Cinque Terre
GT 035. Etnografia em novos contextos de produção de coletivos indígenas e quilombolas
Levi Marques Pereira (Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD) - Coordenador/a, Sandro José da Silva (UFES) - Coordenador/a, Sonia Regina Lourenço (Universidade Federal de Mato Grosso) - Debatedor/a, Leif Ericksson Nunes Grunewald (UFGD) - Debatedor/a
O GT pretende reunir trabalhos de pesquisadores sobre os contextos de produção de coletivos indígenas e quilombolas que contribuam para a discussão de temas como as práticas sociais e os modos de existir aí instituídos, as conexões com o movimento indígena, indigenista e quilombola, bem como as negociações com o Estado dentre outras instituições. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 2010) mais de um terço da população indígena vive em espaços urbanos, em espaços conhecidos como aldeias urbanas ou como simples moradores da cidade. Outra parte dos indígenas vive em áreas rurais não regularizadas pelo Estado como Terras Indígenas, em acampamentos em margem de rodovias, ou mesmo em áreas tituladas por particulares. Tem-se assim, uma gama variada de contextos e situações nas quais realizam suas formas de existir e que recusam critério exteriores a estes coletivos, como o “marco temporal”. O fenômeno das “retomadas” indígenas e quilombolas, em suas múltiplas implicações e significações, aponta para a movimentação política de recuperação de terras expropriadas, mas também expressa mudanças de postura frente ao Estado e a sociedade nacional, envolvendo processos intrinsecamente conectados com o reposicionamento do próprio coletivo em relação às suas formas de expressão e práticas culturais. O GT pretende reunir pesquisadores do campo da etnologia indígena e/ou comunidades quilombolas que tragam contribuição para esse debate.
Resumos submetidos
A "Re-existência" Quilombola da Serra do Evaristo/CE.
Autoria: Cauê Fraga Machado
Autoria: Essa comunicação busca aprofundar a noção de “raça/cor quilombola” no Quilombo da Serra do Evaristo/CE. Durante meu work de campo, entre os anos de 2013 e 2017, pude ouvir sobre o “ser quilombola” enquanto uma questão racial e territorial, ligada à ecológica local. Trata-se, do que chamam de “a qualidade do povo daqui”, a “cor escura”, “o negro”, “o índio”, “o tradicional” e, portanto, da “raça/cor quilombola”. Essas formulações nativas sobre uma existência racializada e territorializada comparo aos works sobre os “efeitos incorporados de raça” em Wade (2002) e Anjos (2017). A ecológica do Evaristo incorporada nos organismos-ambientes contraefetua noções "do tipo clichê" sobre quilombos contemporâneos, sejam elas formuladas pelo Estado, pela antropologia ou por diferentes movimentações negras. Nesse sentido, o conceito de “re-existir quilombola” vem se mostrando o mais profícuo para traduzir a experiência dos habitantes do Evaristo em um mundo no qual o “ser quilombola” estava “adormecido” e “reacendeu” na luta política. Essa quantidade de conceitos êmicos e éticos visa descrever a complexidade da vida e dos reclames desse coletivo.
A fragmentação de aldeias e o reordenamento espacial entre os Macuxi. Modos de ocupação de território
Autoria: Antonio Weliton Simao de Melo
Autoria: Os estudos histórico-antropológicos da Guiana brasileira relatam como prática recorrente entre os indígenas Macuxi, a fragmentação ou divisão da aldeia ou comunidade na expressividade regional, a partir da concentração de uma considerada população em um mesmo espaço. No entanto, não é possível precisar as dimensões populacionais de uma comunidade que justifique a sua fragmentação, pois envolve uma série de critérios e implica em basicamente dois modos de fragmentação. No primeiro, os membros da comunidade dissidente se retiram para outro lugar, criando a nova aglomeração, com uma estrutura administrativa interna própria, enquanto no segundo modelo a fragmentação se dar na fissão da comunidade, ou seja, a comunidade é dividida, limites são estabelecidos ou reconhecidos, sendo que cada uma das comunidades tanto antiga quanto a nova será renomeada de acordo ao critério de auto identificação própria, que pode ser outro nome ou acrescentam um numeral sequencial. Nesta comunicação pretendemos trazer a discussão destes modelos de reordenamento político espacial/territorial praticado pelos Macuxi, dentro da perspectiva de produção e ao mesmo tempo de reprodução de coletividades indígenas. Apresentaremos alguns exemplos desta prática, como que se instituíram a partir de divergências oriundas da política indigenista, alianças políticas regionais bem como adesão a denominações religiosas distintas entre outros motivos.
