Cinque Terre
GT 041. Islã e suas interfaces no Brasil e no mundo
Francirosy Campos Barbosa (USP) - Coordenador/a, Sonia Cristina Hamid (Instituto Federal de Brasília) - Coordenador/a, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (Universidade Federal Fluminense) - Debatedor/a
O islã é uma das religiões que mais cresce no mundo, tendo, inclusive, forte presença em países ocidentais. A despeito disso, ele segue sendo ideologicamente construído de modo “orientalista”, visto como uma religião exótica e retrógrada, além de uma ameaça a um suposto ordenamento secular ocidental. De modo a superar uma visão essencialista e homogênea do islã e de seus praticantes, buscamos o diálogo com pesquisadores que vêm se dedicando a investigações sobre esta religião em suas variadas intersecções com questões nacionais, econômicas, étnicas, raciais, geracionais, de classe, de gênero e/ou de instrução. Da mesma forma, buscamos abordagens que mostrem as relações entre fenômenos globais e locais e que apontem, por exemplo, de que modo eventos políticos que ocorreram ou vem ocorrendo em países com populações de maioria muçulmana – primavera árabe; radicalização de grupos religiosos; guerras civis em países como a Síria; deslocamentos populacionais – influenciam as percepções e as vidas de homens e mulheres muçulmanos de diferentes maneiras, globalmente. Aceitamos tanto propostas que abordem estas questões a partir de perspectivas exclusivamente teóricass, quanto aquelas que apresentem pesquisas empíricas.
Resumos submetidos
A (re) construção da "guerra global ao terror" na cinematografia estadunidense pós-11 de setembro
Autoria: Paula Lemos dos Santos
Autoria: O artigo analisará a relação entre terrorismo fundamentalista islâmico e o cinema, enfocando a política dos EUA no combate ao terrorismo. Qual era a política dos Estados Unidos quanto ao terrorismo, nos governos Bush e Obama: de 2001 a 2012, desde o inicio da “Guerra ao Terror” até a morte de Osama Bin Laden. Como esses eventos são retratos nos filmes: “Guerra ao Terror” (2008), “Zona Verde” (2010) e a “Hora mais Escura” (2012), em que os três abordam a questão da guerra ao terror, do ponto de vista estadunidense. Será realizada uma análise em que se compreende todos estes aspectos e tentará responder a seguinte pergunta: Que imagens e significados sobre a “guerra global ao terror” são construídos e/ou reconstruídos na cinematografia estadunidense desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001? Onde busca-se compreender se o cinema tem a capacidade de criar significados acerca do termo terrorismo ou propagar o conceito já assumido pela sociedade.
A experiência do Islã em São Paulo: uma etnografia de refúgio por dissidência sexual
Autoria: Mário Luis Villarruel da Silva
Autoria: A ONU, em 1951, aprova em Assembleia Geral a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, implementada no Brasil pela Lei Nacional do Refúgio – 9.474/97, onde se considera serem refugiadas pessoas que fogem com receio de perseguição por sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou filiação a certo grupo social. Este último critério, numa dinâmica interpretativa do espírito da Convenção passou a (poder) entender – e abrigar, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais, desse modo, os LGBTI receberam prerrogativa de invocar proteção à tal Estatuto, sem desconsiderar ser essa interpretação recomendatória e não obrigatória. Sendo o Brasil um dos países que reconhece LGBTI como integrante de grupo social específico, este work repousa interesse em desvelar alguns mecanismos da migração internacional forçada de pessoas com sexualidades dissidentes da heterossexual, o que gera conflitos interpretativos entre a extensão de direitos e o apagamento de sujeitos – nos marcos de uma cidadania global. A partir da interlocução com muçulmanos – 1 sírio e 1 ganês, este recorte enfoca a experiência de vida dessas pessoas na cidade de São Paulo. De que formas se desenham e constroem performances de identidade, sexual e religiosa – em limbos jurídico-normativos, sociais e culturais, com o atravessamento do cenário da capital paulista.
