Cinque Terre
GT 046. Música, Som e Formas Expressivas
Wagner Neves Diniz Chaves (Departamento de Antropologia Cultural/UFRJ) - Coordenador/a, João Miguel Manzolillo Sautchuk (DAN/UnB) - Coordenador/a
Expressiva, comunicacional e performativa, aglutinadora de múltiplos conhecimentos, significados e agenciamentos, a música é um campo fértil para investigação antropológica de um conjunto de temas e questões, possibilitando o diálogo entre diferentes nichos dos debates antropológicos, tais quais etnomusicologia, etnologia indígena, cultura popular, patrimônio, antropologia urbana, antropologia do Estado e análise de rituais e performances. Apostando na relativização da noção de “música” como categoria analítica e partindo da superação do antigo dilema que apartava análise dos aspectos sonoros e interpretação dos sistemas de pensamento e ação, este Grupo de Trabalho volta a atenção para as conexões entre múltiplos aspectos das práticas musicais e produções sonoras e seus significados sociais, principalmente as relações da “música” com outros meios expressivos e práticas sociais, e as dimensões técnicas e práticas do fazer musical. Tendo em vista esta perspectiva geral, pretende-se explorar os seguintes eixos temáticos: 1) música e linguagem; 2) interação no fazer musical; 3) teorias musicais nativas; 4) música, ritual e performance; 5) mediação, apropriação e identidade; 6) gravação, representação fonográfica e arquivos; 7) paisagem sonora.
Resumos submetidos
A virada do tarol e a bossa da bateria: concepções de criatividade entre ritmistas cariocas
Autoria: Felipe dos Santos Lima de Barros
Autoria: A comunicação irá discutir concepções de criatividade e mudança musical em torno das práticas performativas de integrantes de uma bateria de escola de samba carioca. Primeiramente, a apresentação irá demonstrar como o sistema musical é definido a partir de metáforas que expressam, simultaneamente, aspectos da materialidade do som, das condições e perspectivas sensoriais/cognitivas dadas pelo espaço, como também os valores de classificação e distinção social dos agentes sociais envolvidos. Em seguida, tratará de processos criativos de produção sonoro-musical operados em dois modos distintos de performance: um mais individualizado, as viradas de tarol, e outro mais coletivo, as bossas de bateria. Sob tais processos constituem-se valores sociais distintos aos quais podem ser atribuídas categorias locais como de “característica” (que pode ser traduzida como tradição) ou de “inovação” (que expressa a identificação de processos de mudança, de apropriação e de bricolagem sonoro-musical).
Ampliando os repertórios da escuta: a música indígena mediada por artistas no Brasil
Autoria: Bruno Ronald Andrade da Silva
Autoria: Considerando o work empreendido por musicistas no Brasil que tiveram como base as musicalidades indígenas, procuro analisar as mediações sonoras de três artistas vinculadas a tradições musicais distintas. A comunicação se debruçará sob uma pesquisa que teve como foco os objetos oriundos dessa mediação (LP’s, CD’s, livros, artigos, songbooks, relatórios, etc) e entrevistas realizadas com as artistas em questão. Busca-se debater a partir de cada caso (e, por vezes, de maneira comparativa), a organização, a releitura (recomposição), a apresentação e, consequentemente, as possibilidades enunciativas de repertórios indígenas no Brasil. Assim, os fatores que imprimem a “diferença” (oriunda dos universos musicais indígenas), associados aos modelos de tratamento musical produzidos no Ocidente, constituem o pontapé para uma trama sobre a visibilidade de musicalidades não-ocidentais, que, para além da recriação de repertórios indígenas, revelam enredos sobre estéticas musicais, registros sonoros, direitos autorais, indigenismos, formação de acervos e práticas de educação.
Capoeira angola: música e acontecimento
Autoria: Marco Antonio Saretta Poglia
Autoria: Na linguagem musical da capoeira, é importante para um bom cantador dominar um repertório amplo e variado, pois este deverá utilizar as músicas para interagir com os jogadores ou com o público. Algumas músicas demandam um momento adequado para serem cantadas durante a roda e estas podem, muitas vezes, assumir diferentes significados em diferentes situações. Assim, compreender o que está sendo expresso no canto exige uma atenção cuidadosa voltada para o jogo, e é a intimidade com a prática da capoeira e com a sua filosofia que poderá fornecer os elementos necessários para isso. Nesta comunicação pretendo discorrer sobre a necessidade de compreender a enunciação dos cantos da capoeira angola em ato, sob pena de termos a sua expressão esvaziada de sentido pelo privilégio dedicado à textualidade. Quem canta, para quem canta, o momento e o local em que se canta uma cantiga, as intensidades que atravessam o cantador no momento do canto, tudo isso compõe a própria música enquanto parte de um acontecimento singular. Nessa perspectiva, se observarmos a recorrência de determinada música nas rodas, esta música é a mesma se a analisarmos somente a partir da letra e da melodia principais, mas tudo muda se tomarmos como ponto de partida as diferentes formas que essa música, com seus fraseados, suas variações e improvisos singulares a cada performance, pode afetar os corpos dos capoeiristas no ritual da roda.
Crianças cantadas: sobre os pontos numa gira de ibejada.
