Cinque Terre
GT 061. Religião e materialidades: novos horizontes empíricos e desafios teóricos
Renata de Castro Menezes (Museu Nacional/UFRJ) - Coordenador/a, Rodrigo Toniol (Unicamp) - Coordenador/a
O crescimento da literatura das ciências sociais dirigida às materialidades,objetos e coisas é fato notório. Nas últimas décadas,a diversificação de abordagens teórico-metodológicas mobilizadas pelo tema tem se refletido na consolidação do que já é quase um subcampo disciplinar,com debates próprios, eventos específicos e publicações regulares a ele dedicadas.O propósito deste GT é dar sequência às discussões levadas a cabo nas três ocasiões anteriores,nas RBAs,e reunir trabalhos dedicados às variadas formas de articulação entre religião e materialidades.Trata-se de dar centralidade às formas materiais de produção da experiência religiosa, apostando, com isso,na possibilidade de que novos horizontes empíricos e desafios teóricos sejam explorados.Entre outras questões possíveis, destacamos três que poderão orientar as reflexões dos trabalhos reunidos pelo GT.Primeiro, como a religião acontece na cultura material? Trata-se de enfatizar como imagens,objetos litúrgicos e devocionais,arquitetura e espaços sagrados mobilizam e são mobilizados em práticas religiosas. Segundo,como alguns objetos ocupam um lugar ambíguo —e controverso— na relação com a religião?Estátuas,obras de arte e templos históricos são apenas alguns exemplos daquilo que pode ocupar o centro dessa modalidade de relação entre materialidade e religião. Terceiro, como as variadas conformações de vínculo entre religião e materialidade também implicam em “formas sensacionais” diferenciadas da experiência com o sagrado?
Resumos submetidos
A Arca da Aliança da Igreja Universal do Reino de Deus: a ambivalência de um objeto que conecta uma rede transnacional de templos
Autoria: Claudia Wolff Swatowiski
Autoria: Nesta comunicação, me proponho a analisar como a Igreja Universal do Reino de Deus, a partir da materialidade de templos e objetos, restabelece centralidades e promove dinâmicas de fixação e circulação em um circuito transnacional. Examino como a circulação de uma réplica da Arca da Aliança conecta uma rede globalmente integrada de templos ao Templo de Salomão em São Paulo, construção que pretende replicar no Brasil a centralidade que Jerusalém tem no universo judaico-cristão. Nessa empreitada, destaco a chegada da réplica da Arca da Aliança a Luanda em 2017, em comemoração aos 40 anos de atividades de Igreja Universal em Angola. O evento evidencia o papel que templos, objetos e performances assumem nas dinâmicas da IURD e o lugar ambivalente que a réplica da Arca da Aliança ocupa na experiência ritual iurdiana.
Apostando corrida com formigas: pés descalços para uma vida prânica.
Autoria: Laryssa Owsiany Ferreira
Autoria: Apresentarei, para os fins deste paper meditações etnográficas experenciadas ao longo de aproximadamente dois anos de work de campo junto a um retiro espiritualista em uma comunidade alternativa de Minas Gerais. O local recebe pessoas do mundo inteiro buscando uma desintoxicação orgânica humana e uma reconexão interna com um "Eu superior" que é capaz de elevar o padrão vibratório planetário ocasionando uma expansão de consciência. O ritual promove cura e equilíbrio dos nossos quatros corpos inferiores, o corpo emocional, o físico, o mental e o espiritual. Desde a inauguração do retiro, há um vórtex energético no templo em que é realizado uma oração todos os dias do ano, sem exceções. A repetição da energia ali depositada criou uma egrégora espacial e temporal que é alimentada diariamente ao pôr-do-sol pelos facilitadores e pelas pessoas que estão ali realizando o processo de 21 dias. No centro da roda de oração há vibhuti, que é conhecido como a materialização no plano físico da expressão da Glória de Deus. Além disso, com a proibição do uso de qualquer elemento eletrônico para não interferir nos campos eletromagnéticos a experiência temporal é muito particular. A oração começa não quando o relógio marca as horas e sim quando um sino é tocado. A temporalidade mais importante para as pessoas que realizam a transição, não é o passar das horas e nem mesmo a contagem dos 21 dias. O esforço da presença é o maior desafio do Prana Prasakti, as pessoas operam com as delicadas e fluidas categorias de passado, presente e futuro. O contato com o chão possui um aspecto central pro ganho de força e pra transição do corpo físico para o corpo emocional. Segundo os facilitadores, as caminhadas devem ser feitas com os pés descalços porque a natureza é sábia e um instrumento da presença, se você não se mantém presente você pode pisar numa pedra, ou se machucar de algum modo. E se isso vier a acontecer, o fato de você sentir dor por ter pisado na pedra fará com que você fique atento e concentrado somente no caminhar sem que sua mente comece a divagar. Os facilitadores mencionam que a terceira semana do ritual passa em 3 dias, apesar de oficialmente ela possuir 7. Ao final do prana prasakti as pessoas ficam livres da necessidade de comer e da necessidade de dormir. Segundo Jasmuheen (2000) as pessoas ficam livres para utilizar o calendário gregoriano de 1260, ou o calendário maia de 1320, ou entrar no fluxo do tempo divino, onde sempre se está no lugar certo e na hora certa. Em resumo, o objetivo deste paper é refletir como os sinos, os cristais, o chão, o vibhuti, os mantras, a pintura de mandalas e etc constituem pontos importantes para a análise ritual e a experiência espiritual do Prana Prasakti.
As provas de um milagre: os objetos médico-científicos e a investigação católica de uma cura milagrosa
Autoria: Lucas Toledo Martins Baccetto
Autoria: Este work tem como objetivo principal analisar as provas médicas anexadas ao documento de verificação de milagre nos processos de beatificação e canonização da Igreja Católica. Com base em testemunhos e resultados de exames produzidos por instrumentos médico-científicos, médicos são convidados pelo Vaticano para, na condição de peritos, elaborarem pareceres a respeito de uma cura supostamente milagrosa. Neste work, analisarei a presença e a disposição desses objetos que, anexados na qualidade de provas, são utilizados e acionados pelos peritos médicos no desempenho de sua função de verificação na Positio Super Miraculo da santa Madre Paulina. A Positio é um documento que condensa todo o processo investigativo da parte médica de verificação de milagres. Com isso, indico que há um extenso work dos atores na produção de mediadores, que inscrevem o corpo da miraculada e possibilitam sua transposição para a verificação médica. Argumento que se trata de uma cadeia de mediadores estritamente necessária para que um perito médico possa realizar seu work de verificação pericial sobre uma cura supostamente milagrosa. Assim, pretendo avançar em questões referentes à materialidade dos objetos e às relações entre ciência e religião na contemporaneidade.