A expressão da esperança na diáspora senegalesa em Caxias do Sul, RS
Autoria: Renan Giménez Azevedo
Autoria: O presente work apresenta uma discussão a respeito da esperança no ambiente da diáspora mouride em Caxias do Sul, RS. Os mourides são uma fraternidade muçulmana sufi originada em Touba, Senegal, fundada pelo profeta Cheikh Ahmadou Bamba (1850-1927) durante o período colonial francês cuja doutrina articula fé muçulmana e work de uma forma prática. Estes sujeitos estruturam sua diáspora a partir de mercados informais nos diversos países que se deslocam. O município de Caxias do Sul, localizado na região da Serra Gaúcha, foi estabelecida por imigrantes italianos na segunda metade século XIX que vieram ao Brasil por conta de políticas que incentivavam a imigração de europeus. Por conta desta origem, a cidade apresenta o ethos da italianidade, um conjunto de valores e práticas que mistura a fé católica e o work. Neste ambiente de contrastes, serão analisadas de que forma situações em fé, work, legalidade e moralidade se encontram e de que forma a esperança acaba surgindo nestes espaços.
Acordos cotidianos: os conceitos de halal (permitido) e haram (ilícito) entre muçulmanos xiitas e sunitas do Rio de Janeiro e suas escolhas alimentares
Autoria: Thaís Chaves-Ferraz
Autoria: Alimentar-se pode ser mais do que responder a imperativos fisiológicos ou preferências. Para Douglas e Isherwood (2004), comida e bebida, ligadas às necessidades físicas, têm tanta significação quanto o que desejam mente e coração, “bens espirituais”. Os autores propõem a unicidade entre físico e psíquico. Essa perspectiva ganha relevo em contextos religiosos. Ingerir ou evitar determinadas qualidades de comida demonstram relações com o divino e pertencimento identitário. Diz Abu Salem (2015) que alimentos e observação de rituais de culinária "são como as pessoas religiosas alimentam o corpo e a alma, permitindo que se sintam parte de uma comunidade mais ampla, mas ao mesmo tempo diferenciada". Este work se volta à importância que a alimentação demonstrou ter para muçulmanos xiitas e sunitas do estado do Rio de Janeiro, entre tabus e práticas, cuja base são conceitos de halal (lícito) e haram (impuro). Há experiências etnográficas tanto na Sociedade Beneficente Muçulmana, sunita, como no Centro Cultural Imam Hussein, xiita. Halal e haram são linhas-mestras para um estilo de vida e conduta em geral. Contudo, a preocupação ligada ao consumo alimentar emergiu com força, especialmente entre convertidos e nas suas interpretações do Islã. O alimento halal é ponto central no Islã. Há regras para o abate animal e consumo: este deve ser morto com extinção mínima de sangue e do sofrimento. Bênçãos são recitadas. O processo precisa da expertise que só um muçulmano teria. Algumas vedações do Islã têm base na evitação de comidas e líquidos impuros, como porco e álcool. Contudo, talvez o maior exemplo venha do acesso a carnes halal. Alguns afirmam sequer existir tal qualidade de carne no Rio de Janeiro, quiçá em toda nação. Um paradoxo: apesar de o mercado interno ser ínfimo, o país é um dos maiores exportadores de carnes halal (FERRAZ,2015). Assim, narrativas especiais surgem das releituras de halal e haram feitas por esses muçulmanos. É válido conhecer mais dessas comunidades diaspóricas no Rio de Janeiro, formadas por imigrantes de diversos países, seus descendentes e brasileiros convertidos, parcela consistente e que opta por ressignificar hábitos em prol de uma religiosidade minoritária como o Islã no Brasil. Compartilhando do entendimento de que uma comunidade desse tipo se autorreconhece e cria laços por atos e simbologias comuns, o artigo aborda práticas alimentares entre sunitas e xiitas.Muitas vezes, é preciso contornar dilemas, entre desejos individuais e normas do grupo, com cargas simbólicas compartilhadas e particulares, cujo foco são o halal e haram. Um muçulmano tem em seu corpo e modo de agir fios condutores para experiências religiosas. Buscar o lícito é parte dos ideais diários de atenção e correspondência a esse Islã (re)interpretado.
Construindo a Topografia Sagrada do Islã na Argentina: Uma Etnografia da Comunidade Sufi Naqshbandi em uma área rural patagónica
Autoria: Silvia Montenegro, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Autoria: Essa etnografia explora as formas de construção de uma topografia sagrada do islã na Argentina pelos adeptos da ordem Sufi Naqshbandi Rabbani (parte da ordem Naqshbandi Haqqani) através da construção de túmulos-cenotáfios dedicados ao Shaykh Daghestani. Esses túmulos tornaram-se foco de diversas práticas devocionais e discursos que estruturam a vida religiosa das Derghas (centros rituais) e servem de centros sagrados para o território que tenta ser unificado pela autoridade carismáticas do shaykh. O work de campo foi feito em uma comunidade da chamada Comarca Andina del Paralelo 42, na Patagonia, a qual possui uma grande importância e visibilidade na vida social local, e serve como centro de difusão do Islã em uma vasta região da Patagonia Argentina. Discutiremos aqui como formas carismáticas de autoridade religiosa aliadas a formas de mimesis e performance permitem a vivência de uma territorialidade sagrada pelos membros da comunidade e inscrevem o islã na paisagem religiosa argentina.