A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO: Desrespeito ao Oguatá dos Povos Tradicionais na Fronteira Brasil/Paraguai
Autoria: Marco Antônio Rodrigues, Andréa Lúcia Cavararo Rodrigues Antonio Hilario Aguilera Urquiza
Autoria: O presente work é fruto de pesquisa em andamento, tendo por objetivo analisar a dinâmica da mobilidade espacial dos Kaiowá/Paĩ Tavyterã localizados na região de fronteira Brasil/Paraguai. O povo Kaiowá/Paĩ Tavyterã possui processo próprio de ocupação de um território tradicional no qual ocorrem estes deslocamentos e é nele que as comunidades estabelecem suas redes sociais pautadas pelas relações de parentesco e afinidades. A análise histórica, antropológica e jurídica do alcance do Direito Consuetudinário é importante para que se possa compreender a limitação do Oguatá a partir da formação dos Estados Nacionais, marcando o desrespeito ao direito de ir e vir desses povos tradicionais. A mensagem de veto nº 163/2017 atingiu os indígenas ao longo da fronteira Brasil/Paraguai, restringindo a sua mobilidade. A pesquisa tem como foco principal a mobilidade entre a aldeia Campestre, localizada no município de Antônio João, Estado de Mato Grosso do Sul/BR, e a aldeia Pysyry, localizada no Departamento de Amambay, Distrito de Pedro Juan Caballero/PY. A base metodológica é própria dos estudos antropológicos, fazendo uma interface com o Direito, além da pesquisa bibliográfica, com preferência pelo work de campo. Com os vetos à nova Lei de Migrante, conclui-se que a população indígena de fronteira experimenta mais uma imposição do Estado, que não reconhece os “direitos originários”, anteriores à criação do próprio Estado.
A vida fora da aldeia: indígenas Xakriabá moradores da cidade de São João das Missões
Autoria: Lucília da Glória Alves Dias
Autoria: Habitantes do município de São João das Missões, norte de Minas Gerais, região do Alto-Médio-São Francisco, os Xakriabá, que se autodenominam Huminixã, estão entre as 20 etnias mais populosas do Brasil, conforme o Censo do IBGE (2010), totalizando 9.921 pessoas, sendo que 7.760 Xakriabá vivem na Terra Indígena Xacriabá (6.978 pessoas) e na Terra Indígena Xakriabá-Rancharia (827 pessoas) e 2.161 fora de Terra Indígena. O foco da presente proposta de work são histórias de vida de Xakriabás que moram na cidade de São João das Missões. Durante minhas andanças no norte de Minas Gerais e meu work de campo na Aldeia Barreiro Preto, localizada na Terra Indígena Xacriabá, percebi que das 11.715 pessoas residentes na cidade de Missões muitos delas nasceram em aldeias dessa terra indígena. Movidas por diferentes motivos essas pessoas deixaram a vida na aldeia, perto dos parentes, algo importante para os Xakriabá, para viver na cidade. Desse modo, o que proponho aqui é fazer uma leitura de relatos de vida e de situações que presenciei e estou presenciando em meu work de campo procurando refletir sobre relações de parentesco entre esses indígenas moradores da cidade de São João das Missões e aqueles que moram dentro da Terra Indígena Xacriabá. Para essa reflexão me basearei nos works de Peter Gow (1991), Cristiane Lasmar (2005), Aparecida Vilaça (2001, 2006), Viveiros de Castro (2002), e em autores que apresentaram informações sobre parentesco entre os Xakriabá, como Santos (1997) e Costa Santos (2010).
Andanças sobre os Direitos Quilombolas: Mobilizações e Narrativas
Autoria: Barbara Oliveira Souza
Autoria: A luta pela garantia dos direitos quilombolas é histórica e política. O presente work tem como objetivo abordar algumas das mobilizações vivenciadas na luta pelo direito à terra das comunidades quilombolas desde o processo da Assembleia Constituinte, até a conclusão do julgamento que questionava a constitucionalidade de um dos instrumentos de regulamentação do Artigo 68 do ADCT da Constituição Federal, que é o Decreto 4887/2003. Visa refletir, também, sobre a forma como esse tema adentrou o espaço público brasileiro no processo constituinte (1987-1988) e perpassou por instrumentos de regulamentação e formas de implementação desse direito pós Constituição de 1988.
