Cinque Terre
GT 033. Estudos em contextos africanos: desafios, limites e perspectivas
Andréa de Souza Lobo (Universidade de Brasília) - Coordenador/a, Josué Tomasini Castro (Universidade de Campinas) - Coordenador/a
O emergente campo da Antropologia da África a partir do Brasil tem, nos últimos anos, atraído um conjunto de pesquisadores e questões que se manifestam em projetos de pesquisa, publicações e seminários que começam a gerar um acúmulo de reflexões sobre o continente. A diversidade temática e geográfica é relativamente ampla, embora haja uma concentração de estudos nos e sobre os PALOP. Tal cenário torna cada vez mais premente a importância de um diálogo qualificado sobre perspectivas, oportunidades, limites e desafios de um campo que passa a tomar expressão na antropologia feita no Brasil. O GT que propomos tem por objetivo reunir diferentes trabalhos desenvolvidos em contextos africanos promovendo a continuidade de um diálogo qualificado sobre pesquisas etnográficas realizadas no e sobre o continente. Com esse objetivo, convidamos pesquisadores que abordem temáticas diversas, tais como o desenvolvimento; a cooperação internacional; fluxos locais, regionais ou globais; dinâmicas familiares e de parentesco; mobilidade e dinâmica social; gênero e sexualidade; relações sul-sul; cultura popular; concepções de cidadania, dos direitos, do Estado; dentre demais questões que, ao perpassarem os interesses de antropólogos brasileiros, respondam aos inúmeros desafios da pesquisa sobre e em contextos africanos.
Resumos submetidos
"Por que cantam as balas?" Violência política, revolta antissistêmica e o colapso do "liberalismo progressista": uma perspectiva sul-africana
Autoria: Diego Ferreira Marques
Autoria: No curso da última década, poucos fenômenos políticos parecem ter tido tanta ressonância no cenário global quanto a efervescência de múltiplos movimentos de revolta antissistêmica. Atingindo tanto o hemisfério Norte, quanto o assim chamado "sul global" e envolvendo, em linhas gerais, formas particulares de "desconfiança" em relação aos mecanismos de representação política (notadamente o que se tem percebido como uma crise da "democracia"), esses movimentos parecem igualmente calcados em uma rejeição da agenda de reformas liberalizantes (e sua contrapartida em forma de políticas de "reconhecimento" e "reparação") que hegemonizou o sistema de Estados-nacionais ao longo das décadas de 1990 e 2000, tal como destacado por pensadores de diferentes tendências, como Nancy Fraser ou Jacques Rancière, apenas para citar alguns exemplos. O objetivo desse artigo é oferecer uma perspectiva particular que contribua com o debate acerca de tais movimentos, a partir da experiência sul-africana recente. Isto porque se, com efeito, os fenômenos aludidos parecem participar de uma escalada global, suas multifacetadas manifestações e as lógicas diversificadas de que se revestem parecem ser absolutamente particulares em cada caso. Assim, pretende-se tomar a trajetória de Julius Malema e da constituição de seu partido, EFF (Economic Freedom Fighters), calcada em boa medida na mobilização de sentimentos de descontentamento com os limites das políticas de redistribuição, inclusão e reparação econômica na África do Sul pós-apartheid, a fim de discutir não apenas dinâmicas sociais e histórias locais que emolduram o aparecimento de tais movimentos em contextos como o da África austral, mas também participar de um debate geral acerca de que variadas concepções de político/política estão envolvidas nesse tipo de insurgência e que relações possíveis podemos estabelecer entre uma economia particular de afetos, histórica e culturalmente modulada, e as formas que essas contestações assumem, notadamente em suas variantes mais caracteristicamente marcadas pela violência.
"Se eu não salvasse essa música ninguém mais o faria": representações de alteridade e projetos de memória nos discursos sobre África entre colecionadores de música africana contemporânea
Autoria: Renato de Lyra Lemos
Autoria: Assim como todo produto cultural a produção musical está exposta a ciclos de consumo, que se modificam dependendo dos interesses do mercado e do público. Os colecionadores de música são importantes participantes desses ciclos, mantendo ou formando suas coleções nos interregnos desses. Com os discos de artistas africanos isso não foi diferente, o que se modifica são os discursos sobre, visto que muitos colecionadores, especialmente europeus e estadunidenses, fizeram proveito da mudança de ciclo para construírem um pretenso discurso de desinteresse dos “africanos” pela música produzida no continente entre as décadas de 60 e 70 e assim construírem sobre si um imaginário de responsáveis pela salvaguarda das “memórias musicais africanas”. Muitos desses colecionadores são DJ’s, possuem blogs sobre música e mesmo são proprietários de selos fonográficos responsáveis por realizarem o relançamento de discos e compilações dessas músicas. Os discursos contidos nos materiais de divulgação desses discos muitas vezes acabam retornando aos discursos coloniais e ao posicionamento de alteridade em relação aos africanos, reafirmando os constructos de exotismo e da necessidade de uma intervenção ocidental para a “manutenção” dessas memórias. Além disso, existe também o processo de seleção da memória na escolha dos tipos de música que são colecionados, relançados e divulgados, os quais em geral respondem aos anseios de um mercado, do que pode ser consumido como”música africana”. Assim como em outras esferas, esse mercado ainda é bastante afetado pelas relações de poder, e essas relações demonstram-se aparentes nos fóruns de discussão online sobre música africana e nas redes sociais, onde há uma significativa circulação desses colecionadores e onde são expostas suas pesquisas e suas ideias. Assim, esse work pretende problematizar os discursos desses colecionadores contemporâneos de música africana e os projetos de memória sobre África a partir dos espaços virtuais de promoção e divulgação de suas coleções.