Etnicidade e Disciplina na " 'Ashura dos iranianos"
Autoria: Ana Maria Gomes Raietparvar
Autoria: O presente work busca trazer uma reflexão encima do ritual xiita da 'Ashura realizado na Mesquita do Brás no ano de 2013, realizada em farsi para um público iraniano. O work busca mostrar a etnicidade aparece como um fator importante para a identidade religiosa xiita entre os iranianos no Brasil, e como é a vivência da 'Ashura e dos sentimentos de dor e martírio mobilizados no ritual.
Etnografia em comunidades muçulmanas: o marcador de gênero na construção dos dados
Autoria: João Rodolfo Lopes Pereira
Autoria: As diferentes formas de Islã são um universo à parte. No Brasil, as comunidades muçulmanas possuem cerca de um milhão de membros e constituiu-se a partir de imigrações vindas do Oriente Médio no século XIX e conversão de brasileiros (PINTO, 2005, p. 230). Cada comunidade muçulmana requer do pesquisador diferentes estratégias de inserção, comportamento e coleta de dados. Conhecer os códigos de conduta da comunidade a qual se pretende estudar pode ser um desafio para pesquisadores que nunca tiveram qualquer contato com o Islã, pois não pode ser completamente apreendida pelos textos sagrados do Islã, mas devem ser apreendidos durante a pesquisa de campo. Uma das questões mais recorrentes em etnografias em comunidades muçulmanas que influem na construção dos dados é a dinâmica de gênero. Ferreira (2009, p. 444) nos mostra como a construção dos espaços constroem a performance a ser assumida por ela, quanto mulher, em sua experiência etnográfica ao lado de mulheres muçulmanas. “É um universo de meandros, de gentilezas, de comportamento recatado, olhar baixo, ouvidos atentos, gestos comedidos, e até mesmo extravagantes, dependendo da situação”. As imposições de uma performance de gênero não são apenas construídas na materialidade do corpo da etnógrafa, mas também “no entorno, nas cercanias e nos circuitos da ação”. Estas performances são construções socioculturais de um discurso no qual afirma que “cabe à mulher o cuidado com a casa e com os filhos e ao homem a obrigação de provê-los” pois “as mulheres são mais “sensíveis”, “emocionais”, em contraposição aos homens, que são mais “independentes” e “autoritários””, organizando assim o espaço numa divisão de gêneros onde a esfera privada é o lugar feminino e a esfera pública o espaço masculino (FERREIRA, 2009, p. 449 apud HAMID, 2007, p. 109). Esta divisão do espaço organiza a circulação de homens e mulheres, que ficam limitados a determinadas áreas da casa e da mesquita. Pode-se perceber, a exemplo, nos momentos de oração na Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro os espaços reservados aos homens e às mulheres. “[...] há uma pequena parte da sala que lhes fica simbolicamente reservada, uma vez que como regra religiosa, a mulher deve ficar atrás do homem nas orações (CHAGAS, 2006, p. 74)”. Por conta desta configuração sociocultural, a inserção no campo, assim como a construção de contatos e a performance do etnógrafo durante a pesquisa atravessa questões de gênero. Este artigo, portanto, objetiva compreender como o tema gênero passa a se configurar como marcador na construção dos dados em pesquisas etnográficas. Para isto, analisar-se-á teses e dissertações na área de antropologia defendidas em universidades brasileiras entre 2005 e 2017 a partir da temática de gênero.
