Cinque Terre
GT 042. Maternidades, partos e cuidado infantil: políticas dos corpos, direitos humanos e antropologia em ação
Rosamaria Giatti Carneiro (UnB) - Coordenador/a, Elaine Müller (UFPE) - Coordenador/a, Giovana Acacia Tempesta (UnB) - Debatedor/a, Fernanda Bittencourt Ribeiro (Pucrs) - Debatedor/a, Camila Pimentel (Fiocruz Pernambuco) - Debatedor/a
Este GT pretende dar continuidade às discussões inauguradas na RBA de 2014 e em outros fóruns de debate antropológico nos últimos anos. Se, de início, nos concentramos nos debates sobre parto, assistência médica e movimentos de mulheres na atualidade, os últimos anos têm nos dado mostra da ampliação da reflexão nesse campo. A antropologia do parto tornou-se, pouco a pouco, a antropologia das maternidades, dos corpos e da infância, tematizando literalmente o cuidado em sua vida social desde uma perspectiva de gênero. Muitos têm sido os seus desdobramentos que nos incitam a propor este grupo, quais sejam: as maternidades contra-hegemônicas; as novas parentalidades; as teorias da maternagem, a criação com apego, a disciplina positiva e seus dilemas; a vida profissional e a maternidade no século 21; as mães e deficiência no contexto do Zika Vírus; aborto; os movimentos sociais-econônicos maternos; a política e a maternidade; as desigualdades e maternidades; as noções de infância; os direitos no/do parto; a pesquisadora como mãe e a antropologia feita por mães, para além, é claro, dos debates sobre assistência médica, leituras de parto, pós-parto e amamentação. Por essa razão, trabalhos que contornem esse leque investigativo serão mais do bem-vindos no sentido de despertar diálogos antropológicos sobre direitos humanos e maternidades em ação e em amplo sentido.
Resumos submetidos
"Eu me senti completamente o contrário de empoderada": um relato sobre violência obstétrica em parto domiciliar
Autoria: Lorena Ferreira Cronemberger
Autoria: Em meio a minha pesquisa de campo de mestrado em Sociologia, sobre o tema da depressão pós-parto, me deparei com um relato de uma das minhas interlocutoras que me chamou muita atenção e me fez refletir sobre as atualidades da experiência de parto no meio urbano. Ela está imersa nesta onda, encabeçada por mulheres de camada média, para o retorno da vivência do parto domiciliar no contexto urbano, a fim de trazer uma resistência às inúmeras cesáreas agendadas e desnecessárias que tomaram corpo ao longo dos anos para esta camada social. Diferente de suas avós, que tiveram em casa, e suas mães, que já tiveram em hospital achando que era "o mais seguro", essas mulheres se orientam em um retorno ao lar para a experiência do parto, a fim da busca por um lugar mais acolhedor e personalizado para a chegada do bebê. Assim, esta informante optou pelo parto domiciliar, para fugir de uma possível experiência negativa no ambiente hospitalar, porém, vivenciou, para ela, uma violência obstétrica, que só foi sanada após sua chegada ao hospital. Plano de parto, delegação de decisões, dor intensa, apoio do companheiro - tudo isso veio à tona de maneira muito dolorosa em seu processo de autorreflexão, após a experiência do parto. Ela relatou que não foram atendidas suas decisões, que se sentiu vulnerável e exausta. A partir disso, me saltam algumas indagações: Quais as expectativas das mulheres que buscam essa vivência? Ter parto domiciliar é necessariamente ter um parto ativo e acolhedor? Quais os limites das decisões neste âmbito? Ressalto que essa é uma reflexão singular e localizada, a partir do relato desta interlocutora, não pretendendo, assim, ser uma representação ou análise mais aprofundada sobre este campo do parto domiciliar – que é bem mais complexo e com diversas particularidades.
A era do cuidado: transformações no sistema de saúde brasileiro, emoções e as mães de crianças com a Síndrome Congênita do Zika
Autoria: Fernanda Meira de Souza, Luciana Campelo Lira Russell Parry Scott
Autoria: Nas décadas de 70 e 80, morriam cerca de 1 milhão de crianças com menos de 5 anos de idade por ano no Brasil. Doenças parasitárias, infecções e desnutrição eram as principais causas. Até meados da década de 80, nem toda a população tinha acesso aos serviços públicos de saúde, restrito à parcela da população que trabalhava com registro e contribuía com a previdência. Neste cenário, alguns estudos sobre mortalidade infantil, naquela época, identificavam que a ausência de recursos financeiros, desemprego, cotidiano de violência, doenças, desnutrição e ausência de atendimento público de saúde contribuíam para uma espécie de ‘cultura de negligência’ no cuidado – e no afeto - com as crianças, desencorajando a busca pela sobrevivência de crianças desnutridas, doentes ou com deficiência. Porém, apesar da desigualdade que ainda persiste no Brasil, a taxa de mortalidade infantil vem caindo nos últimos 30 anos. Um elemento divisor de águas, como demonstra o relatório do Unicef (2015), foi o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), em que o atendimento de atenção primária tem ênfase na saúde da família. Sobre mortalidade infantil, o relatório aponta que em 1990, a cada mil crianças nascidas vivas, 58 morriam antes de completarem 5 anos. Em 2015, caiu para 16 óbitos. Retomando como referência os estudos que enfatizavam a dita ‘cultura de negligência’, nossa pesquisa tem se interessado em compreender como mudanças no sistema de saúde pública brasileiro contribuem numa transformação nas relações de cuidado das famílias com as crianças, na persistência da sobrevivência e desenvolvimento das crianças e nas emoções em torno desse cuidado. Como exemplo empírico, nossa pesquisa de campo foi feita no contexto da epidemia do Zika Vírus no Brasil, especificamente com as famílias cujas crianças – nascidas entre 2015 e 2016, têm a Síndrome Congênita do Zika. Esta síndrome causou danos neurológicos severos e permanentes e o nascimento dessas crianças significou uma mudança drástica na vida dessas famílias, cujo cotidiano é marcado pelo cuidado com a criança. A epidemia exigiu respostas rápidas do governo brasileiro, com mudanças de protocolos de atendimento, diagnóstico, prevenção ao Zika, e a grande demanda de assistência às crianças e suas famílias. Em torno do Zika surgiu uma mobilização, criando redes de apoio, comoção midiática e um estado de emergência colocando as crianças com a Síndrome Congênita, por ora, na prioridade do atendimento nos âmbitos da Saúde, da Assistência, etc. e, neste sentido, contribuindo para incentivar o cuidado da mãe com a criança e tornar sua existência algo positivo, em que o afeto aparece como elemento fundamental desse cuidado. No entanto não se sabe se o fim de um cenário de emergência incidirá, ou não, nessa mesma ‘cultura do cuidado’.
