Cinque Terre
GT 051. Performances e marcas da religião na cidade
Emerson Giumbelli (UFRGS) - Coordenador/a, Edilson Pereira (UERJ) - Coordenador/a, Christina Vital da Cunha (Universidade Federal Fluminense) - Debatedor/a
O tema da religião encontra na Antropologia uma longa tradição, com pesquisas seminais sobre o seu papel na vida social e suas formas de expressão material e simbólica. Performance, por sua vez, tornou-se tema de estudo antropológico especialmente nas últimas décadas do séc. XX, em profícuo diálogo com outros campos de conhecimento. Notabilizou-se, sobretudo desde os anos 1990, a presença da religião em gramáticas e estéticas acionadas por atores identificados com os mundos da política, da cultura, do turismo, do crime em interações materializadas e/ou que se desenrolam em “áreas públicas”, periferias e outros espaços citadinos. Ao aproximar esses temas, o GT busca avançar sobre fronteiras conceituais e metodológicas na investigação de modalidades de ação e comunicação no espaço urbano, dando ênfase a performances e materialidades. Trata-se de uma via de acesso aos processos sociais que refletem o papel da religião na experiência urbana e nas modalidades de compreensão da cidade. Deste modo, interessam-nos estudos etnográficos que enfatizem composições, conexões, controvérsias e disputas entre atores sociais que articulam espaço urbano e religião a partir de performances e marcas (monumentos, arquiteturas etc.) com inflexões mais amplas na vida social. Nosso objetivo é reunir estudiosos que, interessados em dinâmicas do religioso da e na cidade, apresentem abordagens criativas sobre movimentos e intersecções performadas entre valores, estéticas, territórios e temporalidades.
Resumos submetidos
"Blessed Be": performances da Velha Religião na Praça da República na cidade do Recife
Autoria: Arthur Vinícius Gonçalves Ferreira
Autoria: Essa produção tem como objetivo compreender a performance religiosa de grupos de Bruxaria Moderna e sua relação com o espaço urbano da Praça da Republica, localizada em Recife, Pernambuco. Aqui se propõe uma contribuição às pesquisas acerca da Bruxaria Moderna no Brasil, religião pertencente ao movimento neopagão, estudado por aproximadamente duas décadas, e que carece de um aprofundamento epistêmico em particular nas categorias pertencentes à Antropologia, como ritual e performance (Castro, 2017), tema de minha dissertação de mestrado em andamento. A análise é feita pelo caráter individual/coletivo da religião, que evoca os desafios do culto doméstico, e consequentemente dificuldades na utilização de elementos que constituam representação material da sua cosmologia; pela praça em questão já ser utilizada há mais de uma década como espaço de encontro de grupos praticantes de bruxaria, na qual foram realizadas idas a campo em 2016, 2017 e começo de 2018; pela construção de uma relação com as estátuas presentes no espaço, intensificadas pela mitologia que permeia a liturgia presente na religião e pela bruxaria moderna conter em si um caráter de nebulosa místico-esotérica (Champion, 1974); e, pelo desafio às formas de organização do "religioso" no Brasil (Giumbelli, 2002) incitando reflexões sobre seu caráter de expressão religiosa, que deixa de ser prerrogativa exclusiva de igrejas no seu sentido clássico, portanto, impossível de ser separada das transformações que acontecem no meio social (Guerriero, 2006). Desse modo, foi realizado por meio de pesquisa qualitativa, work de campo, observação participante, captação de fotos e entrevistas, uma tentativa de aproximação de questões da performance no campo religioso a partir da participação em rituais dos três principais grupos de bruxaria moderna da cidade que sediam seus encontros nessa praça, para entender o que esses dados etnográficos podem nos dizer sobretudo do local da performance pública dentro da organização social da religião. O work se encontra dividido em: a) breve histórico da praça da República e seu contexto urbano; b) uma contextualização histórica da religião, em escala do Brasil para sua presença em Pernambuco; c) uma análise do caráter individual/coletivo do culto como motivo para frequentar espaços públicos; d) uma descrição dos grupos existentes, periodicidade de encontros no local e os motivos para frequentar a Praça da República em específico e sua relação com as teorias da performance pública religiosa; seguido então por considerações finais e contribuições para uma melhor percepção do fenômeno religioso contemporâneo.
"Graças a deus, a maioria ficou evangélico": a redefinição moral do bairro com a chegada da religião evangélica.
Autoria: Renan Lubanco Assis
Autoria: Esta proposta visa discutir o a redefinição dos repertórios morais de um bairro da cidade de Campos dos Goytacazes – RJ, após a entrada da religião protestante. A localidade, antes conhecida por ter dado continuidade as práticas relacionadas aos valores de matriz africana e pela forte presença de um catolicismo popular, é tomada por uma religiosidade que esvaziou um espaço público que outrora fora ocupado por mães de santo na realização dos works, folias de reis, festas de Cosme e Damião, rodas de jongo, dentre outras práticas que eram tomadas como importantes demarcadores morais do lugar. Na medida em que o protestantismo foi adentrando, houve uma redefinição da rotina do bairro, pois famílias inteiras que frequentavam/organizavam as festividades, seja em terreiros, seja relacionadas ao catolicismo popular, se converteram; o que fez com que houvesse um significativo aumento da religiosidade protestante no lugar, com os seus sinais e símbolos visíveis e atuantes em um espaço público, que sequer rememora as tradições de matriz africanas, que hoje se fazem presentes apenas em espaços semipúplicos, dada a subordinação desta a uma moralidade evangélica. Esta proposta é fruto de um work etnográfico realizado entre os anos de 2013 e 2015 em um bairro de expansão urbana que fora criado entre os anos 1920 e 1930 pelo então proprietário das antigas terras que compreendia a localidade. A princípio, o bairro fora ocupado, predominantemente, por uma população negra que trabalhava nas lavouras de cana de açúcar das usinas que exerciam uma grande influência econômica e simbólica na região como um todo. Após um novo processo de ocupação do bairro nos anos 1940, em decorrência de um projeto de remodelamento da cidade, o local começa a receber novos grupos, sobretudo, batistas, que em 1944 já estavam construindo um templo.
