Cinque Terre
GT 043. Memórias Indígenas e experiências de construções biográficas
João Pacheco de Oliveira Filho (Museu Nacioonal/UFRJ) - Coordenador/a, May Waddington Telles Ribeiro (Programa de Pós Graduação em Estado e Sociedade/UFSB) - Coordenador/a, Pablo Antunha Barbosa (UFSB) - Debatedor/a, Pablo Quintero (UFRGS) - Debatedor/a, Rita de Cássia Melo Santos (UFPB) - Debatedor/a
O GT busca reunir pesquisas que apresentem dados e interpretações novas sobre a continuada e persistente presença e protagonismo da população autóctone no Brasil no período colonial, no século XIX, na República e na atualidade. Partindo de reflexões teóricas dos campos da antropologia, sociologia, história e estudos literários, intentamos reunir biografias, trajetórias, histórias de vida, autobiografias, etnobiografias, dentre outras modalidades de narrativas biográficas, buscando dar conta das profundas intervenções que estas populações tiveram na constituição da história nacional bem como das modalidades de esquecimento e outrificação de que foram objeto. As mudanças sociais não serão tratadas apenas como fatos políticos e econômicos, mas como fenômenos sociais totais, envolvendo dimensões emocionais e afetivas, explorando aspectos contraditórios e ambíguos nas relações sociais, considerando também os contextos intersocietários e buscando compreender o protagonismo e a “agency” permanentemente exercida pelos indígenas. O presente GT está relacionado ao desenvolvimento do projeto em rede “Os Brasis e suas Memórias: Os indígenas na formação do Brasil”, coordenado por João Pacheco de Oliveira, que articula 22 universidades e que pretende através da elaboração de biografias sobre indígenas construir outras possibilidades de narrativas sobre a História do Brasil e a contemporaneidade dos povos indígenas.
Resumos submetidos
A txedjaray, suas múltiplas faces e o fazer político Tupi Guarani
Autoria: Vladimir Bertapeli
Autoria: Dentre os Tupi Guarani, povo indígena que habita diversas aldeias, as quais estão dispostas ao longo da costa meridional atlântica e em certos trechos do planalto paulista, há indivíduos, especialmente txeramôes e txedjarays (respectivamente, avôs e avós), que se destacam por sua participação na luta indígena por seus direitos. A presente comunicação versa sobre a trajetória de vida de uma dessas figuras, neste caso, a txedjaray Dora Samuel dos Santos. Como veremos, ao longo de sua vida, Dora teve uma atuação política marcante, seja como cacique, agente de saúde indígena e conselheira de novas lideranças. Ademais, ela é uma referência tanto espiritual como o que tange os costumes de seu povo. Sendo assim, pretende-se aqui deslindar sobre a trajetória desta indígena pelo fato de conter em sua vida elementos referentes à história dos Tupi Guarani. Para tanto, focaliza-se aqui as ações de tal interlocutora dentro de uma trama relacional com outros indivíduos através do tempo e do espaço. Para isso, este estudo se embasa em informações oriundas de uma etnografia histórica, a qual se articula a memória oral e arquivos (escritos e imagéticos) pessoais desta txedjaray. Nesse sentido, o que se apresentará é uma reconstituição da história de luta que tal indígena, que juntamente com seu povo, vem empreendendo pelos seus direitos.
Alcindo Penï Nascimento e sua ação política nas T.I Nonoai/RS e Manguerinha/PR
Autoria: Clémentine Maréchal, Iracema Gá Rã Nascimento
Autoria: Penï, “tartaruga” em português, descendente do p´ai bâg (“cacique” geral) Nonohay, foi uma grande liderança Kaingang. Cacique da T.I Nonoai durante mais de 20 anos, ele denunciou ativamente a devastação da terra provocada pelos madeireiros associados com a maioria dos funcionários do órgão estatal assim como os acordos que esses funcionários desenvolveram com lideranças Kaingang, que se tornaram cada vez mais poderosas, sendo cooptadas, pouca a pouco pelo poder e pelo capitalismo. O protagonismo político de Alcindo Penï Nascimento se estendeu até o estado do Paraná, onde foi ajudar o cacique Ângelo Kretã na retomada da Terra do Meio (T.I Mangueirinha/PR), onde morará durante mais de dez anos e onde formará uma turma de professores Kaingang no intuito de fortalecer a língua materna. Este work colaborativo, um “texto escrito-falado a dois” (Lejeune, 1980; Albert, 2016) pela kujà (liderança político-espiritual) e filha de Penï, e sua amiga antropóloga, busca retraçar trechos da atuação política da liderança Kaingang como também a memória de uma pessoa solidária e digna ante qualquer adversidade. Após contar algumas das suas lembranças, a kujà Iracema decidiu que, para resgatar a memória do seu pai, era necessário “pegar a estrada”, para ir ao encontro dos que lembravam dele. É assim que este texto nasce de uma viagem “nas pegadas” de Penï. De Porto Alegre à T.I Manguerinha, resgatamos lembranças entre os Kaingang e os fóg (“brancos”) que o conheceram (pessoalmente ou não). Nas T.I Serrinha/RS e Nonoai/RS, a memória de Penï está viva, para alguns como símbolo da resistência contra os avances do agronegócio, para outros como um inimigo político derrotado. Na cidade de Nonoai, velhas curandeiras lembram da liderança com emoção, e, algumas das suas palavras seguem registradas nos arquivos do Museu do Índio. A história oral irá acompanhar uma viagem de mais de 1000 quilômetros no interior do sul do Brasil onde o território e suas marcas também serão entendidos como fontes de memória. É com a combinação de todas estas lembranças, oriundas de diferentes fontes de memória, que pretendemos dar a conhecer a Alcindo Penï Nascimento, guerreiro Kaingang da marca redonda ra rór (Kanheru-Kré), que lutou até o fim da vida, contra a devastação da mata e dos seres que a habitam e contra as injustiças que “o sistema branco” implementou nas terras dos Kaingang.
Antropologia, história e biografia: conflito, mudança e direitos indígenas no Rio Negro.