Ampliando olhares sobre a parturição: tensionando discursos sobre humanização à luz de experiências dissonantes
Autoria: Giorgia Carolina do Nascimento
Autoria: Ao final do século XIX, feministas das classes médias e burguesas travavam importante discussão em torno da maternidade voluntária. No entanto, o potencial progressivo da pauta foi ceifado quando associado às práticas eugenistas de esterilização compulsória das mulheres negras. Ainda um século depois, quando a luta se deu em torno da legalização do aborto, esta acaba não endossada por essas mulheres, que viam a causa com desconfiança (DAVIS, 2017). Movimento de mesmo sentido parece ocorrer em relação a bandeira do “parto humanizado”. Despontada no Brasil sobretudo nas últimas décadas, suas ativistas partem da crítica ao advento da ginecologia obstétrica como autoridade sobre o partejar, que furta ao evento o protagonismo da mulher. Mas, se por um lado, o corpo feminino é instituído como objeto das intervenções e discursos médico-científicos, por outro, o processo histórico-social através do qual corpos negros tiveram sua humanidade subtraída - num contexto em que, desde a Biologia, pesquisadores buscavam categorizar e produzir noções sobre “humanidade” (FAUSTO-STERLING, 1995) - revela outras nuances sobre como a concepção de ciência fundamenta-se no empreendimento colonial. A lógica com que operacionaliza a ginecologia obstétrica e decorrem as experiências de parto ainda hoje bem demonstra como a colonialidade vive (MCCLINTOCK, 2010). Neste panorama, embora nos últimos anos tenha havido significativas mudanças nas condições de acesso e na qualidade dos serviços de assistência ao parto, para as mulheres negras persistem os piores índices. Assim, entendendo que nas fronteiras e em seus atravessamentos ressignificam-se os sentidos de raça, classe e gênero, nesta comunicação busco refletir, a partir da categoria “humanização”, sobre diferenças. O percurso passa por investigar os sentidos historiográficos que produzem as fronteiras dos corpos de quem gesta e dá a luz, atentando para como experiências étnico-raciais e de classe podem influenciar a produção de distintas noções de “bom parto”. Para tanto, dão subsídio à comunicação diálogos com mulheres negras SUS usuárias decorrentes de visitas exploratórias ao campo, uma unidade hospitalar de atenção à saúde da mulher localizada na Região Metropolitana de Campinas. Se aqui pretende-se deslocar a margem para o centro, vale atentar, ainda, que eleição do tema de pesquisa de mestrado - em fase inicial - e de tais reflexões emerge também de inquietações gestadas na minha própria experiência, de mulher negra, que engravidou jovem e que não pôde viver o parto com que sonhou.
Compreensões e papéis da tecnologia no ideário do parto humanizado
Autoria: Camila Pimentel
Autoria: O presente work objetiva apontar para possíveis aberturas epistemológicas que o entendimento diverso e crítico sobre o lugar da tecnologia na assistência ao parto pode possibilitar. O material utilizado é fruto de uma pesquisa de campo realizada em Recife-PE nos anos de 2013 e 2014, durante um curso de capacitação para parto domiciliar/parteria urbana. A partir das observações de campo, percebeu-se que o posicionamento que o ideário do parto natural sublinha parece apontar para uma crítica sobre o lugar da tecnologia num determinado tipo de assistência, ou de prática obstétrica. Contudo, tal crítica não se dá como aversão à técnica, como volta a um passado idealizado da natureza como ordenamento da experiência de parturição. Muito menos refere-se ao uso em si da tecnologia, como se esta fosse essencialmente danosa. Em outras palavras, não se trata de uma crítica tecnofóbica. Ao contrário, elabora uma prática clínica ancorada no conhecimento científico e técnico sem, contudo, reificá-lo. A ideia de técnicas de conforto, tecnologias leves, técnicas suaves, conformam um conjunto de práticas, pertencentes a diversas racionalidades médicas e não-médicas, que são sugeridas como formas de auxiliar a parturiente no processo de work de parto. Tais usos associam-se a uma concepção distinta de cuidado que permite o que Gadamer (1996) já elencava como a necessidade de abertura para o diálogo e o encontro com o outro, numa prática médica distinta daquela guiada exclusivamente por uma racionalidade técnica ou pela neutralidade do conhecimento científico. Uma preocupação em garantir um atendimento seguro sem, contudo, transformar a experiência de parto numa cena de pura maquinaria. Tal postura crítica parece apontar para a intenção de ampliar a experiência de parturição, possibilitando, talvez, uma descolonização da imagem hegemônica que se tem sobre parto, mas também sobre tecnologia, aspectos interligados no modelo de assistência vigente no Brasil. Nesse sentido, a tecnologia é também um repertório cultural. E, como tal, pode ampliar a possibilidade de vivência de outras práticas estruturantes de uma vivência mais integralizada do parto. Assim, ao contextualizar o lugar da tecnologia nos distintos modelos de atenção ao parto, fica evidente a necessidade de se reconhecer novas práticas, advindas no bojo da compreensão do parto como evento bio-psico-social
Corpo e subjetividade no “parto natural humanizado”
Autoria: Fernanda Loureiro Silva, Jane Araujo Russo
Autoria: Este work é um recorte da pesquisa sobre o processo de formação de doulas desenvolvida e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da UERJ. As doulas podem ser caracterizadas como uma categoria profissional emergente na assistência ao parto, que vem demonstrando ter um expressivo peso político dentro do movimento pela humanização do parto no Brasil. Em um contexto onde a cesariana é a via de nascimento mais frequente e os partos vaginais são marcados por um excessivo uso de intervenções (LEAL et al, [2014]), as doulas passaram a atuar como educadoras perinatais (TEMPESTA, 2018) e ativistas pela humanização da assistência ao parto no Brasil (SIMAS, 2016). Nos últimos anos, inúmeros cursos de formação de doulas foram criados, ampliando de forma significativa o contingente de mulheres (em sua grande maioria) que lutam por um "parto digno e respeitoso". Estes cursos se configuram como uma atividade de reprodução do movimento de humanização, na medida em que buscam orientar as práticas dessa nova categoria profissional a partir de pressupostos conceituais e valorativos deste movimento (FLEISCHER, 2005). A partir da etnografia do processo de formação de doulas para a assistência ao parto, busquei descrever e analisar as categorias presentes nas narrativas das minhas interlocutoras e as dinâmicas de interação em um curso de doulas, e refletir sobre os pressupostos conceituais e valorativos que estão subjacentes a uma concepção “natural” de parto/nascimento em um projeto político-pedagógico cujas práticas ainda são pouco mapeadas. Minha proposta para este work é aprofundar as reflexões sobre os desdobramentos contemporâneos do universo ético presente nos movimentos de revisão do parto dos anos 1970, que foi analisado por Tania Salem há 30 anos em seu estudo sobre o “casal grávido” – uma ética na qual a liberação do sujeito está apoiada nos princípios da psicologicidade, igualdade e mudança (SALEM, 2007). Mais especificamente, buscarei apresentar de que maneira o corpo feminino aparece no processo de formação de doulas e na produção de uma subjetividade somática no “parto natural humanizado”.