Autoria: Morena Barroso Martins de Freitas
Autoria: As Ibejadas são as entidades infantis que integram o panteão da umbanda. Podem ser compreendidas enquanto manifestação de espíritos que desencarnaram ainda na infância ou enquanto uma forma específica, nesse caso infantil, de manifestação de espíritos evoluídos que retornam à terra para nos proteger e aconselhar; ainda que entre as doutrinas de umbanda haja algumas diferenças, estamos em ambos casos falando de entidades que se manifestam como crianças. Quando essas entidades chegam aos salões dos centros de umbanda, corpos adultos (dos médiuns) vestem bonés e arcos coloridos, brincam de bola e boneca, tomam refrigerante e comem doces. Quem vai aos centros para ver e falar com essas entidades, ouve suas falas em tatibitate, recebe e dá doces e brinquedos, vê a alegria das Crianças e por elas é contagiado. Em minha pesquisa de doutorado debruço-me sobre essas Crianças, compreendendo-as enquanto um discurso sobre infância produzido e materializado religiosa e ritualmente, mas que ultrapassa os espaços religiosos dos centros de umbanda e tem relação com um imaginário social mais amplo sobre crianças e infâncias. Pautada numa perspectiva que privilegia uma abordagem da religião e seus rituais a partir das materialidades, procuro refletir sobre as Crianças a partir de suas coisas a fim de apreender como determinados discursos sobre infância são, em rituais de umbanda, reafirmados e criados a partir de formas materiais – em imagens, comidas, corpos, roupas e pontos cantados. Entendo, portanto, que nas giras de ibejada podemos acessar sensivelmente um discurso sobre (C)crianças que é, ritualmente, materializado, performado, experienciado e atualizado. A partir da observação de giras festivas e sessões de consulta em um centro de umbanda da zona norte do Rio de Janeiro, procuro compreender como, onde e quando as Crianças apresentam-se publicamente e a partir de quais objetos, cores e sons essas entidades tornam-se sensíveis (vistas, ouvidas e tocadas). Neste work, pretendo dar especial atenção a uma das materialidades desses rituais: os pontos cantados. Os pontos chamam as Crianças à terra, embalam suas brincadeiras pelo salão, nos apresentam a Mariazinha da Beira da Praia que sacode a saia, nos contam sobre os jardins e cachoeiras de onde elas vêm, nos falam das balas, pipoca e guaraná que agradam o paladar dessas entidades; e é também cantando que nos despedimos dessas Crianças. Através dos pontos ouvimos sobre as entidades e com elas nos comunicamos. A partir da análise desses pontos cantados, pretendo pensar como suas letras nos contam sobre essas Crianças e como o toque do atabaque, as palmas e o canto se conformam enquanto materialidades que produzem e são produzidas no ritual e partir das quais podemos experienciar essas Crianças sagradas.
EKOMA: dançar e ser dançada
Autoria: Jaqueline de Oliveira e Silva
Autoria: Esta pesquisa tem como foco experiências coreográfico-musicais vivenciadas junto aos makhuas, grupo étnico da região norte de Moçambique, província de Nampula. Busco neste texto perceber pessoas e instrumentos musicais como corpos que se movem e são movidos para e pelo som, com o intuito de orientar, educar, entreter, politizar. Me detendo nos contextos de predomínio feminino, pretendo tratar de diferentes situações em que a música e a dança estão presentes de forma marcante na vida das mulheres, compondo seus espaços de circulação, construindo e sendo construídas através de seus corpos. Ao longo de suas trajetórias, as mulheres makhuas dançam e são dançadas, por e nos batuques. Batuque é termo em português forjado durante o período colonial para definir os instrumentos musicais percussivos cujo som é produzido pela vibração de uma membrana de couro animal estendida e tensionada, que pode estar presa de diferentes formas sobre um corpo de madeira, igualmente em formatos diversos (chamados vulgarmente no contexto brasileiro de tambores). A palavra batuque é usada também para definir festas, cerimônias e rituais em que há a presença destes instrumentos. Em língua emakhua, o termo usual na região litorânea de Nampula que cumpre a mesma função, definindo a música, os eventos, os instrumentos e a dança é ekoma (plural icoma). Ou seja, tanto o termo batuque (em português, empregado de maneira indiscriminada em todo o país) quanto ekoma (em emakhua, na região litorânea de Nampula) podem se referir aos instrumentos, ao local ou ao momento em que se dança, ou simplesmente a dança: se vai ao ekoma, toca-se ekoma, dança-se ekoma; assim como se vai aos batuques, toca-se batuques, dança-se batuques. “Passar pelos batuques” é o mesmo que “passar pelos ritos de iniciação” ou “ser dançada”, o que nos chama atenção para o duplo local ocupada pela iniciada: ela dança e é dançada, nos batuques e pelos batuques. Este work refere-se a uma pesquisa de doutorado em andamento inicial, em que proponho me distanciar das dicotomias forjadas pelo pensamento colonial que fragmentam aquilo que na prática é atravessado por diversos sentidos. Desconsiderar o trânsito fluido entre coisas, pessoas e práticas atende mais ao objetivo etnocêntrico de colocar em ordem ações aparentemente caóticas, do que ao intuito de buscar um entendimento relacional e dialógico sobre outras formas criativas de ser e estar no mundo. Neste sentido, questiono se uma classificação segmentada entre dança, música ou teatro, todos conceitos criados no contexto europeu, resiste a um olhar atento direcionado às práticas coreográficas e sonoras das pessoas makhuas.
