Cinque Terre
GT 015. Antropologia das Mobilidades Contemporâneas
André Dumans Guedes (GSO/UFF) - Coordenador/a, Candice Vidal e Souza (PUC Minas) - Coordenador/a, Luzimar Paulo Pereira (Universidade Federal de Juiz de Fora) - Debatedor/a
Este grupo de trabalho pretende abrigar pesquisas que tenham as mobilidades como objeto etnográfico. Buscamos dialogar com trabalhos que abordem as formas e significados de experiências, práticas e representações diversas sobre o deslocamento, em diferentes contextos socioespaciais e temporais. Para tal fim, sugerimos que os trabalhos tratem de uma ou mais das seguintes questões: 1) as formas de mobilidade ou deslocamento cotidiano, seus arranjos espaço-temporais característicos e sua relação com formas de organização de coletivos, identidades e institucionalidades; 2) as diferenças nos deslocamentos (ou nas imobilidades) pensadas em suas relações com as capacidades diferenciais dos sujeitos de se mover e ter acesso ao mundo, em razão de situações de classe, gênero, localização, etnia, idade ou valores religiosos e morais; 3) as propostas e reflexões metodológicas para o estudo de sujeitos em movimento. As mobilidades em questão podem situar-se no interior de áreas urbanas, rurais ou naturais; ou “entre” tais espaços. Nesse sentido, buscaremos orientar nossa discussão coletiva pelo diálogo com aquelas reflexões pioneiras sobre o tema surgidas dos estudos sobre o campesinato brasileiro. O que há de particularmente inspirador nestes estudos, balizando aqui nossa discussão, é a estratégia de analisar as múltiplas formas e modalidades de movimento conjuntamente com a diversidade de vocabulários, linguagens e formas narrativas de que se servem aqueles em deslocamento.
Resumos submetidos
"Saber andar numa folia": deslocamentos festivos em Urucuia, MG
Autoria: Luzimar Paulo Pereira
Autoria: No município de Urucuia e entorno, no Norte de Minas Gerais, o vocábulo "folia" evoca a realização de longos deslocamentos festivos, quando grupos de cantadores e instrumentistas visitam, durante um período de tempo determinado pelo calendário religioso, as casas, as fazendas, os cemitérios e as igrejas de um território previamente estabelecido. As jornadas são conhecidas como "giros". Neles os grupos se deslocam para coletar oferendas necessárias e obrigatórias ao custeio de uma reza a ser realizada no dia dedicado ao santo homenageado. Em troca do que é recolhido, os cantadores e tocadores distribuem bênçãos aos doadores, além de auxiliá-los no cumprimento de suas promessas e contribuindo para que almoços, jantares e bailes sejam oferecidos em suas passagens. O giro pode ser descrito como um modo singular de se fazer uma festa, expresso numa frase muitas vezes ouvida durante sua realização: “Para sair no giro, tem que saber andar na folia”. A expressão “saber andar na folia” indica que a festa exige de seus participantes o domínio de uma espécie de retórica da caminhada: uma arte do deslocamento que evoca estilos e usos, que delineia singularidades ao mesmo tempo em que faz referência a determinadas regras de ação. Num primeiro momento, “saber andar na folia” delineia o próprio gesto de se deslocar entre e através de lugares: por onde andar, quando, seguindo qual rumo e que orientação? Num sentido amplo, “saber andar na folia” também implica modos de se comportar, de se vestir, de executar certas etiquetas relativas ao visitar, receber convidados etc. Nessa apresentação, pretendo explorar etnograficamente a ideia de que, sendo uma festa em movimento, a folia também precisa ocorrer com a estabilização de certas normas e estratégias de movimentação. Atualizadas nas práticas de se fazer o giro ou sujeitas a diversos imponderáveis observados durante as festas, a estabilização de normas e estratégias de deslocamento contribuem para unificar e/ou distinguir grupos e devotos.
A transnacionalização pentecostal da igreja BRASA Batista através de seus missionários: uma etnografia sobre as formas, significados e estratégias de seus missionários para imigrarem para a Europa.
Autoria: Mariana Reinisch Picolotto
Autoria: Muitos estudos têm se dedicado a compreensão da mobilidade, dos significados e representações de imigrantes e refugiados. Porém, poucos estudos analisam o missionário enquanto imigrante. Em muitos casos, como é o caso dos missionários da igreja Brasa Batista, uma igreja pentecostal porto alegrense, o missionário quando viaja para a Europa, ele entra no país como turista, estudante e depois tenta um visto de permanência. Dessa forma, para o Estado-nação que o recebe ele é um imigrante, e não um missionário. Contudo, para ele e para sua igreja ele é um missionário. Ele depende das leis de imigração para se estabelecer no país de recebimento, e ele depende do apoio da igreja para se manter lá. Assim, este work se propõe a analisar os significados, as práticas e representações do deslocamento dos missionários para além de fronteiras nacionais, com principal ênfase na imigração para o continente Europeu; Pretendo também, analisar as motivações para igreja investir no work missionário e principalmente procuro compreender quais os significados atribuídos pelo missionário imigrante para deslocar-se, as suas motivações para se transnacionalizar e suas estratégias de inserção em uma nova cultura. A igreja BRASA Batista tem desde sua fundação incentivado a mobilidade de seus membros para outras nações através do work missionário. Recentemente, a igreja tem incentivado que estudantes acadêmicos que queiram estudar em universidades no exterior, aproveitam essa oportunidade para fazer work missionário e para membros já profissionais que busquem oportunidades de work em outros países. Para realizar esta pesquisa utilizei a metodologia qualitativa que contempla a etnografia, entrevistas semi-estruturada e observação participante.