Autoria: Sidnei Clemente Peres
Autoria: Neste work apresento um esboço de antropologia do ativismo étnico, a partir da trajetória biográfica e da atuação política de Clarindo Campos Tariana, que foi presidente da Associação Indígena de Barcelos (ASIBA), em dois mandatos (2000-2004 e 2004-2008). Foi um dos fundadores desta associação indígena, seu primeiro presidente e um dos principais responsáveis pela consolidação institucional da ASIBA devido à extrema dedicação com que desempenhou o seu cargo. É também grande conhecedor dos mitos e da história do seu povo. Muito respeitado como ativista e dirigente, dotado de grande capacidade reflexiva e oratória, incorporando criativamente a retórica mais abrangente do movimento indígena ao contexto local. Ele é um personagem importante na luta por direitos indígenas no Médio Rio Negro e o relato de sua vida ensina muito sobre os processos, instituições e configurações sociais imanentes às relações interétnicas e ao campo indigenista em mudança no Rio Negro, durante a segunda metade do século XX e primeira década do século XXI. Suas decisões e escolhas se constituíram diante de horizontes de possibilidades objetivas (o regime de aviamento, as missões salesianas e o associativismo indígena), enquanto estrutura de plausibilidade para a formação de suas alegrias e tristezas, contentamentos e frustrações, certezas e dúvidas.
CACIQUE DO POVO AKRÃTIKATÊJÊ: narrativas sobre vida, work e conflitos no território etnicamente configurado
Autoria: Jurandir Santos de Novaes, Rosa Elizabeth Acevedo Marin
Autoria: Pretendemos com este artigo refletir sobre registro e a publicização dos discursos biográficos e das narrativas sobre “trajetórias políticas”, que perduram na memória social de agentes sociais encetadas por “camponeses”, “trabalhadores rurais, “posseiros” e “indígenas” e “extrativistas “quebradeiras, e a contribuição para que os personagens saiam da condição de lenda e sejam compreendidos como protagonistas de processos históricos importantes na História política do país, e em especial na memória coletiva de povos e comunidades tradicionais da Amazônia, no século XXI. A proposta enseja pelo registro em livro da narrativa de Hõpryre Ronore Jopikti Payaré, conhecido e reconhecido como Cacique Payaré, e liderança dos Indígenas Akrãtikatêjê, povo que vive na TI Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, sudeste do Pará. E se inscreve em um work de pesquisa mais amplo, em que trajetórias individuais vêm sendo acompanhadas e estudadas, desde 2004, no âmbito de pesquisas realizadas por pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social, da Amazônia. Revelam situações em que o Estado se configura como partícipe ou como protagonista de situações de conflitos em que os personagens e seus grupos encontram-se envolvidos, e nesta situação, um duradouro e presente conflito desde a expropriação do povo do seu território para dar lugar à construção de Usina Hidrelétrica de Tucuruí nos anos 70/80. Tais situações nos colocarão em diálogo permanente com o pensamento crítico de autores que procuram trazer para a esfera política uma “nova” noção de política e uma “nova” maneira de fazer política, num contraponto à literatura que tradicionalmente classificou como “pré-política” (banditismo, movimento), portanto, reservada aos “excluídos da política”, e concernida a uma sociedade de ranços escravistas e autoritários. (Scott, 2000; 2000, Pudal 2009; Bourdieu, 1996). Ressalta-se o empenho dos irmãos, filhas e filhos, netas e netos do Cacique Payaré a propósito da montagem, publicação e divulgação do livro em publicação. A sua filha, Cacique Tônkyre Akâtikatêjê ou Kátia Silene da Costa Valdenilson insere-se nesse work com grande dedicação e contribuições, ao igual que seus filhos.
Carijós – reavivando a agency indígena
Autoria: Angelica Ripari, Florencio Rekaig Fernandes
Autoria: Investigar uma população extinta é uma tarefa de muitas dificuldades, conseguir delinear quem eram, como se reconheciam, suas práticas e sua capacidade de ação diante das circunstâncias. Tratamos dos povos nativos que ocuparam a baia de Paranaguá no século XVI, os povos que a habitavam nos primeiros contatos com os europeus. A história oficial diz se tratar do povo Carijó, afirmam que esta baia marca o berço da civilização paranaense. Narram um primeiro encontro, uma conquista, e nada mais tratam desta população para a fundação das cidades. Tratam com naturalidade que estiveram aqui e simplesmente deixaram de existir. Com séculos de uma versão recontada, é impossível um resgate oral da ancestralidade ou uma busca factível das características de resistência que persistiram. Ainda assim, buscamos uma reconstrução histórica na qual possamos avaliar a agency dessa população. Investigamos a partir de duas fontes distintas: relatos de viajantes (Binot Paulmier de Gonneville, Álvar Núñez Cabeza de Vaca e Hans Staden); e da literatura historiográfica oficial, obras referenciais locais (Antonio Vieira de Santos, Manoel Viana e Romário Martins). Nestas, buscamos componentes possíveis para compreender a participação ativa destes sujeitos na história, daremos luz, em contraponto, às impossibilidades e dificuldades para esse exercício. A metodologia da etno-história embasa esta análise, e ainda, provoca questionamentos sobre a utilidade das investigações históricas enquanto ciência ocidental para os povos indígenas da atualidade.
Casamento e política interétnica no Alto Juruá / Acre
Autoria: José Antônio Vieira Pimenta
Autoria: Esta comunicação discute um tipo de união matrimonial geralmente invisibilizado e provocador para o imaginário nacional brasileiro: o casamento interétnico entre uma mulher branca e um homem indígena. Baseia-se na análise de um caso ocorrido em meados dos anos 1960, no rio Amônia, na região acreana do Alto Juruá, na fronteira do Brasil com o Peru. Após apresentar brevemente a trajetória de dois grupos familiares, um branco e um indígena, que se instalaram no rio Amônia na década de 1940, apresento brevemente a biografia dos dois principais protagonistas desse casamento: a mulher branca e o homem indígena do povo Ashaninka. Busco salientar a singularidade desse matrimônio interétnico para o imaginário nacional brasileiro e para a etnologia indígena, discutir seus significados, tanto para os brancos da região, como para os Ashaninka, e, por fim, mostrar seus efeitos políticos para os índios do rio Amônia. Sustento que esse casamento interétnico tão peculiar é fundamental para entender o protagonismo e a visibilidade política que essa comunidade indígena adquiriu no campo do indigenismo nas últimas duas décadas.