Kàjre jarkwa: mito e música num canto Krahô
Autoria: Ian Packer
Autoria: Nesta comunicação, apresento parte de minha pesquisa de doutorado em andamento sobre as artes verbais e os cantos rituais dos Krahô, povo indígena falante de uma língua Jê e que vive no norte do estado do Tocantins. Entre as inúmeras formas (rituais, musicais e discursivas) por meio das quais a palavra cantada se expressa entre os Krahô, esta apresentação se concentra na análise de uma em particular, Kàjre jarkwa, ou “Canto-fala do Machado”. Este gênero verbomusical não é percebido e classificado por eles nem como “música” ou “canto” (increr), nem como “mito” (harẽn xà), mas como um fenômeno intermediário entre esses dois polos: “Nossas grandes palavras” (mẽ icakôc cati), dizem. Ele reelabora, por meio de estruturas melódicas, rítmicas e métricas singulares, uma narrativa mítica sobre uma viagem feita pelos antepassados Krahô ao Pé-do-Céu (árvore que dá sustentação à cúpula celeste), ao longo da qual os índios adquiriram não apenas um objeto cerimonial importante, a Machadinha, como a própria capacidade de ouvir, entender e traduzir os cantos de todos os seres do mundo, com os quais passaram então a compor sua complexa vida ritual. O Kàjre jarkwa é performado por dois experientes cantores que, solitários no pátio da aldeia, interagem por toda uma noite, alternando-se na exposição de diferentes passagens dessa viagem: os lugares por onde passaram, os seres que encontraram, os perigos que correram, etc. Ao longo da performance, eles também fazem constantes referências ao próprio ato de narrar/cantar em que estão implicados, expressando sua condição particular enquanto cantores e instaurando um espaço de reflexão meta-discursiva sobre o processo de transmissão dos cantos e conhecimentos associados às futuras gerações.
Malicia, honor e invitación: saberes performáticos de la gente negra en el suroccidente colombiano
Autoria: Paloma Palau Valderrama
Autoria: En la presente ponencia analizo una expresión performática afro del suroccidente colombiano que llamada torbellino. De acuerdo con las letras de las canciones, torbellino es un hombre mujeriego que anda siempre cortejando. El torbellino se baila en fiestas entre dos parejas que se entrecruzan; al constante vaivén de las mujeres, se contrapone el cruce de los hombres que intentan confundir al otro y demostrar su destreza corporal creativa performando su masculinidad. Mientras que el cuarteto baila, las otras personas son espectadores silenciosos o pueden gritar palabras de aliento o desánimo a los bailadores masculinos que se atreven a mostrarse al juicio colectivo y a probar sus capacidades, su “malicia”. En una muestra artística local, la práctica de lucha y arte de la esgrima con machete, una apropiación local, se entrama al torbellino, sirviendo de escenificación para la historia de un duelo entre hombres por una mujer, o transgrediendo el rol de género de la última, donde una “mujer soberbia” disputa su libertad. La esgrima local hunde sus raíces en la memoria de estirpes guerreras que participaron de distintas batallas locales y nacionales desde la colonia hasta los días de hoy, resistiendo al control de sus cuerpos y a los epistemicidios. En otro ámbito de espectáculo para un público nacional la lucha-juego desaparece, restando solo la música/baile para la vista de un extranjero, al que también se le canta, explicando cada paso. Más allá de amoldarse a los parámetros de las músicas masivas, los músicos invitan desde el escenario a una empatía con las luchas colectivas de la gente negra. Aunque el torbellino ha sido estudiado de modo aislado como manifestación musical o como representación dramática, presenta una desconstrucción de fronteras entre distintas prácticas, o una multimodalidad, tal como otras expresiones culturales afrodiaspóricas, que, sin embargo, al ingresar a circuitos de industria cultural global se simplifican. En ese sentido, propongo abordar el estudio de los saberes del torbellino en su complejidad performática y acustemológica de acuerdo con una etnografía en la que interactúo con músicos, bailadores y esgrimistas, en el marco de mi trabajo de doctorado en curso en etnomusicología/musicología.
Música misturada: questões sobre novas práticas musicais e originalidade em Buenos Aires
Autoria: Victoria Irisarri
Autoria: A expansão recente da produção musical a partir do uso de tecnologias digitais levou à mistura de gêneros musicais, desfazendo as categorias classificatórias desenvolvidas e promovidas históricamente pela indústria fonográfica. Músicas misturadas como os mashups ou remixes, inicialmente percebidas como “não originais”, foram ganhando popularidade e sendo ressignificadas. Nos últimos anos, a produção desse tipo de música passou por uma incrementação considerável, possibilitando a djs-productores argentinos que emergissem na cena global com um “som próprio”. Em base a conversas, entrevistas e observações conduzidas com djs-productores na cidade de Buenos Aires, Argentina, desde 2008, este work, analisa os modos de produção musical através da consideração dos meios digitais que deslocam perspectivas de autoria e originalidade e abrem novas possibilidades criativas no mundo da música. O estudo apresenta perspectivas contrastantes de músicos com e sem formação institucional, Vjs, públicos fiéis e ocasionais, e fornece insights nas discussões sobre originalidade na digitalização e perguntas sobre o significado da produção musical e sobre a autoria. Este work explora o valor da experimentação e o conceito de mistura como vetor da originalidade e uma ideia de propriedade da música que inclui tanto aos criadores como a aos recriadores.
