Cinque Terre
MR 008. Corpos vulneráveis: poder e resistências
Cynthia Andersen Sarti (Unifesp) - Coordenador/a, Lia Zanotta Machado (Universidade de Brasilia) - Participante, Cynthia Andersen Sarti (Unifesp) - Participante, Patrícia Birman (UERJ) - Participante, Marcia Regina de Lima Silva (Usp) - Debatedor/a
Se a condição vulnerável marca inexoravelmente humanos (e não humanos) como seres que vivem e, como tal, estão expostos ao outro, à degenerescência e à morte, esta mesa propõe tratar dos mecanismos sociais de distintas ordens por meio dos quais alguns corpos e pessoas – na acepção de Marcel Mauss - se tornam mais vulneráveis que outros. Falamos de mecanismos que, historicamente, circunscrevem e subjugam corpos e pessoas no interior de relações de poder e dominação, construindo e enraizando modos de subjetivação que reproduzem a sujeição na qual são forjados, mas apontam igualmente formas inusitadas de resistência. Para pensar essas vulnerabilidades e resistências, propomos, cada uma das participantes, discutir diferenças e desigualdades específicas, que trazem a marca de gênero, da pobreza, do racismo e da violência, profundamente arraigadas numa sociedade com um passado escravocrata como a brasileira, mas abordadas aqui a partir de suas reconfigurações na atual conjuntura política do país. Incluímos a discussão da prática de tortura que, se marcou o período de exceção da ditadura militar (1964-1985), transcende essa localização histórica e está sub-repticiamente presente na sociedade brasileira como modo aceitável de tratar corpos marcados pela desigualdade.
Resumos submetidos
Castigar o corpo: formas usuais de diferenciação
Autoria: Patrícia Birman
Autoria: O foco aqui é o castigo corporal no cotidiano de segmentos populares. Nosso intuito, através de alguns works etnográficos, de narrativas e de imagens sobre a vida precária. é de analisar como se articulam os limiares de aceitação de castigos corporais, suas circunstâncias e as suas disputas de sentido. A noção de (in) vulnerabilidade será problematizada para compreender os jogos de força em que a punição física é uma referência compartilhada pelos atores, nas micropolíticas em seus muitos planos. Como se aciona certas performances que compõem o ato de punir? E a exibição das feridas? Como se reconfigura o corpo e suas relações através de uma anatomia moral ligada ao sofrimento? Vamos analisar os processos de diferenciação social, racial e de gênero, escapando da dicotomia que opõe os domínios doméstico e público para problematizar essa prática corriqueira da vida social.
Corpos torturados: habitar o mundo depois de experiências limite
Autoria: Cynthia Andersen Sarti
Autoria: A apresentação faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre o sofrimento associado à violência, que interroga, com base na memória da ditadura militar brasileira (1964-1985), as formas possíveis de voltar a habitar o mundo depois de acontecimentos disruptivos de violência, que assinalam a morte do que era antes (Veena Das). A partir de textos literários que relatam a prática da tortura durante a ditadura, busca-se refletir sobre as formas de expressão e inscrição da experiência da tortura no curso da existência de quem a viveu. Experiência limite de desigualdade e poder, a questão da tortura, considerada crime na sociedade contemporânea pelo direito internacional, é pensada como tributária do problema que remonta às condições históricas de instituição de direitos universais (Talal Asad) e ao valor diferencial dos corpos e da vida, como fundamento do direito, em uma ordem biopolítica.
O Equívoco da “Bola de Cristal”. Entre a vulnerabilidade e a resistência
Autoria: Lia Zanotta Machado
Autoria: Em junho de 2018, Juiz relaxa prisão em flagrante de agressor que tentou enforcar sua mulher e destruiu a casa. Livre, o agressor esfaqueia a mulher até a morte e tenta o suicídio. O Juiz alega que não tinha “bola de cristal”. Coordeno pesquisa em Juizados de Violência Doméstica contra as mulheres em Brasília que me permite falar do equívoco da “bola de cristal”. Entrevistas e observações de audiências apontam a coexistência de repertórios simbólicos distintos entre operadores de direito: de um lado, a atenção à concretude do ato de imposição à agredida e à análise de risco. De outro, a crença de que são meramente conflitos domésticos. Na escuta das mulheres entendi que as vítimas ( no sentido jurídico e processual), são corpos e mentes postos em vulnerabilidade por afetos e poderes de gênero, que, ainda assim resistem.