A percepção das imagens sobre os Zulus na mídia sul-africana
Autoria: Thaise Oliveira Torres Monteiro, Juliana Braz Dias
Autoria: Este work pretendeu verificar, por meio de análise de dez anos de charges publicadas no jornal semanal sul-africano Mail & Guardian (M&G) e entrevistas com público ligado a duas grandes universidades do país, a percepção da identidade racial representada em ilustrações do M&G. Três desses dez anos antecederam o período em que Jacob Zuma (JZ) esteve de fato no cargo de presidente. A escolha por esse recorte temporal – que levou ao não abarcamento de todo o mandato Zuma – justifica-se pela necessidade de contextualização. Envolvido em denúncias de corrupção e estupro, JZ é retratado por cartunistas do país, sendo Zapiro seu maior crítico neste campo. Optou-se por apresentar entre 15 e 18 charges para os entrevistados. Delas, uma porção significativa (13) é de Zapiro. Das restantes, 4 de Stephen Francis&Rico e uma de Dr. Jack. A prevalência de charges de Zapiro tem relação com a batalha judicial travada pelos dois, que foi tratada também como óbice à liberdade de imprensa. Esse entrave não foi objeto de estudo, mas é importante para a contextualização do objeto. Um destaque se dá ao icônico chuveirinho na cabeça de Zuma, sempre presente nas charges de Zapiro. Julgado por estupro, com muitas controvérsias foi inocentado. Dois dos argumentos utilizados por ele tiveram muito destaque nas notícias e potencial alcance no cenário internacional: primeiramente, ao ser acusado de estupro por Khwezi – nome pelo qual ficou conhecida Fezekile Ntsukela Kuzwayo –, uma ativista HIV positiva, JZ justificou a conjunção carnal com elementos da cultura Zulu, da qual faz parte. Os relatos do julgamento mostram que ele invoca argumentos dessa cultura. No entanto, o que levou à disseminação do icônico “shower head” foi a resposta “me lavei depois”, quando questionado sobre se o sexo sem proteção com uma mulher HIV positiva não levaria a alta chance de contaminação pelo HIV. Considerando a falta de respaldo dessa afirmação pela medicina contemporânea, Zuma passou a ser retratado caricatamente com o chuveiro sobre sua cabeça. É importante ressaltar que JZ era, no momento em que admitiu o sexo sem proteção, chefe do Conselho Nacional sobre a AIDS. A queixa contra Zuma foi formalizada em 2005 e o resultado do julgamento veio em 2006, o que gerou muitos editoriais e cartuns sobre o tema. O Lobolo, número de esposas, quantidade de filhos e indumentária Zulu aparecem frequentemente ligados às representações do ex-presidente, ainda que não necessariamente façam parte da situação retratada nos cartuns. Durante as entrevistas, buscou-se identificar a percepção dos entrevistados sobre a representação – ou não – da cultura e identidade racial/cultural por meio de um indivíduo.
Amizades e disputas: masculinidades hegemônicas em Cabo Verde
Autoria: Juliana Braz Dias
Autoria: As investigações a respeito da cultura popular cabo-verdiana que tenho realizado há vários anos me levam a refletir, com recorrência, sobre aspectos das relações de gênero naquele contexto. A observação sistemática de fenômenos como música popular, carnaval, jogos e outros atos mais difusos, ocorrendo em bares, ruas e praças, levou-me a uma reflexão sobre atos de sociabilidade marcadamente masculinos e seus múltiplos sentidos. Se no campo dos estudos de gênero os works sobre masculinidades hegemônicas tiveram, historicamente, um caráter marginal, isto é especialmente verdadeiro no que toca ao caso cabo-verdiano. O que proponho neste work é uma tentativa de preencher essa lacuna através da análise de um conjunto de situações observadas que compõem uma espécie de colcha de retalhos, com uma ideia difusa de masculinidade. No cotidiano dos bares, no consumo de bebidas alcoólicas, nas performances musicais informais e na prática do jogo “uril”, é possível notar certas recorrências que contribuem para uma percepção dos signos de masculinidades hegemônicas em Cabo Verde. A partir dessas observações, do tempo correndo frouxo no convívio entre amigos, argumento que a disputa torna-se uma forma de interação preponderante – não necessariamente uma disputa conflituosa e violenta (embora possa o ser), mas uma competição lúdica, entre a tensão e o gracejo, na busca constante por superar seu desafiador, numa palavra ou num gesto. Faço uma aproximação ao conceito de sociabilidade desenvolvido por Simmel ao abordar formas de sociação que encontram finalidade em si mesmas, independentemente do seu conteúdo. Argumento que alguns sentidos importantes da noção de masculinidade em Cabo Verde são forjados em interações cujo foco está no meio, no processo, e não no seu desfecho. Em outras palavras, não importa o assunto da conversa, o resultado do jogo, a afinação da música, mas a vida que brota das situações de convívio e os papéis ali construídos.