Cuidado intervencionista: Incerteza, intervenção e "agenciamento proximal" no parto cesariana durante a epidemia de Zika
Autoria: Kathryn Eliza Williamson
Autoria: Quando a epidemia do vírus Zika estourou no Brasil em 2015, o país estava no meio de uma tentativa de mudar o paradigma do parto e nascimento. As últimas três décadas de engajamento tanto da sociedade civil quanto do Ministério da Saúde trouxeram uma série de políticas públicas visando reduzir a alta taxa de cesáreas e “humanizar” a assistência ao parto na saúde pública e privada. Estas políticas baseiam-se no pressuposto que as mulheres deveriam ser as protagonistas do parto, que por sua vez deveria realizar-se da forma mais natural possível, evitando intervenções desnecessárias. Neste artigo, procuro tensionar essa abordagem, que pressupõe que a decisão pela via de parto seja (ou deveria ser) uma decisão autônoma, feita por mulheres individuais de acordo com os seus desejos e as suas necessidades. Debruçando-me sobre relatos de parto cesariana de mães de crianças que nasceram com malformações congênitas associadas à infecção pelo vírus Zika, coletados em entrevistas realizadas em Salvador-Bahia entre 2016 e 2018, defendo uma abordagem que considera como as decisões reprodutivas são, ao invés de autônomas, distribuídas entre atores sociais (O’Dougherty 2008), especialmente em contextos de profunda incerteza como a epidemia do Zika. Utilizo o termo “cuidado intervencionista” (interventive care) para destacar como as mães narraram várias formas de intervenção como expressões de cuidado e preocupação por parte de outras pessoas. Assim, procuro mostrar como as incertezas que cercavam a epidemia do vírus Zika ajudaram a produzir o cuidado intervencionista, ao mesmo tempo que também ajudaram a reproduzir hierarquías existentes de conhecimento autoritativo (Jordan 1993). De forma mais ampla, procuro problematizar o protagonismo individual no parto e nascimento. Jordan, Brigitte. 1993. Birth in Four Cultures: A Cross-Cultural Investigation of Birth in Yucatán, Holland, Sweden, and the United States. 4a edição. Prospect Heights, IL: Waveland Press. O’Dougherty, Maureen. 2008. “Lia Won’t: Agency in the Retrospective Pregnancy Narratives of Low-Income Brazilian Women.” The Journal of Latin American and Caribbean Anthropology 13(2): 414-46.
Cuidado, maternidade e empoderamento: pensando a agência feminina no contexto da epidemia do Zika Vírus em Recife/PE
Autoria: Thais Maria Moreira Valim
Autoria: Desde dezembro de 2015, o Ministério da Saúde contabilizou, oficialmente, mais de três mil casos confirmados de alterações congênitas decorridas da infecção pelo Zika Virus durante a gestação. As manifestações clínicas da infecção variam muito, mas, em geral, exigem adaptações terapêuticas como medicamentos, leites especiais, órteses e coletes ortopédicos, sondas endogástricas. Para atender aos desafios colocados pelas particularidades e demandas específicas da síndrome, as mães percorrem instâncias jurídicas, enfrentam a vagarosidade da burocracia com a prefeitura local, dialogam com autoridades sanitárias e outras autoridades de saúde. Esse processo laborioso tem promovido deslocamentos que não se restringem ao ir e vir de ordem física por entre novos espaços: há um outro tipo de deslocamento de posição que se refere à forma como essas mulheres se colocam e como atuam no mundo. As novas articulações advindas da maternidade no contexto da epidemia do Zika Virus têm sido apreendidos pelas mães em termos de novas habilidades e informações (Fleischer, 2017) que refletem em possibilidades outras de agir na vida social. Em meio a esse novo universo de escolhas, ações e decisões, percebe-se um deslocamento nos papeis tradicionalmente ocupados por essas mães: do cuidado integral restrito ao âmbito doméstico, passa-se a um cuidado integral que exige a participação e a atuação na esfera pública, tradicionalmente reservada à figura masculina. Nesse work, acompanho as trajetórias de Mila em suas atividades enquanto cuidadora principal de Laura, diagnosticada com a Síndrome Congênita do Zika Virus, na tentativa de iluminar algumas dinâmicas de gênero que marcam e atravessam a epidemia.
Cuidados no pós-parto e partos em mudança.
Autoria: Juliana P. Lima Caruso
Autoria: Esta comunicação visa apresentar algumas questões sobre os cuidados pós-parto percebidos a partir das mudanças do parto em casa com parteira para o “parto medicalizado”. Apesar de não se tratar do tema central da minha tese , cujo cerne era o parentesco em sete comunidades tradicionais caiçaras de um arquipélago do sudeste brasileiro, durante as entrevistas para realização do levantamento genealógico me deparei com uma mudança nas práticas do parto nas duas últimas décadas. Antes dos anos 90 os nascimentos aconteciam com o auxílio de uma das parteiras locais, geralmente um membro da comunidade, o que gradualmente foi sendo transferido para o hospital e mais recentemente parece existir uma primazia do parto cirúrgico (cesariana). Estes dados que apontam para um fenômeno que não é exclusivo das mulheres de comunidades caiçaras e que pode ser visto em diversos locais do Brasil e do globo me levaram à um segundo tema de interesse que são os cuidados alimentares pós-parto durante o período do puerpério, conhecido pelas mulheres das comunidades estudadas pelo termo “dieta”. A “dieta” consiste em evitar os alimentos considerados como “carregados” e a privilegiar as comidas classificadas como “mansas”, muito próximo do que a literatura sobre tabus/interdições alimentares durante o puerpério e dos alimentos reimosos descreve, mas com uma série de peculiaridades, as quais pretendo apresentar. Algumas das diferenças na forma como a dieta é conduzida -escolha e sequência dos alimentos- apontam também para relações de parentesco e pertencimento a cada uma das comunidades estudadas. Além disso, gostaria de problematizar a interação ao longo das entrevistas pensado meu lugar enquanto mulher, antropóloga e sem filhos.