Notas sobre canto e movimento em uma festa krahô
Autoria: Eduardo Santos Gonçalves Monteiro
Autoria: Esta apresentação oral é um pequeno recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento que pretende se desdobrar em etnografia de algumas festas dos Krahô (autodenominados mehin), etnia situada no Tocantins e falante de língua macro-jê. O work está sendo desenvolvido a partir dos resultados de work de campo na aldeia krahô Rio Vermelho, situada em Goiatins/TO, com duração de cerca de três meses, repartida em três viagens. Anthony Seeger notava, em relação aos cantos kinsedjê, povo cultural e linguisticamente aproximado aos Krahô, um curioso fenômeno musical durante o cantos coletivos realizados pelos homens: uma ascensão regular e não arbitrária durante a execução dos cantos. A partir da apreensão de uma série de evidências indiretas relacionadas ao problema, Seeger explicita importantes características dos cantos kinsedjê executados coletivamente. Para os fins dessa apresentação, enfatizo aqui como a análise do autor aponta para certo desinteresse ou desatenção kinsedjê em relação à ascensão na afinação absoluta nos cantos, contraposto ao profundo rendimento e interesse nas variações relativas de afinação, associada tanto às variações de idades e autenticidades dos cantores quanto à classificação de gêneros musicais. Na esteira dessa discussão, pretendo apresentar um pequeno recorte etnográfico registrado durante meu campo que possui ressonâncias com certos problemas ali evocados. Após apontar sucintamente os traços principais dessa instituição mehin denominada wyty, presente em qualquer aldeia timbira, buscarei descrever a finalização de uma das festas que pude assistir durante o campo, o wyty, chamando atenção para uma observação realizada. Mais especificamente, me limitarei ao momento imediatamente anterior ao término da “abdicação do wyty”, como o etnógrafo Júlio Melatti a caracterizava. A partir deste recorte, gostaria de apresentar algumas notas preliminares sobre o que aparenta ser uma complexa relação operante ali entre deslocamento espacial dos participantes da festa e a performance musical executada simultaneamente. Nesse sentido, buscarei evidenciar alguns paralelismos identificados entre o plano espacial e musical da finalização da festa do wyty. Descreverei o caráter oscilatório e as variações de intensidade e altura musical que pude identificar e suas correlações com oscilações, afastamentos e aproximações espaciais de figuras cruciais para a perfomance do wyty, com o intuito de lançar questões que se aproximam das possibilidades de análise e reflexão aberta ao considerarmos problemas da etnomusicologia semelhantes aproximados àqueles evidenciados por Seeger a respeito do rendimento da variação de afinação relativa e o caráter intersemiótico dessas performances rituais.
O brilho do maracá: chocalhos, cantos-rezas e seus registros entre os Kaiowa e Guarani (MS)
Autoria: Tatiane Maíra Klein
Autoria: “Os selvagens crêem numa coisa que cresce como uma abóbora”, diz a clássica descrição dos maracás tupinambá feita por Hans Staden, no século XVI, recuperada na etnografia de Deise Lucy Montardo (2009) e em tantas outras sobre povos tupi. O work de Montardo revela o mbaraka kaiowa como uma pessoa: “Os instrumentos musicais são seres que requerem um contexto para seu efetivo emprego e um tratamento adequado para que exerçam suas qualidades”, afirma a autora (p. 162). Outros artefatos do xamanismo kaiowa e guarani, como takuapu, mimby, guyrapa’i, ainda que categorizados como instrumentos musicais, são dotados de estatutos ontológicos próprios. O mbaraka comumente descrito pelos Kaiowa e Guarani em Mato Grosso do Sul como “celular para falar com Ñanderu”, aparece naquela etnografia como um mestre que ensina a cantar o jeroky (p. 170), enquanto guyrapa’i ensina os kotyhu e guahu, outros gêneros musicais kaiowa. Já mimby apyka serve aos rezadores para “avisar Pa’i Kuara (Sol) onde estão” (p. 175), funcionando como uma linha telefônica cujo toque é ouvido pelos deuses. Os registros em vídeo e áudio de cantos-rezas também possuem agência e capacidades específicas de comunicação, segundo os interlocutores da pesquisa de doutorado que atualmente desenvolvo junto ao PPGAS/USP. Neste texto apresento algumas reflexões preliminares sobre estes artefatos, em especial o mbaraka, os cantos xamânicos e seus registros em áudio e vídeo, partindo tanto de diálogos com xamãs kaiowa e guarani sobre o tema, quanto de etnografias que enfatizaram o papel dos chocalhos no xamanismo de povos tupi-guarani. Investigando o mbaraka dos Kaiowa e Guarani atuais em comparação com outros destes instrumentos de mediação por excelência (LÉVI-STRAUSS, 1967), busco descrevê-los como tecnologias de comunicação.