Análise hemerográfica da homossexualidade na mídia moçambicana contemporânea
Autoria: Francisco Paolo Vieira Miguel
Autoria: Em 1975 o Jornal Notícias, o mais antigo e importante em circulação, publica o que parece ser a primeira notícia sobre homossexualidade na imprensa moçambicana. Uma pequena nota no caderno “nação” informa aos leitores que um “Estrangeiro [fora] expulso de Moçambique”, pela “práctica de actos homossexuais” (Notícias, 30/10/1975). Até 1983, aparecem outras, sobre a despenalização da homossexualidade na França (Notícias, 25/12/1981), sobre o escândalo da descoberta de homens homossexuais próximos à monarquia britânica (Notícias, 20/09/1992), entre outras. A partir de 1983, explode em toda mídia internacional os primeiros casos de uma “Estranha doença [que] vitima norte-americanos” (Notícias, 22/04/1983). O advento da SIDA, marcada nos Estados Unidos por acometer principalmente homens gays, traria o assunto da homossexualidade definitivamente para o Jornal Notícias, que a partir de então acompanharia o desenvolvimento da epidemia em todo o mundo e particularmente no continente africano. Todavia, é interessante perceber como paralelo às notícias sobre a SIDA o jornal passa, durante toda a década de 1980, a tratar de uma série de manifestações políticas de grupos homossexuais organizados em várias partes do mundo, noticiando inclusive certos direitos conquistados por essas populações: “A construir na Holanda monumento aos homossexuais” (Notícias, 10/11/1986). Quando uma notícia em que aparecia o termo “homossexual” ou “gay” não era sobre SIDA ou manifestações políticas na Europa e nos EUA, falava-se sobre o mundo do entretenimento: “Rock Hudson prepara autobiografia”, em que revela sua bissexualidade (Notícias, 12/09/1985) ou “Já ferve o carnaval carioca” (Notícias, 24/02/1987), que menciona os “gays” daquela cidade. O objetivo deste paper, que pretendo como pontapé inicial do segundo capítulo de minha tese de doutorado é perceber antropologicamente: 1) o papel da imprensa moçambicana em capturar na escrita o tema localmente tabu da homossexualidade; e 2) o tipo de discurso positivo sobre a homossexualidade que ela construiu na década de 1980, no que chamo de uma proto-militância LGBT em Moçambique. Coletando todas as mais de 300 notícias que encontrei sobre homo, bi, trans e intersexualidade na mídia moçambicana, no período de 1980 a 2017, e ainda entrevistando importantes figuras do jornalismo moçambicano na década de 1980, buscarei demonstrar como a imprensa moçambicana se por um lado foi a primeira instituição nacional que deu visibilidade pública (e positiva) à homossexualidade, ela também foi a responsável por uma visão exogenista da mesma, que não por acaso ainda é vista por alguns como algo “dos brancos”, “do estrangeiro” etc.
Apontamentos sobre música e “juventude” a partir do caso do Highlife em Gana
Autoria: Yuri Pinto Ferreira
Autoria: O presente work tem por objetivo lançar luz sobre a constituição do gênero musical Highlife (Plageman, 2016), enquanto um domínio da “cultura popular” e seus impactos nas formas de organização social, associadas às linhagens, que, por sua vez, possuíam mecanismos de prolongamento da “juventude”. Hannerz (1987) propõe que as sociedades complexas devam ser compreendidas através dos fluxos culturais existentes entre países “ocidentais” e “não-ocidentais” a partir do conceito de crioulização, amplamente utilizado na linguística. Assim, indica que o sistema colonial em África produziu culturas pidgin a partir dos contatos e, em um período seguinte, houve a crioulização com a emergência de novas sínteses viáveis. Os exemplos dessa síntese como explicita tanto Hannerz quanto Fabian (1978) podem ser encontrados, sobretudo, nos domínios da “cultura popular” em contexto do continente africano. Conforme aponta Barber (1997) as produções culturais dos indivíduos fazem parte de um processo de produção de consciência nas quais passado e “tradição” de um lado e, o “ocidente” e a inovação do outro são incorporados e redirecionadas em maneiras radicalmente diferentes. Fabian (1990), por exemplo, sugeriu que a performance é o lugar de uma consciência emergente: no momento da improvisação certos tipos de conhecimentos sociais são gerados, mas as performances ocorrem em lugares estabelecidos por convenções artísticas e sociais. Alguns destes gêneros parecem ter em comum essas convenções que permitem ou encorajam o ecletismo, hospitalidade para uma nova incorporação de elementos estrangeiros para a revisão e capacidade de respostas para as audiências. Inserido em contextos de encontros intersocietários, férteis para instabilidades conforme aponta Trajano (2016), o surgimento do highlife na então Gold Coast Britânica, associado ao contexto colonial de intensa urbanização, provocou intensas modificações na organização social dessa parte do continente africano. Com o desenvolvimento de uma economia de mercado e, por conseguinte, de works assalariados os “jovens”, que tinham sua “maturidade” retardada pelos “adultos”, em um contexto de sociedades linhageiras, começaram a mobilizar alguns elementos como a educação formal, salários e novas formas de sociabilidade como as danças em performances musicais para questionar as regras então vigentes. Quais fluxos musicais engendraram o surgimento do Highlife? Como as autoridades locais e coloniais reagiram ao questionamento dos “jovens” com as suas contestações tanto das estruturas de linhagens quanto das imposições do governo colonial? A partir de quais performances e atos esses “jovens” contestaram o status quo?
Ascensão e Queda, Conflito e Compromisso: Dilemas da Cultura Popular Etílica em Phomolong, África do Sul.