Com a pasta debaixo do braço: Chico Pai Zé e a territorialização Tapuya Kariri
Autoria: Francisca Jeannie Gomes Carneiro, José Glebson Vieira (UFRN)
Autoria: O presente work busca apresentar dados e interpretações acerca da persistência do Sr. Francisco Gonçalves de Souza, conhecido como Chico Pai Zé, um indígena Tapuya Kariri, de São Benedito no Ceará. A partir de sua biografia é possível perceber as intervenções de homem um simples, bem como os “processos de territorialização” dos Tapua Kariri, levantando seu contexto de mobilização, incluindo a visita a outros povos indígenas. Essa noção de pertencimento, sempre esteve presente em Chico Pai Zé, um dos primeiros que, publicamente afirma que é indígena. Sua percepção sobre as diferenças impulsionava sua luta em defesa da causa fundiária e o motivava a seguir diariamente, destinado a busca por reconhecimento a sua causa. A organização Tapuya Kariri, a luta pela terra e os significados que estão vinculados ao nome e no work que ele iniciou, estão ainda hoje, na memória dos indígenas. Assim, qual o papel de Chico Pai Zé? Quais os agentes acionados por ele nesse processo? Intenciona-se com isso, refletir sobre a história que começa com a persistência de um senhor que andava com uma pasta embaixo do braço.
Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira – Etnologia e Indigenismo no Brasil entre 1950 e 1975
Autoria: Francisco Emanuel Silva Meneses Alves
Autoria: Esta pesquisa se encaixa nas discussões sobre teoria antropológica tratando-se de um estudo bibliográfico comparativo e aspira à compreensão acerca da maneira como as obras de Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira dialogam entre si e ao mesmo tempo mantém suas respectivas “originalidades” cada uma. Neste sentido, tomamos como objeto as obras “Áreas culturais indígenas do Brasil: 1900-1959”, de Galvão; “Os Índios e a civilização. Integração das populações indígenas no Brasil moderno”, de Darcy; e “O índio e o mundo dos brancos – uma interpretação sociológica da situação dos Tukúna”, de Roberto Cardoso de Oliveira, bem como atuações e postulados indigenistas desses autores entre os anos de 1950 e 1975. Por que estudar esses três autores? Por que ambos figuram como notórios construtores de nossa disciplina do ponto de vista acadêmico, na prática e no posicionamento público diante da defesa de direitos de populações tradicionais ainda hoje continuamente ameaçadas (principalmente povos indígenas). Ambos presidiram a Associação Brasileira de Antropologia (Galvão em 1963; Darcy em 1959 e RCO em 1984), passaram pelo SPI, fizeram work de campo entre populações indígenas, circularam internacionalmente e contribuíram para a formação de outros antropólogos de destaque em nosso país, sobretudo no caso de RCO, além das próprias intersecções entre ambos. Neste sentido, reiteramos que não pretendemos nos aprofundar em um ou em outro autor ou obra, mas passar superficialmente por ambos tratando da repercussão de suas obras no pensamento antropológico brasileiro.
Depoimentos de estudantes universitárias indígenas
Autoria: Priscila Faulhaber Barbosa
Autoria: Nesta comunicação propõe-se examinar alguns pontos advindos da leitura dos testemunhos escritos por dez estudantes universitárias indígenas. Entende-se aqui o testemunho como uma forma de recriar a biografia e o mundo vivido através do texto, neste caso mediado pela escrita. Consideramos aqui a singularidade da memória individual em sua força de expressar os desejos de cada uma das colaboradoras da proposta. Esta dimensão individual não exclui a relevância do exame dos condicionantes históricos das práticas sociais. Estas estudantes indígenas sistematizam suas experiências e descrevem suas práticas e a situação que lhes marca a escrita e as vozes. A mulher indígena pode estar sujeita a muitas formas de dominação implícita ou manifesta, desde a violência doméstica às formas de subjugação do work, que envolvem diferentes interpretações sobre a significação gênero feminino. As questões de gênero podem variar segundo o modo de pertinência étnica e a forma de organização social de cada povo. As funções de professora, de enfermeira ou de secretária são bastante recorrentes, embora possam exercer outras ocupações qualificadas bem como papéis de dirigentes em termos administrativos ou políticos. Apesar das barreiras, no mundo dos brancos abrem-se novas formas de relacionamento entre pessoas de gênero diferente, surgindo relações de coleguismo, companheirismo, colaboração profissional ou outras formas de compartilhamento das tarefas, abrangendo variáveis de âmbito moral, familiar, trabalhista, estudantil, associativo, organizativo ou afetivo. Entre as dificuldades apontadas pelas estudantes indígenas são elencadas a pressões ao tentar conciliar a vida familiar e os estudos, estratégias de subsistência, problemas de socialização, dificuldade de assimilação dos conteúdos sistematizados, concentração para realizar tarefas acadêmicas, embora motivadas para compreender a cultura na qual foram formadas. As normas de avaliação da produção intelectual nem sempre são amigáveis. Frequentemente são alheias ao universo e aos códigos de conduta nas comunidades indígenas. Quando se trata de voltar ao meio de procedência para realizar pesquisa com seus parentes índios de seu próprio grupo étnico, cria-se um duplo dilema ético-moral: privilegiar os parâmetros acadêmicos ou os compromissos afetivos, políticos e existenciais? É preciso evitar confrontos para conseguir finalizar a pesquisa? Cabe posicionar-se junto aos injustiçados mesmo sabendo que o conhecimento é avaliado na economia das trocas simbólicas e linguísticas? Estas e outras questões são consideradas levando com consideração as memórias com base nos depoimentos biográficos escritos pelas citadas estudantes universitárias indígenas.