O nascer dos sons: uma etnografia dos processos de construção de um instrumento musical
Autoria: Mateus Marcilio de Oliveira
Autoria: O convite inicial deste texto é para que não mais observemos os instrumentos musicais enquanto ferramentas inertes, repousando nas mãos de musicistas, e atentemos para os distintos cenários construídos em conjunto e a partir deles. Para que atentemos, também, que compreendem dinâmicas e complexas situações não só musicais, que fomentam mudanças na própria estrutura do que se compreende enquanto música, nas diferentes posições e papeis sociais envolvendo as mais distintas práticas musicais, e na construção de outras tecnicalidades concernentes à novas sonoridades e instrumentos. Nesta oportunidade, a produção procura observar as práticas subjacentes ao fazer musical, assim como discutir o lugar do instrumento enquanto atuante nestas redes de relações. Desta forma, lanço meu olhar a uma fase por mim considerada “anterior”, mas de extrema importância para as práticas musicais subsequentes: o exercício de fabricação de instrumentos, ou luthieria. O presente texto se ampara em dados levantados acompanhando as nuances dos relatos de campo conduzidos em três diferentes oficinas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo ao longo do ano de 2017. Apresento, a partir de meu percurso etnográfico, questões relacionadas ao regime de fabricação de guitarras e contrabaixos elétricos, assim como as particularidades das redes de saberes e técnicas onde são obtidos os conhecimentos necessários para esta atividade. Para tanto, reúno algumas das ideias e instrumentos da antropologia do ritual (Leach, 1966; Peirano, 2001; Tambiah, 1985;) para apresentar espaços, ferramentas, matérias-primas e etapas sequenciadas de work para alcançar certa capacidade ergonômica, visual e sonora. Pensar a construção de instrumentos sob este prisma analítico permite que, além das etapas específicas de construção e singularização dos instrumentos, dos materiais e das ferramentas, observemos também o sequenciamento das ações e o estabelecimento de determinadas condutas enquanto imprescindíveis para a eficácia do método. Observo também como os densos saberes acionados pela figura do luthier são acionados (e produzidos) a partir de redes heterogêneas de sociabilidade habitadas também por instrumentos. A partir da relação do luthier com os instrumentos musicais, procuro salientar como algumas redes de sociabilidades nas quais estes saberes circulam, ultrapassando, assim, um dito “mercado” musical, e adentrando num amálgama de técnicas, políticas, economias e noções de work. No decorrer deste texto, procura-se tratar a construção e circulação de instrumentos como eventos não ordinários, organizados de maneira teleológica, levando-se em consideração, também a própria capacidade que os instrumentos musicais possuem de influenciar na produção de conhecimentos sobre si mesmos.
O Nove e o princípio do mundo: o canto como conversa (des)medida
Autoria: Valéria Cristina de Paula Martins
Autoria: O Nove, evento cinético-musical realizado tradicionalmente no Médio Jequitinhonha, é marcado pela poesia cantada e abarca uma série de danças coletivas que são embaladas por cantigas e versos entoados especialmente por cantadores e cantadeiras, com participação daqueles/as que integram estas brincadeiras de viola. Os agricultores que habitam as imediações do córrego do Machado, naquela região, e que performam o Nove, atuando como cantadores e cantadeiras, concebem-no como um brinquedo associado ao princípio do mundo, tempo repleto de encantos, feitiços, transformação de mortos em bichos e outros fenômenos. Os que habitavam o mundo, então, eram dotados da capacidade da fala, como atestam uma série de histórias que ouvi em campo, envolvendo entidades divinas e diabólicas, corpos celestes e animais, além de pessoas (em geral agricultores), cujas interações determinaram uma série de traços do mundo atual. Em uma noite de Nove, uma série de preceitos devem ser observados em relação ao canto e à ocupação de posições sonoras específicas, a partir das quais o canto é assimilado à fala: “Eu falo a requinta [ou a primeira, a segunda, o contrato]”, afirma um cantador. De forma geral, pode-se dizer que há expectativas em relação ao falar/cantar/calar, cuidando-se para que cada um possa falar/cantar/calar em uma medida adequada, a partir de um lugar (sonoro/social) específico. Na etnografia do Nove, tomo-o a partir das concepções cosmo-religiosas dos cantores, em sua associação ao princípio dos tempos, procurando então perceber conexões entre essa caracterização e alguns dos aspectos formais dele, como o dispositivo de alternância do canto entre os cantores. Sugiro, por fim, que a espécie de conversa que se estabelece no âmbito do Nove acaba por atualizar o tempo em que todos podiam conversar: o princípio do mundo.
Pep-cahàc jõ amji kĩn: performances de guerra e paz que entrelaçam antigos inimigos
Autoria: Ligia Raquel Rodrigues Soares, GIRALDIN, Odair
Autoria: A relação entre rituais e guerras é comum entre os povos indígenas no Brasil, como apontam Menezes Bastos (2013) e Perrone-Moisés (2015). Estudos sobre esse tema mostram riqueza etnográfica e chave para entendimento dos povos indígenas em suas relações, alianças e políticas internas e externas. Neste paper enfocaremos três momentos que perfazem o ritual do Pep-cahàc entre os Ràmkôkamẽkra/Canela (povos Timbira do Brasil Central) e que conectam rituais, guerras e chefias. O primeiro é o Apê craw-crawre, performance na qual os participantes se posicionam em duas fileiras, uma em frente a outra, empunhando varas seguradas horizontalmente. As varas são levantadas acima da cabeça e abaixadas na altura do joelho, ao som do canto do Apê craw-crawre, enquanto andam pela rua radial da aldeia. A performance musical se inicia em clima de euforia, com muito barulho e uma encenação de enfrentamento. Nesse tom ameaçador, criando-se um ambiente propício à performance de confronto de inimigos, “como uma guerra”, entra em cena o krĩ cunẽa mẽ hõ pahhi. Literalmente “chefe de todas as aldeias”, ele caminha entre as duas fileiras, separando-as e apaziguando os ânimos pois é considerado um embaixador atuando para evitar brigas, acalmar os ânimos e evitar o enfrentamento, pois todos o respeitam. O segundo momento é o que trata da instituição e da atuação dos chefes honorários Tamhàc. Eles são chefes cerimoniais que representam os diferentes povos que constituem os atuais Ràmkôkamẽkra/Canela, com performance principal durante o Pep-cahàc no qual, após serem ornamentados, distribuem alimentos entre os seus representados com execução dos cantos específicos (Pocpoc). Essa chefia confirma e reforça o mosaico de povos (aliados e inimigos no passado). O terceiro momento é a performance do “veado cansado” executada ao final do Pep-cahàc pelos rapazes que estão prestes a finalizar a sua reclusão. No ritual do Pep-cahàc consideramos que tais momentos nutrem antigas alianças estabelecidas no passado, quando da junção dos vários povos numa mesma aldeia (Crocker, 1978), sendo uma forma de relembrar, enfatizar e renovar tais alianças com antigos inimigos que hoje vivem juntos. Nessa chave da performance e renovação alguns pontos merecem ser destacados: o respeito e o prestígio dos chefes; a solidariedade entre o chefe honorário e seu grupo ao qual ele é liderança; a reciprocidade entre aqueles que fazem parte de seu povo. As performances são também renovações de um contrato de prestações e contraprestações que se estabelecem entre esses diferentes povos, antigos inimigos e, hoje, aliados. Antes encenadas pelos inimigos em combate, hoje fazem parte do cotidiano implicando em trocas de amabilidades, banquetes, serviços, mulheres, sementes.