As retomadas Kaiowa e a atualização de modos de viver localizados nos territórios tradicionais
Autoria: Aline Castilho Crespe Lutti, Levi Marques Pereira
Autoria: O objetivo deste work é apresentar algumas reflexões acerca do processo de recuperação territorial empreendido pelos Kaiowa no sul do estado de Mato Grosso do Sul. A retomada do território que identificam como terra tradicional aparece como um esforço de reorganizar a vida, impactada pela implementação das reservas. Criadas pelo Serviço de Proteção aos Índios, entre os anos de 1915 e 1928, as reservas não tinham espaço suficiente para a reprodução de seus modos de viver e impactou drasticamente a autonomia das famílias. Além disso, a remoção para as reservas fragmentou as redes de parentesco e sobrepôs etnias e grupos políticos não convergentes. Neste sentido, compreendemos as retomadas como uma recusa à vida na reserva e uma tentativa de reorganizar antigos modos de viver. No work procuramos apresentar o duplo movimento investido na retomada: a recuperação da terra (yvy) e do sistema (ava reko), que se encontra sufocado na reserva. Este duplo movimento articula espaço e tempo. Recuperar o território implica em atualizar o tempo ou modos de fazer que está localizado no passado. O tempo antigo (yma guare) aparece na retomada como matriz da temporalidade. A vida no território foi possível pelas gerações passadas, portanto está no passado, mas num passado que pode/deve ser atualizado, como esforço de superar os impasses do presente.
Crody, nhinhó, xanduka e pauy: um relatório de viagem à Terra Indígena Kariri-Xokó
Autoria: Lucas Barbosa Carvalho
Autoria: Trata-se de uma etnografia em percurso, um estudo de caso no qual procuro apresentar o histórico fundiário da Terra Indígena (T.I.) Kariri-Xokó de forma sumária, dados etnográficos acerca da ‘tribo’ Kariri-Xokó e uma breve explanação sobre as noções kariri-xokó de crody, nhinhó, xanduka e pauy. De modo geral, defendo o argumento de que a mobilização do objeto xanduka (cachimbo) é fundamental para uma melhor compreensão da conexão existente entre a rede de parentesco kariri-xokó e a memória dos conflitos contra fazendeiros e posseiros na região Retomada. Neste sentido, sugiro que a memória dos conflitos implica na configuração de um código de diferenciação potencial da pessoa indígena mobilizado pelas variações de xanduka, o uso da substância nhinnhó (tabaco) e a concepção kariri-xokó de crody (força).
É possível administrar a diferença? Os limites da gestão territorial de Terras Indígenas no embate político do Comitê Gestor da PNGATI.
Autoria: Rodrigo Augusto Lima de Medeiros
Autoria: O objetivo deste comunicado é refletir sobre o processo decisório de uma política pública que pretende incluir perspectivas indígenas no financiamento de ações para a gestão de seus territórios. Pretendemos, neste artigo, apresentar quadro geral dos limites de uma ação governamental incorporar efetivamente a agenda da diversidade ética e da multiplicidade de territorialidades. A tentativa de homogeneizar instrumentos de gestão territorial por meio da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental (PNGATI – Decreto 7.740/2012) esbarra na diversidade étnico-territorial dos povos indígenas. Apesar das virtudes da PNGATI enquanto legislação instituidora de instrumentos técnico-burocráticos híbridos que procuram orientar ações do poder público federal desde o protagonismo indígena, analisaremos os limites de entendimentos entre os atores do Comitê Gestor da PNGATI (CG PNGATI). Intencionamos estabelecer referências analíticas para compreender os limites teóricos e operacionais da “administração das diferenças” que, em última instância, é tentando inconscientemente nos espaços de participação (governança e controle social) da referida política pública. Assim, pretendemos analisar as pautas, as discussões, as deliberações e os encaminhamentos realizados no CG PNGATI que está em operação desde outubro de 2013, a fim de decifrar os embates entre a bancada indígena e a bancada de governo. A composição do CGPNGATI é paritária. O movimento indígena é representado por titular e suplente das seguintes organizações: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME); Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL); Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE); Conselho de Articulação dos Povos Indígenas do MS. O Governo Federal é representado pelos seguintes órgãos: Fundação Nacional do Índio (Funai); Ministério da Justiça (MJ); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); Ministério da Saúde (MS); e a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD). Procurar-se-á analisar de que modo práticas narrativas que fazem uso de categorias homogeneizantes procuram legitimar ações estatais, transformando identidades territoriais em prol de macronarrativas estatais. Os diálogos no CG PNGATI revelam embates políticos que apontam para os limites do Estado. A gramática do contato entre o movimento indígena e os órgãos de governo desvelam a dificuldade de apropriação da multiplicidade territorial dos povos indígenas nas dinâmicas de financiamento da política pública.