"Os Peregrinos de Nossa Senhora: aparições marianas entre o "novo" e o "antigo "na cidade de Belém"
Autoria: Patricia Norat Guilhon
Autoria: Sem dúvida alguma, as aparições marianas se constituem em um fenômeno de longa duração histórica, que vem no decorrer do tempo, se renovando e se resignificando em diversos contextos sócio culturais. Tendo como estudo de caso, o evento das aparições para a vidente Vanda que afirma receber mensagens da Virgem Maria por meio de visões e locuções interiores há quase trinta anos na cidade de Belém, na qual em torno dela e desse evento se constituiu uma comunidade religiosa chamada Casa de Oração, que atrai dezenas e até centenas de pessoas para participarem de seus rituais. Nesse sentido, pretendo analisar nesse work, não apenas os aspectos permanentes, mas, sobretudo, enfatizar os "novos" padrões e "novas" configurações que se inscrevem no interior desses eventos no cenário religioso atual. Diferente do que ocorria no "passado" as aparições atuais também têm surgido nos centros urbanos. Além disso, esses eventos podem acontecer onde seus videntes e mensageiros estiverem, e se deslocam com eles por diversos espaços nas cidades, em diferentes paróquias, nas casas dos fiéis, ou em outros locais, nos mais diferentes bairros das cidades, assim como, no caso aqui estudado, também têm se movimentado junto com a vidente trilhando o percurso inverso, ou seja, as aparições voltam ao seu "nicho original" e Nossa Senhora através da sua visionária tem se manifestado em localidades distantes, na área rural do Estado do Pará, e dessa maneira, formando "novas communitas" num ir e vir constante entre a cidade e o campo e vice-versa. Desta forma, temos uma tripla movimentação acontecendo ao mesmo tempo: Nossa Senhora que peregrina, a vidente que peregrina levando consigo essas manifestações e os peregrinos que se deslocam para participar dos rituais das aparições. Outro aspecto que merece se destacado, reside no fato de que essas manifestações podem ocorrer a qualquer momento, do dia ou da noite, inclusive com os videntes transmitindo pela internet em tempo real as mensagens recebidas da Virgem Maria. Desse modo, as aparições adquirem um novo perfil, se tornando cada vez mais "desterritorializadas", com a constante circulação dos seus agentes, das aparições e das mensagens que circulam por diferentes lugares, e se utilizando de diferentes recursos, e, portanto, configuram um "novo" padrão para o fenômeno das aparições que se reflete tanto no contexto das grandes cidades, quanto nos "novos" desenhos que a relação cidade-campo assume a partir do fenômeno extraordinário da presença de Nossa Senhora na Terra.
A festividade de Rei Sabá em São João de Pirabas: religião, cultura e outros compósitos
Autoria: Hermes de Sousa Veras
Autoria: Todo dia 20 de janeiro em São João de Pirabas, celebra-se a festividade do Rei Sabá. A cidade está localizada no nordeste paraense, conhecida como região do salgado por ter suas águas banhadas pelo oceano atlântico. Rei Sabá, corruptela de Rei Sebastião, é uma entidade que pertence ao panteão dos encantados, seres que não conheceram a experiência da morte, e sim, transformaram-se em entes que possuem seu próprio território – a encantaria – e se manifestam, a partir dele e de outros agentes, no mundo da superfície, pois a encantaria está no fundo, sendo realidade oposta, e às vezes espelhada de nosso mundo. Por conta de sua história e multiplicidade, Rei Sabá tem em suas características aspectos do Rei Sebastião, personagem histórica portuguesa que desaparecera na batalha de Alcácer Quibir, em 1578 no Marrocos. Além de comungar com outras personagens, tais como São Sebastião, por serem palavras homônimas e por conta de sua comemoração ser também no dia 20 de janeiro pela igreja católica; e Oxóssi, por conta das aproximações e separações que já acontecem entre o santo e o orixá pelas religiões afro-brasileira. Portanto, no dia 20 de janeiro, mães e pais de santo, juntamente com a prefeitura e outros agentes públicos e outras organizações, mobilizam-se para a celebração, ocorrendo na Praia do Castelo, orla da Ilha da Fortaleza que fica há aproximadamente meia hora de barco, saindo da cidade de São João de Pirabas. O local onde ocorre a festividade não foi escolhido sem razão, nele encontra-se uma pedra outrora antropomorfa, aparentando uma pessoa sentada em posição de meditação. Esta pedra é tida vezes como o Rei Sabá, ou como a sua pedra, que não é mais antropomorfa por conta de obras feitas pela prefeitura, sendo inserida uma base de concreto na pedra para sustentá-la perante as intempéries do tempo e das águas. A ação acrescentou mais uma camada de significação à pedra. Além de sua materialidade vivenciada por afrorreligiosos e pescadores da região, a pedra também virou o Monumental Místico do Rei Sabá. Para a realização da festividade, dois tipos de discursos são produzidos: a festividade enquanto expressão da religiosidade popular ou pertencente à cultura da cidade, que se relacionam e se desdobram em muitos outros. Na véspera da comemoração, autofalantes transitam em veículos motorizados, anunciando a festa enquanto expressão da religiosidade popular, da cultura e da história da cidade. A partir de work de campo realizado no início de 2018, trago aspectos da performatização da festividade empreendida por religiosos e agentes públicos. O objetivo é pensar como são construídas diversas cidades, públicos e imagens, levando em consideração o entrelaçar de agenciamentos entre encantados, seus territórios, os agentes públicos e os afrorreligiosos.
A procissão a São Pedro: o ritual e seus percursos indefinidos em Boa Vista, Roraima.
Autoria: Cristiane Bade
Autoria: A procissão a São Pedro acontece no município de Boa Vista, estado de Roraima desde o ano de 1957. Durante esses anos esse ritual católico sofreu diversas mudanças, mas a que mais alterou sua estrutura foi a do ano de 2004, com a construção da Orla Taumanan. A construção dessa obra gerou a destruição do Porto de Cimento e da sede da colônia de pescadores, afetando significativamente o trajeto da procissão fluvial e a participação dos pescadores nesse ritual. Desse modo, essa pesquisa tem como objetivo analisar os impactos que a construção da Orla Taumanan teve na performance da procissão fluvial em homenagem a São Pedro. Assim, essa comunicação igualmente discute sobre esse ritual na experiência urbana e como suas formas de expressão simbólica foram afetadas ao longo desses anos. Esse estudo faz parte da pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, em parceria com a Universidade Federal de Roraima (DINTER UFPE/UFRR). A proposta metodológica, portanto, deste work, de natureza etnográfica, envolve a utilização de observação, análise de documentos e entrevistas com pessoas que que participaram da procissão ao longo desses anos, em especial pescadores e fieis mais assíduos da procissão.
