Cinque Terre
GT 037. Etnografias sobre a financeirização do agronegócio no Brasil: efeitos, disputas e comparações
Anna Catarina Morawska Vianna (UFSCar) - Coordenador/a, Luciana Schleder Almeida (UNILAB) - Coordenador/a
Este grupo de trabalho tem como intuito propor um debate sobre a financeirizaçāo do agronegócio no Brasil por meio de etnografias que explorem a imbricação de elementos técnicos e morais que marcam a chamada “sociedade do agronegócio” (Heredia, Palmeira, Leite 2010). Sāo bem vindas reflexões baseadas em trabalho etnográfico que proponham, por exemplo, comparações entre o agronegócio para exportação e redes de troca de produtos não financeirizados, como é o caso de sementes crioulas e produtos agroecológicos; descrições de alianças entre técnicos, órgãos de pesquisa e produtores em torno de saberes e tecnologias que visam o aumento da produção e circulação de produtos; estratégias discursivas que esses agentes mobilizam para legitimar a expansão do agronegócio; etnografias sobre leilões e mercados agropecuários que joguem luz sobre noções correntes de economia e mercados; análises sobre as distintas temporalidades implicadas no “dentro” e “fora” da porteira, assim como em mercados físicos e futuros. Pretende-se, deste modo, reunir tanto pesquisadores que têm como foco central questões próprias da antropologia da economia, assim como aqueles que as tangenciam tendo em vista os processos de expropriação e conflito que seus interlocutores de pesquisa vêm enfrentando no meio rural brasileiro.
Resumos submetidos
"Aqui você não bota questão, você faz conciliação": um estudo sobre a relação entre "forma mercantil" e "forma jurídica" a partir dos conflitos na lavoura do Agronegócio Café no Cerrado Mineiro
Autoria: Hailton Pinheiro de Souza Júnior
Autoria:

Em nossa tese de doutorado, dedicamo-nos ao estudo das relações de work e seus conflitos na lavoura do Agronegócio Café em Patrocínio e Araguari (MG, Brasil), municípios do Cerrado Mineiro, região produtora de café nestes termos conformada a partir dos anos de 1970, quando um conjunto de políticas públicas promoveu o encontro entre produtores do sul – cujas famílias têm acompanhado a "grande vaga do café" desde sua fixação no país, passando por São Paulo e Paraná – e trabalhadores do norte – migrantes mineiros, baianos e de outras áreas do interior do país – região em que hoje se expressa uma realidade que é, justamente, produto deste encontro. As relações laborais, estabelecidas sobre uma base de representações sociais herdadas do colonato (vivido pelas famílias de produtores em sua origem no interior de São Paulo e Paraná) associada às representações sociais camponesas mobilizadas pelos trabalhadores migrantes, orientam-se tradicionalmente por um código de prescrições morais a partir das quais os sujeitos regulam os diferentes aspectos de suas relações de work. Progressivamente, no entanto, as relações laborais sofrem a incidência dos direitos, forma de regulação das práticas na lavoura que se assenta sobre os dispositivos legislativos e se generaliza pela aproximação à realidade local dos órgãos de fiscalização e controle – do Estado, portanto – tensionando instituições locais e sujeitos à absorção de novos paradigmas às suas relações, em especial, suas relações laborais. Nesta comunicação, desejamos refletir sobre a relação entre a "forma mercantil" e a "forma jurídica" na conformação de uma "sociedade e economia do agronegócio", pela análise do processo histórico de ajuste entre código moral e norma jurídica, operado através de instituições locais como o Núcleo Intersindical de Patrocínio, ajuste que parece tornar possível a coexistência entre uma "agricultura moderna", "certificada", aparentemente alinhada a rigorosos padrões internacionais de produção e comercialização, e a manutenção de certas práticas laborativas que seriam lhes seriam contrárias, colidentes não apenas com estes padrões internacionais mas com as próprias disposições (ainda) vigentes no direito do work brasileiro. Interessa-nos analisar, portanto, a relação entre o "mercado" e o "direito", a partir dessa experiência de ajuste da realidade local às exigências legais e das exigências legais à realidade local, experiência própria à lavoura do cerrado mineiro, que investigamos em nossa tese de doutorado, a partir do "dilema moral" vivido pelos trabalhadores diante da escolha por "botar questão" ou "fazer conciliação".