As “Ritas” de Viçosa: um estudo antropológico sobre mulheres que se vestem de Santa Rita de Cássia em uma cidade da zona da mata mineira.
Autoria: Raquel dos Santos Sousa Lima
Autoria: O uso de artigos religiosos, entre outras formas materiais de expressão da devoção, embora tenha sempre sido uma constante no culto aos santos católicos, tem ganhado ênfase e centralidade com as discussões recentes sobre materialidades, objetos, agência e pessoa nas ciências sociais. Essas reflexões perpassam o work que ora apresento, fruto de uma pesquisa sobre mulheres que se “vestem de Santa Rita” na cidade mineira de Viçosa. Trata-se de mulheres e crianças de diferentes idades, classes sociais, profissões e perfis que se vestem ou são vestidas com um hábito preto, portando objetos/atributos usados nas representações iconográficas de Santa Rita de Cássia (a rosa, o crucifixo, a marca na testa) e percorrem as ruas da cidade em procissão no dia da festa da santa, padroeira local. Nesta comunicação, apresento os principais motivos que impulsionam este ato devocional, a frequência com a qual a prática é realizada, as formas de obtenção da “roupa da santa”, as sensações físicas relatas pelas devotas, as redes sociais acionadas neste processo, entre outros elementos. Essa forma de expressão da devoção, mediada pelo uso da roupa e das materialidades que lhes dão suporte (tecidos, aviamentos, rendas, terços, rosas, crucifixos), mais que expressão da devoção, articula a própria devoção, pois evoca sentimentos em relação à santa e em relação aos demais devotos. Essas diversas “Ritas”, como são chamadas tais mulheres por minhas interlocutoras, assim como o ato de vestir-se de santa, constituem o objeto desta pesquisa, que se baseia nas contribuições teóricas da antropologia da devoção, dos objetos, dos rituais e do simbolismo.
Aspectos relacionados às materialidades entre bens com marcação religiosa vendidos em lojas de Catalão, Goiás
Autoria: Daniel Alves
Autoria: Neste work, apresentaremos alguns resultados de pesquisa que desenvolvemos ao longo dos últimos anos na cidade de Catalão, Goiás, e que teve como tema as relações entre religião e consumo. Nossos objetivos, prioritariamente, envolveram uma abordagem qualitativa da produção, circulação e consumo de bens com marcação religiosa na microrregião de Catalão (GO). Fizemos um mapeamento das lojas que vendem produtos deste tipo, e entrevistamos alguns de seus proprietários e proprietárias. Também nos interessou o aspecto da produção e da distribuição, que nos levou a algumas cidades onde existem indústrias e livrarias ligadas a este segmento e que servem como referência de mercado na microrregião. Na parte do consumo, fizemos algumas entrevistas que remetem às dimensões que os bens de consumo tomam quando lhes são dadas significação religiosa pelos sujeitos. No desenvolvimento do work, tornou-se chave para o entendimento das significações dadas ao consumo a abordagem teórica que considera as religiões e as coisas religiosas como formas de mediação. Por um lado, interessa-nos como convicções religiosas criam e transformam segmentos nos mercados editorial, fonográfico e de mídia. Além disso, mantém-se a produção dos chamados bens de marcação religiosa para fins devocionais, especialmente nas expressões que tem uma relação intrínseca com imagética (catolicismo, umbanda). Por outro, a relação dos consumidores com imagens, livros, roupas e música acaba por fazê-los segmentar seus gostos, apresentando preferências por alguns músicos, autores ou estilos de roupa em detrimento de outros. Esses gostos são bastante influenciados pela partilha de informações nas instituições religiosas, mas não se resumem a elas, dado o acesso da população à informação por outras mídias, religiosas ou seculares. Atualmente, a chamada experiência religiosa depende, em grande medida, dessa relação do sujeito com imaginários religiosos sustentado, em sua dimensão material, por ter lido certos livros, ouvido certas músicas e no vestir de certas roupas. As instituições religiosas pretendem mediatizar a relação dos consumidores com esse universo, fazendo com que eles introjetem um gosto pelos livros certos, pelas músicas certas e pelo vestir-se adequadamente. Essa pretensão nunca se torna absoluta no conjunto dos fiéis, mas ela é eficaz orientando o consumo para determinados segmentos (música gospel, moda evangélica, livro espírita, para ficar com os mais contemporâneos) e dentro desses segmentos.
De pinturas em cavernas ao mundo dos Encantados: Notas de duas experiências etnográficas na Amazônia.
Autoria: Arenildo dos Santos Silva, Anderson Lucas da Costa Pereira (UFRJ/MN)
Autoria: Neste work se apresentará notas de duas experiências etnográficas no contexto amazônico, onde a relação entre religiosidade e materialidade foi observada em vivências e práticas das populações locais. Na dissertação “Pelas Trilhas dos filhos do Sol e da Lua: Memórias das Pinturas Rupestres de Monte Alegre, Pará, Amazônia, Brasil” (2014), buscou-se refletir sobre o conjunto de narrativas acerca das pinturas rupestres da região das serras de Monte Alegre, Pará, para compreender os significados que o patrimônio arqueológico assume no âmbito das relações sociais históricas e contemporâneas dos moradores e visitantes, em específico, a relação que se estabelece entre a paisagem composta por serras, cavernas pintadas e o sagrado. Este espaço hoje foi transformado em uma Unidade de Conservação, na categoria Parque com o objeto de fins turístico e científico, mas que historicamente foi marcada, utilizada e (re)significada em relações distintas e diversas das pessoas, com o local e o sagrado. Ainda em contexto amazônico na dissertação “A Cabocla Mariana e a sua Corte ajuremada: Modos de pensar e fazer festa em um Terreiro de Umbanda em Santarém, Pará (2017), deu-se privilégio à dimensão descritiva e narrativa dos aspectos simbólicos, e materiais expressados pelas verbalizações do Pai de santo e filhos de santo do terreiro, pautados em seus saberes. Durante o campo, foi possível observar a aplicação do verbo ajuremar, e todo o processo de materialização ritualizado na ação de “tornar-se índio”. Os caboclos ajuremados são entidades estrangeiras, que entraram em contato com os espíritos de índios, passando a adquirir os “conhecimentos e personalidades indígenas”, vistos como caboclos cultuados no Tambor de Mina. O mito sobre a fundação do Tambor de Mina na Amazônia nos diz que existe uma Família Imperial turca que foi desalojada de suas terras pela Primeira Cruzada. Essa família, fugindo, embarcou para a Mauritânia em busca de refúgio, porém, na altura do Estreito de Gibraltar, atravessaram um Portal da Encantaria acessando outra dimensão do tempo e espaço. Dito isto, a pretensão deste work em conjunto é apresentar algumas reflexões surgidas durante as pesquisas, de modo a destacar as construções e os processos praticados no âmbito religioso e da materialidade destes na paisagem do amazônida, principalmente, compreender como esses processos de transformação/construção estão presentes nos objetos, ritos e coisas experiencializadas nos espaços observados.