AS Controvérsias da Presença Religiosa no Espaço Público Pelotense
Autoria: Isabel Soares Campos
Autoria: Percebendo que há uma reatualização nas discussões teóricas nas ciências sociais acerca das relações entre religião e espaço público – religião e política – que chamam a atenção para o paradigma weberiano da secularização, compartilho com a ideia de alguns autores que problematizam esta noção da secularização e também da laicidade para trazer à reflexão as distintas construções de diálogos (entre atores religiosos e laicos) e estratégias de legitimação da presença religiosa no espaço público. Nesse sentido, a proposta do presente estudo é analisar e refletir sobre este tema a partir de duas marchas religiosas que ocorrem tanto em âmbito nacional, quanto local (na cidade de Pelotas/RS): a Marcha para Jesus (de matriz religiosa cristã) e as Marchas Contra Intolerância Religiosa (de matriz religiosa não-cristã). A primeira Marcha para Jesus no Brasil aconteceu na cidade de São Paulo em 1993 e foi organizada pelo Apóstolo Estevam Hernandes, um dos fundadores da Igreja Renascer em Cristo. Em razão da importância que esse evento adquiriu ao longo dos anos, em 2009, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou o Dia Nacional da Marcha para Jesus, comemorado no período próximo ao feriado cristão Corpus Christ. Segundo material de websites, a primeira Marcha para Jesus em Pelotas ocorreu em 1996 e desde 2012, conforme a Lei nº 5.954, a marcha está no calendário oficial do município, estabelecendo a sua data para o terceiro sábado do mês de novembro. Assim, a Marcha para Jesus que acontece em Pelotas não segue a data estabelecida pela lei federal, a qual já ocorreu em outras cidades do país, mas na localidade ainda não. Deste modo, em razão da minha pesquisa estar dando seus primeiros passos e a Marcha para Jesus não ter ocorrido na cidade, não tenho dados empíricos do evento, apenas material recolhido nos websites, o que torna a pesquisa ainda muito superficial em relação a esta presença da marcha cristã para discorrer sobre a configuração do espaço público pelotense a partir desse movimento religioso cristão. No entanto, a Marcha contra a intolerância religiosa, a qual já participei de algumas em razão da minha pesquisa de mestrado sobre os impasses em relação à realização da Festa de Iemanjá (manifestação religiosa de matriz africana que ocorre há mais de sessenta anos), já aconteceu na cidade de Pelotas e o tema esteve relacionado a uma recente discussão de nível nacional: a proibição de sacrifícios de animais em rituais religiosos. Essa marcha eu tive a oportunidade de participar e pretendo dar mais ênfase para este movimento para refletir sobre a controvérsias da presença religiosa no espaço público pelotense.
Batalhas periféricas: juventudes, religiosidades e espaço público
Autoria: Regina Célia Reyes Novaes
Autoria: Batalhas periféricas: juventudes, religiosidades e espaço público Regina Novaes Nos dias de hoje - em que se amplia a própria noção de espaço público - a expressão “politicidade” tem sido utilizada para indicar ações políticas que não estão restritas aos momentos eleitorais e aos circuitos formais de representação mas acontecem simultaneamente em múltiplos espaços presenciais e/ou virtuais. Se é verdade que vivemos um tempo de produção de performances destinadas a alimentar (sobretudo on line) nossa “intimidade pública” (Winocur, 2012), neste work se analisa exercícios de “intimidade (com causa) pública” (Novaes, 2017) nos quais “falar de si” (e de sua religiosidade) é parte constitutiva de narrativas militantes de jovens moradores de periferias urbanas. Em saraus, encontros, batalhas poéticas/slams e canais do youtbe esses jovens “falam de si” publicizando seu pertencimento religioso e - a partir daí - definem aproximações políticas desejáveis e indesejáveis. A rigor o que se observa são jovens testando possibilidades de produzir e impor representações capazes de interferir na reprodução de dinâmicas e de hierarquias que estruturam relações de poder em instituições religiosas e territórios urbanos. O objetivo é - por meio da abordagem antropológica - refletir sobre possíveis (e ambivalentes) efeitos sociais de suas ações performáticas.
Cirurgia Mediúnica de João de Deus: chamariz de turismo religioso internacional e de processos judiciais
Autoria: Carolina Pereira Lins Mesquita, Roberto da Silva Fragale Filho
Autoria: João de Deus, conhecido internacionalmente como John of God, atende desde 1978 na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás. Trata-se de brasileiro que pertence a uma tradição de médiuns cirurgiões. Na atualidade é o último e o mais longevo representante no país desta linhagem de praticantes de operações com instrumentais cortantes, sem assepsia ou anestesia, por meio da incorporação de espíritos. A performance do médium - estranha ao cotidiano ordinário, espetacularizada, filmada e veiculada em canais televisivos estrangeiros (e.g. ABC News, CNN, Oprah show, Discovery Channel) - é realizada no palco central da instituição, presenciada por numerosa platéia heterogênea, marcada pelo sofrimento enquanto tônica identitária. A vertente terapêutica mediúnica, tal como a de João de Deus, voltada especificamente para a cura, encontra-se em um terreno (movediço): uma interseção limítrofe de religião/magia, clínica e crime, por invadir a jurisdição médica-científica e não ser associada à categoria histórica do “espiritismo legítimo”, este assimilado social e juridicamente como religião (ainda na vigência do Código Penal de 1890). Não obstante a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura como direitos fundamentais a liberdade religiosa e a autonomia dos sujeitos quanto à escolha pelo tratamento médico, a judicialização das práticas do médium foi constatada, para além do perceptível em campo e do descrito na literatura. A partir das pistas de Giumbelli (2003), lançadas em exploração antropológica de fontes historiográficas, foram analisados todos os processos instaurados em face de João Teixeira de Farias na Comarca. Este paper se baseia em investigação etnográfica que articulou dois tipos de pesquisas: i) a de campo, com observação participante e; ii) a documental, com análise de 05 processos judiciais, inquéritos policiais e reportagens jornalísticas. Deste modo, mediante a análise articulada entre o dito nos processos e a realidade observada em campo, operando com os instrumentos texto e contexto, a questão desta análise é: de que maneira a performance de João de Deus atua como fator propulsor de turismo religioso internacional, atribuindo contorno particular à cidade de Abadiânia e, ao mesmo tempo, contribuiu para a instauração de processos em desfavor do médium.