A aposta nos hedgers: derivativos agropecuários na formação do mercado de futuros no Brasil
Autoria: Anna Catarina Morawska Vianna
Autoria: O intuito deste paper é esboçar uma descrição etnográfica do papel dos derivativos agropecuários na criação de um novo mercado de futuros pelos executivos da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em meados da década de 1980, originalmente nomeado Bolsa Mercantil & de Futuros (BM&F). De modo a amenizar a ideia de especulação irresponsável atrelada ao mercado financeiro, a estratégia adotada pela BM&F para a promoção do novo mercado foi a de reiterar a figura do hedger: o produtor agrícola que minimizaria os riscos oriundos das oscilações de preço da sua commodity agrícola por meio do investimento em derivativos agropecuários. Tratava-se de apostar na imagem do capitalismo produtivo e não especulativo para gerar "confiança" nos investidores. Os principais produtos a deslanchar, contudo, não foram os derivativos agrícolas, mas os derivativos financeiros – com os quais se podia especular em torno da oscilação de juros, índices, moedas, e outros ativos financeiros –, e que compõem até hoje a maior parte das negociações no mercado de futuros no Brasil. Por meio de pesquisa em documentos oficiais da BM&F das décadas de 1980 e 1990, e alinhada a discussões recentes em antropologia das finanças, pretendo explorar como agentes do capitalismo financeiro mantêm uma proximidade retórica com a ideia de capitalismo produtivo, apesar da enorme disjunção entre o mundo da produção agrícola e o mundo do mercado de futuros.
A Finaceirização do Projeto Jaíba e as Terras Tradicionalmente Ocupadas no Médio São Francisco
Autoria: Felisa Cancado Anaya, Ana Paula G. Thé Cláudia Luz de Oliveira Elisa Cotta de Araújo Luciana Maria Monteiro Ribeiro Carlos Alberto Dayrell
Autoria: A financeirização de grandes empreendimentos do agronegócio, na bacia média do rio São Francisco, Norte de Minas Gerais, foi impulsionada e vem se consolidando pela implementação de políticas públicas de desenvolvimento econômico e ambiental, em âmbito estadual e federal. As ações de planejamento e desenvolvimento econômico do Estado brasileiro na porção mineira da bacia hidrográfica do São Francisco, foram realizadas através dos incentivos fiscais da SUDENE, na década de 1970, em articulação com a CODEVASF. Como consequência dessa articulação houve a transformação da dinâmica econômica da região que passou a ser estruturada, a partir da financeirização de programas baseados em dois eixos: a agropecuária e grandes projetos de irrigação. Este work tem como objetivo descrever o processo de transformação deste espaço social disputado pelo agronegócio, unidades de conservação e povos e comunidades tradicionais, realizada através da financeirização do segmento empresarial/rural e com a participação do Estado, bem como trazer os processos de resistências dos grupos etnicamente diferenciados que foram confinados em áreas da União e têm seus territórios sobrepostos por unidades de conservação compensatórias ao projeto de fruticultura irrigada Jaíba. A metodologia utilizada foi levantamento bibliográfico e documental, work de campo e etnografia de eventos sociais. Como resultado observa-se que, neste contexto, o Projeto de Fruticultura Irrigada Jaíba, localizado nos municípios de Jaíba e Matias Cardoso, vinculou o Norte de Minas Gerais ao mercado externo efetivando e alterando suas dinâmicas sociais, suas características ambientais e a lógica produtiva vigente do lugar. Sua consolidação em consonância com as políticas públicas ambientais, baseadas no paradigma da modernização ecológica, apresentam o caráter funcional das unidades de conservação para a expansão do agronegócio na região e a intensificação de um processo de expropriação de grupos etnicamente diferenciados, que ficaram confinados às margens do rio São Francisco. A apropriação privada e ilícita pelo agronegócio das áreas da União que integram terras tradicionalmente ocupadas, têm sido atualmente cenário da intensificação de conflitos ambientais e territoriais. Assim, os efeitos sociais e ambientais destes grandes empreendimentos nas áreas de proteção permanente do rio São Francisco, vem consolidando na região um quadro intenso de concentração de renda e de terra, degradação dos recursos hídricos e florestais e racismo ambiental.