Entre mãe e filho: direitos individuais em conflito na amamentação
Autoria: Gilza Sandre-Pereira
Autoria: O Aleitamento Materno é um tema que tem se mantido atual em nível mundial pelos últimos quarenta anos. O movimento em favor da amamentação inicia-se em 1974, na 27ª Assembleia Mundial de Saúde da OMS, a partir da constatação da relação entre as baixas prevalências de aleitamento materno e as altas taxas de desnutrição e mortalidade infantil. Muitos países se engajaram a partir de então na promoção do aleitamento materno, estabelecendo políticas específicas em atendimento às proposições da OMS e do UNICEF. Atualmente, num contexto em que a prevalência de desnutrição e as taxas de mortalidade infantil se mantém baixas nos países industrializados, e há uma tendência de redução em vários países em desenvolvimento, os argumentos que sustentam a manutenção do aleitamento materno como uma verdadeira questão de saúde pública são de uma outra ordem. Assim, hoje, além da manutenção do discurso de prevenção de diarreias e redução da desnutrição e da mortalidade infantil, fala-se do papel do aleitamento materno na prevenção de alergias, do diabetes, da obesidade e do câncer, entre outras enfermidades. A questão principal não é mais reduzir a mortalidade, mas diminuir a morbidade e aumentar a qualidade de vida das crianças e futuros adultos. Como fica a mulher diante deste quadro? Se num primeiro momento a mulher/mãe é responsável por não deixar seu filho morrer – o aleitamento reduz a mortalidade – agora ela é responsável pela saúde de seu filho no presente e no futuro – o aleitamento previne doenças que só apareceriam na idade adulta. Diante das estratégias de promoção do aleitamento materno e dos argumentos que justificam e atestam a importância desta prática, vemos surgir a questão dos direitos individuais em uma equação que reúne a mulher, a criança e o leite. A criança tem direito ao leite materno. A mulher tem o direito de amamentar. Ela tem também o direito de escolher não amamentar. Mas se a mulher escolhe não amamentar, onde fica o direito da criança? E se o direito da criança, de ser amamentada pela sua mãe, é preservado, não estamos negando, ao mesmo tempo, o direito da mãe de escolher entre dar o seio ou dar uma mamadeira? É legítimo negar um direito para assegurar outro? Entre dois direitos antagônicos, qual escolher? Ao pensar sobre as práticas de aleitamento materno, é necessário ter em conta esta tensão entre dois sujeitos de direito, a mulher e a criança. A “escolha” das mulheres quanto ao modo de alimentação de seus filhos será sempre construída segundo diferentes olhares e lógicas diversas, ancoradas em diferentes sociedades, e através dos quais elas são culturalmente e socialmente construídas como indivíduos.
Entre riscos fisiológicos e emocionais: a humanização do parto em uma maternidade pública carioca
Autoria: Sara Sousa Mendonça
Autoria: Partindo de uma etnografia da política de humanização em uma maternidade pública na cidade do Rio de Janeiro, pelo viés das enfermeiras obstetras e das mulheres por elas atendidas, nesse work enfocarei a tensão entre os riscos fisiológicos e os riscos emocionais. Os significados do termo humanização são objeto de disputa entre ativistas, usuárias, profissionais da saúde e gestores e mesmo internamente a estas categorias. As disputas em torno do termo e a ampliação de uma ideologia inicialmente associada à camadas médias específicas - agentes do ativismo em torno da questão - à setores mais amplos da população, através de políticas públicas de saúde, instigaram a escolha de uma maternidade pública como locus de pesquisa. Há uma hierarquia e por vezes uma contradição entre riscos fisiológicos e o que denominei como riscos emocionais. Estes não necessariamente aparecem em sintonia: muitas vezes há o embate entre o que aquela mulher quer e o que a instituição, orientada pelos protocolos e taxas, indica que deve ser feito com base nos riscos fisiológicos. Nos discursos do ativismo, a autonomia aparece atrelada ao desejo por um parto mais natural. A autonomia é um valor em relação ao saber médico que busca dominar o processo de parturição – acionando um outro conjunto de saberes, a Medicina Baseada em Evidências, para classificar e atuar sobre os riscos fisiológicos – e não comportando, sem tensões, outros projetos e desejos. Assim, construo interpretações a respeito da institucionalização deste modelo, abarcando a permanente tensão entre o ideário promovido pelo movimento pela humanização do parto, os saberes-poderes biomédicos e as estruturas da instituição médico-hospitalar. Bem como o diálogo com o grupo majoritário de usuárias da maternidade, que não necessariamente desejam um parto que “respeita a fisiologia do parto” e seja completamente sem intervenções.
Experiências reprodutivas e políticas da vida: uma análise de narrativas sobre gestação e parto de mulheres de um bairro periférico da cidade de São Leopoldo/RS
Autoria: Laura Cecília López, Carolina Pereira Montiel
Autoria: A partir das narrativas sobre gestação e parto de mulheres moradoras de um bairro periférico da cidade de São Leopoldo/RS, analisamos como as experiências reprodutivas dessas mulheres corporificam dinâmicas sociais relacionadas a violências (de ordem estrutural, institucional, ou mais dissimuladas e cotidianas), assim como expressam resistências e agenciamentos das suas maternidades. As narrativas analisadas surgiram durante entrevistas (realizadas em 2017) com gestantes vinculadas a uma Estratégia de Saúde da Família, que estavam realizando atendimento pré-natal e que tinham vivenciado o nascimento de outros filhos em instituições públicas. Particularmente, analisamos como opera o cuidado exercido na rede de saúde em relação a maternidades em contextos de profundas desigualdades sociais, e como os marcadores de gênero, classe e raça se interseccionam nesse cuidado. Observamos que a corporificação social da experiência reprodutiva se dá de maneira diferenciada conforme o pertencimento racial dessas mulheres, sendo que as violências aparecem de maneira mais acentuada sobre os corpos femininos negros. Nesse sentido, questionamos como as políticas do cuidado estão relacionadas às “políticas da vida”, referindo a uma economia moral em torno dos valores que orientam ações para sustentar a existência física e social de indivíduos/grupos (Fassin, 2012). Nessa economia moral, são produzidas hierarquias reprodutivas (Mattar; Diniz, 2012), sendo que alguns corpos e maternidades são exaltados e outros são considerados abjetos.