Duas trajetórias entre dois mundos sociais
Autoria: Hugo Ciavatta
Autoria: Concentrado no investimento biográfico explícito de duas lideranças Jamamadi, do Lourdes, no Purus, procuro refletir sobre o conceito de política, as concepções a respeito de poder, chefia e liderança, apontando hipóteses sobre como se produziu socialmente o entendimento dessas duas lideranças indígenas. São os irmãos Valdimiro de Mendonça, Jamamadi, e Sebastião de Mendonça, também Jamamadi, da aldeia do Lourdes, próximo à Boca do Acre (AM). Aponto a relevância dos modos êmicos de contar histórias, ressalto as transformações dos contextos locais, das políticas referentes ao Estado, pelas quais ambos passaram, nas últimas décadas, como as associações políticas indígenas em suas trajetórias. Ambos estiveram próximos ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário), mas Valdimiro worku como marceneiro, na construção civil em Boca do Acre, e em Dourados (MS), também viveu alguns anos em Rio Branco (AC), casou-se com uma mulher não indígena e, desde 2016, retorna, está mais próximo de Lourdes, onde é considerado cacique. Lourdes, junto às aldeias de Goiaba e Iquirema, próximas a Boca do Acre, aguardam o desenlace do processo de demarcação de terras pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Em 2015, Valdimiro decidiu se candidatar a vereador nas próximas eleições, em Boca do Acre, e não foi eleito. Aparentemente, portanto, Valdimiro aparece como mais orientado ao universo das relações sociais dos brancos. Já Sebastião, na ausência do irmão, herdou a condição de líder Jamamadi, apesar de ter trabalhado durante muitos anos para a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), em Boca do Acre, e também na região de Pauini (AM). Sebastião viveu o tempo todo em Lourdes e não se casou. Também aparentemente, desse modo, Sebastião dedicou-se mais às relações que permeiam Lourdes. Além dos Jamamadi, na região também estão os Apurinã (Popukare). Juntos, os Apurinã e os Jamamadi formam a OPIAJABAM (Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre-AM) desde 2004. Apresentar comparativamente, então, as trajetórias, as narrativas biográficas dessas duas lideranças indígenas atento à relação com o Estado brasileiro, portanto, é o principal objetivo desta proposta. Três aspectos iniciais, enfim, orientam minha proposta: 1) o entendimento Jamamadi, em sua relação com o universo das relações sociais no mundo branco, a respeito de política e de poder; 2) os modos êmicos de narrar, de contar histórias que podem se relacionar ao 3) investimento biográfico dessas lideranças. Para tanto, dedico-me a abordagens teóricas na etnologia e na história indígena, buscando a construção de um arranjo conceitual, o biográfico, que me permita descrever os processos de transformação, as relações sociais que se estabelecem entre esses universos sociais, indígenas e não indígena.
ENTRE SERINGAIS E PIAÇABAIS: movimento, memória e trajetórias de um ancião baré na bacia do Rio Negro na Amazônia brasileira.
Autoria: Luiz Augusto Sousa do Nascimento
Autoria: A pesquisa, narra etnograficamente, a trajetória de um ancião baré, a partir da perspectiva de “situações históricas” tomando como pressupostos, memória e movimento. Durante as etapas da pesquisa de campo, percorremos em antigas comunidades, sítios e colocações situadas entre seringais e piaçabais, identificando espaços e ambientes que nos auxiliou a elucidar fenômenos sociais que marcaram a trajetória do ancião e seu grupo de parentela. No contexto da política indigenista oficial de integração de populações indígenas ao conjunto da sociedade nacional, os Baré, no ano de 1950 foram considerados extintos pelo SPI. Nesse contexto, a trajetória do líder Caetano de Jesus Melgueiro Baré se vincula as situações de identidades fluidas. Compulsoriamente, suspendeu a sua “indianidade” e se amalgamou à população de seringueiros e piaçabeiros, trabalhando sob a égide do sistema de aviamento. Evidenciou-se que o ancião baré, tornou-se líder de seringueiros, dos piaçabeiro, virou freguês, patrão e foi considerado um xamã superior no rio Negro. A pesquisa imbricada em um conjunto de fenômenos sociais e situações histórias, procurou alinhar a trajetória de um líder indígena na sua “transversalidade”. Caetano de Jesus Melgueiro, faleceu no ano 2010 aos 104 anos na comunidade que fundou às margens do rio Preto, no Médio Rio Negro.
Félix Tembé: a trajetória de vida de uma liderança Tenetehara.
Autoria: Jesias Pereira Barros, José Rondinelle Lima Coelho
Autoria: Félix Tembé é a mais importante liderança da História dos Tembé da aldeia Sede da Terra Indígena Alto Rio Guamá (nordeste do estado do Pará). A referida liderança nasceu na aldeia São José da Cachoeira - que se localizava no lado direito do rio que dá nome a terra indígena -, a aldeia mais antiga na memória do grupo. Após a criação da Terra Indígena Alto Rio Guamá, em 1945, o mesmo mudou-se para aquele novo território étnico, o qual seria seu espaço de luta por toda a vida. Formou uma família com D. Maria, com quem teve seis filhos. worku no SPI e na FUNAI. A memória coletiva dos Tembé apresenta uma trajetória de vida marcada pela violência, tanto física, quanto simbólica, onde travou muitas lutas e obteve vitórias relevantes para seu povo. Assim, Félix Tembé desponta como sendo um “legítimo” representante da luta Tembé pela defesa de seu território e nos permite, através da análise de sua trajetória, observar os diversos processos de territorialização deste grupo indígena.
Mestre Roque Moises, o grande Cacique e Pajé do Povo Tuxá Setsor Bragaga de Pirapora Minas Gerais.