Entre a cidade e o treco: uma leitura sobre o consumo das estátuas do padre Cícero em Juazeiro do Norte/CE
Autoria: Michael Medeiros Marques
Autoria: Este artigo pretende considerar a área da antropologia do consumo e alguns olhares sobre o estudo da cultura material na contemporaneidade, no sentido de perceber como as coisas fazem as pessoas e produzem as relações sociais em cadeia. Reconhecendo que o consumo pode ser visto como um meio de identificação de grupos sociais, inseridos em um projeto de territorialidade e mapeamento, diversificando e ampliando os efeitos do consumo, sua força simbólica, na tentativa de construir uma compreensão mais profunda de uma humanidade não separada da materialidade. Tal estudo faz parte da dissertação de mestrado, o mesmo situa-se na cidade de Juazeiro Norte (Ceará), tendo como objeto o consumo das estátuas do Padre Cícero pelos romeiros devotos. Desse modo, o texto estrutura-se da seguinte forma: há uma apresentação inicial do campo de estudo e sobre o consumo das estátuas do Padre Cícero; damos continuidade analisando os sentidos, significados do consumo do treco (Miller, 2010) Padre Cícero e o sistema de dádivas (Mauss, 2011) como um jogo constante de liberdade e obrigação.
Jorminhót, a estátua sagrada dos Krenak
Autoria: Walison Vasconcelos Pascoal
Autoria: Em 1939 o etnólogo Curt Nimuendaju realizou uma expedição etnográfica que percorreu os estados de Minas Gerais e o sul da Bahia. Na ocasião visitou o Posto Indígena Guido Marlière no médio rio Doce (MG), território dos índios Krenak. Nos poucos dias que permaneceu, Nimuendaju coletou informações linguísticas, sobre organização social, uma série de mitos, e o que interessa a este work, uma estátua antropomórfica de madeira para uso ritual chamada Jorminhót, que atualmente se encontra na reserva técnica do Museu Paraense Emílio Goeldi. O etnógrafo afirma nas suas notas de campo que a estátua é uma “réplica”, algo que os Krenak de hoje em dia refutam seriamente, pois a estátua foi-lhes dada em sonho pelos máret, entidades cosmológicas protetoras, e sua reprodução é um tabu. Jorminhót é o principal “objeto” ritual krenak de que se tem conhecimento, e desde a época em que foi “roubada”, que é a maneira como as narrativas krenak apresentam este acontecimento, não puderam realizar alguns de seus rituais, e, consequentemente, relacionam isso a um “enfraquecimento espiritual”. A proposta deste work é apresentar para discussão os dados levantados na pesquisa etnográfica de doutorado que desenvolvo colaborativamente com os Krenak acerca dos conhecimentos relacionados à estátua Jorminhót. No âmbito deste projeto foi possível levar três índios Krenak ao Museu Goeldi para o reconhecimento do Jorminhót, e para a formalização de um diálogo direto com a direção da instituição sobre o desejo que têm de vê-la novamente no território do Rio Doce.
Judeus ou evangélicos? Novos arranjos materiais sobre o sagrado no movimento pentecostal contemporâneo
Autoria: Thayane Fernandes, Arthur Vinícius Gonçalves Ferreira Rodrigo Ludermir de Oliveira
Autoria: Nas igrejas pentecostais de terceira onda, conhecida como neopentecostais, vimos ressurgir entre os evangélicos a utilização de objetos materiais em seu cotidiano, tendo como o maior expoente a Igreja Universal do Reino de Deus/IURD – através de suas rosas ungidas, vassouras abençoadas, sabonetes que purificam o espírito, dentre outros. Atualmente, nos parece que o cenário se expande em direção a outra religião. Distanciando-se da tradicional matriz religiosa brasileira (Bittencourt, 1996), as igrejas pentecostais contemporâneas/independentes, – juntamente com o Novo Templo de Salomão - consomem e ressignificam o acervo da cultura material judaica. Neste sentido, justificados pela escassez de pesquisas acerca desta temática, objetiva-se aqui discutir essas materialidades através de uma possível recente configuração no campo religioso brasileiro pentecostal, o que chamamos – até o momento - de “reinvenção de símbolos do judaísmo”. Objeto de uma dissertação em andamento, esta nova configuração foi pensada a partir do nosso campo de pesquisa - a igreja Ministério Apostólico Bíblico da Graça/ MABG, que está localizada no bairro do Ibura de baixo, na cidade do Recife, Pernambuco, além de outras igrejas. Fundada por um casal de líderes carismáticos (Fernandes, 2017), a MABG tem 19 anos de existência, cerca de 300 membros e desde o ano de 2014 produz novos arranjos teológicos em suas práticas, estes, fundamentados na utilização de elementos - materiais e imateriais - exógenos ao protestantismo, sobretudo, símbolos centrais no Judaísmo. Tais elementos se manifestam nas celebrações do ritual Shabat e das festas judaicas realizadas ao longo do ano na MABG, que segue, grosso modo, o calendário judaico, estas celebrações, estão repletas de símbolos e rituais realizados pelos judeus – ortodoxos e messiânicos. São utilizados objetos como a quipá, o talit, o shofar, a menorá, a bandeira de Israel, estes, ocupam um lugar dúbio e por vezes, controverso no corpo das práticas da igreja - que cada vez mais aparenta (e afirma) buscar a essência da “igreja primitiva” - ao assumirem diferentes significados nas igrejas pentecostais contemporâneas. Buscamos, por meio do work etnográfico, analisar como este corpo de fiéis mobiliza e é mobilizado pela narrativa e prática simbólica e material da cultura judaica. Refletindo sobre os processos de desencantamento e reencantamento do mundo (Weber, 1982), dialogamos teoricamente com Latour (2012), Appadurai (2008) e Geertz (1989), e posteriormente somos conduzidos a pergunta de reflexão suscitada com este work: quais os fundamentos, efeitos e possibilidades dessa reinvenção e incorporação da cultura material judaica na MABG e, se viável, no pentecostalismo contemporâneo brasileiro?