Entre o "chamado de sangue" e a "sina": elementos para a análise do "retorno dos parentes" entre os Tupinambá da aldeia Serra do Padeiro
Autoria: Daniela Fernandes Alarcon
Autoria: Na aldeia Serra do Padeiro, situada na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, sul da Bahia, observa-se um vigoroso processo de recuperação territorial, assentado nas retomadas de terras. Principal estratégia de intervenção política do grupo, a recuperação de fazendas detidas por não índios teve início em 2004 e foi intensificada em 2013, totalizando-se hoje cerca de 90 áreas em posse dos indígenas, as quais se somam aos sítios que eles lograram conservar ao longo do tempo. Note-se que a realização de retomadas ocorre em paralelo ao procedimento administrativo de demarcação da terra indígena, também iniciado em 2004 e ainda não concluído. Uma dimensão importante do processo de recuperação territorial é o "retorno dos parentes", isto é, a extensa mobilização de indígenas expropriados, vivendo em fazendas, cidades ou em outros contextos, para que regressem ao território e se engajem nas retomadas de terras. Na Serra do Padeiro, tem-se registrado um expressivo retorno, fenômeno disseminado entre todas as famílias extensas que compõem a aldeia, conforme verifiquei ao realizar um censo em 2016. Para dar mostra do impacto do processo de retorno, pode-se citar o caso de uma família extensa, que, em 2004, contava 12 membros vivendo na aldeia e, em 2016, somava 72. Nesta comunicação, assentada em dados etnográficos obtidos sobretudo em 2016 e 2017, mas também oriundos de etapas anteriores de campo que remontam a 2010, apresentarei informações qualitativas e quantitativas em torno do fenômeno do retorno dos parentes. Buscarei descrever e analisar as principais estratégias e âmbitos de mobilização, as condições para a efetivação dos retornos, e o elenco de causas apresentadas pelos indígenas para explicar seus regressos, em que se destacam, ao lado de razões contingenciais, as noções de "chamado de sangue" e "sina", esta última, atrelada aos encantados, entidades centrais na cosmologia do grupo.
No futuro será quilombola: etnografia multisituada sobre reconhecimento e consideração em torno da saúde no Alto Trombetas.
Autoria: Juliana Cardoso Fidelis
Autoria: Esta pesquisa busca analisar etnograficamente aspectos das estratégias de acesso a serviços de saúde originalmente reservados a funcionários da Mineração Rio do Norte, tal qual elas vem sendo apresentadas por oito comunidades remanescentes de quilombos em Trombetas (Oriximiná/PA). Trata-se, na verdade, da demanda por reconhecimento e consideração enquanto sujeitos morais e de direitos forjada pelos quilombolas residentes no Território Alto Trombetas II, os quais, organizados, negociam junto a MRN acesso à medicina convencional/hegemônica. Nesse contexto, considerando a insuficiência de serviços públicos prestados em diversos segmentos no território, bem como as transformações do “modelo de saúde tradicional” operante com base em conhecimentos repassados ao longo de gerações e acionados nas comunidades, pretende-se apresentar reflexões acerca das condições de acesso aos serviços biomédicos, de como elas são experimentadas pelas populações e tratadas nos debates/discursos relacionados à empresa mineradora. Dessa maneira, partimos da hipótese de que a liberação e as condições de acesso a esses serviços se constitui como uma questão moral de consideração, pautada no desenvolvimento de uma noção de “saúde diferenciada”, que os considere e que os possibilite perceber estima social, como sujeitos morais e de direitos. A pesquisa se desenvolve por meio de work etnográfico que mescla metodologicamente abordagens situacionais e multisituadas, ou seja, aquelas que privilegiam tanto a interação direta de agentes em espaços multivocais ou espaços rituais, quanto àquelas que seguem as relações fundamentais com base nos discursos emergentes que compõem campos de negociação e entendimentos sobre saúde e reconhecimento.