Autoria: Reginaldo Cordeiro dos Santos Junior
Autoria: Em consonância com o projeto “Os Brasis e suas Memórias: Os indígenas na formação do Brasil”, o qual também irei encaminhar este work para possível publicação, tenho como objetivo apresentar a história de vida de Mestre Roque Moises, Cacique e Pajé do Povo Indígena Tuxá Setsor Bragaga de Pirapora - Minas Gerais - Brasil. Atualmente, parte do Povo Indígena Tuxá vive em Pirapora, região norte do Estado de Minas Gerais, em um contexto periurbano há 65 anos. Parte do grupo se encontra na Aldeia Setsor Bragaga, no município vizinho de Buritizeiro. A aldeia foi formada em dezembro de 2015, quando o Povo Indígena Tuxá Setsor Bragaga, realizou de forma organizada e articulada com o movimento indígena nacional a retomada de seu território sagrado prometido pelos Mestres Encantados. Mestre Roque Moises, como era chamado, saiu da velha Cidade de Rodelas Estado da Bahia, hoje inundada pelas águas represadas da Usina Hidrelétrica de Itaparica, e se estabeleceu em Pirapora, na década de 1950. Em Pirapora, casa-se com a senhora Maria de Lourdes, da Etnia Tupinambá. Ali, os dois formam uma família de doze filhos, criando-os em “diáspora”, ensinando-os a caçar, a plantar na vazante do Rio São Francisco, a pescar e a realizar os rituais, em um local próximo de Pirapora, chamada ilha do coqueiro, conforme nos informou, uma de suas filhas, Cacique Anália, em uma de nossas várias conversas. O motivo da saída de Rodelas-BA, não foi pura e simplesmente uma vontade de viver em “diáspora”, mas por uma situação de perseguição. Os relatos da Cacique Anália Moises, são os de que (seu pai) Roque Moises Tuxá, sofreu grande perseguição de fazendeiros da localidade, e tudo indica que a mando de agentes do Estado devido os interesses desenvolvimentistas da implantação da UHE Itaparica. Estes relatos são reforçados pelo próprio senhor Roque Moises Tuxá, em uma entrevista realizada na década de 1990. Trata-se de fragmento de uma produção intitulada “Um Cacique sem Tribo”, disponível em uma xerografia guardada a sete chaves por uma de suas filhas, a Pajé Ana Alice. A luta do Cacique Roque Moises Tuxá nunca foi em vão, pois, como cita seu Povo, apesar de em 1997 falecer o grande líder Tuxá, o sonho de um dia pisar nas suas terras não morreu; a força de Mestre Roque se torna mais forte, pois ele se torna no mundo espiritual, conforme nos relatou a cacique Anália, um Mestre encantado e segue com a luta, apoiando espiritualmente os indígenas Tuxá Setsor Bragaga, do Clã dos Anália, da velha cidade de Rodelas, na Bahia.
Narrações biográficas a partir do vivido por índios Tupiniquins na Caieira do Mandoca (Anchieta, ES)
Autoria: Sônia Missagia Matos
Autoria: O que se apresenta aqui é um work, ainda em construção. Ele tem por base incentivos teóricos nos quais tenho adentrado incentivada por discussões realizadas por Suely Kofes (Unicamp/Campinas, SP) que nos levam a pensar no encontro da narrativa biográfica com a etnografia “ao marcarem para a antropologia a experiencia da alteridade.” O aporte empírico é composto por narrações de memórias de experiências vividas por índios Tupiniquins da Chapada do Á, município de Anchieta, ES - que por anos seguidos trabalharam na Caieira do Mandoca. A cópia de um quadro, pintado nos anos de 1920, foi um estímulo, através das memórias que suscitou, para que a extinta Caieira do Mandoca ganhasse novamente vida.
O genocídio contra o Povo Indígena Xakriabá e o Cacique Rosalino que “morreu para ser adubo da justiça da fulô”
Autoria: Heiberle Hirsgberg Horácio
Autoria: O Povo Indígena Xakriabá - que habita a microrregião do Vale do Peruaçu, São João das Missões - MG, no Alto Médio São Francisco, vivendo na margem esquerda do rio, entre os biomas da caatinga e do cerrado -, se estabelece em 33 aldeias e possui uma população estimada de 11000 indígenas. A Terra Indígena Xakriabá possui, ao todo, juntamente com a TIX Rancharia, uma área de aproximadamente 54.000 hectares. (XAKRIABÁ, 2016). A Terra Indígena Xakriabá só foi homologada em 1987, após o genocídio sofrido pelo Povo Indígena Xakriabá em 12 de fevereiro de 1987, quando houve a execução dos indígenas José Santana, Manuel Fiúza e do Cacique Rosalino Gomes de Oliveira. Hodiernamente, há narrativas desse povo indígena que mobilizam o nome do Cacique Rosalino, e há um conjunto ritual realizado anualmente em memória dos “Mártires da Terra Indígena Xakriabá”. Nos anos de 2017 e 2018 foram realizados na Aldeia Itapicuru conjuntos rituais em memória dos 30 e 31 anos, respectivamente, do Martírio Xakriabá. Estiverem presentes, nos eventos supracitados, indígenas Xakriabá, representantes de diversos povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas, do MST, um dos filhos de Rosalino que atualmente é Cacique Xakriabá – e que esteve à frente dos rituais-, um dos filhos de Rosalino que atualmente é prefeito da cidade de São João das Missões, o padre da paróquia existente em São João das Missões e que atua na Terra Indígena Xakriabá, representes do CIMI, entre outros. O presente work busca apresentar observações das “falas” sobre o Cacique Rosalino nos dois conjuntos rituais supracitados que foram por mim assistidos, bem como nas narrativas existentes entre os Xakriabá.