Materialidades vodu em evidência: a experiência do Bureau d'Ethnologie no Haiti
Autoria: Julia Vilaça Goyatá
Autoria: Em 1941 foi criado no Haiti o Bureau d’Ethnologie, uma instituição que se propunha a ser um centro de pesquisas para a formação de antropólogos ao mesmo tempo que um museu etnográfico para a preservação do patrimônio dito popular e folclórico do país. O projeto, encabeçado pelo antropólogo, escritor e político haitiano Jacques Roumain (1907-1944), fazia parte de um momento de modernização do país após um longo período de ocupação militar norte-americana (1915-1934) na qual construiu-se uma imagem internacional que vinculava o Haiti à barbárie a partir, principalmente, da demonização das práticas religiosas vodu. O Bureau, era assim, uma instituição comprometida em criar uma nova narrativa para o Haiti e para o vodu, ressaltando o país como fonte de uma rica cultura material e como lócus de uma religião original que até então não recebera a atenção devida e os estudos sistemáticos necessários à sua compreensão. A proposta deste work é a de acompanhar o nascimento e os primeiros anos de atividade do Bureau d’Ethnologie, atentando especialmente para o projeto de construção de seu museu, entendendo que a partir desse caso é possível estabelecer uma reflexão profícua sobre os novos sentidos (antropológicos e artísticos) dados às materialidades vodu, e por extensão ao Haiti, a partir dos anos 1940. Desde o estabelecimento da instituição no coração da capital haitiana, os objetos vodu, antes alvo de perseguição religiosa pela Igreja católica e pelo Estado, passam não somente por uma valorização, como também por uma oscilação, que os coloca em um interessante trânsito de sentidos. Eles são ao mesmo tempo objetos científicos, na medida em que são entendidos como registros de uma cultura em desaparecimento; objetos religiosos, já que em relação direta com agências espirituais e parte de práticas rituais; e objetos artísticos, tomados por seus aspectos estéticos e apreendidos em uma rede de circulação internacional da chamada “arte naïf”. Argumento ainda que a recuperação desse momento da história haitiana, de transição no sentido da consideração das materialidades vodu, parece interessante para a compreensão de um imaginário euro-americano mais amplo sobre o Haiti (e ainda presente nos dias atuais). É também nessa época, e não por acaso, que o país começa a ser objeto sistemático de interesse antropológico e etnográfico, bem como de curiosidade artística. Nesse sentido, a emergência das materialidades vodu e a construção de um espaço dedicado à pensá-las se constrói em conjunto com a própria imagem de um Haiti interessante aos olhos estrangeiros.
No Aconchego de um bar, uma cena de proteção: Símbolos religiosos como um elemento de proteção em um bar na Vila Mimosa
Autoria: Pedro Henrique Alves da Conceição Acosta
Autoria: Uma das mais famosas zonas de prostituição carioca está situada na Praça da Bandeira, zona norte do Rio de Janeiro, e é conhecida pelo nome de Vila Mimosa. Essa região tem como uma de suas marcas registradas as noites agitadas e a ampla movimentação de pessoas em busca de prazer, bebida e música. No entanto, percorrer pela Vila Mimosa pode apresentar outros olhares sobre a região, como a questão da presença do religioso nos bares da área. Ao caminhar pelos estabelecimentos da região chama atenção a quantidade de símbolos religiosos nos bares da Vila Mimosa, assim como as disposições e formas organizativas singulares desses objetos no local. Meu intuito é compreender a presença desses objetos em um dos bares da Vila Mimosa, chamado Aconchego Bar, esse estabelecimento é recheado de pinturas e estátuas de santos, carrancas, figas, deusa da fortuna entre outros objetos e tais elementos possibilitam pensarmos como eles configuram o local. Entendo aqui que um dos significados que podemos atribuir a tais símbolos na região é a busca de uma proteção ligada a uma esfera supramundana em um espaço secular, ou seja, a procura através dos santos e outras imagens de uma segurança em um espaço temporal. Sendo assim, acredito que o fenômeno da proteção que é apresentado na Vila Mimosa estabelece algumas redes atuantes no espaço de prostituição que são configuradas e tecidas através da ideia de devoção que está constituída como um pano dessa relação. Diante de aspectos que misturam proteção e religiosidade, a presença de sinais devocionais na região abrem a possibilidade de pensarmos na ação do religioso em um espaço religioso não institucionalizado, como é o caso dos bares na Vila Mimosa.
Notas sobre roupas e fotografias no Terecô
Autoria: Fladney Francisco da Silva Freire
Autoria: O Terecô é uma das religiões afro-brasileiras difundidas na região central do Maranhão, tendo um vasto repertório de entidades organizadas em famílias e cultos aos orixás. No presente work busco apresentar resultados da pesquisa de mestrado realizada no terreiro da minha família biológica e de santo. O foco tem sido entender a importância de fotografias e vestimentas, pois roupas são confeccionadas para entidades como forma de agradecimento, sendo também instrumento de reivindicações políticas. Assim como as indumentárias as fotografias estão no circuito da casa de santo. Nos últimos tempos diversos são os terecozeiros que têm buscado ampliar suas narrativas sobre o mundo religioso, reivindicando um local dentro das diversas esferas sociais. Nesse sentido, roupas e fotografias carregam energias vitais. A peculiaridade desse campo consiste na utilização de imagens feitas por nós integrantes da religião e compartilhadas para o contexto da pesquisa, sempre vinculadas ao sentido da beleza e a possibilidade de uma construção da “história” da casa de santo, algo que é importante para minha família, tendo em vista disputas com outras religiões ditas “oficiais”.