As viagens de Modlin
Autoria: Felipe Evangelista Andrade Silva
Autoria: No presente work, proponho-me a seguir viagens feitas por Madame Modlin, uma mulher que se dedicou ao comércio por parte importante de sua vida, e que por esse motivo circulou entre diferentes comunas e províncias no Haiti e na República Dominicana (RD). Moradora da zona fronteiriça entre os dois países, Modlin participou, em momentos distintos, do comércio de víveres voltado ao consumo interno no Haiti (ao qual se dedicam várias de suas vizinhas e amigas, e que hoje ela considera fortemente desvantajoso, por exigir esforços imensos em troca de recompensas pífias), do comércio de pèpè (bens industrializados de segunda mão, especialmente roupas, calçados, bolsas e mochilas) trazidos do Haiti para venda na RD, e ainda do contrabando de outras mercadorias, tanto de procedência dominicana rumo ao Haiti quanto vice-versa. Cada comerciante desbrava e estabelece suas rotas por sua própria conta, rotas de uma maleabilidade notável, com rápida adaptação a novos eventos. Nos interessa observar as condições empíricas de circulação, ressaltando a importância da construção e deterioração de caminhos e estradas, bem como os modos de compartilhamento de informações sobre suas aberturas e bloqueios, os perigos e empecilhos próprios a cada rota, para compreender quem pode passar por onde e quando, e em que condições se pode permanecer. Por fim, sugiro uma crítica etnográfica à associação romântica entre movimento e liberdade, mostrando que o vaivém constante pode ser experimentado como algo duro, obrigatório e indesejável.
Bandeiras, pessoas e "causos" em circulação: notas sobre o movimento e o território durante a Folia do Divino
Autoria: Karina da Silva Coelho
Autoria: Neste artigo apresento a circulação de bandeiras, pessoas e palavras durante o período da Folia do Divino Espírito Santo entre vilas insulares e continentais na divisa do litoral paranaense e paulista. Trata-se de um território em constante movimento, no qual as dinâmicas territoriais são estabelecidas e mediadas pelos deslocamentos dos moradores entre baías e canais e pelo próprio movimento desse ambiente, através das marés e ventos. Família, festas, fé e work são as principais expressões que motivam o deslocamento por um território que não se limita a um lugar geográfico, mas a um lugar existencial. Neste artigo tomo como ponto de partida a peregrinação da Folia do Divino a fim de pensar sobre a circulação de pessoas, seguindo as bandeiras; e a circulação de palavras, através dos "causos" contados durante o "café gordo", como uma expressividade que faz o território. No período em que a Folia e sua tripulação percorrem a região, os deslocamentos dos moradores são intensificados. Esse trânsito dos moradores acompanhando as bandeiras é um modo de produzir contiguidade entre famílias e vilas separadas pelo mar. Do mesmo modo que produz movimento entre vilas, a Folia suspende o movimento dos moradores para fora de sua vila quando as bandeiras chegam no porto. É tempo de receber a visita do Divino. Pretendo pensar os "causos" contados durante esse período como forma narrativa que constitui uma memória comum sobre o território, conectando pessoas, lugares, casas, tempos e memórias. A partir da circulação de palavras e de pessoas ao longo da Folia do Divino, busco descrever o movimento como prática de conhecimento entrelaçada pela família e pelo território.
Botar e mexer, entrar e sair: notas sobre movimentos e cercamentos no Litoral do Piauí
Autoria: Francisco Raphael Cruz Mauricio
Autoria:

Botar, mexer, entrar, sair, ficar cercado, a gente parou, a gente não consegue fluir. Essas palavras e expressões foram usadas pelos moradores da Pedra do Sal, povoado do Litoral do Piauí, para descrever situações vividas por eles na última década quando da instalação no lugar de projetos econômicos diversos, em especial os de geração de energia eólica. Esse vocabulário remete a temas que são abordados em estudos de populações camponesas e tradicionais tais como “deslocamento compulsório”, “desterritorialização” e “enclousures”. A pesquisa realizada com os moradores entre os anos de 2015 e 2017, indicou que na convivência com grandes projetos econômicos está a funcionar mais do que o cercamento de terras e a expropriação de recursos naturais, operando também o cercamento de pessoas e os seus movimentos cotidianos. É num presente percebido como cerco e perseguição do morador, que o passado é narrado como um viver liberto porque sem restrição a mobilidade pelo território, revelando ao observador como os movimentos através da praia, da mata, do igarapé e do mangue são parte da territorialidade daquela gente. É nesse presente também que algumas práticas como cortar cercas, negociar acessos e pescar na área do empreendimento atualizam aquela mobilidade identificada com o passado. Essa reflexão é parte de minha tese de doutorado em sociologia dedicada a compreender a construção da territorialidade dos moradores da Pedra do Sal através de suas interações com diversos agentes ao longo do tempo.

Capitães de Areia: Um estudo sobre malucos de estrada no litoral oeste cearense
Autoria: Rafael Cavalcante de Lima
Autoria: Este work é parte da minha pesquisa de Mestrado com uma discussão atualizada. A pesquisa desenvolveu uma interpretação sociológica e antropológica dos fenômenos sociais observados nas interações sociais e culturais na vila de Caiçara de Baixo próxima a praia de Jericoacoara, que se tornou povoada por viajantes artesãos (os malucos de estrada) que trabalham com a venda de artesanatos para os turistas da região. A vila passou a ser palco de eventos sociais bastante peculiares, nos quais foram descritos e analisados através de uma etnografia do local, dos agentes e de suas interações sociais. O atual work se concentrou mais nas dinâmicas relacionadas aos viajantes de estrada ou malucos de estrada, nas suas perspectivas de vida, códigos implícitos e explícitos de comportamento e sociabilidade, assim como na sua inserção em vilas turísticas em processo intenso de fluxos internacionais e multiculturais. Utilizei o termo Capitães de Areia, por fazer um paralelo do estilo de vida do viajante de estrada com os dos garotos de rua (ou do cais do porto) descritos no romance Capitães de Areia de Jorge Amado. No caso dos viajantes, diferente dos meninos do romance, as fronteiras do insider (o trabalhador) e do outsider (o marginal), não parecem estarem bem definidas e são híbridas. Tal work fora impulsionado por temáticas como: fluxos migratórios, turismo, transformações culturais, globalização e o desenvolvimento da pós-modernidade neste cenário relacional tomado como pano de fundo antropológico. Utilizei a observação participante, o método etnográfico, com descrição de eventos, entrevistas abertas e descrição da localidade e de Jericoacoara. Trabalhei com dados do IBGE, SEMACE e IBAMA (ICMBio), para complementar as descrições. Em relação a teoria, foram utilizados A. Giddens, S. Ortner, P. Bourdieu, C. Geertz, porém também as temáticas pesquisadas por S. Hall de multiculturalismo e diáspora, e de H. Becker sobre os Outsiders. Cheguei a vários resultados, como a crescente especulação imobiliária, a transformação da alimentação e das moradias, com o contato multicultural entre nativos e moradores vindos de fora, e o aumento do fluxo migratório causado pelas redes de interdependência de nativos que passaram a migrar para Fortaleza e São Paulo. A dinâmica do turismo internacional impulsionou a migração do estrangeiro para a localidade, como do local para a metrópole. E o maluco de estrada, neste cenário, tornou-se um elo importante para compreensão desses fluxos sócio culturais em locais de intenso fluxo internacional de turismo no litoral cearense.
