no Programa de Doutorado em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas (UFpel), sobre as sociocosmologias Mbyá Guarani e as conexões com as relações de gênero e o xamanismo. A intenção é refletir sobre os domínios protagonizados pelas mulheres indígenas que exercem uma ascendência de liderança em suas aldeias e na interlocução com diferentes grupos da sociedade de forma a tematizar o pensamento ameríndio com atenção para as configurações do masculino e do feminino, as suas transformações e dos significados agregados nas lutas pela manutenção e reconhecimento de territórios indígenas. Tendo em vista o desenvolvimento da pesquisa e a análise das narrativas de mulheres xamãs, busco problematizar os complexos desdobramentos das potencialidades do pensamento mitológico no contexto contemporâneo. O propósito é situar alguns questionamentos a partir da experiência etnográfica entre os Mbyá com objetivo de ampliar futuras possibilidades analíticas para a pesquisa.

Gênero e política entre os Tukano do alto Rio Negro: um olhar a partir de trajetórias femininas.
Autoria: Melissa Santana de Oliveira, GERALDO LUCIANO ANDRELLO MELISSA SANTANA DE OLIVEIRA
Autoria:

Nesta apresentação iremos tematizar questões de gênero e política entre os grupos Tukano do alto rio negro, Noroeste Amazônico, através da análise de narrativas de duas mulheres de diferentes gerações, que em momentos históricos diferentes e de modos distintos, marcaram sua presença no contexto de relações comunitárias e intercomunitárias no rio Uaupés e seus afluentes: 1) Dona Caridad, reconhecida como grande liderança no rio Papuri nos anos 30 e 40, e “que fazia coisas como homem”: deixou de casar para desempenhar o papel fundamental de perpetuação de seu clã, Ye’pârã-oâkapea, que estava em perigo de desaparecer, tornando-se chefe e organizando rituais de dabucuri. 2) Cecilia Maia, Oye porã, que estudou no internato de Monfort, lado colombiano do Uaupés, quando criança nos anos 40, e que após o casamento teve a trajetória marcada pela recorrente mudança de local de residência, devido a conflitos de seu esposo com parentes. À análise das trajetórias destas mulheres, serão contrapostas trajetórias de outras mulheres que, à primeira vista podem ser consideradas convencionais para os grupos Tukano Orientais (possuem cônjuges de grupos exogâmicos previstos, residem na comunidade do esposo e tem como principal atividade o trabalham em suas roças), mas que também revelam certas peculiaridades. A partir dessas contraposições iremos problematizar noções predominantes na literatura Tukano: a equação masculino:público:política:: feminino:privado:doméstico e as nuances da própria noção de patrilinearidade, especialmente em relação a transmissão de conhecimentos e sucessão de funções.