O legado de Tutawa Ãwa e os Avá-Canoeiro do Araguaia
Autoria: Patrícia de Mendonça Rodrigues
Autoria: A história de resiliência dos Avá-Canoeiro do Araguaia (autodenominados Ãwa), que foram capturados por uma Frente de Atração brutal da FUNAI em 1973, no contexto da ditadura militar, de expansão do capitalismo na Amazônia legal, e reduzidos a apenas 5 pessoas poucos anos depois, funde-se com a história de Tutawa, pajé e líder do grupo. Os 25 Ãwa atuais descendem desse guerreiro que soube fazer a mediação entre a tradição de origem tupi-guarani e a vivência de dominação, discriminação e marginalização socioeconômica a que foram submetidos pelo Estado brasileiro quando foram transferidos compulsoriamente para a aldeia de seus antigos inimigos, os Javaé, onde vivem até hoje. Os Javaé incorporaram os Ãwa como tradicionais cativos de guerra, embora tenha sido uma guerra vencida pelo Estado, enquanto os Ãwa se imaginam como cativos à espera de uma libertação profetizada pela mitologia, sonhando com o retorno para um território próprio. Para um povo que cultivou o espírito de resistência e autonomia como poucos, preferindo a morte à prisão durante séculos de colonização, a captura e o cativeiro final foram sem dúvida uma experiência devastadora. Nada disso, no entanto, aniquilou ou domesticou a vitalidade resiliente dos sobreviventes ãwa, que seguiram adiante contando essencialmente com a sólida sabedoria interna herdada de seus ancestrais e o vínculo amoroso entre eles. As crianças que sobreviveram à captura e as que foram nascendo depois foram protegidas e cuidadas por Tutawa com afeto e dedicação exemplares, a quem ensinou a língua, práticas rituais e batizou com os nomes-alma dos antepassados, conforme a tradição ãwa, mantendo uma das mais importantes formas de continuidade do legado tupi-guarani. Foi ele também quem liderou o grupo, por mais de 20 anos, na recusa irredutível em abandonar a região do Araguaia, com a qual mantém ligações profundas de variadas ordens, enfrentando o projeto persistente do convênio indenizatório e milionário entre FUNAI e FURNAS de transferi-los para uma terra indígena no Rio Tocantins. Resiliência talvez seja a melhor palavra para definir a vida e o caráter de Tutawa Ãwa de forma sintética. Poucas pessoas desenvolveram essa habilidade de encontrar o melhor no que se impõe como o pior de forma tão extraordinária como o líder carismático de temperamento afetuoso e alegre que guiou e liderou o povo Ãwa no vale do Rio Araguaia durante as décadas de genocídio anteriores ao contato e nos anos de submissão que se seguiram à captura de 10 sobreviventes. O fato chocante de negarem a ele o seu último desejo – o de ser enterrado no Capão de Areia, o último refúgio antes do contato – foi apenas um entre os incontáveis e desumanos obstáculos que teve que enfrentar juntamente com seu povo durante toda a vida.
O Zicunatí dos Paresi e o projeto de identidade nacional no centenário da independência do Brasil
Autoria: José Ronaldo Mendonça Fassheber, Dra. Liliane da Costa Freitag - UNESPAR Paranaguá/PR
Autoria: A identidade nacional, tema constante no pensamento social brasileiro, foi e continua sendo pauta de projetos políticos cujo enredo é repleto de representações sociais que visam uma memória e uma história nacional. O foco desse work é a fabricação de uma memória e de uma história para o Brasil. De maneira geral, essa foi uma a preocupação da produção historiográfica produzida por elites letradas que faziam parte do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em meados do século XIX. As propostas de identidade nacional brasileira podem ser encontradas em diferentes lugares de memória, tais como festas cívicas, museus, monumentos e comemorações. Esses espaços simbólicos são propícios para a divulgação e legitimação de enredos sobre o passado e de sentimentos comuns de destino e de pertencimento a uma dada história. Um exemplo desse work de fundação do Brasil e de uma identidade nacional buscada em certo passado uma originalidade que explicava o Brasil pode ser visto em 1922, ano que selou as comemorações do centenário da Independência do Brasil. Naquele ano, o Rio de Janeiro, capital federal, transformou-se em um verdadeiro lugar de memória, palco de exposições que apregoavam grandezas da terra brasilis e de suas gentes. Do ponto de vista politico, era necessário um discurso histórico que evidenciasse uma ruptura com o passado, ao mesmo tempo que recuperasse uma linhagem histórica e um passado glorioso para o país. Destarte, a proposta de identidade nacional fincou seus argumentos na ideia de um esporte ‘genuinamente nacional’. Trata-se do headball/Zicunatí do povo Paresi, prática que se tornou visível em decorrencia da expedição do então ex-presidente Theodore Roosevelt em 1914, acompanhado do Marechal Candido da Silva Rondon que também o havia descrito. Contudo, foi em 1922, poucos anos após as primeiras descrições do Zicunatí, que os Paresi adquirem destaque como protagonistas da identidade nacional. O Zicunatí foi apresentado no Estádio das Laranjeiras em 1922, ato que fez daquela arena esportiva, palco de uma pretendida nacionalidade. Na ocasião, apresentaram-se dezesseis Paresi que viajaram por cerca de dois mil quilômetros para jogar aquela partida, - o Zicunatí. Os discursos jornalísticos e imagéticos dos principais periódicos da capital da república, tal como o famoso O Paiz, reforçaram as verdades em torno da nacionalidade daquele jogo. A fabricação dessa memória e a forma pela qual ela foi publicizada no contexto das comemorações do centenário da independência do Brasil em 1922 no Rio de Janeiro é o que pretendemos problematizar com essa pesquisa, destacando, assim, um universo simbólico e afetivo, mas também procurando pontos de tensão entre a história, a memória, o protagonismo indígena e os silêncios que essas relações revelam.
Suzana Karipuna: A primeira mulher indígena no Museu Paraense Emílio Goeldi
Autoria: Ana Manoela Primo dos Santos Soares
Autoria: O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) é uma instituição de pesquisa sobre sistemas naturais e processos socioculturais na Amazônia, reconhecida em nível internacional. Porém, em seus 152 anos de existência é evidenciada apenas a participação de uma única servidora indígena no quadro geral de funcionários do Museu. Suzana Primo Santos, do povo Karipuna do Amapá, é a primeira mulher indígena a trabalhar na Coleção Etnográfica Reserva Técnica Curt Nimuendajú desta instituição. No intento de preservar sua memória que também se vincula à história do MPEG, o objetivo dessa comunicação é tecer uma biografia de Suzana, destacando a sua relação com a instituição na qual atua desde os anos 80 do século XX; outros membros de povos indígenas também passaram pelo MPEG, mas nenhum se estabeleceu como funcionário fixo e nem por tanto tempo quanto Suzana. A metodologia da pesquisa se baseia em entrevistas com Suzana e com outros funcionários do MPEG e pessoas relacionadas a ela ou a instituição, assim como em análises bibliográficas sobre os Karipuna do Amapá, sobre a história do MPEG e a relação indígenas e museus. Observando-se por fim que esta pesquisa é construída por sua única filha, que há dois anos atua como bolsista de Iniciação Científica em antropologia no Museu Goeldi.