GESTAÇÃO EM IDADE AVANÇADA E ACONSELHAMENTO GENÉTICO: um estudo em torno das concepções de risco
Autoria: Polyana Loureiro Martins, Rachel Aisengart Menezes
Autoria: As inovações científicas em torno do estudo de cromossomos humanos, propostas a partir da segunda metade do século XX, consolidaram a inserção da genética na assistência em saúde, no que tange ao diagnóstico pré-natal. A intervenção médica prévia, em nome do “tratamento” do risco, é tida como dimensão central da política da vida no século XXI. A associação entre idade materna e síndromes genéticas, proposta por pesquisadores da biomedicina, produziu determinações sobre risco, referidas a gestantes a partir de determinada idade. Este paper se baseia em pesquisa acerca das formulações em torno do que a Biomedicina considera ser idade materna avançada para gestação, de modo a configurar o que é classificado como gestação de risco. O método escolhido foi pesquisa documental em manuais científicos brasileiros e estrangeiros de duas especialidades: obstetrícia e genética. Parto do princípio de que analisar documentos com perspectiva antropológica possibilita uma compreensão dos significados associados a determinados fenômenos biológicos, como gravidez e idade cronológica da mulher. Cada especialidade analisada apresentou diferentes concepções de risco em relação ao fator etário reprodutivo. Para os manuais de obstetrícia, os problemas que surgem durante a gestação, como queixas frequentes das mulheres ou doenças prévias e adquiridas na gravidez, configuram risco. Em todos os manuais de obstetrícia analisados, a idade materna avançada é considerada como fator de risco para aneuploidia fetal e aborto espontâneo. Para a especialidade genética, a idade materna não é tido como fator central de risco reprodutivo. O risco elevado de doença genética é identificado a partir de outros critérios, como história familiar de doença genética, presença de pai ou mãe portador de doença ou, ainda, quando a triagem pré-natal indica risco elevado. A especialidade genética valoriza a avaliação de cada organismo biológico no nível do genoma. Sua concepção de risco envolve cálculos matemáticos baseados nos dados coletados de cada pessoa. O estudo evidenciou que as consultas de aconselhamento genético e acompanhamento pré-natal constituem espaços de proliferação de discursos sobre riscos de saúde materna e fetal, e transmissão de informações acerca de medidas preventivas por parte dos profissionais. A pesquisa constatou que a classificação de uma idade materna ideal para gestar é relativa e suscetível a alterações, conforme o contexto de cada sociedade, seus aspectos históricos, econômicos, sociais e culturais.
Maternidade Compartilhada? O cuidado de bebês de filhas adolescentes
Autoria: Mohana Ellen Brito Morais Cavalcante, Mohana Ellen Brito Morais Cavalcante- Mestra e doutoranda / UFPB – PPGS Flávia Ferreira Pires- Doutora em Antropologia Social / UFPB - PPGS
Autoria: A antropologia vem ampliando o debate no campo da maternidade e dos fatores correlacionados a esse tema como, família, parentalidade, gestação e crianças. O objetivo desse artigo é expor como, numa gravidez e maternidade na adolescência, a figura da avó, em especial a avó materna, tem fundamental importância no cuidado dos bebês e das mães recém-paridas. As questões que serão abordadas neste artigo de forma pontual, focam na relação de cuidado entre avós e bebês, perpassando pela relação entre avós e mães frente à vivência da gravidez e maternidade. Além disso, o presente work coloca em cheque a relação complementar entre mãe e avó referente à criação/cuidados/maternidade com o bebê recém-chegado. Foi possível perceber como as avós maternas tem um papel assíduo na criação dos netos, elas estão presentes na vida desses sujeitos desde a gestação até para além do nascimento, o que condiciona novos arranjos de parentalidade. Fizemos uso de uma metodologia qualitativa e de cunho etnográfico, que pretende trazer as vivências e falas dos sujeitos participantes da pesquisa como principal caminho de reflexão teórica. O presente work traz recortes dos resultados apresentados e discutidos na dissertação de mestrado defendida em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba (Cavalcante, 2018).
Maternidade, gênero e ciência: reflexões e tensionamentos
Autoria: Marina Fisher Nucci
Autoria: Os estudos sobre gênero e ciência constituem um campo de reflexão tradicional e bastante consolidado. De maneira geral, tais estudos se ocupam, por um lado, em analisar as desigualdades de gênero, e a presença ou ausência de mulheres na prática científica, chamando atenção para sua exclusão histórica. Por outro lado, de modo complementar, procura-se investigar a forma como o conhecimento científico é construído, tendo como ponto de partida a crítica à neutralidade científica. Neste work, partimos desse campo de estudos para refletir sobre um aspecto específico: a relação entre maternidade e ciência. Como observa Londa Schiebinger em “O feminismo mudou a ciência?”, os arranjos domésticos são parte constituinte da “cultura” ou do “campo” da ciência. Por isso, o conflito ou a dificuldade em se “conciliar” carreira científica e maternidade não devem ser pensados como um assunto privado. Recentemente, têm surgido diferentes mobilizações que procuram dar visibilidade a esta questão. Dentre tais mobilizações, podemos destacar o Projeto Parent in Science, criado por Fernanda Staniscuaski, professora da UFRGS e pesquisadora na área das ciências biológicas e mãe de duas crianças. O Parent in Science realizou, em maio de 2018 em Porto Alegre, o “1º Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência”, com a presença de pesquisadoras de diversas áreas – embora com maior ênfase em ciências biomédicas. A partir do Simpósio também foi lançado o movimento “Maternidade no Lattes”, com o objetivo de chamar atenção para o impacto da maternidade na carreira das mulheres, fazendo com que agências de fomento e instituições de pesquisa considerem a maternidade como parte da carreira das cientistas. Assim, procuraremos, neste work, explorar os ideais de maternidade e de ciência que permeiam o Projeto Parent in Science, utilizando como material privilegiado de discussão o “1º Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência” (a partir da transmissão das palestras e debates, disponível online) e a página do Projeto no Facebook. Nosso objetivo aqui não é uma análise do Projeto Parent in Science em si, mas sim provocar uma discussão utilizando o Projeto como um “caso”. Deste modo, discutiremos os tensionamentos – mas também os limites – da crítica ao “campo da ciência” e à lógica produtivista científica. Refletiremos também sobre ideais de objetividade científica, bem como possíveis diálogos e tensões entre ciências humanas e sociais, de um lado, e exatas e biológicas de outro. Além disso, nos interessa também analisar criticamente os ideais em torno da “parentalidade” e do papel da “boa mãe” que, no Simpósio do Parent in Science, se evidenciou especialmente a partir de uma palestra – e seu debate subsequente – sobre cuidado parental e desenvolvimento cerebral de roedores.
Me deixe parir em paz: Relatos de violência obstétrica
Autoria: Raphaella Morais Cunha
Autoria: Este work é um recorte da minha pesquisa de monografia e toma por objeto de análise a Violência Obstétrica, tratada aqui como qualquer tipo de intervenção sofrida pela mulher e pelo seu bebê, sem que haja o consentimento da parturiente naquele momento, tirando de si a autonomia e poder de escolha sobre um corpo que é seu, seja no pré-parto, no parto, no pós-parto e na assistência ao aborto. A investigação na presente pesquisa iniciou-se no mês de dezembro de 2017 e se dá por meio de relatos colhidos através de documentários e depoimentos partilhados nas redes sociais, onde as mulheres compartilham sobre as suas experiências durante a gravidez e na hora do parto. Experiências violentas e desumanas, como por exemplo, a iniciativa de querer acelerar o momento do parto, até mesmo durante o período de gravidez, forçando a mulher a se submeter a certos procedimentos, a realização da episiotomia sem que haja uma necessidade e consentimento da mulher, a não liberdade da escolha de posições na hora do parto, a separação entre mãe e bebê e etc, que mudaram a concepção do parir para as parturientes. Concepções estas que variam desde a busca por informações sobre o que seria o parto humanizado e por profissionais que abraçam a causa deste procedimento, na tentativa de vivenciar uma experiência mais tranquila e longe de traumas, até o não a uma segunda gravidez. Ressalto sempre a importância que há na humanização do parto, que se trata dos bons cuidados oferecidos aos que, de fato, são os protagonistas naquele momento: mãe e bebê. Algumas de minhas expectativas são: compreender as construções feitas pelas próprias mulheres sobre quando se sentem violentadas e como explicam esse acontecimento e o que as mesmas entendem por sendo seus direitos.