A financeirização e o agronegócio no Brasil: grupos gestores de ‘Mega Farms’ operando em bolsa de valores
Autoria: Martin Mundo Neto, Wellington Afonso Desidério
Autoria:

A financeirização pode fornecer um quadro de análise das mudanças no âmbito de diferentes espaços e contextos econômicos. O surgimento de grupos empresariais operando ‘Mega Farms’ (um conjunto de fazendas cuja somatória das áreas pode ultrapassar meio milhão de hectares) tornou-se um dos temas da financeirização no agronegócio nacional e internacional, sendo debatido sob diferentes aspectos, seja como processo de transformação dos mercados de terra e da internacionalização da propriedade rural, seja como espaços de atuação de novos rentistas, ou ainda como processos de transformação das culturas rurais tradicionais e da forma de gestão de grandes áreas de terra ((HERMANS ET.AL. (2017); MAGNAN (2015); MAGNAN; SUNLEY (2017); e SAUER; LEITE (2012); FLEXOR; LEITE, (2017); GUNNOE (2014); (FICHTNER; HEEMSKERK; GARCIA-BERNADO (2017)). A partir da análise de um subconjunto de grupos que controlam ‘Mega Farms’ no Brasil e que, em algum momento da sua trajetória, abriram capital em Bolsa de Valores, o objetivo neste work foi procurar contribuir para a compreensão da financeirização analisando se as estratégias praticadas por este subconjunto de empresas estariam alinhadas a aquelas praticadas por grupos considerados protagonistas no processo de financeirização das economias, no capitalismo contemporâneo. Foi possível constatar semelhanças de estratégias entre os grupos que administram as ‘Mega Farms’, bem como identificar como este subconjunto particular de gestores estariam operando de forma análoga aos gestores de fundos de investimentos, considerados agentes emblemáticos nos processos de financeirização das economias (FROUD; WILLIAMS (2007), BURCH; LAWRENCE (2013), GRUN (2013), MUNDO NETO; SALTORATO (2017)). Entre os indicadores da financeirização encontrados nos casos analisados destacam-se: a presença de uma ou mais gestoras de fundos de investimentos entre seus principais acionistas; priorizar a distribuição de dividendos aos acionistas, ao invés de reter os lucros e reinvestir nas atividades produtivas; realizar programas de recompra de ações com objetivo de gerar valor para o acionista; adotar estratégia de crescimento sustentada por processos de fusões e aquisições; realizar aquisições e vendas de fazendas como forma alternativa de gerar receitas e introduzir eficiências operacionais nas empresas investidas (corte de fornecedores, foco em determinados produtos, terceirização).

Café Gourmet e os processos de internacionalização e elitização de cafeicultores de Minas Gerais
Autoria: Tailon Aparecido Gomes Garcia, Claudelir Corrêa Clemente
Autoria: Desde a última crise do café nos anos 90, os cafés especiais têm sido o baluarte da cafeicultura, seu consumo tem expandido cada vez mais, principalmente nos grandes mercados consumidores de café. O Brasil apresenta-se, como o maior produtor mundial da bebida e o segundo maior consumidor, a expansão desse tipo de cafeicultura é cada vez mais notável. Produtores de café de pequenas cidades interioranas viram seus negócios locais expandirem-se nos mercados internacionais e seus cuidados com a terra e seu saber-fazer, tornarem-se atributos de distinção agrícola. Um dos exemplos de sucesso é a cafeicultura da pequena cidade de Patrocínio no interior de Minas Gerais e ponto de partida desse work. Nos últimos anos, Patrocínio tem sido destaque no país e no exterior. Inclusive, virou manchete na grande imprensa nacional com a reportagem Café produzido em MG bate recorde de mais caro do mundo em leilão; quilo foi comprado por mais de R$ 915 – Saca do produto de fazenda em Patrocínio foi arrematada por R$ 55 mil.” . Seus cafés levam o nome da cidade e do país para os quatro cantos do planeta. Uma série de atributos fazem da região diferente da demais: clima, condições do solo, o conhecimento dos produtores. Os cafés da cidade foram considerados nos últimos anos como os melhores do país, tudo isso sobre a tutela da demarcação de origem da Região do Cerrado Mineiro. Atrelado ao sucesso do café, encontra-se seus produtores e produtoras que apesar de multifacetados, inclusive com a presença de pequenos produtores, a maioria são membros de famílias tidas como grandes empreendedoras rurais e com forte projeção social. O que se observa é que a internacionalização de seus cafés ampliou os poderes desses fazendeiros na cena internacional, reconfigurando o saber cultivar café assente nas praticas culturais agrícolas comunitárias em distintos cultivos adequados ao universo do café gourmet.Com base nestes aspectos, o presente work visa problematizar, a partir de descrição etnográfica o processo de elitização dos produtores patrocinenses no universo internacional dos cafés gourmet e as novas configurações culturais e simbólicas da vida social local observadas a partir da “glamourização” de seu café.