Das migrações aos deslocamentos. E de volta às migrações.
Autoria: Douglas Mansur da Silva
Autoria: Trata-se de uma análise da produção teórico-metodológica e etnográfica do que podemos chamar de "estudos migratórios" em diálogo com outras duas subáreas do conhecimento: a Antropologia Urbana e a Antropologia do Campesinato. O paper reporta à história dos estudos de processos migratórios, com destaque para algumas de suas categorias-chave, como o próprio termo "migrante" e para o modo como propôs recortes de pesquisa. A revisão dessas categorias e recortes teórico-metodológicos se deu internamente ao próprio campo dos estudos migratórios, mas pesquisas etnográficas envolvendo populações urbanas e camponesas ofereceram subsídios para a revisão de alguns desses pressupostos teórico-metodológicos, chamando a atenção para os trânsitos entre fronteiras, inclusive classificatórias, e para o emprego de outras categorias relativas às diversas formas de mobilidade, como fluxos, circularidades e deslocamentos. Paralelamente, o crescente emprego de perspectivas êmicas no entendimento das diversas formas de mobilidade fez com que a agenda de pesquisa desses três campos temáticos convergisse em relação a algumas perspectivas de análise e desafios. Nos últimos anos, uma das consequências desse debate, ora mais ora menos evidenciado, tem sido o próprio questionamento da categoria "migrante". Nesse sentido, um dos objetivos centrais dessa proposta é apresentar argumentos e favor do emprego dessa categoria em algumas análises, dados seu continuado emprego nativo ou nas políticas de Estados-Nações, entre outras políticas públicas. O argumento é que, em alguma medida, o emprego do termo "migrante" em certas ocasiões e não em outras nos diz algo sobre as diversas formas de concepção do mundo e das relações sociais, bem como sobre as relações de poder e o que está em jogo nas formas de controle das mobilidades humanas. O work é um dos resultados de pesquisa em curso financiada pela FAPEMIG, bem como de pesquisa anterior, recém-concluída, e relacionada a um estágio de pós-doutorado realizado junto ao PPGAS/Museu Nacional/UFRJ.
De carona pela cidade: mobilidade e diferença
Autoria: Yuri Rosa Neves
Autoria: A cidade de Florianópolis tem uma distribuição espacial atípica para uma capital estadual do país. Regiões de ritmos mais rurais e de atividades tradicionais se misturam com ocupações urbanas na extensão do território ilhéu, dando origem a um traçado viário em forma de “espinha de peixe” (Reis, 2012) e um contexto de trocas e relações marcados por uma convivência do cosmopolita com o provinciano (Fantin, 1999). A partir dos resultados da pesquisa de mestrado sobre a prática de caronas espontâneas no cotidiano desta cidade, buscarei pensar a partir da mobilidade esta condição espacial específica de Florianópolis. Observando a infraestrutura viária se pode mergulhar na forma como a ocupação populacional e o governo da cidade (Foucault, 2012; Scott 1998) foi atuante nesta urbanização, criando um mapa de diversas ilhas de concreto conectadas por poucas vias e cumprindo, assim, certo pré-requisito para a existência da carona pela restrição dos fluxos em poucos caminhos. Esta forma de deslocamento na cidade, ao mesmo tempo que remete ao passado de relações de reconhecimento comunitário e parental típicas de localidades no interior (Rial, 1988, p. 48), por sua continuidade até os dias de hoje, também está entrelaçada com processos contemporâneos, como a vertiginosa migração das últimas quatro décadas, o turismo como expoente econômico, as universidades e, mais recentemente, a colocação de Florianópolis como polo de desenvolvimento tecnológico. Opera-se uma transformação no espaço que coloca novos significados para a (re)existência da carona. Neste cenário, a carona é uma prática cotidiana que é privilegiada por fazer emergir descompassos e ritmos temporais que caracterizam o processo de desenvolvimento da cidade, na medida que pressupõe um vínculo espontâneo e fugaz entre pessoas normalmente desconhecidas que, em alguma medida, se tornam alguém com nome, opinião e origem para a outra. Algo diferente nas mobilidades individual e coletiva mais hegemônicas. Enquanto uma prática estocástica (Laviolette, 2012) marcada por certa aleatoriedade e acaso, são diversos os encontros que o pesquisador se deslocando de carona é convidado, do empolgado e aberto turista recém chegado à cidade, ao nativo da Ilha já resistente à própria prática pelas transformações que vivenciou, afinal, a cidade de sua perspectiva não é mais a mesma. Estes encontros explicitam o papel de diferentes atores na continuidade desta forma de deslocamento. Tendo em vista esta articulação entre o espaço da cidade e as dinâmicas específicas desta prática de deslocamento, coloca-se como questão a ser perseguida: como a carona toma parte nas mobilidades da cidade exibindo as condições e os limites para a convivência de diferentes imaginários, identidades narrativas e formas de viver a cidade?