Modelos de assistência ao nascimento em conflito: disputas e deslocamentos em torno a implementação de um Centro de Parto Normal no sul do Brasil
Autoria: Camilla Schneck, Camilla Alexandra Schneck Laura Cecília López Roniele Sarges
Autoria: Este work é um estudo de caso que analisa as disputas desencadeadas na tentativa de implementação de um Centro de Parto Normal (CPN) em um hospital universitário no sul do Brasil. O estudo foi primeiramente proposto com o objetivo de acompanhar a implementação de um CPN. Como o CPN não foi implementado devido a vários conflitos locais, este estudo passou a analisar o contexto em que se seguiu da não implementação considerando as discussões que se geraram em torno do modelo de assistência ao nascimento centrado em intervenções médicas, sem base em evidências - denominadas pelas mulheres e outros atores como violência obstétrica - em contraposição às boas práticas propostas pela principal estratégia do Ministério da Saúde do Brasil. Em que pese inúmeras iniciativas de transformação, o modelo de assistência ao parto e nascimento no Brasil é marcado pela intensa medicalização e uso abusivo de intervenções sobre o corpo das mulheres. Dentre as transformações pautadas nos últimos anos nas políticas públicas, a criação de CPN tem sido uma das estratégias para a promoção de um modelo menos intervencionista. Esse modelo tem características diferentes do ambiente hospitalar, insere enfermeiras obstétricas e obstetrizes como responsáveis diretos pelo cuidado e propõe atenção com base na fisiologia além de promover a autonomia das mulheres. Refletiremos, no caso analisado, como a desmedicalização e a desospitalização do parto potencializadas pela criação de um CPN constituíram-se em “zonas de conflito” entre profissionais (nomeadamente profissionais da área da medicina e da enfermagem obstétrica), ao reforçar assimetrias vivenciadas na rede de saúde, principalmente na instituição hospitalar além de ter ocasionado posicionamentos dos diversos atores em relação aos conceitos de risco relacionado à assistência ao parto.
Nascer Indígena
Autoria: Luiza Regina de Oliveira Infante, Letícia Zara de Freitas Ribeiro
Autoria: Considerando a precarização do atendimento de saúde à população indígena, em que a taxa de mortalidade neonatal e materna indígena é mais elevada que a população não indígena, e o desconhecimento por parte dos profissionais quanto respeito e a valorização das especificidades étnicas e culturais das mesmas, objetiva-se mapear os saberes e as práticas sobre a gestação, o parto e o pós-parto dos povos indígenas de Minas Gerais das etnias Pataxó, Maxakali e Xakriabá, de modo a indicar possibilidades para o aprimoramento das políticas públicas de saúde das mulheres e das crianças indígenas. Para tanto, procede-se à pesquisa de caráter qualitativo, a partir da “revisão integrativa” e entrevistas em profundidade com as parteiras. O presente work apresentará o resultado da revisão integrativa de literatura, realizada a partir de livros, monografias e artigos científicos. Foram analisados 07 livros, 39 monografias da Formação Intercultural para Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais, produzidos por autores indígenas das etnias estudadas e um artigo científico. Evidencia-se uma predominância de works produzidos sob autoria indígena sobre o tema, contudo nota-se que estes works não encontram-se divulgados nas plataformas de periódicos de saúde bem como não encontram- se como referências para as políticas públicas de saúde. Propõe-se discutir possibilidades para a produção do cuidado tendo em vista o conteúdo do material já disponível sobre a temática. Desta forma, o projeto de pesquisa traçou os saberes e as práticas sobre a gestação, o parto e o pós- parto dos povos indígenas de Minas Gerais, de modo a indicar possibilidades para as políticas públicas de saúde da mulher e da criança indígena partir de suas cosmovisões.
Parir na “casa” da sororidade: vinculando ética, estética e política em torno do parto
Autoria: Giovana Acacia Tempesta
Autoria: A partir de pesquisa etnográfica com doulas alinhadas à medicina baseada em evidências científicas que atuam em Brasília (Tempesta, 2018), pretendo refletir sobre a construção político-estética do conceito de “violência obstétrica” (Pulhez, 2013; Sena, 2016) em articulação com a noção de “sororidade”, no cenário da “humanização” do parto e do nascimento no Brasil. Proponho que, nas últimas décadas, o conceito de violência obstétrica se configurou no interior de uma relação de sororidade entre mulheres pertencentes sobretudo a camadas médias urbanas, empenhadas em ter um parto respeitoso ou “humanizado”, que se aliaram a profissionais da saúde e pesquisadoras críticas do modelo vigente (Tornquist, 2004; Diniz, 2005; Carneiro, 2015). Nos últimos anos o escopo desse conceito vem se expandindo e se consolidando em esferas político-institucionais por meio de uma estratégia social que dialoga com pautas feministas. Em vários estados e municípios existem leis destinadas a coibir e punir a violência obstétrica. No Distrito Federal, recentemente foi aprovada uma lei que instituiu um conjunto de medidas visando à “proteção” das mulheres grávidas e paridas “no cuidado da atenção obstétrica”. Ao performar uma ética distinta daquela vigente no universo médico-hospitalar, uma ética cujos princípios exprimem um modelo de sociabilidade pautado em respeito, empatia, integralidade e troca simétrica de informações, saberes e experiências pessoais, questiono se as doulas estariam engajadas na configuração de uma nova sensibilidade para os outros, de acordo com a qual a assimetria funciona em favor do outro, e não de si (Milovic, 2003). Esta crítica ao modelo hegemônico de atenção obstétrica se fundamenta em um certo tipo de vinculamento percebido com positivo (Latour, 2016), que parece ser potente a ponto de permitir neutralizar o espaço em favor de um tempo outro, em favor de novas possibilidades de fluxo de vida (Milovic, 2003). Desejo focalizar aqui um elemento que se apresenta como uma política da amizade de caráter não falocêntrico (Ortega, 2000; Agamben, 2010), e que vem dialogar com a perspectiva descolonial do sujeito adotada por algumas pesquisadoras do parto (Pimentel et al., 2014). Ao agir idealmente como uma irmã, a doula estaria performando um experimento igualitário face a estruturas rigidamente hierarquizadas, que geralmente reservam às mulheres posições de subordinação, invisibilização, silenciamento, alienação e passividade; estaria se inserindo de forma contundente na disputa de significados no universo da atenção obstétrica, engajando-se numa batalha ético-política pela reconfiguração do conceito de “risco”, na qual não são desconsideradas as disparidades resultantes da interseccionalidade de raça e classe.