LGBT Indígena no Ciberespaço como campo de disputas discursivas
Autoria: Kananda Lopes Silveira, Ingrid Luize Brasil Lima, Estevão Rafael Fernandes (Universidade Federal de Rondônia)
Autoria: Esta pesquisa se deu no sentido de abordar o universo LGBT indígena desde conjuntos de interações no ciberespaço (sobretudo em redes sociais, mas não somente). Como indica Fernandes (2018), “assumir-se como homossexual e indígena é, de alguma forma, contrapor-se ao modelo hegemônico (ocidental, cristão, moderno, ‘normal’) de sexualidade”. Desta forma, buscou-se aqui perceber como diversos feixes discursivos desde os quais xs indígenas permanentemente (re)elaboram e (res)significam seus lugares de enunciação referentes à sua sexualidade e gênero, em relação a noções como etnicidade e identidade, por exemplo. Utilizou-se como metodologia, além da pesquisa bibliográfica, etnografia virtual em sítios como facebook e youtube, bem como reportagens e comentários em diversas plataformas. O que se percebe são essas redes operando como caixas de ressonância de disputas não apenas em torno de categorias de gênero, mas também étnicas – operando em conjunto com categorias como “tradição”, “legitimidade” e “ancestralidade”.
Lugares morais das mulheres na exogamia linguística das sociedades tucano no Vaupés – Alto Rio Negro
Autoria: Maria Rossi Idarraga
Autoria: Entre os povos indígenas de línguas tukano no noroeste amazónico, entre os critérios mais estudados para entender o sistema e para falar das diferenciações entre grupos étnicos e familiares, estão a exogamia linguística, a patrilinearidade da descendência e a patrilocalidade da residência, todos eles como modelo de parentesco. Entre as análises mais conhecidas da região há um certo acordo nas representações das mulheres como estrangeiras diante os grupos dos seus maridos e filhos, nos quais passariam a maior parte da sua vida. E como ausentes diante sua família paterna, da qual saem ainda jovens, para casar e ter filhos com outro grupo. As representações delas como estrangeiras se acompanham de lugares morais de desconfiança e suspeita (narradas como trapaceiras ou como não atuando pelos interesses coletivos); de uma tematização negativa do poder feminino; e de um representação da sexualidade feminina como potencialmente perigosa para os homens e como parte de um conjunto de comportamentos moralmente negativo. Isto inclui que a solidariedade masculina é construída em oposição a elas, já que sendo todas estrangeiras, representam um risco para a unidade entre os homens (Hugh Jones, 201; Jackson 1968 1970, 1988; Chernela 1984). Recuperando discussões sobre troca de mulheres (Rubin, 2011) cabe se perguntar pela função da ideia de reciprocidade e de dádiva, num cenário em que o roubo faz parte das possibilidades; quer dizer, onde conseguir uma mulher tem valor, inclusive se com isto não se criam ou correspondem vínculos com outros homens. Com isto, levo a pergunta para os vínculos das mulheres: Se uma mulher doada é o meio para a construção de parentesco e de sociedade, o que é uma mulher roubada? Se não foge (inclusive se não foge porque não quer), quem são seus parentes? Quem lhe deve reciprocidade? Que coletividade pode acolher esta mulher? E, quem a reconhece como igual? No esquema de grupos de filiação patrilinear, inclusive seus filhos e filhas, não a reconhecerão como membro do mesmo grupo. Qual é seu lugar social então? Ou parafraseando a Jackson (2001, p. 385): “como um grupo social que exclui às mães, conjugues e filhos das irmãs de todos seus membros, poderia ser chamado “cultura”, “tribo” ou “grupo étnico”?”. Dentro desses critérios estou propondo pensar que os limites da diferenciação étnica, estão nas mulheres e na sua posição encarnando alianças entre grupos que se diferenciam. Com esta premissa, analiso as consequências das articulações de moralidade, gênero e etnicidade. Pergunto: que consequências têm localizar a traição como condição das possibilidades de solidariedade feminina? Quem trai e quem é traído? Como são definidas lealdades e pertencimentos? Qual é o lugar de alguém que não pode exercer lealdade com ninguém?
Mulheres Indígenas em Movimento: Um Olhar Sobre o Protagonismo das Mulheres Jenipapo-kanindé, Aquiraz-CE
Autoria: Regilene Alves Vieira
Autoria:

Assistimos na contemporaneidade os debates sobre gênero ocuparem lugar importante na Antropologia, tendo em vista, uma maior preocupação em trazer esses debates para todos os setores da sociedade, destacando principalmente, os meios educacionais. Isso não se deu de forma aleatória, muito pelo contrário, se atualmente existe uma maior preocupação em discutir gênero nos espaços educacionais, de pensar políticas públicas voltadas para a questão de gênero, de existir leis especificas que “protegem” as mulheres, é porque as mulheres negras, trans, lésbicas, periféricas, indígenas, quilombolas, dentre outras, no decorrer da história lutaram e resistiram forjando seus protagonismos em sociedades patriarcais, tornando possível para as gerações futuras maior liberdade ao falarem das problemáticas que afetam os corpos femininos e também de evidenciar as trajetórias, protagonismos e as lutas das mulheres para garantir maior visibilidade. Em contrapartida, apesar dos debates de gênero terem se fortificado nos últimos tempos com uma perspectiva que contempla a diversidade de feminismos e demandas específicas por políticas públicas, percebe-se ainda uma certa invisibilidade das mulheres indígenas nestes debates e na produção acadêmica, principalmente no Nordeste. Nesse sentido, O work objetiva refletir sobre a questão de gênero no contexto dos povos indígenas, especificamente no contexto da etnia Jenipapo-Kanindé, localizada no Munícipio de Aquiraz-CE, onde buscou-se perceber a atuação da Mulheres Jenipapo-Kanindé em uma festa importante para seu povo, intitulada “Marco Vivo”, apresentando um olhar sobre o protagonismo dessas mulheres no espaço público. Para dar conta deste intento a metodologia consistiu na observação-participante da festa.