Autoria: Daniel Lage da Cruz
Autoria: Neste work, discuto três aspectos do conceito de cultura popular em Moments of Freedom (Fabian, 1998), mediante o exame da drinking culture (la Hausse, 1984) em Phomolong, squatter-camp de Pretoria, África do Sul. Em primeiro lugar, interessa-me a dimensão constestatória do conceito de cultura popular e da sociabilidade etílica nas tavernas do squatter-camp. Em segundo, interessa-me a caracterização da cultura popular como conjunto de práticas por meio das quais o espaço-tempo da liberdade é experimentado. Interessa-me, em terceiro, a natureza contraditória da cultura popular. Ao examinar o consumo intoxicante de cerveja e maconha entre meus interlocutores em Phomolong, afirmo que libertar-se e seu contrário, a catividade, se dão a sentir como os polos em convívio de uma mesma prática. Conforme Fabian, freedom, in dialectical parlance, comes in moments (1998:21). Em sendo assim, pretendo tensionar o idioma dialético, com vistas a reconhecer que a liberdade de beber desbragadamente num squatter-camp implica a utopia da reconciliação e a distopia da formação de liquor-slaves e do estímulo ao estupro - prática algo tolerada localmente. Na medida em que a cultura etílica plebeia alterna entre si e seu oposto, procuro entender o estar liberto como uma condição superlativa e paradoxal, nos termos de um meus interlocutores em Phomolong: freedom? That word is very difficult, man. You can’t control it. (Malokela). Diferentemente de autores, como Bahre (2007), que acentuam o horror da intoxicação continuada e seus efeitos entre os sul-africanos, afirmo que horror and hope se dão a ver nas práticas plebeias (Fabian, 1998:34). Bibliografia (parcial) BÄHRE, Erik. Money and Violence: Financial Self-Help in an African Township. Amsterdam. Afrika-Studiecentrum Series, 2007. CRUSH, Jonathan & AMBLER, Charles. Liquor and Labour in Southern Africa. Ohio University Press, 1992. FABIAN, Johaness. Moments of Freedom. Anthropology and Popular Culture. Charlottesville: University Press of Virginia, 1998. LAGE DA CRUZ, Daniel. Liberdade é Prazer (Enjoyment). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UNB. Brasília, 2017. LA HAUSSE, Paul. The Struggle for the City: Alcohol, the Ematsheni and Popular Culture in Durban, 1902-1936. University of Cape Town, 1984. RANCIÈRE, Jacques. La Mésentente. Politique et Philosophie. Galilée, 1995. __________. Le Partage du Sensible. Esthétique e Politique. La Fabrique-éditions, 2000. ROGERSON, C. The Survival of the Informal Sector. The Shebeens of Black Johannesburg. University of Witwatersrand, 2001. SINGAINY, Erick. L’Homme Alcoolique à Coeur Ouvert. Pour une Éthique de l`Imprevisibilité.L`Harmattan,
Desenvolvimento, Estado e Direitos em África: Participação política das mulheres e luta por direitos em Moçambique
Autoria: Vera Fátima Gasparetto, Luzinete Simões Minella
Autoria: O objetivo desta comunicação é analisar as principais agendas e lutas dos movimentos de mulheres e feministas junto ao Estado moçambicano ao longo das últimas décadas. Intenciona identificar e descrever as metodologias, estratégias de luta política e ações de mobilização pública que esses movimentos utilizam para negociar, tensionar e garantir a implementação das pautas e demandas pelos direitos humanos das mulheres, que incluem o direito ao próprio corpo, à cidade, ao tabalho, à terra e ao reconhecimento da sua contribuição social e econômica, tanto no espaço público como no privado. Para o efeito, observamos diretamente ações desenvolvidas por diversas organizações tais como, o Fórum Mulher, Associação Sócio-Cultural Horizonte Azul (ACHA), Fórum das Mulheres Rurais (FOMMUR), Associação Moçambicana para a Defesa das Minorias Sexuais (LAMBDA), Movimento das Jovens Feministas (MOVFEMME), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Associação das Mulheres Empregadas Domésticas (AMUEDO), Associação das Mulheres Desfavorecidas da Indústria Açucareira (AMUDEIA) e pelo Estado. Em simultâneo entrevistei ativistas, acompanhei as redes sociais de algumas organizações e analisei documentos produzidos, tanto por essas organizações, quanto pelo Estado moçambicano (livretos, livros, cartazes, etc). O work empírico foi realizado em Moçambique durante a minha pesquisa de campo, proporcionada pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE), da CAPES. Além do work empírico, realizamos igualmente uma extensa revisão de literatura cuja ênfase é dada à produção no campo dos estudos de gênero e femenismo das pesquisadoras africanas em geral e, moçambicanas em particular. A proposta do work é articular uma epistemologia interdisciplinar (priorizando aspectos da Antropologia, da História e da Sociologia) em dialogo com as epistemologias do Sul-Sul.
Entre "vientes" e nativos: Perspectivas cruzadas entre mobilidade, mineração e construção social do outro em Moçambique
Autoria: Zacarias Milisse Chambe
Autoria: O presente work incide sobre as transformações socioeconómicas e culturais em curso no Posto Administrativo de Namanhumbir, a norte de Moçambique, impostas pelo início da exploração mineira na comunidade. Apôs a divulgação dos primeiros resultados de prospecção mineira, cruzamento de pessoas de origens, costumes e conhecimentos diversos, se agudizam; outras vezes em conflitos, outras com ponderada alteridade na convivência comum. Este processo impõe Namanhumbir, a se transformar, de pequena aldeia para um centro de trânsito ou permanências de vários grupos de pessoas atraídas pela actividade mineira. Cruzando discussões das questões sobre mobilidade e deslocamentos forçados à expropriação de terras com as práticas e experiências de modus de vida local, pretendo com esta pesquisa, pensar, as suas múltiplas dimensões e como elas se apresentam entre os nativos da comunidade, como elementos de construção do outro e reivindicação à ideia de pertencimento à sua terra. Essas experiências, significativas para a vida local são aqui examinadas através de vocabulários e ideias particulares dos nativos: os vientes, morrer pela nossa riqueza e recuperar nossa terra, se configuram como novos códigos e valores do conflito entre o nativo e estrangeiro, entre a modernização do habitat rural e a (re) existência dos saberes tradicionais que estão em volta do universo em estudo.