O cru exposto: uma análise sobre o cru em lojas de artigos afrorreligiosos
Autoria: Leonardo Oliveira de Almeida
Autoria: Presentes em todas as regiões do Brasil, as lojas de artigos afrorreligiosos comercializam produtos necessários às mais diversas práticas mágico-religiosas. São comumente chamadas de lojas de umbanda, floras, ervanários, entre outros nomes que podem variar de região para região. Ao adentrarmos em uma dessas lojas, alguns objetos chamavam atenção pela forma como são acomodados. Costumam ser expostos de maneiras incomuns ou até perigosas, caso o mesmo seja feito no ambiente dos terreiros. Para os vendedores, tais formas de organizar, posicionar e acomodar objetos só são possíveis devido ao caráter cru dos produtos comercializados. O cru, que assume diversas formas e propriedades, é característica apreciada por diversos clientes e está relacionado a não proximidade desses objetos a qualquer tipo de consagração e energias provenientes de usos anteriores ou do contato com objetos já ativos (não cru), o que poderia interferir negativamente no andamento dos procedimentos mágicos e ritualísticos a que serão destinados. Tendo como base algumas lojas da cidade de Porto Alegre, argumento neste texto, portanto, que as lojas de artigos afrorreligiosos podem ser compreendidas como espaços preparados para que os clientes adentrem um ambiente de cruezas a serem percebidas e sentidas. Estamos falando, portanto, em maneiras de exposição do cru. Em diálogo com autores que discutem a relação entre religião e exposição de objetos, tais como David Morgan, Steph Berns e Mattijs van de Port, busco compreender como o cru é exposto e de que forma interage com objetos, forças e pessoas.
O Sangue no processo de constituição de pessoas, objetos sagrados e divindades nos terreiros do Recife/PE.
Autoria: Ligia Barros Gama
Autoria: Tema de minha dissertação de mestrado, defendida no ano de 2009, cujo foco foi o simbolismo e as representações deste líquido sagrado, o sangue – agora na tese de doutoramento – continua alvo de minhas atenções sob a luz de outros aportes teóricos inseridos em novas análises. Na ocasião, pude perceber o sangue como um símbolo-chave do candomblé, sendo ele associado nesta cosmovisão a diversos significados, muitas vezes paradoxais. Como principal fonte do axé, é por meio do sangue sacrificial que o povo de santo faz a manutenção desta energia vital – individual e coletiva, incluindo aí os próprios orixás – e dos laços sociais estabelecidos na família de santo. Elemento central no imaginário desta religião, também chamada de xangô pernambucano, o sangue se esvai dos limites físicos dos terreiros, tornando-se um demarcador de identidade religiosa. E por usar o sangue em seus rituais que seus adeptos são estigmatizados e discriminados. Estudar o sangue e seus usos nas religiões indoafrobrasileiras permanece um tema caro à Antropologia, uma vez que este material sagrado circula efusivamente entre os âmbitos rituais e políticos propiciando contextos de tensões e, sobretudo, constituindo pessoas – sejam enquanto sujeitos religiosos sejam enquanto cidadãos engajados –, artefatos sagrados (“o chão come”, “os ilus comem”...) e as próprias divindades, objeto desta comunicação. E, desta forma, a proposta será desenvolvida fazendo uso de dados coletados desde o ano de 2005, quando comecei a esboçar meu interesse pela Antropologia, pelo candomblé e pela presença do sangue em suas práticas sacrificiais, observando como se dá o processo pelo qual o sangue faz o candomblé ser o que é, assim como o processo pelo qual o candomblé faz o sangue ser o que é. Múltiplos.
O Serviço de Higiene Mental e o Catimbó Jurema do Recife: uma analise semiótica dos objetos
Autoria: Raoni Neri da Silva
Autoria: Foi no ano de 1932 que o médico psiquiatra Ulysses Pernambucano de Melo criou o Serviço de Higiene Mental (SHM), órgão que passaria a expedir licenças de funcionamento para os terreiros do estado de Pernambuco. Com a atuação do SHM, criou-se solo fértil para que surgisse a santa aliança — uma intrincada teia de relações recíprocas, na qual se produz, por um lado, o fortalecimento e prestígio de certos pais e mães de santo e, por outro, a exclusão de tantos terreiros do quadro dos tidos como “legítimos”. O work em tela se propõe a descrever e analisar as relações que se estabeleceram entre a equipe do SHM e o campo das religiões indo-afro-pernambucanas. Nesse sentido, me volto aos arquivos para realizar um exercício meta-antropológico; para compreender o contexto simbólico e social daqueles que foram os primeiros antropólogos pernambucanos. Para tanto apresento uma contextualização histórica do momento em que se deu a atuação do SHM, apresento Ulysses Pernambucano, o Serviço e os intelectuais que por eles foram influenciados. Pensando o contexto pernambucano em contraste ao baiano, viso sublinhar suas diferenças, analisando também quais categorias foram acionadas pelos técnicos do SHM para descrever os terreiros que seriam tidos como ilegítimos. Neste quadro, recorrendo a semiologia dos objetos do antropólogo linguista Webb Keane, identifico que o Catimbó Jurema do Recife, devido a sua relação certos objetos, como a bebida alcoólica e o fumo, acabou por encontrar-se em posição desfavorável em relação aos outras religiões de matriz indo-afro-pernambucana.
O Sítio Estrela do Oriente como lugar sagrado: fluxos de energias que se materializam na Pajelança Ecológica (Colares, Nordeste do Pará)
Autoria: Gisela Macambira Villacorta
Autoria: Este work é, em parte, uma releitura do material etnográfico contido em minha tese de doutorado com o objetivo de ampliar os horizontes teóricos feitos na mesma. Por outro lado, a retomada desses dados se faz necessário por eu estar revisitando o meu próprio campo após o falecimento de uma emblemática xamã urbana, que praticava uma forma de xamanismo denominado por ela de Pajelança Ecológica. Neste sentido, os rituais ocorriam principalmente no sítio Estrela do Oriente na ilha de Colares, situada ao nordeste do Pará. Pretendo apresentar a pajelança ecológica através da perspectiva de quatro autores: Carvalho & Steeil (2014) e as Epistemologias Ecológicas, Tim Ingold (2015) e o Ambiente-Mundo e Gustavo Ruiz sobre (2017) a Percepção Sagrada do ambiente. Colares na década de 70 foi o centro das atenções na mídia local, nacional e internacional, por seus moradores afirmarem o aparecimento de ovnis em certos pontos da ilha, como sítios e praias. O sítio Estrela do Oriente desde este período foi frequentado por intelectuais, artistas e adeptos da chamada cultura alternativa, na busca principalmente de um contato direto com a natureza, como também a idéia de preservação do lugar habitado por “encantados da mata” e “do fundo” dos igarapés. Na tese, discuti esses elementos a partir do conceito de misticismo ecológico, atualmente pretendo pensá-los através do ambiente-mundo da encantaria amazônica paraense, demonstrando através da etnografia, como esses encantados se materializam na pajelança ecológica da xamã Rosa azul.