PERFORMANCE, MÚSICA E DANÇA: uma abordagem etnográfica de práticas juvenis em rolês eletrofunk/funk pancadão em Chapecó – SC
Autoria: Laís Griebeler Hendges, Eloise Kist Hoss Júlio Henrique Rosa de Moraes
Autoria: Este work é vinculado a pesquisa “Modos autônomos de identificação juvenil no oeste catarinense: uma abordagem antropológica e etnográfica”, e ao work de Conclusão de Curso intitulado “Performances de gênero em rolês funk: uma abordagem etnográfica de práticas juvenis em Chapecó – SC”. Nesta abordagem investigamos sentidos e significados de performances de gênero em rolês identificados como eletrofunk e funk pancadão, praticados por jovens em Chapecó. Rolê é uma concepção nativa que exprime produções de sociabilidades, espaços, políticas, econômicas e histórias. As práticas dos rolês em questão compreendem: transitar de carro ouvindo música, principalmente, pelas avenidas Getúlio Dorneles Vargas e Porto Alegre, durante à noite e, por vezes, durante o dia; ir à algum estabelecimento privado, como uma casa de show; encontrar pessoas amigas/os e fazer novas amizades; trocar ideias e objetos; usar substâncias licitas e/ou ilícitas. Eletrofunk/funk pancadão também é uma categoria nativa referente ao estilo de música mais ouvido nesses rolês. A escolha da temática foi feita pela necessidade de discutir a (in)existência de espaços disponíveis para realização de rolês eletrofunk/funk pancadão em Chapecó e pelas práticas culturais musicais, pelas danças, pelas roupas e pelo uso performativo do carro. As informações deste estudo foram construídas por meio do método etnográfico, com produções de diários de campo, fotografias, observações, e entrevistas semiestruturadas. O work de campo foi iniciado em 2017 e teve duração de um ano. Foram observadas cinco festas, com um contingente de 50 pessoas em média. Ocorreram quatro entrevistas, uma com um grupo de sete pessoas e as outras três com uma pessoa em cada entrevista. A fundamentação teórica é baseada no conceito de performance, de Richard Schechner, em que esta é parte e, ao mesmo tempo, é diferente de outras performances que estão sendo restauradas; na ideia de música de Antony Seeger, em que esta é parte da criação da estrutura social; e na concepção de dança, de Drid Williams, na qual dança são práticas culturais com produção de movimentos corporais. Esta análise permite discutir performances de gênero praticadas por jovens nestes rolês, tais práticas envolvem modos de ser coletivos e de participação, pertencimento e identificação social, que são geradores e gerados de sentidos e significados. Conclui-se, por hora, que o estudo das produções dos rolês é importante para refletir sobre percepções, audições e visões de mundo de pessoas em Chapecó. Além disso, essa pesquisa propicia reflexões críticas à cerda da fruição de bens e serviços públicos na cidade, uma vez que há poucos espaços voltados para sociabilidade juvenil, principalmente quando se trata de rolês eletrofunk/funk pancadão.
Performando a tela: dança, som, imagem e periferia digital
Autoria: Tatiana Braga Bacal, Emílio Domingos – PPCULT-UFF
Autoria: O passinho é uma nova manifestação do funk carioca, uma modalidade de dança urbana que enfatiza o dançarino individual e não mais o modelo coletivo dos bondes que integravam os bailes funk na década de 1990. Os dançarinos passam a não ser somente jovens e adolescentes, mas também crianças pequenas, e o próprio fenômeno da dança modula a sonoridade do funk, diminuindo letras e aumentando as BPMs. Se havia um novo fenômeno cultural sendo criado ao longo da primeira década do segundo milênio, destaca-se a presença protagonista da internet, no sentido de que explodiram no youtube curtos vídeos dos dançarinos em ação. Os vídeos muitas vezes funcionavam a partir do modelo da “batalha”, com cada dançarino postando um movimento em resposta a outro dançarino e com comentários do público que indicavam com curtidas quem havia ganhando. No caso específico do passinho, as batalhas começaram antes online para depois serem criadas offline. Partindo do conceito de arte como mediação de A. Hennion e de arte como agência de Alfred Gell, propomos analisar a performance digital do passinho, que inclui a criação, a produção, a dança, a postagem, o som e a imagem. Utilizaremos como referências a etnografia de dois microfilmes que se tornaram históricos, o Passinho foda e Passinho da cidade alta, pois está no processo, na “mecânica”, o caráter inventivo desta performatividade.