Entre os tempos do algodão e da pedra: memória, contraste e política em Inhassune (Sul de Moçambique)
Autoria: João De Regina Maris dos Santos e Cassalho
Autoria: A presente comunicação pretende apresentar resultados preliminares de uma pesquisa de campo realizada na povoação de Inhassune, distrito de Panda, na província de Inhambane no sul de Moçambique entre os meses de abril e agosto do ano de 2018. Tal povoação foi, durante os anos de 1981 e 1999, a sede de um projeto empresarial realizado pelo Estado moçambicano que fez sua planície ser conhecida como celeiro de Inhambane. Inhassune torna-se um local especial na medida em que recebeu durante o tempo tecnologias de poder que são simbólicas de um projeto político e econômico de modernização e construção da nação, que implicou na reorganização socioespacial das populações rurais e experiências de work violentas durante a experiência socialista (1977-1992) de Moçambique: um campo de reeducação entre os anos de 1974-1981, uma empresa estatal nomeada de Inhassune-Ramalhusca, além de ter sido um local privilegiado no sul de Moçambique para a realização de works compulsórios da Operação Produção. Busca-se delinear os contornos de um conflito em uma escala local, entre “memória oficial” e outras vozes que não a do Estado, através da análise de histórias de vida e de famílias, assim como de narrativas, sobre o passado em Inhassune. Preliminarmente, é possível perceber que a articulação do passado pela população local é feita não apenas de forma plural e poli semântica, como corresponde a distintos posicionamentos de classe e proximidades com o poder político em uma configuração social do presente. Hoje Inhassune não possui uma produção agrícola expressiva e parte importante da população local dedica-se a extração de pedras, retiradas dos próprios terrenos e partidas em esquemas de work familiar envolvendo mulheres, velhos e crianças. Apesar do baixo rendimento proporcionado por essa atividade econômica a possibilidade de “dinheiro rápido” faz com que parte da população prefira a extração de pedra as agriculturas nas machambas. Para muitos em Inhassune a ausência de uma empresa nas dimensões que havia no período socialista é um fator explicativo para a austeridade atual. Passa-se a ser comum as imagens que opõe um período fértil, populoso e próspero (tempo do algodão) a um período de ausência de empregos, dificuldades para prosperidade agrícola e êxodo populacional (tempo da pedra). Além de possibilitar a descrição da relação entre diferentes construções narrativas sobre o passado a posições sociais presentes dos sujeitos, esta comunicação pretende evidenciar que, no contexto de Inhassune, as memórias articulam presente e passado de forma contrastante combinando sofrimento e nostalgia.
Identidades africanas e afrodiaspóricas em performance: uma introdução ao Primeiro Festival Mundial de Artes Negras de Dakar, 1966
Autoria: Jorge Mauricio Herrera Acuna
Autoria: A pesquisa na qual esta comunicação se baseia investiga como três dos mais proeminentes discursos sobre identidades afrodiaspóricas e relações raciais do pós II Guerra entram em tensão e colaboração em uma conjuntura histórica particular: O Primeiro Festival Mundial de Artes Negras, realizado em Dakar em 1966. Esses três discursos que, com as devidas ressalvas, chamo de Négritude, Blackness e Democracia Racial, conformam-se em zonas marcadas pela colonização francófona, anglófona e lusófona, respectivamente. Para entender esses discursos e sua interação, a pesquisa enfoca as delegações do Senegal, dos Estados Unidos e do Brasil, além das organizações UNESCO, Présence Africaine e African Society of Culture – estas últimas determinantes para o evento. Nesse sentido, a relevância do Festival consiste em oferecer um ângulo privilegiado para analisar disputas que ocorreram em torno da produção de hegemonias identitárias africanas e afrodiaspóricas no conjunto de certas manifestações culturais na década de 1960. O principal objetivo desta comunicação é apresentar algumas das razões históricas e políticas que levaram à realização do Festival por parte do Senegal que, recentemente, havia conquistado a sua independência. Particularmente, procura-se indagar como o Movimento da Negritude - de base francófona – e o presidente do Senegal Léopold Senghor) assumem a coordenação dos esforços para a organização do Festival e de que maneira, esta se articulou com a política de construção nacional em curso. Em paralelo, apresenta-se, pontualmente, a repercussão da convocação para o Festival junto aos EUA e Brasil, enfatizando os diálogos entre a Negritude e outras imaginações sobre comunidades “afro-nacionais”. Uma importante premissa é considerar a organização do Festival pelo Senegal, como um momento estratégico para revelar as identidades afrodiaspóricas como um problema comum às imaginações nacionais de Brasil e EUA, mesmo assumindo conotações muito diferentes. Uma primeira aproximação a essas “zonas discursivas” procura reler a literatura especializada a partir de três critérios: algumas arenas históricas e políticas da década de 1960; as principais figuras políticas de cada zona, e as revistas relacionadas ao ativismo político “afro” e “africano”. Um segunda aproximação se realiza por meio de documentos coletados em extensa pesquisa de arquivos nos EUA (Schomburg Center e Smithsonian), Brasil (Centro de Estudos Afro-Orientais e Itamaraty), França (Unesco) e Senegal (Arquivo Nacional), incluindo relatórios, resumos de encontros e reuniões, minutas de acordos e a correspondência entre as delegações e organizações transacionais participantes.
Mindelo na Rota da Seda – ambiguidades na percepção sobre a presença dos chineses no comércio em Cabo Verde
Autoria: Vinícius Venancio de Sousa
Autoria: A entrada de chineses no continente africano vem ocorrendo gradativamente desde as revoluções pela libertação dos países africanos do poder colonial. Os governos locais e investidores chineses fazem uso da retórica da África enquanto o continente do futuro para legitimar a entrada dos chineses no continente, argumentando sobre o potencial econômico dos países africanos por serem, ao mesmo tempo, locus de consumo de produtos e exportadores de matéria-prima. Todavia, a presença dos chineses no continente africano é dotada de nuances, especialmente em Cabo Verde. Entre super empreendimentos, acusações de raptos de crianças e a ampliação da oferta de bens industrializados, a entrada dos chineses no arquipélago é marcada por uma série de dilemas, principalmente no que tange o comércio. Os chineses têm se apresentado nas últimas duas décadas como grandes concorrentes ao work exercido pelas comerciantes transnacionais cabo-verdianas. Na tentativa de compreender a forma como os chineses são vistos no arquipélago, analisarei, com base nos dados obtidos através do diálogo com comerciantes cabo-verdianas em Mindelo e a partir da perspectiva delas, a complexa relação que elas desenvolvem com os chineses, abordando os aspectos positivos e negativos da chegada desse grupo de imigrantes em um país marcado pelo fenômeno emigratório.