O tambor, o tamborzinho e a feitura do santo: seres materiais na rede de relações do “Reino de Iemanjá e Oxalá” (Pelotas/RS).
Autoria: Luiza Spinelli Pinto Wolff
Autoria: O objetivo central é apresentar alguns dos seres materiais apresentados e problematizados na dissertação intitulada “Seres materiais entre sons e afetos: uma etnografia arqueológica dos objetos em terreiras de Pelotas/RS.”, defendida em 2016/1 (PPGAnt/UFPEL-RS). Esse work possibilitou conclusões sobre a história de vida de seres materiais que compõem os rituais e as formas de associação entre seres heterogêneos em coletivos afro-religiosos. Os seres materiais se associam aos seres humanos e sobrenaturais considerando o alinhamento de axé, isto é, os seres identificam os axés similares, por meio de características físicas e/ou comunicação direta com os seres sobrenaturais, para formar uma associação efetiva com o intuito de agradar os santos. Apresentarei os tambores e os objetos que estão envolvidos na feitura do santo na casa de batuque de nação cabinda chamada “Reino de Iemanjá e Oxalá” (Pelotas/RS). O tambor é um ser material central nos rituais na casa cabinda: quando o alabê inicia o toque, ele chama as divindades, e quando o som cessa, o batuque termina. Além disso, o tambor tem a capacidade de filtrar energias e cativar todos os seres que participam dos rituais. Em contraponto ao tambor preparado aos orixás, existe dentro da terreira os pequenos tambores ou tamborzinhos crus, nos quais as crianças brincam e aprendem a louvar os santos. Crus, porque não são preparados para serem tocados às divindades. As pedras, facas, búzios e frentes/presentes, são alguns dos seres materiais que encontrei compondo a rede de relações dos rituais na casa cabinda. Esses seres podem ser observados em ação quando as/os filhas/os-de-santo são iniciadas/os ou prestam obrigações, e diversos objetos, animais e seres sobrenaturais são associados durante os rituais, o que possibilita a formação de seres múltiplos e heterogêneos, gerando uma infinidade de deveres com os “santos”. A etnografia dos objetos que vem sendo desenvolvida tem como objetivo dar protagonismo aos seres materiais que compõem a rede de relações dentro das terreiras pesquisadas, buscando uma abordagem ontológica e fomentando uma explicação inclusiva, identificando agência em todos os atores envolvidos na produção (e reprodução) das técnicas rituais do batuque e do chamado fundamento religioso. O fundamento é transmitido por meio da relacionalidade entre os seres heterogêneos que compõem o coletivo e se estabelece observando o alinhamento de axé, que possibilita os rituais e a aproximação dos seres sobrenaturais.
Objetos em redes: A exposição dos objetos na sede das Católicas pelo Direito de Decidir e suas relações
Autoria: Giovanna Paccillo dos Santos
Autoria: Este work é parte de uma investigação mais ampla que visa entender o ativismo católico-feminista das Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). O presente work tem como foco de interesse as mídias encontradas na sede da ONG, e as relações que as entrelaçam. Em algumas situações em que visitamos a sede para participar de eventos promovido por elas – como o Café com Luta e as reuniões das Multiplicadoras Católicas –, pudemos notar em um dos ambientes da casa, dois objetos bastante curiosos posicionados nas prateleiras da estante principal: o primeiro objeto era um crucifixo de madeira formado por duas vassouras, carregando em si uma mulher grávida e nua; e o segundo, dois fantoches que formavam um conjunto, um padre e uma freira. A resposta diante de nossos questionamentos foi que o crucifixo havia sido presente de uma organização de mulheres da América Latina, e os fantoches, um presente das Católicas pelo Direito de Decidir do México, como parte de uma campanha chamada Catolicadas. Frente a essa resposta, ficou evidente uma rede de organização latina a qual não dávamos devida atenção. Através de uma perspectiva teórico-metodologica que privilegia a atenção nos objetos encontrados em campo, nossa hipótese é de que as coisas presentes naquela sala não são meramente objetos neutros dotados de uma significação para o grupo, mas eles estão, naquele momento, ao serem expostos, estabelecendo e produzindo relações. Tencionamos descrever e analisar esses objetos para reconhecer os vínculos em rede desses grupos, bem como a consolidação de um conjunto de ícones de identificação.
Objetos sagrados nos ritos tecnológicos
Autoria: Andreia Vicente da Silva
Autoria: Assistindo aos cultos de domingo de algumas Igrejas Assembléia de Deus em Toledo, no Paraná, percebi que seus ritos são extremamente tecnológicos. Projetores, telões, instrumentos musicais eletrônicos, microfones, amplificadores, redes de wifi e celulares podem ser vistos tanto nos momentos de louvor quanto durante a leitura bíblica e a pregação. Alguns destes objetos permanecem fixos no templo enquanto outros são trazidos pelos próprios fiéis que vem para os cultos. No entanto, mesmo diante da aparente pluralidade de tecnologias, percebemos que existem certos limites para a convivência e a substituição das mídias sagradas tradicionais pelas inovações tecnológicas. A partir de dados de campo e de debate bibliográfico impulsionado pelo conceito de formas sensoriais e de ritual proponho refletir sobre a seguinte questão: por que certas novas mídias são aceitas contemporaneamente como componentes do culto e identificadas com o sagrado, ao passo que outras são questionadas e até refutadas? A questão torna-se relevante já que envolve relações entre os fiéis e aqueles objetos tradicionais que já se apresentam consolidados nos ritos e identificados com o sagrado - como por exemplo, a bíblia e a harpa cristã -, como também o uso das novas tecnologias que estão em um processo constante de negociação no universo religioso. De toda forma, a substituição, inovação ou manutenção dos objetos sagrados no culto pentecostal deve ser pensada destacando-se também a dinâmica entre a formalidade e a informalidade, entre a espontaneidade e o padrão, entre a criatividade e a repetição. Portanto, nesta comunicação pretendo explorar de que forma alguns objetos sagrados tradicionais que são utilizados nos rituais pentecostais da Igreja Assembleia de Deus em Toledo, no Paraná, estão convivendo, sendo desafiados ou substituídos por novos suportes tecnológicos. Como pretendo argumentar, estes processos se desenrolam a partir da criação de consensos coletivos mínimos que envolvem elementos cosmológicos, rituais e hierárquicos.