Processos de gestão de “mulheres em situação de vulnerabilidade”: reflexões sobre a produção do direito a ser/ter mãe em Belo Horizonte (MG).
Autoria: Ariana Oliveira Alves
Autoria: Em Belo Horizonte (MG) o tema da retirada compulsória de bebês é uma discussão que tem se aprofundado e paulatinamente vem sendo conectada a outras questões tais como a trajetória de rua e o consumo de drogas, sobretudo crack. Isso ocorreu a partir do momento em que a 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível expediu duas recomendações - nº05/2014 e nº06/2014 - acerca do fluxo em casos de gestantes “usuárias de drogas” e/ou com “trajetória de rua”,. Em julho de 2016, a Vara, com o intuito de reforçar as práticas institucionais legitimadas pelas recomendações, publicou a Portaria nº3 em julho de 2016 . Tal medida buscou estabelecer o procedimento legal a ser adotado perante a justiça nos casos em que haja “situação de grave risco para os recém-nascidos”, cuja família não apresente ambiente que garanta o desenvolvimento integral, em especial em virtude da “dependência química e/ou trajetória de rua” dos genitores, sem condições imediatas de exercer a maternidade e a paternidade responsável, estipulando um prazo de 48 horas para encaminhar os documentos pertinentes, sob pena de, não cumprindo, responderem criminalmente nos termos do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde então uma complexa trama entre instâncias estatais e movimentos sociais surgiu protagonizando um longo debate/embate sobre a permanência ou separação de mães e bebês. Nesse caminho, a categoria “vulnerabilidade” passa a ocupar centralidade nas discussões, discursos e práticas de gestão/governo das instâncias estatais, tal como nas denúncias de parte de alguns movimentos sociais. Assim, esta comunicação busca compreender como atributos de “vulnerabilidade” se tornam potentes para pensar as práticas e processos de Estado. Para tanto, serão exploradas aqui as técnicas e gramáticas presentes nos documentos normativos vinculados às mulheres com trajetória de rua, justaposta ou não com o uso de álcool e outras drogas, com o intuído de compreender como tal categoria pode ser tomada como elemento-chave para a definição de legitimidade ou ilegitimidade do direito de querer ter/ser mãe.
Quando corpo, gênero e saúde se encontram: algumas reflexões sobre os Itinerários Terapêuticos da Infertilidade Feminina no contexto moçambicano
Autoria: Obonyo Meireles da Guerra, Obonyo Guerra (PPGAnt/UFGD) Clotildes Martins Morais (PPGAnt/UFGD) Esmael Alves de Oliveira (UFGRS/UFGD)
Autoria: Em Moçambique, no âmbito dos valores socioculturais e tradicionais, o lugar da mulher na sociedade depende do casamento e da sua capacidade de reprodução. E nesse quesito um grande valor é atribuído à fertilidade, onde tal “capacidade” torna-se uma condição indispensável para a confirmação de seu valor na sociedade. O presente artigo refere-se ao projecto de pesquisa curso que visa analisar os Itinerários Terapêuticos da Infertilidade Feminina na Medicina Tradicional Moçambicana na contemporaneidade e seus possíveis impactos nas trajetórias de vida das mulheres que a vivenciam e, a partir disso, pensar de que modo tanto a infertilidade quanto a condição do feminino passam a ser significadas pela lógica da medicina tradicional. Verifica-se que estudos antropológicos no campo da saúde sobre os itinerários terapêuticos tendem a mostrar que a construção de novas e diferentes formas de cuidado em saúde nos colocam diante de um contexto de mudanças e desafios (Langdon, 1994, 2005; Fleischer, 2011). Tais estudos têm se deparado com a seguinte constatação: tanto os indivíduos quanto a sociedade encontram diferentes maneiras de resolver as questões relacionadas à saúde. No caso das sociedades contemporâneas, esse fato assume maior complexidade à medida que está atravessada por diversos saberes, poderes, fazeres e instituições. Assim, se de um lado, os indivíduos atualmente se deparam com maiores possibilidades de escolha e de ação, uma vez que encontram à sua disposição uma ampla gama de serviços terapêuticos e de saberes que os justificam, por outro também encontramos uma série de concepções e de práticas que continuam a reiterar as dicotomias e essencialismos na sua forma de compreender e intervir sobre as questões relacionadas seja ao corpo seja à saúde – e o gênero torna-se um marcador importante (Vieira, 2002).. Portanto, work se propõe compreender e analisar os aspetos socioculturais dos itinerários terapêuticos da infertilidade feminina na cidade de Maputo, em Moçambique, ao mesmo tempo em que tentaremos perceber quais os possíveis recursos oferecidos pela medicina tradicional com relação ao tratamento das diversas causas de infertilidade sem perder de vista o modo como as mulheres agenciam essa condição.. Nesse sentido, ao problematizarmos a questão da infertilidade feminina no contexto de Moçambique, buscaremos tanto contribuir com o campo de estudos do que convencionou chamar de antropologia da saúde, quanto construir uma reflexão que possa possibilitar futuramente um diálogo mais aproximado entre as políticas públicas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos e a chamada medicina tradicional.
“Eu engravidei dela lá dentro do presídio”: Experiências de maternidades de mulheres pobres em um hospital público de Fortaleza
Autoria: Socorro Letícia Fernandes Peixoto, Antônio Cristian Saraiva Paiva (Professor doutor do PPGS/UFC, coordenador do NUSS/UFC)
Autoria: A maternidade, longe de reduzir-se a um evento biológico, compõe-se de elementos culturais, históricos e normativos, estando vinculada às práticas cotidianas e trajetórias das mulheres. Desse modo, apresenta múltiplas composições, tanto devido às posições sociais femininas, quanto às capturas e “linhas de fuga” frente às enunciações médicas, estatais orquestradas hegemonicamente acerca do corpo e da subjetividade feminina. Esse artigo é parte da pesquisa de doutorado em curso e objetiva investigar as composições da maternidade, a partir das trajetórias sociais das mulheres pobres e negras, moradoras da periferia de Fortaleza, tendo como foco as formas que elas lidam com as enunciações biopolíticas hegemônicas, através de suas práticas de reiterações e insurgências. Agregamos a esse objetivo um olhar intersecional sobre esses sujeitos mediante seus pertencimentos sociais de gênero, raça/etnia, classe e sexualidade. A pesquisa, de cunho qualitativo, parte de narrativas biográficas e trajetórias sociais de 13 mulheres entrevistadas em um hospital público em Fortaleza, bem como das interações e observação participante nas salas de espera nos ambulatórios. Privilegiamos nesse estudo as mulheres que “subvertem” o ideal de mulher e mãe, ancoradas nas ausências de suportes econômicos, estatais, conjugais destacados nas hierarquias reprodutivas (DINIZ; MATTAR, 2012), tais como mulheres prostitutas, usuárias de drogas, em conflito com a lei, com works precários. As propostas do parto humanizado, legitimadas pelos importantes ativismos feministas e pelas políticas públicas atuais, talvez tenham tido tênues repercussões nas experiências de algumas interlocutoras durante a assistência ao parto, dado o processo de despersonalização da mulher que ocorre no contexto hospitalar e a naturalização desse sistema por parte de profissionais. (CARNEIRO, 2015). Outro entendimento preliminar é que, para essas mulheres em situação de sofrimento social (DAS, 2011), a maternidade é mais uma experiência em suas trajetórias sociais pois, na maioria das vezes, ao não serem planejadas, não ocupam lugar de centralidade em seus projetos biográficos, sendo parte dos seus vários domínios de existência. Dentre alguns achados em campo, acreditamos que as interlocutoras desenvolvem resistências e modos de subjetivação próprios, não desistindo de viver suas sexualidades e desejos, ao realizarem visitas íntimas aos seus companheiros nos presídios, chegando “engravidar lá dentro”. Além disso, essas mulheres têm enfrentado situações de violência conjugais com altivez, realizam works temporários como forma de sobreviver, contam com uma rede de familiares e vizinhança em que as crianças “circulam” (FONSECA, 1999) e são cuidadas, dadas suas formas de sociabilidades na periferia.