Mineração, Desenvolvimento e Conflitos ambientais em Moatize
Autoria: Albino José Eusébio
Autoria: O presente work se enquadra num conjunto de reflexões que venho desenvolvendo sobre os efeitos sociais do projeto de exploração de carvão mineral operado pela multinacional brasileira Vale em Moatize, nas populações locais. Partindo da hipótese de que a chegada da Vale transformou Moatize num campo de conflitos ambientais (ACSELRAD, 2004; ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010), busco analisar como esses conflitos se configuram, dando primazia as causas, discursos e ações dos atores envolvidos. Os dados explorados são frutos de uma pesquisa de campo doutoral em andamento que foi realizada em dois períodos - no primeiro trimestre de 2016, onde me foquei nas populações expropriadas ou compulsoriamente deslocadas das suas áreas ancestrais de ocupação imemorial ou datada, e de novembro a início de dezembro de 2017, onde estendi o meu olhar para outras populações locais atingidas, como por exemplo, as populações remanescente do bairro Bagamoyo e a comunidade de Catete. Ambas têm em comum o fato de viverem e produzirem nos arredores da área concessionada à Vale. Priorizando uma forma artesanal de fazer pesquisa inspirada em Wright Mills (1975) e José de Souza Martins (2014) ao longo do work campo busquei mergulhar, através das narrativas e da observação, nas dinâmicas atuais da vida cotidiana dessas populações locais atingidas. Ao longo da pesquisa foi possível constatar que a chegada da Vale à Moatize, não só, marca uma nova fase na exploração das ricas minas de carvão da bacia carbonífera de Moatize, como também, na vida cotidiana das diversas populações que moravam na área concessionada que foram expropriadas das suas terras ancestrais e das outras comunidades arredores da área de concessão que sofrem os efeitos sociais e ambientais da exploração. A realidade de vida cotidiana das populações compulsoriamente deslocadas para Cateme, das populações remanescentes do bairro Bagamoyo e das populações da comunidade de Catete, evidencia que a chegada da Vale transformou Moatize num campo de conflitos ambientais que se configuram em pelo menos duas linhas interligadas: (i) os conflitos que evidenciam lógicas distintas de apropriação da terra e recursos (que têm como consequência a expropriação do território e o bloqueio ao acesso de áreas vitais para reprodução social, econômica e cultural das diversas populações locais que moram nos arredores da área concessionada); (ii) os conflitos inerentes as poluição, quer de rios, quer das terras vitais para a reprodução social e econômicas das diversas populações locais. Esses conflitos são corolário da posição marginal atribuída pelas empresas mineradoras e pelo governo moçambicano à questão humana, seja na sua dimensão social, seja na sua dimensão cultural.
O apartheid da sexualidade: a regulação da raça e da miscigenação através do controle do gênero e do sexo
Autoria: Laura Moutinho
Autoria: Esta comunicação se debruçará sobre a teologia racial que sustenta a segregação preconizada pelo regime do apartheid na África do Sul. A escatologia racial, que implantou a sociedade do escrutínio, será analisada através do processo de construção do processo legal que levou à implementação da Mixed Marriage Act, entre os anos 30 e 40. Um caso jurídico será analisado com o objetivo de tornar audível as vozes e os danos que sofreram aqueles submetidos à legislação que visava conter a miscigenação.
Pés que correm de um Estado que esgalha: um estudo etnográfico sobre os desdobramentos da relação entre o Estado/município e os vendedores informais em Moçambique
Autoria: Segone Ndangalila Cossa, Segone Cossa, docente do colegiado de Antropologia, UNILAB Fernando Felix Tivane, Doutorando em Antropologia Social, UFSCAR.
Autoria: No presente paper (baseado em um documentário etnográfico em curso), refletimos sobre a relação (conflituosa) entre o Estado/Município e os vendedores de rua (informais). Para tal, trazemos alguns dados etnográficos mostrando os desdobramentos da relação entre o mercado formal (retratando o discurso e a lógica estatal de sua organização) e a construção de um "outro" mercado a ele justaposto, porém, deste emancipado, comumente conhecido como mercado informal. Procuramos mostrar a partir da violência cotidiana das autoridades estatais e suas conexões possíveis com a regulamentação do consumo e da cidadania, a relação dialética entre os mercados formal e informal em Moçambique.