Produção de materialidades e utilização de objetos em igrejas brasileiras no Sul de Moçambique
Autoria: Clayton da Silva Guerreiro, Rodrigo Domenech de Souza (Instituto de Ciências Sociais Universidade de Lisboa, ICS/UL-Pt)
Autoria: O objetivo desta comunicação é discutir a produção e utilização de materialidades – objetos, suas agências e significações – pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) no Sul de Moçambique. Buscar-se-á, nesse sentido, apontar para o imbricado processo de legitimação e de disputa desta específica produção material com aquelas localizadas no campo da “tradição”. Historicamente, a produção de materialidades de caráter religioso naquele país esteve diretamente vinculada às tradições locais. Se no período colonial os agentes ligados à Igreja Católica contribuíram para a produção de objetos de caráter religioso a partir de referência nativas, no período pós-independência, sob o governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o conjunto de práticas e objetos associado à “tradição” foi considerado marca de superstição e de um passado que deveria ser apagado da memória, para que se construísse uma nação “moderna”. Contudo, no início dos anos 1990, o governo moçambicano passou a ter uma nova postura diante do antes perseguido campo tradicional local, em uma situação de ambiguidade na qual alguns de seus objetos e práticas eram admitidos ou até incentivados. Esse contexto coincide com a chegada das igrejas brasileiras ao país, as quais utilizam objetos em seus rituais ou fazem referências aos rituais associados à tradição. A principal delas é a IURD que, assim como no Brasil, utiliza materialidades como rosas ungidas, garrafas d’água e objetos reproduzidos do Antigo Testamento, como a Arca da Aliança, em seus rituais. Segundo os iurdianos, esses objetos seriam “pontos de contato” para que os que frequentam suas reuniões tenham sua fé despertada, superem seus problemas pessoais e vençam os espíritos que seriam responsáveis por causar problemas em suas vidas. Por outro lado, as materialidades associadas à “tradição” são referenciadas principalmente nos vídeos de divulgação da igreja, publicados na TV e na internet, com simulações de situações em que os objetos locais seriam utilizados para causar malefícios nas vidas das pessoas - como desemprego, doenças e problemas conjugais - através de works feitos por curandeiros, feiticeiros ou pela ação de espíritos associados à tradição. Entre as inúmeras materialidades, podemos citar as palhotas que, para os iurdianos, são sempre os locais onde os works são realizados. Sendo assim, pretendemos analisar a produção material e a mobilização de objetos locais associados à tradição por igrejas brasileiras - principalmente a IURD – no contexto moçambicano. Ademais, tencionamos investigar as possíveis tensões sociais decorrentes da utilização desses objetos e as tentativas de legitimação social, em meio às disputas pelos significados atribuídos a determinadas materialidades.
Produzindo prazeres, gerindo pecados: uma etnografia do mercado erótico voltado para evangélicos
Autoria: Maisa Cardozo Fidalgo Ramos
Autoria: Esta proposta se insere na liminaridade entre as conclusões de uma dissertação de mestrado e as questões projetadas para o doutorado. Oriunda de linha de pesquisa sobre gênero e sexualidade, durante o mestrado investiguei lojas de lingerie que revendem produtos eróticos em bairros da periferia sul de São Paulo. Imersa em campo, atenta às dinâmicas engendradas pelos sujeitos, vislumbrei discursos religiosos pentecostais operando moralidades intrínsecas às práticas agenciadas pela venda e consumo de produtos eróticos como géis, vibradores, fantasias e lingeries. Longe de consistirem um caso isolado e peculiar desses bairros, percebi o surgimento de um escopo de pedagogias sexuais que, agenciado mutuamente pelas igrejas e pelo mercado, se baseia em preceitos bíblicos e religiosos para abarcar público evangélico. O “Projeto Gospel” lançado pela ABEME (Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e Sensual) visa capacitar “consultores de casais”, categoria profissional especializada na venda e nos usos de produtos eróticos para aprimoramento do relacionamento conjugal. O mercado erótico voltado para evangélicos além de mediador é mobilizador de moralidades sexuais em um movimento amplo e complexo. As estratégias de venda, discursos de publicidade e narrativas sobre práticas de consumo desse nicho comercial sugerem a emergência de novas possibilidades de prazeres e normatividades sexuais. Usar ou não determinado artigo com base em recomendações bíblicas ou eclesiásticas é o propulsor desse mercado atento à expansão demográfica pentecostal dos últimos anos. O agenciamento de artigos eróticos a partir de retóricas religiosas pretende, no limite, salvaguardar o casamento cristão, instituição que cristaliza a sexualidade e os valores morais percebidos como em derrocada. Acionando discursos de cuidado, preservação, auto estima e terapia, o mercado erótico evangélico desloca de forma complexa os possíveis sentidos pornográficos inscritos nos produtos em prol do aprimoramento dos relacionamentos cristãos. Nesse sentido, essa proposta pretende articular os resultados do mestrado, revelando de que forma os produtos eróticos enredam enunciados e práticas sobre religiosidades, saúde, terapia, consumo, gênero e sexualidade no interior de uma gestão evangélica da vida e da sexualidade.
‘‘No tempo da Bíblia’’: Mediações e produção de fronteiras para produtores/as e audiências de uma teledramaturgia bíblica a partir das suas evocações temporais e estéticas.
Autoria: Jorge Helius Scola Gomes
Autoria: Já se vão mais de trinta anos desde que Johannes Fabian anunciava que o problema do tempo em antropologia dizia respeito à coetaneidade e suas formas de elaboração. Minha apresentação recorta dados etnográficos de minha pesquisa de doutorado em andamento, junto ao PPGAS/UFRGS, a respeito da produção, da recepção e da circulação de uma teledramaturgia baseada em textos bíblicos veiculada pela Rede Record de Televisão, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus. Assim, por um lado interessa-me diretamente pensar a sobreposição de significações nestas narrativas e suas formas de divulgação que passam não só pelos registros do religioso e dos itens da indústria cultural, mas também pelas tentativas de circunscrição de dados episódios como ‘‘históricos’’, tendo em vista ainda as intersecções entre folhetim e mito. Persegue-se com este objetivo os esforços de produtores destes itens e as formas de recepção por alguns agentes de sua audiência por meio, especialmente, dos discursos sobre o tempo e as formas de concepção de ambiências destas histórias que roteirizam e levam a público narrativas sobre, por exemplo, os milagres de Jesus (minissérie Milagres de Jesus, novela corrente Jesus), combates de guerra entre o povo hebreu em sua busca de libertação (novela Os Dez Mandamentos) ou da reunião de pessoas religiosas ‘‘e de bem’’ diante da iminência da dominação mundial pelo Anticristo (novela Apocalipse). Aproveita-se o diálogo teórico profícuo com autores/as envolvidos na ‘‘virada midiática’’, que têm desenvolvido analíticas para pensar a dimensão material da religião e o work das mediações diante de situações em que o que é tido como religioso ou a forma de acessá-lo se dá por chaves que não opõem matéria e espírito ou coisas e crenças, senão desde uma perspectiva etnográfica, salientando disputas, negociações e acomodações a partir da perspectiva de diferentes agentes. Por outro lado, ainda, interessa-me pensar como a questão do meio aparece, em momentos em que o ‘‘imediatismo’’ das ‘‘mídias’’ religiosas é colocado em suspeição.