O sonho da terra: crônicas na territorialidade Avá e Guarani nas linhas do habitar
Autoria: Renan Pinna Nascimento
Autoria: O debate da territorialidade guarani no Oeste do Paraná passa por um embate identitário produto de marcos identitários e territoriais engendrados pela Itaipu Binacional e pelo Estado. De um lado estão os "índios de Guaíra" que nos últimos dez anos retomaram mais de 10 territórios tradicionais na região. De outro lado estão os "índios de Itaipu" que são os Avá-Guarani que fazem parte do processo de "compensação" de terras que a Itaipu reconheceu danos a partir do alagamento da antiga aldeia de Jacutinga. Esses marcos identitários carregam em si diferentes atributos de presença tradicional no território guarani no Oeste do Paraná. Sendo que, os "índios de Guaíra" não são reconhecidos como índios Avá-Guarani e são tidos pela Itaipu Binacional como índios que vieram do Mato Grosso do Sul e do Paraguai, e que nunca habitaram a região. Portanto, não foram se quer afetados pela construção da hidrelétrica de Itaipu, interpretação que passa ainda pela afirmação que a cidade de Guaíra não foi atingida pelo alagamento. Por outro lado, os "índios de Itaipu" são aqueles que fazem parte do Programa Água Boa, e que foram compensados pela compra de três áreas de terras reservadas ao uso exclusivo dos indígenas, conhecidas como "reservas de Itaipu". Com isso, o processo histórico de recuperação de terras tradicionais no Oeste do Paraná, na maioria das vezes, desde os anos 80, passou pela ocupação de áreas que eram reservadas a Itaipu como área de proteção ambiental. Com as retomadas no extremo oeste do estado do Paraná, se consolidou dois tipos de táticas guarani, que estão posicionados frente a reivindicação de terras perante instituições distintas. Os Avá-Guarani do rio acima, na região de Guaíra, buscam pela retomada de terras um processo de reivindicação de demarcação de terras frente ao Estado, e de outro lado, estão os que buscam pela ocupação de terras reservadas as áreas de proteção permanente da Itaipu, o modo de reivindicação de terras frente a Itaipu e ao Governo do Estado, como modo de compensação ás áreas indígenas afogadas pelo alagamento do lago de Itaipu com a construção da hidrelétrica nos anos 80. Nesse sentido, o habitar e as relações entre os Avá e Guarani do rio acima e do rio abaixo, revelam distintas estratégias de reivindicação do território, e com isso uma conexão entre os que estão rio acima e rio abaixo que sempre existiu, ainda que isso seja negado por fontes institucionais. Nesse work, pretendo abordar essas questões, de como as retomadas e as ocupações se configuram ambas, como formas sociais de habitar o mundo segundo entendimentos complementares, e como essas reivindicações não são somente uma forma de garantir um documento frente a Itaipu Binacional ou ao Estado nacional, mas para além disso, como modo de "territorializar" a vida.
Os Avá Guarani de Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu e a questão do desenvolvimento: conversas que atravessam e pacificam a invenção branca de desenvolvimento.