Questões suscitadas por uma antropolítica do mar: o contexto cabo-verdiano em destaque
Autoria: Madian de Jesus Frazão Pereira
Autoria: Com a perspectiva de uma antropolítica do mar, discorro sobre a pesquisa de pós-doutorado que desenvolvi, tendo como referência os contextos brasileiro e cabo-verdiano no que concernem a aspectos sobre a disputa por recursos marinhos e uma espoliadora indústria pesqueira que coloca em debate a governança dos oceanos, tornando cada vez mais vulnerável o universo de pescadores e pescadoras artesanais. No arquipélago cabo-verdiano, assiste-se ao incentivo de processos de desenvolvimento ligados à pesca industrial estrangeira, sobretudo através de acordos de pesca com a União Europeia, como fator agravante de conflitos. No caso brasileiro, há diversos conflitos socioambientais que envolvem as comunidades pesqueiras, impactadas pelo avanço da aquicultura empresarial, pelo turismo predatório e por grandes projetos, sendo a maioria voltada para atividades de mineração. Interessa destacar no presente work o contexto cabo-verdiano em que, através da pesquisa de campo, os pescadores artesanais têm apontado tensões decorrentes da relação desigual no setor da pesca. Atrelado a um discurso desenvolvimentista, mas com insuficientes recursos financeiros, o governo cabo-verdiano tem sido levado a recorrer a apoios da cooperação internacional e tem celebrado acordos de pesca. Por essa via, o Parlamento Europeu aprovou em 2015 novos protocolos com Cabo Verde, com validade de quatro anos, permitindo que 71 navios de Espanha, França e Portugal pesquem atum e outras espécies afins no território marinho cabo-verdiano. Enquanto os pescadores artesanais em seus pequenos botes não podem ultrapassar 3 milhas da costa, por medidas de segurança impostas pela regulamentação da pesca artesanal, as embarcações industriais, grandes atuneiros, que deveriam ficar 12 milhas afastadas da costa, têm avançado cada vez mais, segundo relatos dos pescadores artesanais, e causado grande impacto negativo na pesca artesanal. Os pescadores artesanais têm apontado tensões decorrentes da relação desigual no setor da pesca, e que tem obrigado muito deles a ingressar na pesca semi-industrial ou industrial, quando possível, ou a migrar para outros países e para outras áreas de work ingressando, sobremaneira, como operários na construção civil, em busca de melhores condições de vida não só individualmente, mas para a sua rede familiar, cujos membros que permanecem em Cabo Verde muitas vezes dependem das remessas de recursos daqueles que migraram. Como desafio analítico é instigante perceber o alcance de como projetos e políticas denominadas de desenvolvimento, executados nos países do Sul singularizados por um vasto litoral, desencadeiam conflitos com pescadores artesanais e ao mesmo tempo promovem resistências e reações de forma organizada desses grupos.
Reflexões sobre gênero: movimento de mulheres guineenses na luta de libertação nacional.
Autoria: Iadira Antonio Impanta
Autoria: Partindo do pressuposto de que a antropologia tem como objeto de estudo e base da sua análise as relações socioculturais, este work propõe fazer uma reflexão sobre gênero na construção das desigualdades sociais, mais especificamente pensar como esse conceito tem sido usado para colocar as mulheres guineenses que participaram na luta armada de libertação nacional no lugar subalternizado em relação aos homens. Como uma preocupação e/ou pauta local dos movimentos das mulheres guineenses, entendo que os atores envolvidos nesse campo de disputa, como o movimento de mulheres, estão sempre ressignificando os papéis e os status a elas atribuídos, qualquer abordagem que tem como objetivo final a erradicação da desigualdade de gênero deve incorporar uma estratégia global/local que aborde a multiplicidade de fatores que a perpetuam. O work será feito a partir da metodologia qualitativa, tomando como base uma análise bibliográfica dos works produzidos sobre o tema.
Tecidos africanos e as donas das capulanas
Autoria: Helena Santos Assunção
Autoria: Os tecidos estampados africanos têm ganhado crescente interesse e visibilidade no mundo artístico, na esfera da moda e também nos estudos acadêmicos. Partindo de discussões acerca da 'identidade' e das 'origens' dos tecidos 'africanos', propostas pelo artista nigeriano Yinka Shonibare, tomo meu próprio material de campo - ancorado em pesquisa etnográfica realizada entre 2015 e 2017, durante seis meses, em Moçambique - para pensar como as capulanas poderiam se inserir nessas discussões. Dialogo com jovens estilistas da cidade de Maputo, que fazem uso da capulana como material de work e identidade visual, e em seguida discuto como as questões das 'origens' das capulanas são pensadas pelas mulheres da Ilha de Moçambique, consideradas 'as donas das capulanas', e, segundo a história local, as primeiras a utilizarem os tecidos no país. A partir deste material refletirei acerca das conexões e composições culturais presentes na Ilha de Moçambique em particular, e também nas distinções e diferenças que as capulanas fazem operar no local.
Timbilas como prática social e como patrimônio da humanidade: narrativas em torno de um “bem cultural” chope
Autoria: Sara Santos Morais
Autoria: Esta comunicação está centrada nos resultados parciais de minha pesquisa de doutorado (Agosto de 2017 a Dezembro de 2018), cujo principal objetivo é compreender o lugar das timbilas nas políticas culturais em Moçambique. Timbilas são descritas, conforme a bibliografia especializada, como instrumentos musicais (xilofones) que são tocados em formato de “orquestras” pelos chopes de Moçambique. Mais amplamente, o termo timbila (mbila, singular) designa, a um só tempo, a dança, a música e o instrumento. O foco deste work é analisar os efeitos mais gerais do processo de patrimonialização do bem cultural denominado Chopi Timbila, proclamado Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2005. Embora haja estudos dedicados às timbilas centrados em seus aspectos musicais e etnomusicológicos, pouca atenção foi dada a essa expressão como símbolo de construção da nação. Minha investigação tem buscado contrastar as teorias e práticas dos seus executantes com aquelas das autoridades responsáveis pela criação e, no limite, invenção da cultura chope e da cultura nacional. Não há manifestação mais oficial que a timbila em Moçambique. Foi promovida por administradores coloniais em Zavala (província de Inhambane), que se entretinham com os sons produzidos pelas grandes orquestras. Tornou-se foco de pesquisas e escritos pioneiros do aclamado etnomusicólogo Hugh Tracey. O Estado independente a utiliza das mais variadas formas no processo de construção da nação: o instrumento estampa o cartaz do primeiro festival de música tradicional moçambicana; grupos de timbilas são frequentemente “convidados” para atuar em visitas de personalidades políticas; foi cunhada na efígie de uma das moedas locais e, finalmente, é escolhida como o primeiro bem cultural a ser patrimonializado a nível internacional. O processo de patrimonialização envolveu uma série de instâncias, agentes e instituições na sua concretização. Nesse sentido, minha apresentação estará centrada em dois pontos principais: 1) a partir de documentação levantada na pesquisa e de entrevistas com agentes que participaram na produção do dossiê que foi enviado à Unesco, analisarei o processo de construção desse material, enfatizando suas tensões e contradições; 2) a partir de etnografia dos espaços de reprodução dos grupos de timbila, buscarei explorar o perfil mais geral desses grupos e os modos de vida de seus integrantes para compreender como experimentam a prática da timbila no conjunto mais amplo de suas práticas cotidianas. Com isso, pretendo elucidar aspectos voltados a dinâmicas e movimentos de pertencimento étnico e nacional dos timbileiros, produzidos tanto pelo processo de patrimonialização quanto pelos discursos veiculados por fontes diversas.