“Mães, falemos de maternidade”.Estudo etnográfico da maternidade
Autoria: Violeta Sarai Salazar Salazar, Raquel Wiggers (Professora Doutora em Antropologia – UFAM)
Autoria: As mulheres têm ganhado voz para expressar o que realmente sentem no seu papel como mães, elas tem começado a expressar também seu descontentamento com a maternidade. As mais ousadas tornam públicos seus desconfortos na “Social Network”, ou redes sociais, Instagram e nos grupos de mães no Whatsapp. Ambas redes sociaistem sido ferramentas fundamentais para o contato com as interlocutoras, porque possibilitam que mulheres manifestassem além de suas alegrias em ser mãe, também seus medos, discordâncias, cansaço, angústias. Nesta pesquisa procuramoscomparar osconceitos de maternidade estabelecidos na sociedade com o que as mulheres realmente vivem em suas experiências de ter filhos. Analisamos então os conceitos que compõem a maternidade, que foram considerados como naturais e compreendidos, como "instinto materno","obrigações”, “natureza feminina".E como estestrês conceitos se encontram coma principal razão de ser mãe: os filhos; adicionado à vida sexual das mulheres, as tarefas domésticas, work e outras responsabilidades, que são aparentemente designadas sócio culturalmente para as mulheres, gerando tensão e desassossegos nelas.
“O que adianta conhecer muita gente e no fim das contas estar sempre só?” Os desafios da maternidade em tempos de Síndrome Congênita do Zika Vírus.
Autoria: Raquel Lustosa da Costa Alves
Autoria: Três anos após o surto do Zika Vírus no Brasil diferentes impactos na população brasileira podem ser evidenciados, em especial nas vidas das mulheres que tiveram filhos nestas circunstâncias. Pernambuco, onde a presente pesquisa de campo tem sido realizada, foi o estado com mais casos de nascimentos de bebês com a Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV) - confirmados pelo Ministério da Saúde. Diante disso, tem-se um cenário de muitos desafios, tanto da parte das instituições públicas, dos profissionais de saúde, das crianças atingidas como, e, principalmente, da parte de suas cuidadoras. A existência de redes de apoio à essas famílias, composta majoritariamente por mulheres, que já enfrentam uma situação de vulnerabilidade social anterior à epidemia, contribui tanto para a esfera econômica quanto afetiva das “mães de micro” - como se intitulam essas mulheres em decorrência à microcefalia de seus filhos, uma das características mais destacadas da síndrome. Mas, ainda assim, a (sobre)carga de tarefas direcionadas à essa mulher, seja mãe, avó ou tia, é instransponível. É ela a responsável pelos cuidados diários desse bebê; é ela quem enfrenta árduos trajetos nos itinerários terapêuticos e, é ela quem vivencia, juntamente a sua filha ou a seu filho, a discriminação de uma sociedade tampouco preparada a lidar com as especificidades de um indivíduo deficiente (DINIZ, 2007). A partir da etnografia realizada com as “mães de micro” o presente work busca refletir as relações de ambiguidade produzidas neste cenário; se por um lado há o empoderamento de sujeitos a partir das relações construídas através das redes de apoio, por outro lado tem se uma mulher sobrecarregada de papeis, cumprindo uma agenda de dedicação exclusiva a um filho com demandas especificas. Em decorrência a isso me aponta uma de nossas anfitriãs: “O que adianta conhecer muita gente e no fim das contas estar sempre só?”. Neste sentido, o olhar antropológico nos ajuda a pensar em como essas mulheres tem ressignificado a maternidade e, sobretudo, como a solidão se repercute em muitas de suas trajetórias - interseccionadas pelas categorias de gênero, classe raça.
“Se você abrir o armário do meu filho, só tem remédio”: reflexões sobre os impactos dos remédios utilizados pelas crianças nascidas com a Síndrome Congênita do Zika vírus.
Autoria: Ana Claudia Knihs de Camargo
Autoria: Este work propõe uma reflexão acerca dos medicamentos utilizados pelas crianças nascidas com a Síndrome Congênita do Zika vírus. A infância dessas crianças, também conhecidas como “bebês de micro”, sempre esteve atrelada à biomedicina e ao cenário hospitalar. Seus corpos são rotineiramente submetidos à baterias de exames e medicamentos com diversas funções: psicotrópicos, antiepilépticos, antiespasmódicos, entre outros. A lista de medicamentos utilizados é extensa e cara, envolvendo uma série de (re)arranjos sociais e econômicos na vida da família, da criança e de sua mãe, geralmente a principal - e muitas vezes a única - cuidadora. A partir das pesquisas e dos dados coletados em campo pelo projeto “Microcefalia, deficiência e cuidados: Um estudo antropológico sobre os impactos da Síndrome Congênita do vírus Zika no estado de Pernambuco”, pretende-se pensar a questão paradoxal dos remédios nessa situação: muitas vezes “dopadas”, as crianças não conseguem corresponder às expectativas de estímulo nas terapias e podem, assim, ser desligadas das Instituições de reabilitação por não atingirem a “porcentagem de evolução” esperada pelos médicos. Os remédios utilizados, entretanto, previnem as crises convulsivas, que também afetam a eficiência das terapias e colocam a criança sob risco de vida. Aqui, pretendo discutir a farmaceuticalização da infância dos “bebês de micro”, além dos impactos que o uso (ou não) dos remédios têm na vida das crianças e de suas cuidadoras.