Islã, muridismo, work e migração entre jovens senegaleses no Sul do Brasil
Autoria: Maria Clara Mocellin
Autoria: Os dados apresentados neste work são oriundos do work de campo com um grupo de senegaleses em Santa Maria-RS, que acompanho desde 2014. Durante esses anos de pesquisas, foi possível perceber a importância da religião para esses senegaleses que trabalham com o comércio de rua. Trata-se de um grupo de homens jovens senegaleses pertencentes a confraria muride, vinculada ao universo africano islamizado. O propósito do work é demonstrar as relações entre muridismo, work e migração. O comércio de rua entre esses jovens senegaleses é uma atividade central do seu modo de vida, na qual lhes permite certa flexibilidade e independência para as práticas religiosas relacionadas ao muridismo. A literatura sobre o tema tem relacionado esses jovens migrantes como difusores de uma moral religiosa entrelaçada com o econômico. O comércio de rua além de uma atividade que lhes traz sustento e novas experiências de vida, lhes ajuda a manter o vínculo com a confraria Muride.
Islamismo e questões nacionais: pensando a partir da Palestina
Autoria: Denise Monzani da Rocha
Autoria: O nacionalismo palestino emergiu na primeira metade do século XX e vem exibindo diferentes vertentes desde então. Durante o Mandato Britânico (1922-48), os conflitos gerados a partir do crescimento da população de judeus sionistas forjaram as condições para a ascensão do nacionalismo palestino. Foi depois da criação do Estado de Israel (1948) e da ocupação israelense dos territórios palestinos (1967) que esse nacionalismo ganhou representação mais centralizada por meio da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), que defendia o estabelecimento de um Estado democrático e secular. É no final da década de 80, no contexto do enfraquecimento da OLP e da experiência de revolta popular chamada Intifada, que ganhou força a atuação do nacionalismo islâmico, reivindicando um caráter religioso para o futuro Estado da Palestina. Mais recentemente, em 2007, o partido islâmico Hamas venceu as eleições contra o Fatah (OLP) e desde então governa a Faixa de Gaza. Neste work ofereço, então, um panorama dos movimentos nacionalistas palestinos, dedicando maior atenção ao surgimento e atuação dos nacionalistas islâmicos. Além de pensar a trama entre Islamismo e expressão política no caso palestino, este é um bom pano de fundo para lançar reflexões mais gerais sobre a relação entre Estado e Religião.
Khan al-Ahmar: o discurso islamofóbico como parte de um projeto de ocupação colonial da Palestina
Autoria: Michelle Julianne Souza Ratto, Leonardo Carneiro Ventura
Autoria: Esta comunicação oral busca pensar a interseção entre o discurso orientalista em torno do Islã e o projeto de ocupação colonial dos territórios palestinos pelo Estado de Israel. Neste caso, trabalha especificamente a construção do que seria, para o sionismo político, uma identidade árabe “perigosa”, marcada pelo fundamentalismo religioso. Ela toma como recorte geográfico a comunidade beduína Khan al-Ahmar, em Jerusalém Oriental, onde foi realizado um work de campo entre julho e outubro de 2015. Lá, foi possível acompanhar o cotidiano de violações sofridas pelos membros da comunidade, tais como: demolição de habitações, expropriação e confisco de terras, construção de muros e colônias judaicas, confinamento de populações em áreas precárias, restrição de movimento, entre outros. O discurso de que os palestinos seriam “perigosos”, “criminosos” e “terroristas em potencial”, justificaria, portanto, a necessidade de uma permanente vigilância e uma contínua intervenção militar para a proteção e segurança das colônias judaicas. A ideia de uma etnia árabe em sua maioria seguidora de uma religião “atrasada” e “violenta” é também acionada como um sinal diacrítico no momento em que o Estado de Israel precisa justificar suas ações. Apontar as contradições de uma narrativa que demoniza o Islã, enquanto justifica ações bélicas e políticas de violação dos Direitos Humanos em nações árabes, pode ajudar a pensar a Questão Palestina como um evento conectado com o agora, e não, como costuma dizer-se, um “conflito milenar”, isto é, distanciado no tempo, desligado da contemporaneidade, exilado em um tempo mítico, de matiz religioso.
O uso institucional das redes sociais realizado pelo Centro Islâmico Beneficente do Paraná (Curitiba-PR)
Autoria: Mayra Sousa Resende
Autoria: O Centro Islâmico Beneficente do Paraná (Curitiba-PR) possui uma página no Facebook. Nela, são compartilhadas informações sobre os rituais e demais eventos da Mesquita. Além disso, os sermões de sexta-feira (khutbah) são transmitidos ao vivo durante seu acontecimento. O Imam da Mesquita, Sheikh Rodrigo, possui ainda uma página pessoal na mesma rede social e transmite outros vídeos sobre suas vivências religiosas em seu canal do YouTube. O objetivo deste work é a realização de uma etnografia destes canais utilizados pelo Centro Islâmico para entrar em contato com seus fiéis. O artigo é parte de um work maior, no qual a trajetória de inserção do Centro Islâmico na vida dos fiéis muçulmanos de Curitiba é investigada, tendo por base a novidade desta inserção, frente à já estabelecida comunidade da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná, localizada Curitiba.