Dinâmicas da cidade: reflexões sobre diversidade religiosa e ocupação do espaço público
Autoria: Juliana Cintia Lima e Silva
Autoria: A disputa pela hegemonia no campo religioso brasileiro, expressa na correlação de forças entre catolicismo e pentecostalismo, se processa dentro dos limites ideológicos e simbólicos do cristianismo revelando que outras expressões religiosas permanecem em uma condição desfavorável dentro do cenário nacional. As reconfigurações aventadas pelo crescimento da influência neopentecostal também se expressam em um confronto direto contra expressões religiosas de matriz afro-brasileira em um embate que envolve uma dinâmica territorial e simbólica específica expressa em contextos socialmente demarcados. Diante desta conjuntura é importante destacar que as dinâmicas do contexto religioso não estão circunscritas ao âmbito das relações dos sujeitos com os sistemas de crença, tampouco se expressam apenas nos espaços socialmente reconhecidos como religiosos. Elas permeiam a sociedade e são parte constitutiva do espaço público, estão presentes no cotidiano urbano através de diferentes intervenções e ações, organizadas por vários atores religiosos que disputam, se articulam ou se contrapõem em exibições públicas do seu exclusivismo religioso. Como destaca Gomes (2008), a exposição da religião no espaço urbano – em suas mais distintas manifestações – é a um só tempo uma estratégia de legitimação e visibilização. Este é um aspecto fundamental da reflexão sobre determinadas manifestações religiosas contemporâneas no que se refere a sua concepção e modo de ação, bem como a incorporação de novos olhares e atitudes em relação aos espaços considerados “mundanos”. Assim como Gomes (2008), compreendo os eventos religiosos como momentos que possibilitam a um grande contingente de indivíduos vivenciar a cidade, acessar espaços urbanos que lhes são negados, atribuir significado à cenários que não fazem parte de seu cotidiano de circulação e operar uma ocupação e transformação momentânea do espaço público em torno de determinados interesses, motivações e performances. Considero relevante, enquanto objetivo principal desta proposta, refletir acerca da forma como eventos religiosos se configuram dentro da dinâmica de ocupação do espaço público no contexto contemporâneo influenciando e sendo influenciados pelas lógicas da cidade. Pretendo explorar esta temática através da análise da polêmica gerada em torno de uma publicação postada em uma rede social, pela vereadora e missionária evangélica Michele Collins, que gerou fortes reações dos diversos segmentos das religiões de matriz afro-brasileira e provocou intenso debate público acerca da liberdade religiosa, mobilizando diversos atores sociais, entre eles o Ministério Público de Pernambuco e a Comissão de Ética da Câmara de Vereadores do Recife.
Elementos do Sagrado: Um panorama festivo das comunidades de Arraial D'ajuda e Vale Verde (BA)
Autoria: Hatus Lima Brito
Autoria: O presente work se intitula Elementos que constituem o sagrado nas festas religiosas das comunidades de Arraial D’ajuda e Vale Verde (BA). Ele é o resultado de uma pesquisa etnográfica realizada em conjunto com o Grupo de Pesquisa Dinâmicas Territoriais e Ruralidades Contemporâneas (DIRTEC) durante minha formação no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (Universidade Federal do Sul da Bahia). Essa pesquisa deu início ao meu percurso formativo no campo da Antropologia festiva e foi decisivo para meu atual ingresso no curso de Antropologia da mesma universidade. Neste work, busca-se interpretar os fenômenos festivos de uma região camponesa do Sul da Bahia (com vívida cultura católica, reflexo de seu passado jesuítico, expressado no panorama organizacional, arquitetônico e sociocultural) como modos de expressão cultural. Em outras palavras, trata-se de interpretar os fenômenos festivos religiosos locais a partir da construção de um sentimento sagrado, da manutenção e continuidade dos festejos e das relações e interrelações recorrentes nestas festividades nas dinâmicas territoriais dos espaços visitados. Trata-se também de apreender as relações dos grupos e comunidades durante o período festivo a partir das chaves da identidade, tradição, religião e cultura, dimensões que estão circunscritas na dinâmica festiva das comunidades visitadas. Do ponto de vista metodológico, mais do que uma simples descrição de um conjunto de práticas existentes, a todo momento tentou-se, a partir de uma etnografia, construir um horizonte participativo e interpretativo de reconhecimento cultural sobre os modos de expressão vivenciados nas localidades de Arraial D’Ajuda e Vila Verde.
Igrejas Rebeldes: uma etnografia da disputa pastoral entre fundadores de microigrejas pentecostais
Autoria: José Edilson Teles
Autoria: Essa pesquisa pretende mapear a posição discursiva de diferentes agentes em torno de uma específica disputa jurídico-pastoral pelo estatuto de igreja legítima. A fim de investigar a configuração de uma disputa em torno dos elementos materiais e simbólicos da categoria “igreja”, tomo como eixo a trajetória de leigos que ascendem a pastores (pentecostais) e fundadores de suas próprias igrejas. Sem garantias de sucesso e marcados pela expectativa de fracasso devido às acusações de “clandestinidade” e “rebeldia” (por parte dos rivais), os leigos-pastores disputam não apenas a adesão dos fiéis, mas também as “armas jurídicas” da legitimação, isto é, os dispositivos jurídicos institucionais (CNPJ, por exemplo) e o prestígio pastoral. A pesquisa tem como ponto de partida as seguintes questões: de que modo os mecanismos jurídico-burocráticos são apropriados como elementos de distinção institucional e pastoral? No que diz respeito às atividades dos leigos-pastores, quais são as regras e os critérios que definem as “marcas” do sucesso (ou fracasso)? A fim de enfrentar essas questões e em contraposição às abordagens que tendem a essencializar o conceito de religião (ou a categoria igreja), procura-se problematizar e compreender a construção das normas coletivas que produzem o estatuto de igreja legítima e a distinção pastoral. De modo específico, esse projeto investe numa etnografia e análise das práticas religiosas como regras, de acordo com as quais, os agentes não agem sem levar em conta os constrangimentos coletivos.