Tikuein Xetá: entre memórias e afetos
Autoria: Lilianny Rodriguez Barreto dos Passos
Autoria: Nas décadas de 1940 e 1950, o Estado paranaense loteou e concedeu títulos de terras da região noroeste a particulares e companhias colonizados interessados em investir na economia agropecuária. A invasão e pressão colonizadora na região de floresta conhecida como Serra dos Dourados cresceu sistematicamente, e notícias sobre a presença de índios selvagens passaram a circular a partir do final da década de 1940. Em 1954, constantes aproximações de um grupo familiar com a fazenda Santa Rosa – localizada na região - levou o SPI a iniciar o processo de aproximação e atração, e para tanto, organizou junto à Universidade do Paraná expedições técnico-científicas à Serra dos Dourados. Nesse processo, as narrativas de contato do povo Xetá estão permeadas de inúmeras situações de violência: assassinatos, doenças, chacinas, envenenamentos, fome, roubo de crianças no interior da floresta, estupros, fugas constantes, desmatamento e expulsão de seu território. No início da década de 1970 o número sobreviventes nesse processo de extermínio estava reduzido a oito pessoas, que foram separadas e levadas compulsoriamente para diferentes terras indígenas no Paraná. Entre estes destaca-se Tikuein Xetá, que há época do contato era criança e saiu do mato junto com seu pai Mã e o primo Nhengo. Tikuein casou-se com D. Conceição, do povo Guarani e tiveram 08 filhos, atualmente residentes na Terra Indígena de São Jerônimo, no município de São Jerônimo da Serra – PR. Seus filhos/as e netos/as se reconhecem como pertencentes ao povo Xetá, contactado na Serra dos Dourados e as memórias, narrativas e conhecimentos transmitidos por Tikuein são fundamentais nesse processo. Na sua biografia está a vida do mato junto aos antigos, processo violento de contato com os brancos na infância, do trânsito entre aldeias, dos works de bóia-fria nas fazendas da região, das ausências, viagens, visitas à museus, pesquisas com antropólogos, linguistas e instituições, sua luta pelo território Xetá, bem como seus momentos de solidão, alegrias, tristezas e sobretudo sua morte. Entre os seus descendentes são as referências à biografia, à pessoa e à memória de Tikuein, e o compartilhar de suas narrativas, que os insere em um contexto de relações intersubjetivas, marca suas relações com o passado/presente/futuro, os impulsiona nas suas reivindicações acerca de seus direitos constitucionais - território e educação. E mais, lhes permite elaborar suas representações, memórias e afetos. Dado o aqui exposto, este work se propõe a apresentar a biografia de Tikuein Xetá e refletir sobre a sua importância e o seu papel na constituição das relações contemporâneas do povo Xetá.
Trajetória de Líder Indígena Tikuna: Leonilio Clemente na Atuação no Movimento Indígena e no Campo da Política
Autoria: Salomão Inácio Clemente, Santo Cruz Mariano Clemente
Autoria: Este work trata da questão da Trajetória de Líder Indígena Tikuna: Leonilio Clemente na Atuação no Movimento Indígena e no Campo da Política que tem como ponto crucial abordar a questão da atuação na luta com povo da sua etnia e os outros no desenvolvimento de conhecimento da comunidade indígena. Abordagem que nos faz pensar mais o reconhecimento dos líderes que lutaram e defenderam o direito do povo e a terra, e a pratica cultural tradicional. Este work é uma iniciativa de pensar sobre a participação das lideranças indígenas no campo político atuando no movimento indígena com o povo. Partindo inicialmente da lógica de que as lideranças indígenas tem a sua participação importante na política na elaboração de um visão sobre os indígenas nas suas aldeias onde desenvolvem em comunidades a sua própria forma de viver, costumes próprios, crença, religião e própria forma de pensar a respeito da cultura e ensino das práticas cultural tradicional e educativo para melhorar e fortalecer a identidade de origem valorizando principalmente a cultura tradicional. Abordagem de teorias, métodos, que valorizem o conhecimento formal e informal.
Trajetória de mulheres indígenas no baixo rio Tapajós: percursos entre aldeia, cidade e universidade
Autoria: Luana Lazzeri Arantes
Autoria: A partir de percursos de vida de Auricelia Arapium, Fabiana Borari e Luana Kumaruara, proponho discutir processos de mediação social (Neves, 2008) mobilizados por essas jovens lideranças femininas. Essas três mulheres indígenas ingressaram na Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, com sede na cidade de Santarém, mediante processo seletivo especial e estão terminando os cursos de direito, pedagogia e antropologia, respectivamente. Todas elas, depois de ingressarem na Universidade, ocuparam cargos no Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA, entidade representativa dos povos que habitam, aproximadamente, 70 aldeias na região do Baixo Tapajós, que inclui os municípios de Aveiro, Belterra e Santarém. Elas também atuam politicamente no âmbito da Universidade, principalmente por meio do Diretório Acadêmico Indígena – DAIN. Além disso, essas mulheres vão com freqüência para suas aldeias e são reconhecidas por seus parentes como lideranças. Baseada em entrevistas que realizei com elas, refletirei sobre percursos envidados por Auricelia Arapium, Fabiana Borari e Luana Kumaruara na perspectiva de lutar pela efetivação dos direitos indígenas e de ocupar espaços sociais raramente acessados por mulheres indígenas.