“Com a proteção de Jorge”: religião, política e proteção na cidade do Rio de Janeiro
Autoria: Ana Paula de Souza Campos
Autoria: O cenário carioca presente nas festas em comemoração a São Jorge, que acontecem anualmente no dia 23 de abril, reúne milhares de pessoas nas ruas, praças, quadras de samba, igrejas, terreiros e centros culturais na cidade do Rio de Janeiro interligando agentes de diferentes religiões como umbanda, candomblé e catolicismo. São Jorge é o santo patrono da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do estado do Rio de Janeiro e é considerado por muitos o padroeiro da cidade. São Jorge é cultuado, sobretudo, como um “santo protetor” e “guerreiro” e a sua devoção tem ganhado expressão no espaço público da cidade após a instituição do feriado de São Jorge no município e no estado. Ao analisar um campo religioso formado por diferentes agentes que circulam nas atividades em comemoração ao dia de São Jorge na esfera pública carioca privilegiarei os símbolos e representações presentes nos materiais construídos, mobilizados e usados por eles nesse dia. Dessa forma, pretendo reconhecer a agência desses objetos carregados de “intencionalidades complexas” (GELL, 2001) e que, por isso, nos permitem refletir desde a micropolítica à macropolítica da cidade. Ao serem confeccionados, expostos, comercializados, doados, passados de geração em geração, oferecidos de presente, ofertados ao santo, carregados pela multidão, há em tais objetos um pouco de todas essas gentes. Na elaboração, manipulação, venda, consumo e contemplação o objeto é colocado em circulação e relaciona pessoas em redes ao serem trocados, ao serem passados entre muitas mãos. Tais objetos ocupam, por isso, um lugar central e indispensável no dia do feriado em homenagem ao santo. A figura de São Jorge possui certos símbolos que lhe são associados de maneira genérica e, inclusive, massificada por meio dos santinhos, fitinhas, imagens de gesso e cerâmica, anéis, cordões: as muitas coisas de Jorge. Em todas elas vemos a imagem do santo montado em seu cavalo matando o dragão: um homem, militar, cristão e nobre. Nesse sentido, meu intuito no work será pontuar alguns desses símbolos e representações associados ao santo São Jorge a partir do work de campo realizado em 2017 e 2018 nas festividades de seu feriado em duas igrejas dedicadas ao santo no centro e no bairro de Quintino Bocaiúva. Os fiéis de São Jorge se identificam com o santo por serem eles a combater dragões, a guerrear todo dia quando a ameaça à vida é constante. Na devoção ao santo se conciliam paz e violência, dor e proteção. Assim, tematizando religião, cidade, gênero e violência, pretendo, analisar o contexto carioca em que diferentes agentes (políticos, militares, policiais, milicianos, agentes religiosos, artistas, fiéis, etc) se articulam tendo a proteção de São Jorge como mote de suas relações.
“Não precisa de legenda”: circulação imagética de “memes” na internet a partir das narrativas de testemunhos de conversão evangélicas
Autoria: Helena Santos Braga de Carvalho, Victória Alves Junqueira
Autoria: Este work busca compreender os processos de conversão e produção de testemunhos de artistas populares anteriormente associadas a contextos de grande exposição do corpo. Para tanto, realizamos nossa abordagem analisando a produção de “memes” que representam de alguma forma a experiência desses sujeitos. Aqui destacaremos os casos de Andressa Urach e Viviane Bruniere. Cada vez mais a experiência de conversão dessas subcelebridades vem ganhando espaço em mídias físicas e digitais que possibilitam a difusão de seus testemunhos. (BISPO, 2016). Tais subcelebridades expõem constantemente narrativas que apresentam como suas vidas se transformaram por meio da religião. Esses testemunhos tomam forma de vídeos e livros amplamente divulgados em mídias sociais edificando novos imaginários a respeito dessas personas. A pesquisa vem sido desenvolvida na Universidade Federal de Juiz de Fora, é intitulada: “Testemunhos e Transformações: narrativas, emoções e moralidades femininas na conversão religiosa de artistas populares”. Novos estereótipos em relação à essas subcelebridades são divulgados, vinculando as experiências de vida do “antes” e “depois” da conversão principalmente por meio de imagens que enfatizam momentos emblemáticos dessa transformação identitária. Nesse contexto consideramos a figura dos “memes” como produções centrais que conjugam toda a narrativa dessas subcelebridades e a repercussão midiática das mesmas através de uma composição imagética. Os “memes” são compreendidos como um conjunto de elementos digitais que compartilham forma e conteúdo e são imitados e editados através da internet por diversas pessoas (SHIFMAN, 2014). O uso de “memes” é extremamente contextual, dessa forma, o entendimento de um “meme” perpassa por captar referências de uma sociedade ou grupo, neste caso “memes” inerentes ao público evangélico, criados principalmente com base no cotidiano das igrejas e com referências à subcelebridades convertidas. Buscamos investigar a construção de sentido nessas representações por meio da análise de “memes”. Entendemos que a imagem se encontra como um elemento primordial para representar a síntese de ideias, uma vez que cada “meme” possui referências a outros temas e conteúdos que possibilitam o consumo dessas imagens. Os “memes” também são utilizado pelas artistas como ferramenta para compor suas novas identidades, evidenciar as transformações geradas pela conversão e perdurar o conteúdo de seus testemunhos. REFERENCIAS: BISPO, Raphael. 2016. “Tempos e silêncios em narrativas: etnografia da solidão e do envelhecimento nas margens do dizível”. Etnográfica, n. 20, v.2, p. 251-274. SHIFMAN, L. Memes in a Digital Culture, 2014, The MIT Press Essential Knowledge series.