Marcas na favela e nos alojamentos: a manifestação religiosa de adolescentes em conflito com a lei
Autoria: Fernanda Azevedo da Silva
Autoria: Em duas instituições masculinas de cumprimento de medida socioeducativas situadas na região metropolitana do Rio de Janeiro, o Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (CRIAAD) localizado em Duque de Caxias e a Escola João Luiz Alves (EJLA) na Ilha do Governador, por meio de incursões a campo feitas através da assistência religiosa, analiso a relação entre a materialidade da vida no tráfico e a representação da imagem de Deus pelos meus interlocutores, adolescentes rapazes de 12 a 18 anos predominantemente, podendo chegar aos 21 anos. Eles se declaram evangélicos e, embora não estejam vinculados a nenhuma instituição, identificam-se com as linhas pentencostal e neopentencostal. A figura de Deus é representada a partir da masculinidade, força, enfrentamento e vigilância. A análise etnográfica foi composta de relatos, percepções e reações colhidas e captadas por meio de observação participante e de um exercício de recuperação da memória de eventos ocorridos anteriormente ao início formal desta pesquisa entre 2013 e 2015, compreendendo informações produzidas entre os anos de 2013 e 2017. Além de imagens fotografadas na comunidade Beco do Campinho, local de origem de muitos dos internos e nos alojamentos dos mesmos. São marcas nos muros, tanto da comunidade quanto dos quartos de inscrições que manifestam sua crença religiosa e ao mesmo tempo os números de códigos penais infringidos. Todos os adolescentes são relacionados ao Comando Vermelho e desempenham função no tráfico. A análise de relatos e imagens apontam para a vivência da religião por meio da identificação com a figura de Deus retratada no Antigo Testamento Bíblico. O campo é construído no entre grades e na cidade, a partir das imagens que refletem a relação entre a materialidade de suas vidas na ilegalidade e da crença religiosa.
O catolicismo e sua publicidade: reflexões a partir da construção da Catedral de Nossa Senhora de Guadalupe/Foz do Iguaçu
Autoria: Carlos Eduardo Pinto Procópio
Autoria: A cidade de Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira (TF) entre Argentina, Brasil e Paraguai ainda é, em termos de pertença religiosa, marcadamente católica, que mesmo em declínio está longe de ser alcançada pelas denominações evangélicas, que ocupam o segundo lugar na preferência religiosa nas cidades da região, seguidos por adeptos do espiritismo, do candomblé/umbanda, do islamismo, do budismo e da conscienciologia. Se por um lado este campo religioso fica marcado por um pertencimento distribuído desigualmente entre os tipos de religião que estão enraizados na TF, em benefício do catolicismo romano, por outro lado a oferta de bens religiosos assentados na paisagem das cidades através de intervenções arquitetônicas relativiza esta distribuição desigual no pertencimento. Os templos e espaços religiosos do Islamismo, do Budismo e da Conscienciologia marcam a paisagem religiosa local e são pontos de referência da cidade. Abertos à visitação e fruição estética, estes últimos concorrem com a Igreja Católica na atração de pessoas do lugar e de fora, que frequentam esses espaços a fim de conhecer e contemplar a área construída e até mesmo experienciar um pouco do sentido religioso do lugar. Além disso, esses lugares se apresentam como ponto de passagem obrigatório, que devem ser conhecidos, especialmente pelos visitantes de fora da região. É interessante notar que, na proposição desse roteiro a importância dos edifícios religiosos católicos aparecem de forma bastante secundária e acaba por ser desconsiderada na preferência dos visitantes. Nesse contexto é que surge a proposta e a inicialização da construção de um novo e imponente templo católico, uma catedral consagrada a Nossa de Senhora de Guadalupe. A proposta deste work é analisar as disputas e performatizações em torno da construção desta catedral católica em Foz do Iguaçu, tendo por base os dados etnográficos coletados ao longo dos anos de 2016 e 2018. Este templo é edificado dentro de um cenário onde muçulmanos, budistas e outras religiões ganham publicidade através de instalações arquitetônicas monumentais que modificam a percepção em termos materiais e sensitivos sobre a composição paisagem religiosa local. Nesse cenário, a Igreja Católica recorre ao mesmo modelo de publicização, endereça sua ligação com a região através dos elementos estéticos da obra, organiza eventos visando integrar a comunidade ao sentido da construção. Desse modo, ao enfatizar os acontecimentos ligados a execução do projeto (debate sobre o projeto, lançamento da pedra fundamental, celebrações, peregrinações, conclusão e inauguração de partes da obra), podemos visualizar uma arena pública onde um conjunto de atores se mobilizam e são mobilizados para compor os sentidos da Catedral e o papel do catolicismo na TF.
O Shopping da Santa
Autoria: Renan Baptistin Dantas
Autoria: A presente comunicação visa seguir a ocorrência material de capelas dentro de shopping centers. Observamos de maneira direta o caso de um shopping na cidade de Ribeirão Preto (SP) conhecido como “Santa Úrsula”, e que tem logo em uma de suas entradas uma capela de mesmo nome, com um quadro, uma breve biografia da santa e ainda uma imagem da mesma. Observamos um caso semelhante no Rio de Janeiro, uma capela no Shopping Via Brasil através de uma matéria publicada pela "midiatizada" Comunidade Canção Nova, comunidade católica carismática popular no campo religioso católico, dona de seu próprio canal de televisão. Seguindo estes casos, pretendemos basicamente três coisas: primeiro, observar etnograficamente de maneira privilegiada o caso do "shopping da santa", observando as linhas e movimentos imbricados no seu contexto e dia-dia; segundo discutir a questão da laicidade e o espaço público a partir dos casos e os agentes envolvidos e por fim acentuar o caráter especial de "catolicização do espaço público" - nada de novo sob o sol deste país - ressaltado nos casos, o que em comparação a pesquisa de Giumbelli (2013) na cidade de Porto Alegre segue uma via oposta, já que o autor observa a partir da difusão de capelas ecumênicas em espaços públicos, um processo de "descatolicização" do espaço público.