Produção de Caixas de Reinado e Reisado na Cidade de Carmo do Cajuru/MG: uma invenção técnica em diálogo com a performance do sagrado
Autoria: Sônia Cristina de Assis, José Alfredo Oliveira Debortoli
Autoria: Apresentamos um estudo etnográfico do modo de fabricação de caixas, utilizadas nas Festas de Reinado e Reisado da cidade de Carmo do Cajuru/MG, como modo de construção da pessoa. No diálogo entre os campos da etnomusicologia e da Antropologia, enfatizamos a importância e as relações dos objetos na constituição de narrativas que entrelaçam o técnico e o humano no fazer prático. Na sistematização de afinidade e habilidade com os materiais e o ambiente, temos um artesão criando suas próprias situações de vida e desenvolvendo a competência de criar caixa. Uma descoberta que se deu a cada encontro com o artesão numa manipulação direta com materiais que se transformam e se aglutinam na procura do sentido das caixas sagradas. São nas Festas de Reinado e Reisado que essas caixas sagradas dimensionam os rituais no tempo/espaço com os cantos e as sonoridades. O ambiente não é mais o mesmo, a paisagem sonora da rua é modificada pela integração social e a sonoridade musical, e nessa paisagem festiva cada ser humano é afetado e envolvido por maneiras diferentes, uns pela sonoridade e outros pelo movimento ou cores. Sentindo, cheirando e vendo o ambiente que o rodeia. Pessoa/habilidade/ambiente, nesse estudo, fomentam toda uma invenção tecnológica de confecção de caixa em diálogo com uma performance musical de um ritual sagrado.
Projeto acordes mágicos, ensino de música erudita e a construção de infâncias musicais na periferia de Fortaleza
Autoria: Paula Bessa Braz
Autoria: Em 2013, uma família de jovens músicos no Ceará deu início a um projeto de educação musical voltado para a comunidade do bairro em que reside: com sede instalada na própria casa da família, situada na periferia sudoeste de Fortaleza, ainda hoje o Projeto Acordes Mágicos, ou PAM, se dedica ao ensino musical erudito para a juventude periférica da cidade, tendo surgido da iniciativa de dois jovens membros da família Cruz, Axl e Maíra - os mais velhos dentre os seis irmãos, à época com quinze e treze anos respectivamente. O projeto, gerenciado e articulado pelos pais dos seis jovens músicos, conta com aulas, durante a semana, de instrumentos como viola, violoncelo, violino, clarinete, flauta transversal, dentre outros, todas ministradas pelos próprios membros da família e, em menor frequência, por professores voluntários. Aos finais de semana ocorre o ensaio da orquestra do PAM, atualmente regida por Mírian Cruz, uma jovem de 16 anos, com o eventual apoio dos demais irmãos. Como principal motivação do projeto, a família aponta a promoção da “inclusão sociocultural da juventude” local, assumindo para o projeto um papel de construção de uma alternativa distinta às trajetórias dos jovens moradores do bairro Novo Mondubim, marcado historicamente por experiências de violência e vulnerabilidades sociais, através do ensino musical. Ruth Finnegan (1989), ao elaborar o conceito de ‘trilhas musicais’, explora as formas pelas quais as pessoas da cidade inglesa de Milton Keynes se encontram, se engajam e participam de cenas e atividades musicais, sejam elas amadoras ou profissionais. Ao abordar, a partir desse conceito, os encontros musicais e as trocas que os atravessam no desenvolvimento de habilidades musicais, deparamo-nos, também, com elementos que vão além do estritamente musical: desde os discursos que sustentam o sistema musical exposto e aprendido, ou o próprio contexto de ensino e aprendizagem, até à rede em que aquele fazer musical se situa e se constrói. Amparada por esse conceito, procuro tecer, no artigo proposto, uma reflexão sobre as trilhas musicais dos jovens músicos da família Cruz, que venho acompanhando há cerca de um ano, no contexto local em que estão inseridos e nos seus desdobramentos para o processo de ensino e aprendizagem por eles empreendido durante os ensaios da orquestra (dos quais também participo, ora como aluna, ora como espectadora). A orquestra é composta e regida por crianças. O artigo será, portanto, balizado pelas implicações da interação desse fazer musical (Blacking, 1995) entre os jovens professores e os jovens alunos durante os ensaios, tendo como paradigma de fundo a compreensão do caráter de agência das crianças e seu potencial criativo de ação (e re-criação) sobre o mundo (Silva;Macedo;Nunes, 2002).
SABER CANTAR, EXPRESSÃO DE SENTIMENTOS E COMUNIDADE DE AFETOS: Algumas questões sobre música entre ciganos da Costa Norte da Paraíba
Autoria: Renan Jacinto Monteiro
Autoria: Baseado em uma pesquisa etnográfica iniciada em 2014 ainda na graduação e que se segue atualmente no mestrado, esse work se propõe a analisar o Saber Cantar, um dos saberes fundamentais para o tornar-se homem Calon entre os Calon da Rua dos Ciganos, na Costa Norte da Paraíba. A aprendizagem deste Saber se dá na prática da vida cotidiana, sem data, horário e local marcado. Entendo, que os aprendizes não são pessoas que não sabem e estão a aprender algo de alguém que sabe. Ao contrário, os aprendizes estão engajados em aprender o que eles já estão praticando, ou seja, aprendendo a cantar enquanto se canta, num processo que envolve imitação e improvisação. Aprender o Saber Cantar é, também, aprender a relacionar música e sentimentos. Através de músicas específicas, e muitas vezes pessoais, os homens Calon da Rua cantam e expressam aos seus amigos e familiares, seja em dias especiais de festa ou em dias corriqueiros, seus sentimentos em relação, geralmente, à sua situação amorosa. A música neste momento, utilizada para expressar sentimentos, acaba por criar, entre a pessoa que se expressa e aqueles que detêm um apreço por ela (familiares e amigos mais próximos) uma “comunidade de afetos” (BASSO, 1981), criando uma experiência temporária de igualdade entre pessoas e sentimentos. Portanto, constitui-se como objetivo deste work analisar o Saber Cantar e suas práticas de expressão, comunhão e criação de laços em torno de sentimentos cultivados em torno da música.