Mulheres indígenas Palikur: À procura de concepções de gênero não convencionais
Autoria: Tadeu Lopes Machado
Autoria:

O gênero como construção social é manipulado de acordo com as previsões locais em que se estrutura, portanto, ele é modelado e remodelado a partir das práticas e convenções internas do coletivo a que os indivíduos estão inseridos. Entretanto, o gênero enquanto categoria de estudo foi constituído a partir das apreensões ocidentais da ciência, tendo pouco espaço para sua compreensão a partir de outras possibilidades epistemológicas. A proposta do presente work se alinha à possibilidade de compreender a construção social do gênero feminino entre o povo indígena Palikur, localizado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, município de Oiapoque, Estado do Amapá. As mulheres indígenas Palikur que se encontram nessa região da fronteira franco-brasileira estão em constante trânsito entre a Terra Indígena Uaçá, no Oiapoque, e as villages localizadas no território francês, próximo às cidades de Caiena e Saint Georg, e consideram esse lugar como território de seus ancestrais, onde o povo Palikur historicamente mantém sua resistência, juntamente com outros três povos indígenas. Portanto, o trânsito contínuo pela região, estabelecendo alianças e contatos com diversos agentes indígenas e não indígenas, a influência do cristianismo, as tramas culturais que historicamente desenvolvem são aspectos elementares para a construção e agência do gênero dos indivíduos pertencentes a esse povo. Reconhece-se que o estudo de mulheres indígenas ainda é um tema que carece profunda reflexão no campo das ciências sociais, e isso é reflexo da própria constituição do pensamento social na antropologia, construído com bases teóricas ocidentais, que reservou destaque limitado ao protagonismo feminino e ao estudo de gênero de acordo com as convenções não-ocidentais. Portanto, pretende-se com esse work produzir uma etnografia que colabore com os estudos de mulheres indígenas, entendendo que as relações sociais que são criadas e sustentadas não podem ser naturalizadas, como se tornou recorrente descrever. Essa discussão faz parte de meu projeto de doutorado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Pará que está em andamento, e busca descrever etnograficamente que as mulheres, além de ter forte participação na construção social de seu povo, também devem ser entendidas a partir de seu contexto localizado, desconstruindo suas características homogeneizantes elaboradas e sustentadas pela situação de colonialismo a que foram/são submetidas e que aprendemos a aceitar comum.

Notas etnográficas sobre algumas demarcações de gênero entre os Yanomami: um estudo sobre a associação de Mulheres Kumirãyõma
Autoria: Maryelle Inacia Morais Ferreira
Autoria:

A análise que trago neste resumo é resultado da pesquisa realizada durante o mestrado com a Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma. A associação foi criada em 2015 no contexto interétnico da política indígena Yanomami da região Maturacá, São Gabriel da Cachoeira Estado do Amazonas. É possível notar como mulheres e homens Yanomami demarcam suas diferenças de gênero através de duas associações indígenas que configuram a política indígena da região. A AMIK representa um elemento de reconfiguração do espaço das mulheres, valorizando-as na articulação política. Uma vez que a associação é fruto do contato interétnico, ela proporciona uma valorização, articulando o contexto cultural das aldeias Yanonami com o contexto mercadológico da sociedade nacional. Durante a pesquisa de campo foi possível perceber que havia uma demarcação de diferenças entre as duas associações, a AMIK das mulheres e a AYRCA. Pude entender, então, tratava-se de um reflexo da maneira como se configura as relações de gênero entre os Yanonami, que não são oposições entre agências masculinas e femininas, mas sim estratégias de diferenciação, reflexo da maneira como homens e mulheres agenciam seus posicionamentos de forma ritualística e social. Os papéis de gênero não são excludentes, definidos a principio por si só, por exemplo, mas sim configuram as diferenças que devem existir entre eles durante o próprio processo da relação. Não seria, pois, uma questão de posicionamentos antagônicos entre mulheres e homens disputando um mesmo espaço político indígena e indigenista, nem mesmo o caso de oposição entre AMYK e AYRCA, lutando cada uma por sua visibilidade. As críticas de ambos os lados têm muito mais a ver com maneira pela qual as relações entre mulheres e homens são tecidas no cotidiano e, principalmente, em suas posições durante eventos coletivos considerados tradicionais, como a cerimônia fúnebre. É considerável que haja um caráter de igualdade entre os dois gêneros mesmo que em situações disputa, os domínios masculinos e femininos não se excluem, apenas há uma preponderância de uns ou outros determinados agentes/as. Contudo, dizer que o posicionamento assumido pelas mulheres Yanonami na associação é complementar à atuação masculina exercida na AYRCA seria apagar os anseios femininos de construir uma política que se diferencie daquela que vem sendo feita pela AYRCA. O espaço político não é necessariamente masculino e, segundo, as mulheres possuem anseios próprios na construção de suas políticas e, portanto, se não fosse levado em consideração estes dois pontos seria ignorar os esforços das mulheres Yanonami em afirmar um campo consolidado de posicionamentos das reivindicações femininas.

O gênero da política: transformações do xamanismo e da chefia no Alto Xingu
Autoria: Antonio Roberto Guerreiro Júnior
Autoria: O objetivo desta comunicação é discutir algumas das transformações em curso nas formas alto-xinguanas de ação política, ligadas ao crescente envolvimento de mulheres no movimento indígena regional e à ampliação de seus espaços de participação política. Apesar da existência de figuras políticas femininas de destaque, como chefes e xamãs, tradicionalmente existirem no Alto Xingu, elas não receberam praticamente nenhuma atenção na literatura regional. No contexto atual de crescente envolvimento com as cidades e o modo de vida citadino, os lugares ocupados por estas pessoas têm se transformado, reconfigurando algumas das relações entre lideranças masculinas e femininas. Enquanto os homens passam cada vez mais tempo nas cidades ou em atividades do movimento indígena e da política indigenista (reuniões, assembleias, fóruns, conferências etc.), chefes e xamãs mulheres têm passado a ocupar lugares de maior destaque. Com tais reconfigurações, os espaços de participação política das mulheres vêm ampliando e se diversificando, produzindo reflexões críticas sobre o modo como têm se desenrolado suas relações com o mundo não indígena e com os homens. Enquanto alguns participantes homens do movimento indígena argumentam a favor da ampliação da participação de mulheres nas associações já existentes, muitas mulheres vêm enfatizando a importância de se ter organizações especificamente femininas, em parte pelas críticas que dirigem às relações dos homens com os brancos, mas também por entenderem que a troca e a produção, relações baseadas na diferença de gênero, podem ser estratégias políticas mais interessantes que a lógica da representação que caracterizaria a maioria das associações. A partir da exposição de algumas situações etnográficas, discutirei como questões e tensões em torno das relações de gênero caracterizam um cenário político em rápida transformação, e como isso tem criado novas possibilidades de ação política em uma escala multiétnica.
Plêiades e rios de leite: um estudo comparativo de perspectivas de gênero nas etnografias do noroeste amazônico
Autoria: Maria Bonome Pederneiras Barbosa
Autoria:

Na década de 1960, os antropólogos Stephen Hugh-Jones e Christine Hugh-Jones realizaram juntos um work de campo entre os Barasana, povos Tukano Ocidental do noroeste amazônico. Diante de um sistema no qual a divisão do work é estritamente sexual, o casal (ambos alunos de Edmund Leach) se viu separado durante quase todas as atividades que engajavam, levando-os, em seus respectivos livros (The Palm and the Pleiades: Initiation and Cosmology in Northwest Amazonia e From the Milk River: spatial and temporal processes in Northwest Amazonia), a elaborar descrições de diferentes perspectivas de gênero sobre o universo sócio-cosmológico dos Barasana. Tendo em vista a oportunidade de confrontar tais perspectivas de gênero, pretendo neste work analisar comparativamente estas duas etnografias a fim de lançar luz sobre as relações de generificação a partir, sobretudo, do parentesco e das divisões do work, assim como entender suas implicações na construção de corpos (humanos e não-humanos) e nas configurações socio-cosmológicas descritas. Proponho também trazer para o debate outras etnografias do noroeste amazônico, através das quais espero encontrar caminhos para compreender melhor os movimentos, especialmente, de mulheres indígenas que têm se destacado na região e suas implicações na estrutura de casamento exógamo e virilocal característica dos povos Tukano. Em outras palavras, pergunto-me como é possível que, em um sistema de parentesco que a princípio estabelece uma desarticulação de mulheres (uma vez que estas saem de suas casas para se casarem em grupos de língua diferente da sua), emerjam movimentos nos quais essas mulheres se reúnem e criam associações indígenas e que hoje têm força relevante na região do Rio Negro? Busco entender ainda quais os efeitos deste movimento das mulheres – que passam muitas vezes a assumir posições de liderança, ou partem para as cidades onde assumem outras posições no mercado de work ‘branco’ – na própria estrutura do parentesco tendo em vista casamentos com brancos e a formação de novas comunidades de liderança feminina. Por fim, espero com esse exercício comparativo levantar pontos sobre a relevância de uma perspectiva de gênero para a análise do parentesco (já apontados por diversos etnólogos e etnólogas tais como Joanna Overing, Christiane Lasmar e a própria Christine Hugh-Jones), e, inclusive, para a percepção dessas movimentações femininas dentro de um sistema que, sob uma perspectiva masculina, estariam obliteradas – o que leva à questão que conduz este work, a saber, as formas de articulação das mulheres em tal contexto.

VI Kuñangue Aty Guasu: comentários sobre uma ação política ameríndia residual, mas irredutível.
Autoria: Aline Domingos Corrêa
Autoria: Esse artigo se propõe a trabalhar com algumas das complexidades que abarcam os fenômenos da temática indígena, em Mato Grosso do Sul. Pretende-se com este, entender o papel dos territórios na vida cotidiana dos povos Kaiowá e Guarani e perceber como esta ligação com a terra atravessa e é atravessada pela construção da ação política e das narrativas das lideranças femininas Kaiowá e Guarani. Entende-se que os sentidos dados a territorialização são permeados por diversos marcadores sociais tais como o sagrado, o poder, as relações interétnicas e, também, pelo gênero. As reflexões realizadas neste artigo partem da assembléia das mulheres indígenas: a VI Kuñangue Aty Guasu - mobilização promovida por várias lideranças (mulheres, homens, jovens) Guarani e Kaiowá. A assembléia, durou 5 dias, com a programação oficial entre do dia 10 até o dia 14 de julho de 2018. O encontro das comunidades indígenas ocorreu na aldeia de Amambai, no município de Amambai, em Mato Grosso do Sul. Enfoca-se mapear alguns apontamentos para a pesquisa que vem sendo realizada sobre o papel da ação política construída pelas mulheres Kaiowá e Guarani, nos processos de demarcação e reocupação dos territórios; evidencia-se, especialmente, as ações de enfrentamento aos constantes ataques direcionados, via poder público, aos direitos originários desses povos.