Os bailarinos de Jeová: êxtase e sofrimento no pentecostalismo reteté
Autoria: Réia Sílvia Gonçalves Pereira, Fábio Py
Autoria: apresenta-se etnografia realizada na igreja pentecostal Herdeiros do Sião, localizada em uma favela da cidade de Vitória, Espírito Santo. Com rituais caracterizados pela experiência de êxtase e de transe, a igreja Herdeiros do Sião pode ser considerada como pertencente a uma vertente do pentecostalismo reconhecida, em expressão de grupo, como “reteté de Jeová”. Para a etnografia, foi realizada observação participante em celebrações conhecidas como “campanhas de cura e libertação”, ou seja, rituais semanais realizados durante sete semanas seguidas, nas quais são verbalizadas situações aflitivas apresentadas pelos participantes. Observou-se que tais situações verbalizadas se relacionavam, na maioria dos casos, a problemas envolvendo o encarceramento e a morte de filhos e demais parentes. Destaca-se a percepção do caráter sinestésicos e sensoriais dos rituais realizados na igreja. Embora as situações de aflição e sofrimento fossem verbalizadas, percebeu-se, por outro lado, em tais cultos, um caráter sinestésico e sensorial, cujo prazer e alegria da experiência cerimonial também eram expressos. Tais manifestações sensoriais eram possibilitadas, segundo os participantes, pela manifestação do Espírito Santo, no que era chamado de “avivamento”. As manifestações de avivamento se expressavam a partir de sinais corporais. Nas performances, as pessoas pulavam, dançavam, choravam, destacando aqui, novamente, o caráter emocional e sensorial do ritual. Argumenta-se que a campanha de cura e libertação da Herdeiros do Sião reflete aspectos próprios de contextos de sofrimento social. Assim, o ritual possibilita que a construção de uma narrativa aflitiva possa assumir-se como uma narrativa na qual a dor relatada, por meio do contato com espírito santo, torna-se experiência sinestésica e extática
Performances, marcas e ruínas da cidade no sagrado transgressor de Linn da Quebrada e Baco Exu do Blues
Autoria: Paola Lins de Oliveira
Autoria: Linn da Quebrada, artista multimídia, lança em 2017 o álbum Pajubá combinando rap e funk. No mesmo ano, Baco Exu do Blues, nome artístico de Diogo Moncorvo, cantor, rapper e compositor, lança seu primeiro álbum solo, Esú. Os nomes prefaciam alguns dos seus sentidos sagrados: Pajubá é um vocabulário combinando língua portuguesa e línguas africanas usado por praticantes de religiões afro-brasileiras e pela comunidade LGBT; Esú é a grafia de Exu em Iorubá, orixá associado à comunicação, à encruzilhada. Os sinais sagrados se multiplicam em diversas músicas dos álbuns. Entre versos contundentes que denunciam o extermínio das travestis e transexuais (“Baseado em carne viva e fatos reais/É o sangue dos meus que escorre pelas marginais” – Bomba pra caralho), e que afirmam a importância do enfrentamento (“ser bicha não é só dar o cu é também poder resistir” – Muito talento), Linn aborda o sagrado em Blasfêmea, título do clipe da música Mulher. Nele, performa uma travesti em becos escuros. A voz em off recita: “De noite pelas calçadas/Andando de esquina em esquina/Não é homem nem mulher/É uma trava feminina/Parou entre uns edifícios, mostrou todos os seus orifícios/Ela é diva da sarjeta, o seu corpo é uma ocupação/É favela, garagem, esgoto”. Em uma entrevista, a artista explica: “blasFêmea é um ato profano de ocupação e invasão”. Trazendo Exu no nome, combinado com o deus romano do vinho e da festa, Baco Exu do Blues mescla mitologias afro-brasileiras, romanas e nórdicas para falar de vida, morte, divino, humano, racismo, violência, sexo e amor. É nas ruas da cidade que Baco vive parte das experiências que traz em suas músicas. Nelas, canta o torpor da vida minada pelo racismo (“Todo morto é negro/Vocês são cegos/Meu som é o braile do gueto” – Abre Caminho); a sede de justiça culminando em um juízo final (“Vi os prédios subindo/A mata acabando/Aproveitei e arranhei o céu/ Vi minha raça sumindo/Vocês nos matando/Aproveitei e levei todos pro céu” - idem), entre outras referências. Na canção que dá nome ao álbum, Baco anuncia a autosacralização pela via do temor (“Sinto que os deuses têm medo de mim/Medo de mim/Metade homem, metade deus e os dois/Sentem medo de mim [...]/ O mundo é fruto da nossa imaginação/ Será que somos deuses ou sua criação” – Esú). É nas ruas que Linn e Baco vislumbram a morte, a violência, o risco de aniquilação. Nelas experimentam o medo e também o desejo, ao mesmo tempo em que inspiram medo e desejo, acionando o mecanismo de atração e repulsão de um sagrado ambíguo e transgressor. É também na rua que vivenciam uma potência transgressora e blasfema que os impulsiona à resistência e re-existência. A proposta é recuperar os contornos desse sagrado contrahegemônico que emerge principalmente no espaço urbano, à margem do sagrado hegemônico.
Procissão de Corpus Christi e a constituição da espacialidade devocional: expressões de fé nas cidades de São Leopoldo e Rolante (RS).
Autoria: Adimilson Renato da Silva, Anelise F. P. SCHIERHOLT
Autoria: A região sul do Brasil é marcada, fortemente, pelo catolicismo devocional nas suas diferentes manifestações. Desde quando aportou nestas terras, a igreja católica esforçou-se em sedimentar práticas e sentidos mais alinhados a ortodoxia eclesiástica. Por sua vez, via com certa apreensão as mutações significativas desses repertórios de fé exporem o deslocamento das trajetórias individuais e coletivas, correlatas à identificação com a religião oficial no mesmo momento que a recriava para consumo específico. A procissão de Corpus Christi, criada na Europa pelo Papa Urbano IV, por volta de 1300 d.C., celebrava a transferência da arca de Judá para Jerusalém, e, no tempo presente, é acionada para dar visibilidade aos católicos nas cidades que cada vez mais se “descatolicizaram”. Em movimento complementar, acompanhamos as procissões da festa de Corpus Christi nas cidades de São Leopoldo e Rolante, ambas localizadas no Estado do Rio Grande do Sul. A primeira mais cosmopolita por estar cravada na interseção da região metropolitana da Grande Porto Alegre, recebendo influência dessa urbanidade difusa e ampla. Ao passo que a segunda distante cerca de 70 km desta região, aproxima-se mais a vida interiorana, pondo em contraste a sua escala de 20.660 habitantes para os quase 214.000 habitantes daquela. Realizamos um exercício de observação, de longa duração, das interações situacionais emergidas destes contextos. Com foco no estudo de caso detalhado, a procissão ganhou forma quando “emoldurada” pelas cidades, vice-versa. Momento pelo qual as estruturas de sentimento expuseram os níveis de pertencimento e o grau de identificação dos fieis com a suas práticas devotas – rito e performance – em divergências e conciliações. Um aspecto importante ao catolicismo corresponde a sua “permanência na mudança”. Assim, para sobreviver ao “tempo presente” é preciso senão assimilar o que se apresentava enquanto profano, fora do sagrado, mas lançar mão de estratégicas dialógicas para “concorrer” ou “viver” neste/com o mundo a sua volta, o qual lhe transpassa como força irruptiva e ainda promove as ressignificação pertinentes a sua renovada vitalidade. Paisagens e performances (re)criam a espacialidade devocional nestas cidades, não só para atrair fieis, mas para retomar o lugar anteriormente hegemonizado que está sob questão.