Comunidades Veredeiras do Norte de Minas: articulações políticas, processos territoriais e agrobiodiversidade
Autoria: Breno Trindade da Silva
Autoria: Nas últimas décadas, assiste-se no Brasil a movimentação de inúmeros grupos organizados em torno do reconhecimento de identidades específicas tendo uma agenda diversificada com inúmeras reivindicações, dentre elas, talvez a mais importante, o pleito territorial. Organizados em movimentos sociais, esses coletivos, a muito pesquisados por antropólogos, historiadores, sociólogos, inicialmente eram tratados a partir dos estudos do campesinato. Essa tradição de pesquisa possibilitou as primeiras bases para o entendimento do que recentemente passou-se a chamar Povos e Comunidades Tradicionais e até certa medida campesinato contemporâneo. Nesse sentido, a região Norte de Minas Gerais apresenta-se como quadro rico e complexo de agrupamentos socioculturais que a partir da mobilização política e acesso a dispositivos legais, vêm acionando diferentes categorias identitárias na busca de reconhecimento e ampliação de direitos sociais. Entre a diversidade desses grupos destacam-se indígenas do povo Xakriabá e Tuxá, cerca de 173 comunidades quilombolas, além de um número ainda desconhecido de geraizeiros, vazanteiros, catingueiros, veredeiros e apanhadores de flores, que passaram a se reconhecer como os Sete Povos do Norte de Minas Gerais. Historicamente a formação da região Norte mineira está vinculada à intensa ocupação indígena, bem como ao bandeirismo preador de índios e exterminador de quilombos e à marcha progressiva das fazendas nordestinas de gado pelo interior do país que datam do Século XVII. Todavia, a ocupação mais agressiva do cerrado mineiro se deu nos anos 1970, em pleno regime ditatorial militar, culminando na formação de grandes maciços de eucaliptos decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal via Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste para viabilizar a indústria siderúrgica mineira. De conformidade com as resoluções e leis aprovadas na época, esses projetos atingiram a quantia de um milhão cento e dezoito mil hectares de terras “devolutas”. Objetivo neste work entender como um conjunto de comunidades Veredeiras localizadas em Barra do Tamboril, 90 km do município de Januária, vêm articulando estratégias e alianças políticas regional e nacionalmente com objetivo de afirmação de sua identidade e defesa de seus territórios. Entre os inúmeros conflitos vivenciados estão o limite às áreas de uso comum e degradação das microbacias pelos maciços de eucalipto que acabam por secar as veredas, espaços fundamentais para a existência dessas comunidades. Entre as estratégias locais destaca-se o cultivo e troca de sementes crioulas na busca de manutenção da agrobiodiversidade face às monoculturas empresariais desenvolvidas na região.