O Zakat: a experiência sobre um pilar do islamismo em comunidades muçulmanas do nordeste do Brasil
Autoria: Luís Américo Silva Bonfim
Autoria: O Zakat, a “caridade obrigatória” (zakaah), é um dos cinco pilares do islã. Tão importante quanto o salat (orações) e o sawm (jejum), é encorajado como um valor humanitário e sociopolítico, que purifica a riqueza e dignifica a pobreza ou a necessidade, expresso em diferentes dimensões em todo o mundo islâmico. Este work analisa as experiências de trocas, fluxos e circulações dentro de comunidades muçulmanas em estados do nordeste do Brasil. Tem como objetivo analisar, através de observação etnográfica, a prática da oferenda a partir dos valores doutrinários alcorânicos e do quadro teórico do paradigma do dom, dimensionando a dádiva circulante, facultativa ou obrigatória, como um dos motivadores de coesão e sociabilidade do islamismo presente na contemporaneidade brasileira.
Práticas disciplinares entre os discípulos da confraria sufi Hamdouchiya, Marrocos
Autoria: Bruno Ferraz Bartel
Autoria: Pretende-se analisar como as práticas disciplinares centradas em rituais e performances tradicionais (dhikrs, qasidas e hadras) da confraria sufi Hamdouchiya, no centro religioso (zawiya) de Safi, sul do Marrocos, são responsáveis pela criação de autonomia religiosa aos sujeitos. A noção de autonomia abarca o objetivo final dos sujeitos, mas também as práticas e condições que possibilitem a construção dos ambientes rituais. A autonomia moral dos sujeitos reflete mais um quadro normativo da Hamdouchiya atual do que a produção de uma diferenciação entre os discípulos, mesmo que ela seja passível de ocorrer em alguns casos. O sufismo, dentro da tradição religiosa do Islã, se define como a busca de uma experiência direta com Deus (Allah). Essa meta é considerada expressão de um longo processo iniciático individual por um caminho ou via mística (tariqa), sob a orientação de um mestre (shaykh). O caminho sufi não consiste apenas em uma trajetória religiosa completamente centrada na relação mestre-discípulo. A base de suas experiências religiosas está centrada nas performances rituais e também na produção de constrangimentos externos, já que cada estado religioso (hal) experimentado pelo indivíduo deve estar de acordo com as doutrinas e práticas transmitidas pelos textos, rituais e ensinamentos orais que compõem as diferentes tradições sufis. A necessidade de avaliação da própria experiência religiosa confere fundamental importância ao shaykh, pois somente os que tiveram uma experiência direta com a realidade divina (haqiqa) podem guiar os outros na busca de Deus. De acordo com a tradição sufi, o conhecimento religioso tem duas dimensões: uma exotérica (zahiri), que deriva da percepção sensorial do mundo material, e outra esotérica (batini), mais próxima da realidade/verdade divina (haqiqa, haqq). Atualmente, a Hamdouchiya não está hierarquicamente estruturada na relação mestre-discípulo em suas zawiyas. Decerto, essa característica não possibilita, à primeira vista, enquadrar a produção dessas experiências em termos de relações carismáticas atuantes como as já produzidas anteriormente aos estudos sobre o sufismo, o que não impediu que a transmissão de conhecimentos - tanto exotérico (zahiri), quanto esotérico (batini) - entre os adeptos ocorresse por bases tradicionais. Nelas, práticas disciplinares compartilhadas nas zawiyas, como as invocações dos nomes e da presença de Deus (dhikrs), as recitações dos poemas (qasidas) relativos ao santo (wali) patrono e as sessões rituais (hadras), motivavam a produção dos estados religiosos (hal). A presente etnografia foi construída ao longo de um work de campo no Marrocos entre os meses de outubro de 2016 e setembro de 2017 nas cidades de Sidi ‘Ali (Meknes), Fez, Rabat, Safi, Essaouira e Taroudant no Marrocos.