Deslocamentos e mobilidades como fenômenos de produção e destruição da pessoa tukano (tukano oriental)
Autoria: Raphael Rodrigues
Autoria: Nesta comunicação oral argumentarei que deslocamento e mobilidade possuem um lugar central no pensamento e nas práticas cotidianas tukano (tukano oriental). A formação da humanidade é concebida a partir das viagens míticas de uma anaconda ancestral que se inicia no Lago de leite, localizado no extremo leste. A saga inclui paradas sucessivas nas Casas de transformação: locais onde os ancestrais dançam, cantam e onde ocorre uma série de transformações formadoras da humanidade, como a aquisição de bancos e cuias, a ingestão do cipó caapi (Banisteriopsis caapi), o aparecimento das várias línguas dos povos do Uaupés e das regras de casamento, como a exogamia linguística. A viagem culmina com a humanidade tendo emergido através de um buraco existente na laje da cachoeira de Ipanoré (médio Uaupés). Após este grande circuito de transformações, os coletivos humanos são alocados em seus respectivos sítios no eixo jusante-montante de acordo com sua ordem de nascimento, do primogênito ao caçula - a sequência de irmãos nascidos que orienta a organização patriclãnica hierárquica rionegrina. Após ter gestado, transportado e situado todos os pamiri masã (“gente da transformação”), a anaconda submerge nas águas do mesmo Uaupés. Argumento que tal rota de criação e transformação ancestral, além de constituir-se como uma referência mítica primordial, é um elemento fundamental na constituição da pessoa tukano, o que procurarei demonstrar tomando como base um benzimento de nominação (atribuição do nome de espírito). Tal benzimento constitui-se como uma narrativa xamânica que tem como objetivo escolher e atribuir um nome para o recém-nascido que refaz tal rota de criação da humanidade. Ao narrar tal percurso primordial, o benzedor retira (não em um sentido material) da paisagem diversos elementos vitais (o sumo de algumas frutas, por exemplo) que serão utilizados para compor e fortalecer o corpo/pessoa. O benzimento de nominação tratar-se-ia, então, de um deslocamento/viagem “em pensamento” efetuado pelo benzedor que é fundamental para que a criança possa crescer e se desenvolver com saúde. Considerarei também que a mobilidade característica dessas populações, marcada por viagens constantes a parentes e à cidade, implica em inúmeros perigos, uma vez que o viajante torna-se alvo potencial de ataques xamânicos desferidos pelos wai masã (peixe gente), o que pode ocasionar sua desintegração (doença e morte). Ou seja, o reverso daquilo que é efetuado pelo benzimento de nominação. Em suma, tais considerações procurarão demonstrar que a vida social uaupesiana é fortemente marcada pela mobilidade e pelos deslocamentos, fenômenos compostos por elementos xamanísticos e políticos de várias ordens.
Entre viagens, estradas e entre-lugares: notas sobre os desafios de uma etnografia em deslocamento
Autoria: Telma de Sousa Bemerguy
Autoria: A ideia de “viagem” tem atravessado os debates sobre a natureza particular da produção antropológica desde o início da consolidação da Antropologia enquanto disciplina. Durante muito tempo as experiências de cruzar oceanos, percorrer longas distâncias, afastar-se do “conhecido” rumo a uma viagem de encontro com o “outro” foram pensadas como definidoras do que seria a particularidade da produção antropológica (Peirano, 1998). Nesse work, atenta as expectativas e representações que (re)produzem as linhas de uma “geografia imaginativa” em torno da “Amazônia”, lugar onde nasci e onde conduzo minhas pesquisas, parto da perspectiva de que, ainda hoje, a antropologia brasileira contribui para a “invenção” desse espaço (Said,1990) como um lugar onde (só) seria possível se fazer antropologia a partir de um encontro com uma “alteridade radical” (Peirano, 1998). Nesse ponto, por um lado, na dimensão da Academia, buscarei refletir criticamente sobre a “imagem” (Pacheco de Oliveira, 2008) de que a “Amazônia” é um lugar para onde se “viaja”, raramente um lugar de onde se vem. Por outro, no contexto do campo, tratarei sobre os desafios particulares colocados a pesquisas sobre/em trânsitos quando se é lida como uma “mulher do mundo”, um sujeito do “entre-lugar” (Bhabha, 2001). Para tanto, tomarei como ponto de partida, os primeiros resultados do work de campo que venho desenvolvendo no âmbito de minha pesquisa de doutorado, onde tenho buscado registrar experiências de trânsito, migração e deslocamento me deslocando em algumas rodovias terrestres e fluviais que compõem uma área de “expansão da fronteira” (Velho, 2009; Pacheco de Oliveira, 2016; Olivar, 2017) entre o Estado do Pará e do Mato Grosso. Com essas questões em mente, a partir de dados etnográficos reunidos em uma proposta de work de campo em deslocamento, nesse work buscarei 1) refletir sobre o lugar ocupado pela ideia de “viagem” no imaginário que compôs/compõem o que é o “fazer antropológico”, 2) explorar como esse imaginário pode ser tencionado e recolocado desde uma experiência de trânsito e de work de campo que também é um “retorno para casa”, para por fim 3) apontar desafios metodológicos colocados tanto por essa posição particular quanto por um work de pesquisa em que a “viagem”, apesar de ser uma experiência compartilhada, é atravessada por uma série de negociações e limitações colocadas pelos marcadores sociais da diferença tencionados ao longo das interações estabelecidas nos trechos que percorri, especialmente pelo gênero.