Do pasto ao contrato: estatística e moralidade no mercado futuro de Boi Gordo
Autoria: Ricardo Luiz Cruz
Autoria: “Boi gordo” é o nome dado ao gado “pronto para o abate” (num frigorífico). Trata-se de uma das commodites agrícolas mais negociadas no país. A Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) – atual BM&FBovespa – passou a comercializar, em 1987, um “contrato futuro” de boi gordo enquanto uma forma de oferecer aos compradores e vendedores desse animal um instrumento de “proteção” contra as oscilações no seu preço. Cada contrato estabelece um acordo de compra e venda de 330 “arrobas líquidas” – algo em torno de 17 a 20 animais com peso individual variando entre 450 e 550 quilogramas. O preço do contrato é estabelecido durante a sua negociação, com o pagamento sendo realizado no que se convencionou chamar de seu “vencimento”. Mas, quando foi criado, o mercado futuro de boi gordo obrigava seus participantes que estavam “posicionados” como “compradores” do contrato a receber os animais e os “vendedores” a entregá-los, caso esses investidores ou “especuladores” não conseguissem se desfazer de seus contratos através da “liquidação por reversão de posição”. A possibilidade de uma “liquidação por entrega” passou a ser vista, pela BM&F, como o motivo principal desse mercado não atrair um número satisfatório de participantes. A solução encontrada pela bolsa foi a criação da “liquidação financeira” através do uso de um “indicador” do “preço médio” do boi gordo como referencial para o valor do animal. Esse indicador foi criado por meio de uma parceria entre a BM&F e um centro de pesquisas de uma universidade, responsável pela elaboração desse instrumento estatístico. Esta comunicação procura refletir sobre as imbricações entre a técnica e a moral, na “sociedade do agronegócio”, através de uma discussão – etnograficamente informada - a respeito das transformações nas formas de liquidação do contrato futuro de boi gordo. Trata-se de entender como os procedimentos estatísticos foram utilizados para representar o preço médio do boi gordo enquanto um “preço justo”. O que está reflexão revela é que essa representação (do preço médio como um preço justo) pressupõem a inserção da estatística enquanto um mediador legítimo das relações no mercado “físico” de boi gordo. Em outras palavras, a construção simbólica e social de uma “neutralidade” na forma de obtenção do preço (médio) do boi gordo se apoia na crença dos agentes do mercado físico de que os valores dos animais podem ser traduzidos numa dada linguagem estatística - daí o controle da dispersão dos preços do animal realizado com a introdução do indicador. Estatística e moral aparecem como sistemas simbólicos cujas imbricações constituiriam o sentimento de confiança mútua entre os agentes em mercados agrícolas de escala nacional.
Elites e ideologias coloniais: o caso dos "gaúchos" do Mato Grosso
Autoria: Luciana Schleder Almeida
Autoria: Nos anos 1990, “agribusiness” e/ou “agronegócio” entraram para o vocabulário das elites agrárias no Brasil como auto-referência, num esforço de modernização traduzida pela incorporação de uma atitude mais “empresarial” na atividade agrícola. A resposta dos movimentos sociais foi conferir carga crítica ao termo, do mesmo modo que ocorreu com “latifúndio” em momento anterior. No último quarto do século XX, o cultivo da soja vem desempenhando um papel estratégico no processo de consolidação de áreas identificadas com o “agronegócio” ou com o avanço da “agricultura moderna” no Brasil. Em certos casos, como no Mato Grosso, essa expansão ocorreu sobre áreas florestais de forma a repelir a população preestabelecida, deixando um conjunto de frentes coloniais que continuam avançando. Os colonos foram arregimentados no Sul do país, especialmente nas “áreas coloniais” que foram criadas no século XIX para receber imigrantes europeus – a maior parte oriunda dos atuais territórios da Alemanha e Itália. A política de colonização considerava que os descendentes de imigrantes eram os tipos sociais mais aptos para “desbravar” as paisagens e civilizar os costumes. Esse projeto busca na noção de ethos uma inspiração eminentemente etnográfica para descrever o estilo de vida e o perfil ideológico das comunidades que constituíram essas frentes de avanço do agronegócio no Cerradão Mato-grossense. Que ideário que está em jogo quando um empreendimento capitalista que envolve uma conquista territorial tipicamente colonial? A experiência "pioneira" dos colonos sulistas e os modos como são apresentadas tais narrativas permitem acessar alguns atributos etológicos dos "gaúchos" como são chamadas os protagonistas da empreitada. A metodologia de pesquisa será baseada na revisão bibliográfica e na análise de dados etnográficos já acumulados em incursões etnográficas à área de estudo. Os resultados almejados visam contribuir para o debate sobre a expansão do agronegócio, estabelecendo relações com estudos mais recentes sobre o tema.