Procissão, marcha e passeata: o ativismo cristão LGBT nas ruas da capital paulista
Autoria: Jeferson Batista da Silva
Autoria: Entre o final de maio e início de junho de 2018, as ruas do centro de São Paulo foram ocupadas por eventos religiosos e eventos voltados para a população lésbica, gay, bissexual e transgênero. No dia 31 de maio, enquanto católicos celebravam o feriado de Corpus Christi com missa na Praça da Sé e procissão em ruas do entorno, multidão de evangélicos se concentravam a poucos quilômetros, na Estação da Luz, para a 26ª Marcha para Jesus. No mesmo dia, o Vale do Anhangabaú, também na região central paulistana, sediava a 18ª Feira Cultural LGBT. Na sexta, dia 01, foi a vez da 1ª Marcha do Orgulho Trans, no Largo do Arouche, percorrer as ruas. Estes dois últimos eventos foram realizados às vésperas da Parada do Orgulho LGBT, que, no domingo seguinte, reuniu milhões de participantes na Avenida Paulista. Procissão, marcha e passeata. Atores religiosos e atores LGBT nas ruas reafirmando identidades e buscando dar visibilidade à suas gramáticas. Eventos como estes quase sempre geram controvérsias públicas em torno de categorias que estão em disputa, como família, direitos e liberdades. Ao acompanhar tais controvérsias, a mídia, estudiosos e outros segmentos reforçam, em muitos casos, o enquadramento gay versus religioso. Novas configurações na cena religiosa brasileira mostram, contudo, um novo enquadramento: a compatibilidade em ser cristão e vivenciar sexualidades e gêneros dissidentes. Com esta consideração e contextualização, o foco deste work é refletir de que modo esta compatibilidade é performatizada e publicizada em espaços urbanos, gerando, claro, novas controvérsias em torno de um entre lugar ocupado por estes atores organizados e agregados nas igrejas inclusivas e nos grupos pastorais católicos pró diversidade sexual e de gênero. Especificamente, este work, a partir da etnografia do II Encontro de Católicos LGBT, que ocorreu em São Paulo entre 01 e 03 de junho, mostra que uma das marcas do encontro foi a participação dos católicos LGBT na parada LGBT, logo após a participação em uma missa celebrada na igreja São Luís Gonzaga, único templo católico da Avenida Paulista. Este evento serve como uma porta de entrada para mostrar outras atividades promovidas por ativistas cristãos LGBT na “praça pública”: ações de caridade, evangelização e sociabilidade (comuns entre comunidades religiosas convencionais), além de participação em manifestações, assembleias e passeatas (eventos historicamente ligados a movimentos sociais), tornando os “muros” da religião mais porosos e adentrando espaços públicos, supostamente seculares.
Territorialidade, transnacionalidade de uma religião na fronteira Brasil/Peru: Os Israelitas do Novo Pacto Universal
Autoria: David Adan Teixeira Saenz
Autoria: Na região do alto Solimões, mais precisamente o município de Benjamin Constant, no Estado do Amazonas Brasil, fronteira com o Peru, habitam povos de diversas culturas, etnias e concepções religiosas. É neste ambiente que estou realizando um estudo de campo, baseado na análise da territorialidade religiosa e fronteira de seus adeptos, a partir de dados históricos e etnográficos sobre uma denominação religiosa autóctone de cunho messiânico – que incorporam elementos da cultura e representações cosmológicas andinas ao catolicismo, ou seja, representações do mundo indígena Inca, importantes para desconstruir a ideia de predeterminação católica, e ou cristã Marzal (S/D) – conhecidos oficialmente pela sigla AEMINPU (Associação Evangélica da Missão Israelita do Novo Pacto Universal) ou popularmente como (irmãos) Israelitas, criada por Ezequiel Ataucusi Gamonal e seus colaboradores em 1968, tendo como objetivo evangelizar o máximo de pessoas para que essas vivam de forma peculiar as características desse grupo, que consiste em seus adeptos se identificarem através de marcadores físicos como: os homens, utilizarem os cabelos e barbas compridas; e as mulheres, os cabelos compridos e cobertos por um véu . Características que os preparariam para a espera do apocalipse eminente. Aprofundando uma análise sobre as fronteiras enquanto lugares singulares que, entre outras coisas, se caracterizam por ser o espaço de encontro da alteridade, locais de conflitos étnicos e por serem espaços de contato e acomodação nacional e transnacional. Dentro desta perspectiva meu foco recai sobre como são postas as fronteiras para os membros dessa religião nas cidades de fronteira como Benjamin Constant (Amazonas), se seus movimentos de transnacionalidade seguem ainda nos dias atuais a formula do movimento “fronteiras vivas” – que consistia na formação de colônias, transformando todo o meio ambiente em volta, a fim de que estes representem locais sagrados, idealizados. Onde os aspectos políticos institucionais estão presentes e atuantes na ação, através de um poder simbólico que gera e/ou consolida uma vivência entre o sujeito e o território estabelecido ou criado.
Tradição x Turismo: a Festa de Iemanjá de Fortaleza em processos de resistência
Autoria: Jean Souza dos Anjos, Antonio George Lopes Paulino
Autoria: Registrada como Patrimônio Cultural Imaterial pelo município em 2017, a Festa de Iemanjá de Fortaleza passa por profundas transformações desde a ruptura entre grupos que a organizam, o que resultou na formação de dois polos: um na Praia do Futuro, onde a festa acontece há mais de 50 anos e outro na Praia de Iracema, que se configura há 6 anos, no dia 15 de agosto. Os dois polos disputam recursos públicos dos governos municipal e estadual. É importante entender que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Praia do Futuro é um dos mais baixos da cidade, comparado ao da Praia de Iracema, que é um dos mais altos. É na Praia de Iracema que se realiza o réveillon de Fortaleza e grandes eventos musicais. Enquanto um movimento de degradação ocorre na Praia do Futuro, outro movimento de exaltação acontece na Praia de Iracema. A quem interessam essas disputas? Por que o poder público não tem dado atenção especial à festa da Praia do Futuro, já que ela ocorre há mais tempo? Salientamos que no mesmo dia acontece a Caminhada com Maria, procissão alusiva à festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Assunção, evento que recebe todo um aparato institucional da prefeitura e é patrimônio cultural imaterial desde 2015, com apenas 15 anos de existência, por sanção da Presidência da República. Acompanhando a Festa de Iemanjá há 10 anos, percebemos que o poder público tem se voltado para transformá-la em um evento turístico religioso (a exemplo da festa da padroeira), com apoio de parte das associações de Umbanda. A Festa de Iemanjá de Fortaleza – que tem sido apontada como a sétima cidade mais violenta do mundo e de uma profunda desigualdade socioeconômica – pode ser refletida como uma metáfora da cidade dividida entre ricos e pobres em territórios demarcados pela pobreza e riqueza social. Estudos da Antropologia Contemporânea (Feldman-Bianco, 2010) nos ajudam a compreender conflitos e contradições nos territórios onde a festa acontece e o aporte teórico dos estudos sobre a cidade (Velho, 2013; Certeau, 2003) nos orientam a pesquisar no contexto urbano e adentrar aos significados de práticas e relatos de espaço. Perez (2011) nos indica que a festa é o reflexo de determinado sistema de relações econômicas e políticas e nos interpela a refletir em um exercício crítico epistemológico, filosófico e antropológico, de caráter interdisciplinar. À guisa de conclusão, temos percebido e somos afetados pela Festa de Iemanjá como um movimento de resistência, pluralidade, conflito, celebração e reinvenção do povo de terreiro de Fortaleza que, como as ondas do mar sagrado de sua homenageada, está se ressignificando para dar conta da continuidade da festa.