Homens trabalhadores migratórios: a metáfora da identidade do “Pião Trecheiro” pela vivência do deslocamento
Autoria: Sirley Vieira da Silva
Autoria:

Esse work é fruto de uma pesquisa etnográfica e para realizá-la optou-se por utilizar dois métodos de registro e coleta de informações mais próximas as recomendações clássicas da observação participante. Os homens trabalhadores migratórios, sujeitos dessa pesquisa, comportavam muitas características em comum, entre elas: 1. todos residiam em alojamentos ou em casas alugadas pelas empresas (situação também considerada uma condição de alojamento), e; 2. todos eram oriundos de outras regiões (outro Estado ou cidades do interior de Pernambuco). Esses operários, são profissionais que circulam por vários estados do Brasil, trabalhando em obras que denominam de “trecho”, vivendo a “rodar” por vários locais, seja dentro ou fora do país, o que os forçam a morar temporariamente em alojamentos ou dividindo casas alugadas com outros trabalhadores na mesma situação. Autodenominam-se “pião trecheiro” ou “pião rodado” e dizem que, enquanto puderem estarão em movimento, pois, como revelado metaforicamente por um desses trabalhadores, “o pião roda para se manter em pé”. Dessa forma, os sujeitos da pesquisa vivenciam a condição de transitoriedade ou, poderíamos dizer, vivem em processo migratório; mesmo residindo durante longos períodos (2, 3 ou até 5 anos) em uma região, identificam-se como moradores de outras regiões – diferente da que estão locados durante determinado período de tempo (por conta do work). Os trabalhadores pesquisados visitavam suas famílias em intervalos de 60 ou 90 dias (dependendo da função e do contrato da empresa para a qual trabalhavam). A dinâmica social que anima determinados grupos está associada a um conjunto de normas e regras que vão sendo incorporadas na prática e vivência dos sujeitos pertencentes a determinados grupos, compondo assim um ethos identitário (Bourdieu, 1983; Eckert, 1995) que fundamenta um habitus de como esses grupos lidam com as características de suas profissões. Na interlocução com os trabalhadores migratórios identificaram-se elementos e características próprias da profissão que exercem e que remete a ideias de força, aventura, coragem, sacrifício, entre outros atributos, que compõem simbolicamente a identidade social desse grupo, conferindo uma ideia de “grupo seleto”, onde as características assumida conforma simbolicamente um estilo de vida e demarca a identidade desse grupo, comportando um ethos coletivo. Dessa maneira, a identidade do ‘Pião Trecheiro’ é composta por símbolos como: work (profissão), deslocamento (trânsito, migração, mobilidade) e período (tempo). Esses símbolos juntos compõem o ethos desse grupo e conforma um habitus (Bourdieu, 1983; Eckert, 1995). A profissão de ‘Pião Trecheiro’ exige especificidades de deslocamento (migração), pela busca do work assalariado.

Movimento e criação entre as mulheres no cerrado
Autoria: Jacqueline Stefanny Ferraz de Lima
Autoria: É no plantar, colher, fiar, tingir, urdir e tecer o algodão que mulheres rurais do Vale do Urucuia (localizado no Noroeste de Minas Gerais) se inserem em uma série das chamadas “políticas de desenvolvimento sustentável” atuantes no cerrado mineiro. Para a efetivação de tais projetos, pessoas, matérias-primas, produtos, saberes e memórias, deslocam-se entre nove pequenos municípios da região, dando forma ao que denominam localmente de “artesanato sustentável do Vale do Urucuia” ou “cultura e tradição do sertão mineiro”, entre outras nominações. Frente a isso, a proposta dessa apresentação é descrever etnograficamente o constante movimento das mulheres rurais no Vale do Urucuia entre esses nove municípios envolvidos no processo de transformação da “natureza em renda”. Em outras palavras, no processo que objetiva, de modo geral, transformar a “natureza”, o “cerrado”, o “mato” em produtos “artesanais”, “sustentáveis” e de “tradição” a serem comercializados. De modo mais específico, tendo em vista esse deslocamento constante das mulheres no cerrado de Minas Gerais, seus propósitos e suas criações, essa apresentação intenta ainda discorrer analiticamente sobre o movimento de ideias, conhecimentos, saberes e memórias envolvidos na realização desses projetos de "desenvolvimento" bastantes recorrentes no sertão mineiro. Bem como, e não menos importante, sobre as trocas de matérias-primas e mercadorias empreendidas no desenrolar dos projetos por minhas interlocutoras no Vale do Urucuia.
No tempo do Beiradão: etnografia dos caminhos dos Hupd'äh na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM, Brasil)
Autoria: Bruno Ribeiro Marques
Autoria: O objetivo principal desta apresentação é talhar imagens etnográficas para a descrição da recente experiência do povo indígena Hupd'äh na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM, Brasil). O work de campo foi realizado entre 2012 e 2018, e, buscando elementos para a composição das imagens, lança-se mão de obras literárias (F. Kafka e J.L. Borges), filosóficas (A. Camus e Deleuze & Guattari) e antropológicas. Na medida em que os Hupd'äh, habitantes da Terra Indígena Alto Rio Negro, fazem da cidade mais um de seus pontos de passagem, revela-se, em traços fortes, uma outra arquitetura burocrática, distinta da forma imperial que os missionários salesianos articularam na formação de povoados católicos a partir da década de 1970. No fluxo das exigências para o acesso aos benefícios sociais, essa outra burocracia toma ares de rizoma: o labirinto citadino, de forma capilar, estende-se à vida na floresta. Na história da colonização do Alto Rio Negro, os Hupd'äh (família linguística Nadehup) ocupam posição marcada na comum tríade amazônica que relaciona “índios selvagens”, “índios civilizados” e “civilizados”: são eles os “habitantes do fundo da floresta”, entre os quais os modos civilizacionais chegaram de forma tardia se comparados às demais etnias da região (famílias linguísticas Tukano oriental e Arawak). Recentemente essa população tem se deslocado de forma massiva para o núcleo urbano de São Gabriel no tempo das férias escolares, colocando sua presença para os atores políticos de forma inaudita, sendo tratada inclusive como um problema de ordem pública. Tais investidas são motivadas principalmente pela possibilidade de fazer documentos, acessar benefícios sociais e adquirir mercadorias. Na cidade as famílias instalam-se em acampamentos próximos ao porto Queiroz Galvão, em local conhecido como “Beiradão”, onde ficam sujeitas a vulnerabilidades de todo tipo (sanitária, socioeconômica, xamânica...). Para a descrição, propõe-se algumas imagens etnográficas concebidas ortogonalmente aos binômios dependência/resistência e assimilação/isolamento: o labirinto burocrático das andanças pelas instituições locais; os acampamentos do Beiradão como um buraco negro de forças vitais e dispêndios variados; e a questão se os Hupd'äh, nessa experiência, nos fornecem uma imagem possível do “povo por vir” (conceito de Danowski & Viveiros de Castro). A vida dos Hupd'äh na cidade é modulada por clivagens contemporâneas que vertem das transformações da tradicional tríade mitopolítica que diferencia Hupd'äh / Wòhd'äh (indígenas das demais etnias) / Tëg-hṍd'äh (brancos), traduzida hoje em dia como os mais pobres / pobres / ricos, respectivamente.