Entre anjos e unicórnios: capital financeiro e tecnologia em startups do agronegócio no Brasil
Autoria: Ana Flavia Badue
Autoria: O chamado ecossistema de startups do agro é composto por investidores-anjo, investidores de venture capital, fazendeiros, agtechs e grandes corporações que desenvolvem tecnologia de ponta para a produção agropecuária no Brasil. Esses atores costumam trabalhar em rede, se encontrar em espaços de coworking e ambientes colaborativos, e participar de eventos, como demo days, pitch decks e feiras tecnológicas. Um dos grandes objetivos tanto das startups quanto dos investidores é encontrar unicórnios, empresas que começam como seeds e se destacam em curto prazo, gerando altíssimas receitas para investidores e lucro para as empresas. Na esteira de estudos antropológicos sobre elites, essa pesquisa analisa etnograficamente os encontros entre fazendeiros, startups, investidores e corporações, fazendo assim um mapeamento do ecossistema de inovação do agro. Busco entender e discutir como tecnologia, algoritmos, previsões temporais e manipulações estatísticas do agronegócio colocam em prática, possibilitam e atualizam o capitalismo na periferia, o agronegócio imperialista, e expandem a precarização do work. Além de discutir esses temas, lanço o desafio de desenvolver métodos etnográficos que deem conta de estudar elites e adentrar o mundo corporativo de forma ética e ao mesmo tempo crítica.
O Espírito do Agronegócio
Autoria: Caio Pompeia Ribeiro Neto
Autoria: Originando-se de minha tese de doutorado, esta proposta de apresentação trata do espírito do agronegócio, caracterizado por uma matriz de concepções que contribuem para justificar os agentes políticos do agribusiness no Brasil e, por desdobramento, aumentar a eficácia de seus pleitos em relação ao Estado. Na construção e consolidação daquelas concepções, tem sido essencial a mobilização, por esses agentes, de uma narrativa legitimadora baseada em estatísticas macroeconômicas, em ideias-força e em imagens que simbolizam essas ideias. Dentre as fontes utilizadas para analisar essa narrativa, destacam-se duas dezenas e meia de entrevistas com atores destacados do agronegócio – dentre uma ex-presidente da República, ex-ministros, ex-presidentes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, presidentes das entidades representativas das cadeias produtivas e agentes das corporações –, o work de campo em organizações como o Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e a Associação Brasileira do Agronegócio e a investigação de documentos reivindicatórios dos agentes do agribusiness. Teoricamente, a pesquisa fundamenta-se em obras da sociologia pragmática que abordam as lógicas de justificação em controvérsias públicas. Os resultados do work estão focados em duas direções fundamentais: de um lado, nos modos como o referido espírito contribui para atribuir legitimidade e eficácia aos agentes políticos do agronegócio em suas relações com a opinião pública e o Estado; doutro lado, nas inconsistências técnicas da narrativa que sustenta esse mesmo espírito.
Os pés, a solta, a cerca e o gado: transformações na paisagem da beira do rio
Autoria: Izadora Pereira Acypreste
Autoria: Devido a uma série de recentes ataques aos direitos dos coletivos que habitam o universo rural na região do Norte de Minas Gerais, especialmente aqueles oriundos de setores do agronegócio, tal como a transmissão de uma reportagem intitulada “Grupos destroem vegetação perto do rio São Francisco”, exibida por um canal da TV aberta no mês de julho de 2018, a qual atribui aos “quilombolas, ribeirinhos, pescadores e integrantes do movimento Sem Terra” a responsabilidade pela atual degradação do rio e de suas margens, neste work procuro apresentar algumas reflexões da pesquisa que venho desenvolvendo junto a coletivos de pescadores, vazanteiros e quilombolas que vivem nas porções inundáveis da margem esquerda do São Francisco, no município de Januária (MG). Ao contrário dos argumentos utilizados na reportagem transmitida pela emissora, pretendo descrever como, de diversas maneiras, os coletivos da beira do rio têm resistido às transformações causadas pela implementação das grandes fazendas em seus territórios. Para tanto, tomarei como foco de análise a relação dos meus interlocutores com as plantas, o gado e as águas. A etnografia realizada até o momento permite dizer que os pescadores, vazanteiros e quilombolas percebem de forma muito apurada e produzem conhecimentos profundos sobre as mudanças do tempo, observam os gostos e os comportamentos das plantas, dos bichos, das pessoas e estabelecem com estes outros seres uma infinidade de práticas e relações que são constituídas e que constituem seus modos de vida e também o que entendemos como seus territórios.