Trajetórias de luta e a construção de uma política indígena no Vale do Javari - Amazonas
Autoria: Rodrigo Oliveira Braga Reis
Autoria: A presente comunicação pretende uma reflexão sobre a constituição do movimento indígena na região do Vale do Javari, no sudoeste do estado do Amazonas, a partir da reconstrução das trajetórias de três lideranças indígenas que participaram do processo: Darcy Duarte Comapa (Marubo), Jorge Oliveira Duarte Marubo e Adelson Korá Kanamary. Todos atuaram na coordenação do CIVAJA e hoje atuam, respectivamente como Secretário Municipal de Assuntos Indígenas em Atalaia do Norte, Coordenador do DSEI/Vale do Javari e Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Atalaia do Norte; e da professora Amélia Barbosa da Silva (Marubo) que atualmente compõe a Coordenação de Educação Escolar Indígena da Secretaria Municipal de Educação de Atalaia do Norte. O exercício analítico baseou-se em relatos dos primeiros encontros, lembranças sobre as viagens, sobre parceiros e opositores, além da memória das relações estabelecidas com “patrões”, trabalhadores não indígenas e com indigenistas – este que nos pareceu um caminho profícuo para revisitar o processo de mobilização pela demarcação da Terra Indígena Vale do Javari e as transformações da política indígena no período pós-demarcação. Metodologicamente, o work foi conduzido por meio da realização de entrevistas, do registro de depoimentos sobre eventos, da reunião de documentos e fotografias, de forma a atribuir o devido reconhecimento ao protagonismo e à agência indígena na região em estudo, assim como nas diversas relações com o movimento indígena nacional e com os espaços da política indigenista. Com foco principal na compreensão da constituição da política indígena no Vale do Javari, a apresentação priorizará os registros e as memórias de lideranças acerca das alianças que possibilitaram a criação do Conselho Indígena do Vale do Javari (CIVAJA), que entre década de 1990 e início dos anos 2000 se constituiu como a principal forma de organização interétnica no momento de reivindicação pela demarcação contínua do Vale do Javari. Não obstante, buscaremos tratar também das transformações no movimento indígena pós-demarcação e a crescente participação em espaços da política local atualmente por meio de apontamentos sobre as circunstâncias sob as quais se dá a presença da população indígena na cidade de Atalaia do Norte.
Trajetórias indígenas e memoria urbanas na produção socioespacial da cidade de Marabá
Autoria: Tatiane de Cássia da Costa Malheiro
Autoria: A reflexão sobre a questão étnica na produção do urbano amazônico, especificamente no que se refere a presença indígena na produção e reprodução das cidades dessa região, é aqui analisada tomando como ponto de partida uma problemática espacial, fundada na diversidade histórica e na coexistência de temporalidades distintas, que tem suas bases numa compreensão ontológica do espaço, como produto de inter-relaçoes, como esfera da coexistência da multiplicidade e ainda, como num estado de transformação contínua e inacabada por constante refazer da história, ou seja um processo de devir (Massey, 2005). Com base nesta premissa, é possível afirmar que na Amazônia o urbano e a etnicidade indígena se constituíram de forma mútua num contato de interdependência historicamente construído, que adquiriu diferentes significados ao longo da história. Tal relação reproduziu-se historicamente numa situação de fronteira (Martins, 2009), através do contato interétnico (Cardoso de Oliveira, 1972) entre o índio e os processos de urbanização, no qual tanto a cidade se constituiu como tal a partir da presença e do work indígena, como o indígena em sua diferentes e especificas formas organização e reprodução social, experienciaram a vida urbana e junto com esta, reconfiguraram suas práticas sócio espaciais. Segundo Mauricio de Abreu (2014) muitas memorias urbanas não são registradas, e perdem-se no tempo, o que faz com que as raízes identitárias das cidades, que subsistem na paisagem ou nas instituições de memória (Nora, 1984) sejam fragmentos de memórias coletivas ligados a estruturas de poder, o que denota que os vestígios do passado não são neutros, precisam ser tomados a partir de seus contextos, buscando identificar quem os produziu, e para quais objetivos foram produzidos, considerando os processos que atuam sobre estes, em as suas diferentes escalas. Nesse sentido, buscamos neste work apresentar a trajetória de duas famílias indígenas da etnia Guajajara e Xerente, e a partir de suas memórias, vivas no cotidiano urbano, demonstrar seu potencial revelador da memória urbana da cidade de Marabá/Pa. Tais trajetórias indígenas no que se refere as formas de reprodução socio espacial, em suas práticas econômicas e socioculturais referenciam espacialidades e territorialidades indígenas na cidade e assinalam um conjunto de transformações socioespaciais pelas quais passou o espaço urbano de Marabá. Sendo com isso, experiências sociais relevantes no processo de produção e reprodução do espaço da cidade, mostrando a diversidade do urbano na Amazônia, especificamente no que concerne às relações entre etnicidade e urbanização.
Um andarilho pelo sertão do Brasil: Ubiratan da Silva Rondon e a agência indígena no sul de Mato Grosso (1950-1960)
Autoria: José Manuel Flores López
Autoria: Em meados da década de 1950, um personagem singular, Ubiratan da Silva Rondon, apresentou-se em aldeias e Postos Indígenas do sul do antigo de Mato Grosso, anunciando sua autoridade: afirmava ser capitão e fiscal geral dos índios no Brasil. Dizia ser indígena, apesar da sua aparência que, para os funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), o assemelhava a um caboclo nordestino. Ainda, para surpresa dos indigenistas, dizia ser filho do célebre General Cândido Mariano da Silva Rondon, fundador e primeiro diretor do SPI. Inicialmente confusos, os funcionários desacreditaram-no, advertindo sua falsa identidade. Houve, no entanto, quem acreditara nele. Numa longa e demorada viagem, dezenas de funcionários públicos –policiais, militares, prefeitos– atestaram o passo do andarilho pelas suas cidades e works, desejando-lhe fortuna na sua missão e feliz peregrinagem pelos sertões de Mato Grosso. Alguns índios também acreditaram. Receberam-no como quem dizia ser, encaminhando-lhe protestos, demandas e queixas sobre os abusos e faltas cometidas pelos funcionários indigenistas. O objetivo da apresentação será esboçar uma breve trajetória deste personagem, ainda presente na memoria coletiva dos Terena, destacando seus aspectos miméticos, contraditórios e ambíguos na sua relação com o órgão indigenista, bem como as possibilidades da ação política e de agência dos indígenas que, em um contexto social particularmente violento, ao reconhecerem a autoridade de Ubiratan, questionavam à dos próprios agentes locais do SPI.