O viajar nas experiências de mulheres: sobre sentidos e valores da mobilidade
Autoria: Rosemeire Salata
Autoria: A partir de pesquisa realizada em Santa Lúcia, município localizado no centro da produção canavieira paulista, busco discutir algumas experiências de mobilidade de mulheres que viajaram do Maranhão para São Paulo. Boa parte dos estudos sobre o que se convencionou chamar de “migrações”, orientada pela perspectiva da análise dos “deslocamentos laborais”, ou seja, aqueles voltados à inserção em determinados mercados de work, acaba por conferir à mobilidade um caráter fundamentalmente masculino, ou restringe as experiências de mobilidade feminina também ao universo do work. De outro modo, as mulheres também são classificadas como “viúvas de marido vivo” (aquelas que esperam pelos maridos que partiram) ou como aquelas que os seguem ou os acompanham. Situando-me de outra perspectiva, as experiências destas mulheres serão analisadas a partir do termo viajar, que encerra uma série de significados e valores que são por elas atribuídos aos seus deslocamentos. Viajar para conhecer, para cuidar dos pais, dos filhos e dos netos, para fugir da humilhação, para comprar a casa própria, e também as coisas pra dentro de casa, para conquistar autonomia. Desse modo, buscando dialogar com vasta e importante literatura que trata das mobilidades, incluindo-se aquela que versa especificamente sobre os processos migratórios de homens e mulheres entre diversas localidades da região nordeste e as áreas de produção canavieira no estado de São Paulo, o objetivo aqui é trazer à tona as múltiplas formas de se atribuir sentido e valor às experiências de mobilidade no universo feminino.
Pedra que não anda dá lodo: reflexões sobre o movimento e a luta quilombola no Norte de Minas Gerais
Autoria: Pedro Henrique Mourthé de Araújo Costa
Autoria: A proposta que se segue é um desdobramento da pesquisa de mestrado que realizei em Brejo dos Crioulos, comunidade quilombola localizada no Norte de Minas Gerais, bem como de outros works que venho desenvolvendo nesta região desde o ano de 2010. No mestrado, elaborei uma reflexão sobre os vários movimentos que compõem a luta dos habitantes de Brejo dos Crioulos pela titulação do território quilombola. Dando continuidade as estas reflexões, na pesquisa de doutorado, a proposta foi ampliar o recorte do estudo tendo como foco a região do Norte de Minas Gerais. Meu objetivo é descrever etnograficamente como a luta quilombola é feita na movimentação de pessoas, símbolos, informações, coisas, saberes e práticas. Desse modo, continuo realizando work de campo em Brejo dos Crioulos, porém, ao longo da pesquisa de doutorado, tenho realizado também visitas e estadias em outras comunidades quilombolas da região, conversado com as lideranças que participam dos movimentos e entidades quilombolas; de povos e comunidades tradicionais; camponeses e acompanhado diversos espaços de participação e disputa política que envolvem estes coletivos – encontros, cursos, feiras, festas, seminários, oficinas, atos, dentre outros – assim como venho buscando acompanhar o deslocamento dos quilombolas por outras comunidades, territórios e cidades. Minha intenção é apreender a importância destes momentos, o que eles produzem e o que é necessário para produzi-los, quais são as articulações e alianças tecidas pelos quilombolas com outros coletivos, movimentos sociais, parceiros e, deste modo, realizar um esforço de compreender e descrever etnograficamente, partindo do ponto de vista das próprias lideranças quilombolas, o movimento e a luta na região do Norte de Minas.
Seguindo o curso do São Francisco: perspectivas barranqueiras sobre as águas do rio e seus movimentos
Autoria: Luiz Felipe Rocha Benites
Autoria: O presente work é um produto parcial de uma pesquisa em andamento sobre a relação dos habitantes das margens do Rio São Francisco, os barranqueiros, com as águas em seus fluxos pluviais e fluviais. Nele pretendo explorar alguns sentidos dos movimentos do e no rio, construídos a partir das atividades de pesca e da roça dos moradores da Comunidade de Ribanceira, no município de São Romão, norte de Minas Gerais. Os habitantes da Ribanceira têm suas trajetórias marcadas pela mobilidade em distintas escalas: seja nos percursos biográficos pessoais que os conduziram até a comunidade; nos deslocamentos, com distintas durações, para grandes centros urbanos em busca de work; na circulação entre a área urbana e rural do município; nas itinerâncias cotidianas para trabalhar ou prosear; ou ainda nos deslocamentos rituais por meio de cortejos de festas religiosas e em giros de folia. Diante do exposto, tento estabelecer algumas conexões de sentido entre as ideias nativas de movimento do rio, tais como encher, vazar, ter correnteza ou estar parado, e as mobilidades que constituem a vida dos barranqueiros.
Subidas, descidas e (i)mobilidades: uma análise sobre as práticas e representações adotadas por mototaxistas de Niterói (RJ) em seus deslocamentos e disputas pelo uso do espaço público.