Zona de atrito cultural - o Corredor de Nacala e a corrida ao carvão no norte de Moçambique
Autoria: Eduardo Viana Vargas
Autoria: Este work trata de uma zona crítica onde está em curso um gigantesco projeto de geoengenharia. Ele trata de uma zona de “atrito” ou de “fricção cultural” onde “trajetórias globais emergem através de histórias específicas de engajamento e encontro” (Anna Tsing). Mais precisamente, ele acompanha a corrida ao carvão mineral que tem transformado o norte de Moçambique na última década. Ele procura descrever etnograficamente a emergência do Corredor de Nacala (dublê de projeto de desenvolvimento e de corredor logístico) recentemente materializado na (re)construção de um caminho de ferro que corta de leste a oeste o norte de Moçambique para, entre outras coisas, levar o carvão extraído por conglomerados industriais multinacionais capitaneados pela companhia brasileira Vale das minas a céu aberto de Moatize, província de Tete, ao porto de águas profundas de Nacala, a mil kilômetros de distância, atravessando o Malaui e cruzando regiões de acentuada presença de populações camponesas falantes de ehmakua e de outras línguas moçambicanas, para então seguir para a China e a Índia onde alimentam siderúrgicas e termoelétricas. Destacando a heterogeneidade dos agentes humanos e não humanos envolvidos, o work procura mapear linhas de conflito e de articulação em curso na região evidenciando, tanto quanto possível, as conexões globais das situações locais e as inflexões locais das disposições globais.
“Há práticas, há acções, há diálogo, há manifestações, há insurgências!”: geração e campos discursivos de acção em torno dos direitos das mulheres em Moçambique
Autoria: Catarina Cortesão Casimiro Nascimento Trindade
Autoria: Neste paper, apresento algumas reflexões em torno de dois conceitos centrais na pesquisa de doutorado em curso, nomeadamente o conceito de geração e o de campos discursivos de acção (Alvarez, 2004). A pesquisa tem como objectivo compreender o processo de construção e de constituição de um campo discursivo de acção em torno dos direitos das mulheres em Moçambique. Isso está sendo feito a partir das trajectórias e experiências de um grupo de mulheres e homens de diferentes gerações que compõem este campo, de uma produção consolidada sobre estudos de género, feminismo e movimentos de mulheres em África (dando especial destaque à produção moçambicana, da qual algumas das interlocutoras são autoras) e de uma etnografia dos espaços e eventos por onde estas pessoas circulam. A pesquisa de campo, realizada na cidade de Maputo entre Março e Setembro de 2017, baseou-se na realização de entrevistas semi-estruturadas e no acompanhamento de uma série de atividades e eventos organizados e realizados pela rede de organizações e instituições às quais estas mulheres e homens estão associados e pelas quais transitam. Deste modo, tenho buscado compreender como elas, no seu work e activismo, foram incorporando as questões de direitos das mulheres, as rupturas, as reinvenções, a sua relação com organizações regionais, com uma agenda internacional do movimento feminista, a relação com os doadores internacionais e as suas imposições e como o campo discursivo de acção, do qual fazem parte, foi sendo constituído ao longo do tempo e de todos os eventos históricos que o país enfrentou. Sustento que o campo discursivo de acção em Moçambique é composto por todos os actores, individuais e colectivos, não podendo ser possível separar, por exemplo, academia e activismo ou academia e organizações ou activismo ligado às organizações e activismo virtual.
“VOLTA DJÉU”: algumas considerações sobre cidade e política na cidade da Praia.
Autoria: Natalia Velloso Santos
Autoria: A história de uma tartaruga marinha que volta para sua terra a fim de alertar os animais do mar e das aldeias vizinhas que o “Homem” vendeu o djéu (ilhéu Santa Maria) para o “Dragão” é o ponto de partida tomado neste work para refletir sobre a realização de um grande empreendimento turístico-imobiliário na cidade da Praia. Com as obras já em andamento desde 2016, o projeto tem concessão de 75 anos para que um grupo, representado por um empresário chinês, construa um cassino-hotel, uma marina e um condomínio luxo, no ilhéu Santa Maria e em parte da praia da Gamboa. Estes espaços fazem parte do cotidiano e das memórias dos praienses, especialmente dos moradores de bairros que circundam a região onde as obras serão realizadas. Em contraponto às promessas de desenvolvimento e geração de empregos, propagadas pela imprensa e pelo poder público, um grupo de manifestantes (“ativistas”) realizaram uma ocupação no ilhéu em 2015, a fim de contestar a realização do projeto e denunciar a falta de participação da população no mesmo. A proposta do work é pensar estes acontecimentos a partir da narrativa de “compadre Tartaruga”, assumindo as criações políticas e artísticas destes manifestantes como ponto de vista para discutir questões urbanas contemporâneas na cidade da Praia, tendo em conta o contexto específico de Cabo Verde, mas também suas conexões com processos globais.