Visões do Islã a partir de judeus de Tel Aviv: as origens da suposta “violência”
Autoria: Barbara Odebrecht Weiss
Autoria: Com o intuito de pesquisar as representações acerca do sionismo nas escolas de hebraico para imigrantes judeus (ulpanim) realizei duas etnografias na cidade de Tel Aviv nos anos de 2015 e 2017. Durante minhas estadias nesta cidade costeira de Israel pude entrar em contato com os discursos de cidadãos judeus a respeito do Islã. Chamou-me principalmente a atenção a ideia frequente de que “as raízes da conduta violenta dos muçulmanos” estariam no Corão, que seria “imanentemente” mais violento do que a Torá ou a Bíblia. A partir desta questão central pretendo trazer elementos do discurso contemporâneo da Israel judaica acerca do Islã e em particular os mitos e discursos envolvendo a suposta propensão à violência por parte dos muçulmanos como ancorada nos preceitos da religião islâmica.
Vozes femininas do Islã e o futuro do Islã
Autoria: Graham Gerald McGeoch
Autoria: O islã é uma das religiões que mais cresce no mundo e tem uma forte presença em países ocidentais. Apesar disto, ele segue sendo ideologicamente construído de modo “orientalista”. É Tariq Ramadan que lidera com o contra-argumento que o Islã é uma religião ocidental e que o futuro de Islã depende tanto deste Islã ocidental quanto de Islã árabe (ou oriental). Do mesmo modo, John L. Espósito postula que o futuro do Islã depende da resolução da dicotomia interna do Islã da escolha entre ‘Mecca e mecanização’, ou seja da capacidade de reforma islâmica. Nesta linha, ela lembra que os conceitos de renovação (tajdid) e de reforma (islah) são fundamentadas no Quran. Esposito aponta para Ramadan como uma das vozes da reforma que Islã precisa. Ao lado de Ramadan, ele cita Mustafa Ceric e Amina Wadud. Em Wadud e seu concieto de gender jihad, Esposito chama atenção para vozes femininas e, no caso de Wadud, vozes feministas dentro do Islã. A teóloga pós-colonial feminista, Kwok Pui-Lan, já notou que frequentemente vozes de mulheres e perspectivas feministas estão ausentes do diálogo inter-religioso (e podemos acrescentar de apresentações e reflexões de religiões como Islã). Ela assinila que no século XXI perspectivas pós-coloniais e de gênero precisam ser inclusos para alterar a prática e impacto do diálogo inter-religioso. Destas bases, propõe-se uma leitura de mulheres muçulmanas – todas ativas no ocidente, mas com raízes orientais – para discernir algumas abordagens que ajudam influenciar percepções e vidas de homens e mulheres muçulmanos globalmente. Se o futuro do Islã depende do Islã ocidental (como apostam Ramadan e Esposito), é mulheres como Amina Wadud, Kecia Ali e Leila Ahmed e Mona Siddiqui que começam dar forma a este futuro.
“Uma religião de estrangeiros e alheia à cultura nacional”: discursos e ações contra o Islam em Angola
Autoria: Heloisa Maria Paes de Souza
Autoria: Desde suas origens o Estado angolano procura manter o controle das religiões no espaço público através de um modelo de gestão intervencionista caracterizado, atualmente, pela Lei sobre Exercício da Liberdade de Consciência, de Culto e Religião, de 2004, que estabelece os requisitos necessários para que as mesmas sejam reconhecidas legalmente e, portanto, com capacidade para atuar em favor do bem-estar de seus membros. Nos últimos anos todas as tentativas de reconhecimento jurídico empreendidas por organizações islâmicas têm sido negadas, chegando ao ponto de, no último semestre de 2013, o governo angolano interditar e/ou destruir espaços de culto (mesquitas e centros islâmicos) em diversas províncias, o que levou a mídia internacional a propagar que Angola teria banido o Islam de suas fronteiras. Alegando que a religião muçulmana é praticada por estrangeiros (muitos dos quais em situação ilegal), submete as mulheres à condição de submissão/opressão e que é uma crença estranha à cultura nacional, líderes religiosos e governamentais têm se expressado contra o Islam na mídia local, reproduzindo discursos islamofóbicos. O presente artigo, fruto de pesquisa de campo e bibliográfica, objetiva, a partir de um breve histórico do Islam em Angola, discutir as tensas relações da comunidade muçulmana local na luta pelo reconhecimento jurídico e apresentar os discursos e ações contrários à presença islâmica no país, destacando os efeitos sobre um grupo especial de mulheres – as muçulmanas angolanas revertidas.