Autoria: Talitha Mirian do Amaral Rocha
Autoria: Este work propõe analisar as práticas e representações adotadas por mototaxistas nos contextos de deslocamento e disputa pelo uso do espaço público para fornecer seu serviço. Para isso, além da observação direta, desde dezembro de 2016, passei a utilizar esse meio de transporte individual que atende “comunidades” em Niterói como uma tentativa de experienciar esses universos até então distantes do meu. Na cidade em questão, o mototáxi ainda não se encontra regularizado perante o poder público, por isso, esse tipo de serviço de transporte se encaixa perfeitamente num quadro de expansão da prestação de serviços informais. Não obstante, ao contrário do que se poderia supor, é recorrente entre tais mototaxistas o discurso de que eles não estão em busca de um emprego formal, no sentido literal do termo, mas, sim, do direito de dispor livremente do espaço público para fornecer seu serviço. Nesse sentido, irei enfatizar de que maneira os mototaxistas utilizam de suas mobilidades e de seus deslocamentos cotidianos para demandar seus direitos de uso do espaço público. Cabe mencionar que grande parte dos dados que serão utilizados nesse artigo foram construídos durante o acompanhamento do work dos mototaxistas que se localizam numa praça do centro de Niterói, perto de uma “comunidade” chamada Morro do Estado. Nesse ponto, além dos 20 mototaxistas serem “crias” dessa “comunidade”, a maioria dos passageiros também tem como destino esse Morro. Nesse sentido, também irei abordar como que as “subidas” e “descidas” do Morro Estado fazem parte das (i)mobilidades que esses sujeitos são expostos perante as diversas moralidades em jogo. Isso porque, ao menos no plano do senso comum e das heterorrepresentações, o fazer desses mototaxistas tende a ser associado a categorias de acusação, tais como, ilegalidade, marginalidade e criminalidade. Ao observar as experiências de o work dos mototaxistas de Niterói, venho tentando entender quais são as moralidades que informam esse tipo de discurso para, então, cotejá-las com as autorrepresentações dos próprios mototaxistas sobre seu fazer cotidiano. Por fim, irei diferenciar duas categorias que ora se aproximam, ora se distanciam em minha pesquisa: trânsito e mobilidade. Enquanto a primeira é uma categoria nativa que costuma ser empregada pelos mototaxistas para se referir ao movimento de veículos no espaço público. A segunda me permite ir além da associação com o tráfego viário e se revela uma categoria analítica mais abrangente que a categoria trânsito, posto que ela não diz respeito exclusivamente ao deslocamento físico entre dois pontos, mas, pelo contrário, ela engloba práticas carregadas de sentido e que são marcadas por diferentes relações de poder, fluxos e modos de pertencimento à cidade.
Territórios, movimentos e desertos entre quilombolas do nordeste de Goiás
Autoria: Daniela Carolina Perutti
Autoria: Neste paper, pretendo explorar as diversas maneiras pelas quais os quilombolas de Família Magalhães (Nova-Roma, GO) se territorializam e desterritorializam a partir daquilo que entendem como movimento e deserto. O grupo é originário dos kalungas, escravos fugidos que viviam, desde o século 17, escondidos pelas serras e vales do Rio Paranã. Naquele momento de fuga a uma condição de escravidão, movimentavam-se para não serem vistos, e a região parecia propícia para isso. Os chamados kalungueiros por ali se espalharam e parte deles estabeleceu-se, já nos anos de 1950, em local conhecido como Fazenda Lavado, no município de Nova Roma. Família Magalhães, assim como os demais novarromanos em geral, queixam-se com frequência do fato de aquele lugar estar sem movimento, em vias de virar um deserto. Dizem que ali não existe uma firma, nunca foi caminho de uma “BR”, o garimpo acabou e a terra padece na seca, que a cada ano é mais intensa. Em certas narrativas, Nova Roma é quase um não lugar, pois marcado fundamentalmente pela falta. É sob essa percepção que tecem suas formas de estar no mundo, em busca de movimento: seja nas “andanças” para Brasília, Goiânia, oeste da Bahia e fazendas vizinhas, com o intuito de “caçar melhora”, seja atraindo gentes e relações no “tempo da política” e nas festas de santo, marcadas por intensa circulação de pessoas e trocas de ajudas. Família Magalhães lida de formas específicas com o que chamam de deserto. Ao se definirem como pessoas propensas à amizade, tomam sua maneira de produzir relações como forma de dar movimento às suas vidas. Consideram que esse modo “amigueiro” de ser é uma herança do falecido João Magalhães, ancestral fundador da família que, por meio de suas “andanças”, teria feito muitos amigos. Contudo, para além de uma suposta herança atribuída aos movimentos do pai, Sebastiana, viúva de João, diz que seus filhos só se fizeram “amigueiros” porque foram por ela criados no deserto, longe de farras, bebidas, cigarro, longe de “malandragem”. São, em sua acepção, pessoas honestas, calmas, sem maldade, qualidades necessárias a um “amigueiro”. Assim, para os Magalhães, deserto aparece tanto como ausência de gentes e de relações, de onde procuram se afastar por meio de sua propensão a produzir amizades, quanto – do ponto de vista das mães – condição original, necessária para se fazerem “amigueiros”, conferindo movimento às suas vidas, pois só teriam essas qualidades porque foram criados no deserto. Pretendo, portanto, explorar os sentidos e relações entre deserto e movimento nos modos de estar no mundo desses quilombolas.