“Sonidos acoplados y ritmos igualitarios”: música Propia como una cosmosónica Misak.
Autoria: Oscar Giovanni Martinez Peña
Autoria: Los estudios en etnomusicología desde la década de los ochenta del siglo pasado se han preguntado cómo algunos colectivos humanos en un marco intersubjetivo escuchan y entienden sus universos sonoros. En esta discusión emergen espacios de reflexión que complejizan los sentidos atribuidos a lo sonoro musical y constituyen alternativas a una única mirada basada en las valoraciones occidentales sobre la música. Así, las acustemologías, las musico-lógicas y las cosmosónicas son posibilidades elaboradas por la experiencia interdisciplinar de la antropología y la (etno) musicología con base en la etnografía de investigadores que junto con sus “pares nativos” en la Melanesia y en los grupos amerindios en las tierras bajas de Suramérica, que proponen perspectivas novedosas para comprender las expresiones sonoro-musicales en la actualidad. Quiero aportar a la discusión a partir de mi experiencia junto con músicos pertenecientes al Pueblo Ancestral Misak, en el sudoeste de Colombia, quienes interpretan música propia. La música propia ocupa un lugar de importancia en la agenda política misak, que remiten a la presencia de alteridades extrahumanas performadas en eventos públicos y ritualizados como resultante del trenzado tímbrico de las flautas y los tambores misak, Lus y Palo. La música propia puede ser entendida como una cosmosónica que permite comprender las sonoridades donde confluyen alteridades que organizan los universos cosmológicos e inciden con su agencia en la formación de los sujetos. La pluralidad de sentidos que se construye alrededor de la cosmosónica misak, se revelaron en dos categorías sonoro-performáticas: el “sonido acoplado” y el “ritmo igualitario”. Estas dos ideas son formas de comprender la música propia, sin ser definiciones concluidas o características totalizantes. Así, esta discusión gira alrededor de la pregunta ¿Qué es lo que los músicos misak llaman como “música propia” para nosotros los no misak? Esta cuestión es resultante de la insistente aclaración de los mismos músicos: “la música propia no es una chirimia” frente a los procesos de patrimonialización que se adelantan en el departamento del Cauca sobre esta última.
“Unakesa”: um estilo musical indígena Fulni-ô profético
Autoria: Miguel Colaço Bittencourt
Autoria: A prática musical indígena do toré foi um forte demarcador genérico de indianidade nos processos de reconhecimento da identidade étnica, desenvolvidos pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a partir dos anos de 1920. Diante dos estudos da performance e da patrimonialização torna-se necessário destacar as particularidades e generalizações em torno das expressões musicais e das identificações étnicas. Atualmente, a música tradicional indígena continua por acionar políticas da alteridade e de autenticidade nas atividades de mobilização étnica, sendo compartilhada nos espaços escolares, na educação e visualidade intercultural, nas atividades artísticas, no turismo enteógeno e em diversas práticas cotidianas. A etnia Fulni-ô, situada em Águas Belas, no Sertão e Agreste pernambucano, corresponde a uma população com mais de 5 mil pessoas, que resguarda em sua memória um longo histórico de regime assimétrico de contato cultural e pressão econômica. Tais indígenas são valorizados e reconhecidos no Nordeste por serem os únicos que mantiveram viva sua língua materna, o yaáthê, que assume a tradução de “nosso idioma, nossa língua”. Hoje, é possível destacar uma relação sociocultural e ambiental nas músicas cantadas em yaáthê que assumem um projeto de indigenização (à la M. Sahlins), preservação e valorização da língua materna, resguardando um saber, ao mesmo tempo em que adquire um caráter de ferramenta pedagógica e transmissão do idioma entre os próprios índios. No caso dos Fulni-ô, o toré de búzio embora não seja cantado em yaáthê é rememorado em momentos importantes como aspecto máximo da tradição indígena, pois utiliza-se das flautas sagradas e de uma coreografia que desperta a sensorialidade e condutas que rememoram o passado no presente. Em outras palavras, resguarda-se a particularidade do índio contemporâneo. Por outro viés, a tradicional unakesa traduzida ao estilo da cafurna, “onde está? Vamos procurar nossos direitos”, é uma chamada de procura cantada. As cafurnas indígenas expressam as memórias, lembranças, sentimentos e mensagens contadas no presente, são histórias e profecias cantadas que despertam esteticamente uma busca aos direitos indígenas. Portanto, este work busca refletir a produção musical Fulni-ô e relacionar a expressão artística como forma de transmissão dos dilemas enfrentados em uma comunidade étnica. Deste modo, a oralidade musical assume mensagens proféticas, memórias, condutas e políticas de identidade que ao serem compartilhadas, lembradas e cantadas transmitem uma série de buscas por transformações e estratégias de adaptação.