Uma nova criatura: A experiência de conversão de mulheres transexuais
Autoria: Hugo Felipe Quintela
Autoria: O tema dessa pesquisa é a experiência de conversão de mulheres transexuais a igrejas evangélicas de características não inclusivas. Tomando como proposição inicial que é notoriamente emblemática a relação entre o cristianismo evangélico brasileiro e as identidades LGBTs. Sendo assim, a conversão de mulheres transexuais a igrejas cristãs evangélicas seria, a principio, uma experiência um tanto quanto contraditória e incoerente. Desse modo, é interesse dessa pesquisa refletir essa possível “contradição” ou “incoerência”. Todavia, é meu interesse entender essa possível contradição ou incoerência. Sendo assim, quais os sentidos e significados do corpo e suas práticas corporais, gênero e sexualidade e religiosidade em especial, a partir das suas vivências, que essas mulheres produzem a partir experiência de ‘conversão’ a religião evangélica? Quais experiências são produzidas por essas mulheres ao aderirem essa religião como elemento modulador da sua visão de mundo? De que maneira as instituições religiosas evangélicas tem interpretado a adesão de mulheres na transexualidade em seu corpo de fiéis? Fato que é um questionamento complexo. Todavia, ouso sugerir, para início de discussão, que essas mulheres, ao aderirem à religião, correndo o risco de serem “contraditórias” e “incoerentes”, estão em processo, nos termos de Gilberto Velho, de negociação da realidade, com toda a possibilidade socioantropológica dessa expressão. A hipótese, ainda que incipiente, é que as mulheres na transexualidade que se convertem ao cristianismo evangélico exercem essa capacidade de negociação porque, a um só tempo, por um lado contestam a heteronormatividade ao romperem com as normas de gênero por meio das mudanças corporais e por outro lado confirmam essa mesma heteronormatividade ao aderirem a uma religião que reflete e produz uma visão de mundo pautada por essa heteronormatividade. Também coloco como possibilidade de hipótese, mesmo que de forma primária, que uma mulher na transexualidade ao se converter a religião evangélica pode estar em busca de uma “moralização” da sua experiência por meio da adequação as práticas da religião cristã evangélica. Dessa maneira, o tema dessa pesquisa versa sobre as relações e produção de significados a partir da inserção de mulheres na transexualidade em igrejas evangélicas não inclusivas e a forma como essas são produzidos os significados das relações de gênero, da sexualidade e do corpo, tanto dessas mulheres quanto da instituição religiosa as quais elas se inserem. Nesse sentido, podemos questionar: se a transexualidade é uma vivência que entra em conflito com a religião cristã evangélica, como essa negociação da realidade é feita entre as mulheres na transexualidade e as instituições religiosas?
“Minha cigana querida!” – a entrega da medalha Pedro Ernesto e das cinquenta moções a ciganos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro: ciganos, religião e cultura
Autoria: Cleiton Machado Maia
Autoria: As últimas três décadas foram de grandes debates sobre as políticas com os ciganos desenvolvidas no Brasil, com assinatura do decreto federal que instituiu o Dia Nacional do Cigano no dia 24 de maio de 2006, o evento que promoveu o lançamento da cartilha “Povo cigano: Direito em suas mãos” e a criação do “I Prêmio Culturas Ciganas” do Ministério da Cultura, que contou com a sua primeira edição no ano de 2010. Essa visibilidade faz parte de um debate bem mais amplo promovido desde o processo de formulação de nossa Carta Magna, no ano de 1988. A participação de organizações internacionais incentivaram políticas públicas que entendiam como uma das possibilidades de construção da democracia apoiada na ideia de diversidade cultural (WRIGHT, 1999 p. 13), o que ganhava força no contexto internacional. Esse processo sócio histórico apresentou novos atores e novas formas de envolvimentos na construção de nossa Constituição e durante as últimas décadas continuam gerando novos espaços de visibilidade e disputas entre alguns antigos e novos atores. Acompanhei, em meu doutorado, alguns desses atores ciganos, seus grupos, fundações e associações em seus eventos, desfiles, gravações de programa de TV, caminhadas, premiações, festas, feiras e reuniões ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ao chamar a atenção para a pertinência da pesquisa sobre essas mediações ciganas, quero destacar como esses atores vêm desenvolvendo projetos políticos, religiosos e culturais (MACHADO, 2013 p. 13) que ganharam força no Rio de Janeiro nos últimos trinta anos. Em especial, para esse paper, apresento dois eventos homenageando ciganos na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que foram objetos de minha etnografia, análise e problematização. O primeiro foi à entrega da medalha Pedro Ernesto à advogada cigana Miriam Stanescon na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A segunda foi a entrega de moções à cinquenta e três cidadãos ciganos, sendo vinte e três ciganas e dezesseis ciganos, além de uma associação cigana, duas companhias de música e dança cigana e uma rádio cigana. E é com essas duas etnografias, que pretendo analisar as diferentes redes acionadas por esses cigano, os discursos e as performances dos envolvidos nessas duas homenagens, assim como as disputas, mediações e tensões apresentadas em cada uma dessas homenagens, debatendo como as diferentes formas de representações ciganas na cidade estão atravessadas pela cultura, religião e política.