“Lugares, caminhos e mares”: sentidos da circulação e deslocamentos na produção musical caiçara
Autoria: Patricia Martins
Autoria: Neste paper busco trazer uma releitura de dados etnográficos produzidos através de minha tese de doutoramento, onde diferentes percursos foram marcados pela circulação de violas e rabecas, instrumentos utilizados no fazer musical de gentes caiçaras. Por meio de seus fazeres, afinações, versos e trocas, se estabelecem dinâmicas próprias, nestes percursos, o fazer musical produz balizas, constituindo e sendo constituído nestes movimentos, através das águas do litoral do Paraná e de São Paulo. É ao circular e fazer com que as coisas circulem que violas e rabecas – e as pessoas que as produzem juntamente com as musicalidades que delas se expressam – ganham significação potencializando-se neste transito. Deste modo, a configuração destes espaços de produção musical se modulam de acordo com as relações que os condicionam, estabelecidas entre pessoas, como também entre elas, as coisas, os sons e os meios que motivam seus deslocamentos. O interesse nesse tipo de abordagem nos leva a conceber os movimentos para além de seus condicionantes físicos-geográficos, incorporando na analise perspectivas sobre o que podemos chamar “regimes caiçaras de territorialidade”. Embora diferentes instrumentos e campos de análise buscam criar áreas previamente delimitadas, a terra caiçara habitada parece se tecer de uma diversidade de formas de mobilidade, que, conceitos como de migração ou êxodo rural deixam escapar. Como e em que medida terras constituídas em um modo de habitar que é, muitas vezes, também um deslocar-se, se transformam em conexão com essa produção musical específica? E inversamente, como essa produção musical se constitui nestes deslocamentos, uma vez que o movimento cria as suas próprias formas de territorialização? São algumas das questões que irei perseguir neste artigo.
“Sair no mundo, contar os fatos”: notas sobre andar e conhecer entre coletivos sateré-mawé em cidades amazônicas
Autoria: José Agnello Alves Dias de Andrade
Autoria: Nesta apresentação exponho algumas reflexões, realizadas em minha tese de doutorado, a partir de minha interlocução com indígenas Sateré-Mawé habituados a levar a vida entre constantes deslocamentos pelas aldeias e cidades na região amazônica. Trago à discussão, portanto, alguns elementos a mim apresentados por meus interlocutores em suas narrativas relacionadas às trajetórias de distintos coletivos de parentes sateré-mawé, tomadas como parte do conjunto de experiências acionadas para a construção sua experiência vivida, de forma a explicitar os múltiplos sentidos inscritos em suas práticas de mobilidade. Notavelmente, como procuro demonstrar, a mobilidade ocupa um lugar central na história destes coletivos familiares de indígenas sateré-mawé, habitantes de cidades e aldeias na região amazônica, para os quais sua vida, assim como a vitalidade dos/nos seus lugares de habitação, está atrelada a um modo de estar-no-mundo que encontra no “gosto por andar” o elemento distintivo da trajetória de seus habitantes, constitutivo das compreensões que compartilham sobre os modos de ser que os caracterizam enquanto Sateré-Mawé. Abordo, por meio das narrativas de meus interlocutores sobre os deslocamentos de seus coletivos de parentes, do passado e do presente, múltiplas dimensões atreladas às suas práticas de mobilidade em sua relação com a conformação de seus circuitos entre cidades e aldeias na Amazônia, procurando demonstrar alguns traços de suas concepções nativas sobre territorialidade, temporalidade e conhecimento. Trato particularmente de um modo de conhecimento (e reconhecimento) implicado nos atos coletivos e continuados de andar, parar, voltar e narrar, subsumidos sob a expressão andar junto, que indicia um ideal de relações de confiança, cuidado, acolhimento e aprendizagem que remetem aos movimentos coordenados caros à produção de vida em seus “locais de parada” entre seus parentes espalhados por diferentes cidades e aldeias.
“Voce tem coragem de vir pra cá?": Redes sociais e migração entre Maranhão e Pará - estudo de caso de uma vila rural na região de Carajás/PA
Autoria: Leonardo de Oliveira Cruz
Autoria: O objetivo desta Comunicação é analisar a migração a partir do papel que as redes sociais desempenham no ato de migrar. A rede consiste num conjunto de atores ou nós (pessoas, objetos ou eventos) ligados por um tipo específico de relação. As pessoas situadas nos extremos desta rede, ligadas por laços de amizade ou familiar têm a capacidade de agência, ou seja, são protagonistas de suas escolhas. De um lado, há indivíduos estabelecidos no lugar de destino que exercem influência sobre aqueles que estão no lugar de origem; do outro lado, há o emigrante em potencial que convencido pela sua rede de afetividade decide se deslocar, exercendo assim agência sobre seu destino. Os subsídios empíricos para esta análise situam-se em Vila Sanção, uma comunidade rural do município de Parauapebas, na região de Carajás, Sudeste do estado do Pará. Cabe ressaltar que este município tem como principal matriz econômica o extrativismo mineral, principalmente Ferro. Como cidade mineradora atrai diferentes fluxos migratórios de todo o país em busca, prioritariamente, de emprego. De acordo com dados do IBGE, em 1991 o município contava com 53.335 habitantes, passando para 71.568 no ano 2000, e para 153.908 pessoas em 2010. Destaca-se a forte presença de imigrantes do Estado do Maranhão que, em 2010, representavam 35% da população local. Nos últimos dez anos, devido à instalação de uma mina de cobre em suas adjacências, Vila Sanção passou por algo similar ao que ocorreu no município. Em 2008, quando se iniciam as obras de implantação do empreendimento, a Vila contava com uma população de 445 habitantes, chegando a 1010 habitantes, em 2013 e fechando o ano de 2016 com 766 moradores. O cenário apresentado fez uma reconfiguração do local, que antes habitada principalmente por trabalhadores rurais passou a sediar trabalhadores do empreendimento ou migrantes em busca de work. Estes migrantes são, em sua maioria, do Maranhão, população a que se dedica esta pesquisa. Utilizando-se de pesquisa de campo, dados estatísticos, indicadores sociais e de relatos de migrantes maranhenses percebe-se que as redes sociais atuam como um dos principais elementos no processo de ocupação e migração em vila Sanção. Concomitantemente a esta abordagem, faço uma leitura das transformações e impactos sociais ocasionados pela implantação da mineração e pelo fenômeno da migração na rotina desta comunidade.