Autoria: Yan Leite Chaparro, Eliezer Martins Rodrigues Joaquim Adiala Hara Josemar de Campos Maciel
Autoria: O presente artigo é parte do processo pesquisa de doutorado em desenvolvimento local intitulada “O mundo e fim do mundo: palavras de rezadores e guerreiros Avá Guarani sobre o desenvolvimento”. Parte que busca apresentar uma conversa entre dois pesquisadores indígenas (Avá Guarani) do território Porto Lindo (Jakarey) Yvy Katu e dois pesquisadores não-indígenas que trabalham no campo de estudos críticos do desenvolvimento. Conversa que se formaliza em texto e busca, ainda que minimamente, explicitar e refletir sobre o amplo fenômeno (histórico, politico, cosmológico e social) que envolve a questão do desenvolvimento e os Avá Guarani que vivem na fronteira do Brasil com o Paraguai. Fenômeno que entre conversas, e a partir das palavras de dois pesquisadores Avá Guarani, exige o exercício em abrir um campo de pesquisa onde a invenção branca de desenvolvimento é colocada no centro da história e do cotidiano atual dos Avá Guarani. Hoje, esses indígenas produzem espaços dentro de espaços brancos, como a escola, o posto de saúde e a Secretaria de Assistência Social em seu território. A produção desses espaços é tecida por mecanismo de alteridade (cosmológico, politico e social) para atravessar a invenção branca de desenvolvimento e pacifica-la, ou mesmo, transforma-la em um outro do outro. Deste modo, buscamos aqui rascunhar a ação histórica Avá Guarani mediante a apresentação das palavras de dois pesquisadores Avá Guarani e de dois pesquisadores não-indígenas tecidas a partir de conversas e reflexões sobre a questão desenvolvimento. Esse encontro reflexivo textual revela noções próprias de desenvolvimento Avá Guarani, e traz críticas voltadas ao desenvolvimento do branco. Mostra ainda as relações que eles constroem com objetos da invenção branca de desenvolvimento, neste caso, a Secretaria de Assistência Social do município de Japorã/MS, onde um dos pesquisadores indígenas cujas palavras foram aqui transcritas hoje desempenha o papel de Secretário.
Os cuidados das mulheres Kaiowá durante o parto e pós- parto.
Autoria: Lucia Pereira
Autoria: Os cuidados das mulheres kaiowá durante o parto. Pereira Lucia Pereira Levi Resumo: a pratica do parto tradicional ainda é muito presente no cotidiano das mulheres kaiowá. Os cuidados acontecem desde o início da geração, sempre acompanhados pelas ervas medicinais, trazido do campo e do brejo, nesse meio existem também ñembo’e, rezas para a criança nascer rápido. Essa cultura de cuidado se mantem viva durante a gravides e parto, os cuidados são realizados pelas mais velhas, que são chamadas de jari. As mulheres mais velhas compartilham seus saberes sobre os cuidados que fazem, indicam ervas medicinais, e também fazem as massagens para as gestantes. Atualmente o sistema de saúde não indígena também atua nas reservas e comunidades. É realizado por profissionais da saúde indígenas e não indígenas, ligados a Secretaria Especial da Saúde Indígena - SESAI, que presta cuidados entre os kaiowá de Amambai. Nesse encontro entre dois sistemas ocorrem muitas intrigas e competições, de um lado tenta-se manter o parto em casa, de outro, tenta-se realiza-lo no hospital. Mas é importante ressaltar que alguns dos profissionais se deslocam ate a reserva para conhecer os cuidados que as mulheres realizam. O presente work visa mostrar a realidade que as mulheres parteiras enfrentam no dia a dia quando se esforçam para realizar os cuidados com o parto, os works dessas mulheres ainda não são reconhecidos, embora as mulheres kaiowá sempre tiveram o parto em casa, pois as jari realizavam o cuidado, mas depois tudo mudou, as políticas de saúde para os kaiowá transferiu o cuidado para o sistema público, desde então as mulheres vem realizando seu work às escondidas, portanto almejo abordar esse assunto nesse work, explicitando os desafios e estratégias das mulheres kaiowá para seguirem realizando os cuidados com o parto.
Os giros e a terra: Reflexões etnográficas sobre território e movimento entre quilombolas mineiros
Autoria: Yara de Cássia Alves
Autoria: Esta proposta tem como objetivo debater as perspectivas existenciais e territoriais dos moradores de quatro comunidades quilombolas vizinhas, situadas na zona rural de Minas Novas, Vale do Jequitinhonha- MG. Essas comunidades compõem a Associação Quilombola dos Moradores e Produtores Rurais de Macuco, Mata Dois, Pinheiro e Gravatá (APROMPIG), certificada pela Fundação Cultural Palmares desde 2005. Apartados de conflitos fundiários, os moradores da região decidiram por não solicitar a demarcação de suas terras junto ao INCRA, o que gerou uma série de debates sobre a valorização do modo tradicional de gestão de seus territórios. Ao longo da minha pesquisa de doutorado, tenho me empenhado em compreender como essa inserção no movimento quilombola fez com que produzissem reflexões e narrativas sobre o uso territorial, as quais ultrapassam os debates acerca da demarcação/titulação, tal como colocado pelo Estado. Partindo de uma perspectiva dinâmica, eles entendem que "o mundo gira, gera e mexe, está tudo mexendo" e todas as formas de limitar os movimentos podem ser redutoras e perigosas. O objetivo central desta proposta é refletir etnograficamente a relação entre o uso territorial e diversas formas de movimento que compõem as perspectivas existenciais desses quilombolas e criam maneiras peculiares de fazer política. Assim, gostaria de apresentar a) uma teoria local sobre a relação desejável entre o Estado e a vida cotidiana, que é baseada em uma concepção mais ampla da necessidade de movimento, algo que nos permite tencionar b) a permanência na terra e os vários deslocamentos que são produtores desse modo de existência ideal/estimado. Nesse sentido, podemos compreender c) como a associação se coloca politicamente, para além de uma luta pela titulação territorial, experimentando o movimento quilombola a partir das mobilidades e expansões que propicia, pela valorização das viagens e diversos tipos de eventos nos quais se engajam. É nas redes que criam com outros quilombolas, indígenas, assentados e demais parceiros que se fortalecem e dão relevo às experiências políticas da associação, que vivem giros nos corpos e significam as relações em suas terras.
Produção do espaço em áreas de recuperação de posse pelos indígenas Avá-Guarani (Guaíra e Terra Roxa-PR)
Autoria: Diogo de Oliveira
Autoria: O presente work tem o objetivo de apresentar o contexto de recuperação de posse sobre as terras empreendido pelos indígenas Avá-Guarani nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no estado do Paraná. O processo de reocupação territorial empreendido pelos indígenas sobre as terras pertencentes à sua memória coletiva implica em uma alteração da paisagem ocupada prioritariamente pela agricultura voltada ao mercado de commodities do agronegócio, transformando o espaço em um ambiente que possibilita aos indígenas a experiência de viverem conforme a maneira que entendem ser os seus próprios costumes e tradições, o ava reko. Desta forma, o uso e a ocupação indígena da terra produz uma forma de propriedade intelectual e e comum do espaço que se configura profundamente contrastante com o sentido moderno da propriedade privada no âmbito das ciências jurídicas. Portanto, o sentido de pertencimento à terra praticado e experienciado pelos Avá-Guarani opera em um sentido mais próximo da concepção filosófica de propriedade do que aquela por vezes reivindicadas por grupos políticos e econômicos que detém títulos sobre as terras ocupadas pelos indígenas, que obedecem a lógica da propriedade privada e do capital financeiro internacional, sem um vínculo direto e sólido com o espaço de vida propriamente dito.
Terra entre sentidos. Reflexões a partir das retomadas Guarani e Kaiowá em Dourados - MS.
Autoria: Elis Fernanda Corrado
Autoria: O estado do Mato Grosso do Sul concentra a terceira maior população indígena do país. Grande parte dessa população vive no sul do estado em pequenas terras indígenas, conhecidas pelos índios e pela população local como reservas. Porém, desde 1980 famílias Guarani e Kaiowá passaram a reivindicar o direito de viver nos territórios dos quais foram expulsos e passam a organizar sua luta por meio de retomadas das suas terras, reconhecidas como de ocupação tradicional (tekoha), com a finalidade de reivindicar novas demarcações por parte do Estado brasileiro. O objetivo deste work é refletir os sentidos de ‘terra’ mobilizados por esses povos nas áreas de retomadas e como esta noção se defronta com as noções de terra do Estado, do agronegócio e do setor imobiliário, que também disputam a apropriação destes territórios tradicionais. A questão colocada é que não apenas terra, mas, seus sentidos também estão em disputas. Nessa perspectiva, o foco desse work é refletir que, embora as pessoas e grupos tenham em comum o mesmo referente, a terra, não se utilizam de uma mesma linguagem para expressar os seus sentidos, sentidos esses que também são distintos. Para tanto, ao abordar o caso do crescimento urbano e da especulação imobiliária sobre as áreas de reivindicação indígenas em Dourados - MS, e através de um debate teórico, procura-se refletir sobre a polissemia da categoria terra, seus diferentes sentidos e significados, discutindo também, a necessidade de olhar a terra além da ideia de propriedade privada.