Cinque Terre
GT 032. Espaços Fronteiriços numa Perspectiva Interdisciplinar: formações identitárias e o problema da cidadania.
Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ) - Coordenador/a, Senilde Alcântara Guanaes (Universidade Federal da Integração Latino-Americana - UNILA) - Coordenador/a, Annelise Caetano Fraga Fernandez (UFRRJ) - Debatedor/a
A proposta tem como objetivo reunir investigações com enfoques interdisciplinares sobre os processos históricos de configuração de zonas fronteiriças nas Américas, sem deixar de considerar as relações do continente com os fluxos econômicos e políticos globais. As zonas de fronteira podem se caracterizar como "vazios" de poder nas quais a violência contra o "outro" é (re)produzida. Nesses contextos têm sido recorrentes as guerras e a escravidão, além de uma relação contraditória com o próprio Estado, ao questionar, inclusive, não apenas a cidadania mas a própria humanidade do outro. Investigações inovadoras sobre o tema, tanto em termos teóricos como metodológicos, têm surgido a partir de perspectivas que relacionam diversos campos de conhecimento. Perspectivas da etnohistória, de gênero, linguísticas, socioambientais, entre outras, vem criticando o pensamento colonialista ao apontar para o papel de centralidade das zonas fronteiriças para a compreensão das sociedades americanas. A proposta contempla investigações baseadas em fontes documentais ou etnográficas que abordam o tema da fronteira como espaço social e simbólico, aportando discussões relativas à reconstrução da memória histórica e aos intercâmbios comerciais e culturais, ao dinamismo identitário e construção de territórios, bem como as relações entre indivíduos e ou grupos, como indígenas, afrodescendentes, populações rurais e urbanas, em condições de vulnerabilidade social, econômica, cultural e jurídica.
Resumos submetidos
"O Brasil vai virar uma Venezuela": discursos sobre a fronteira roraimense
Autoria: Júlia de Capdeville e Silva
Autoria: Muito se tem falado sobre crises de refugiados nos últimos três anos. Quando se trata de Europa, logo se lembra dos sírios buscando estabelecer-se em países da Europa ocidental. Mas nem todos os refugiados buscam países do norte global como destino, o Brasil também tem sido uma rota preferencial. Nos últimos meses é a entrada de venezuelanos que vem chamando atenção nos noticiários com os frequentes relatos de conflitos entre moradores do estado de Roraima e venezuelanos buscando sair de seu país. O sentimento de abandono dos moradores do estado em relação ao governo federal, é ponto de partida de muitas das notícias disseminadas sobre a questão. Os roraimenses são citados explicando que não são xenófobos, convidando o restante do país a colocarem-se “no lugar daqueles que sofrem” com o grande fluxo de migrantes e os problemas associados à falta de condições materiais de recebê-los. Com o evento de um assalto seguido de agressão atribuído à venezuelanos no mês de agosto, a população local tem mais do que exigido uma posição do governo federal: passaram a agir por conta própria. São realizados protestos, intimidações e até mesmo ações mais truculentas. Por parte de governantes e líderes do estado, já se falou inclusive de fechar a fronteira, ato que seria ilegal devido aos acordos que o Brasil é signatário, que garantem a circulação entre Brasil e Venezuela. A proposta nessa comunicação, é de analisar a cobertura midiática do conflito em Roraima colocando em questão também a nova lei da migração e a relação entre refúgio e migração. O estudo insere os eventos no estado ao momento de acirrada disputa eleitoral, entendendo que os discursos produzidos e veiculados sobre a situação, tem papel importante nas eleições que ocorrem em outubro desse ano.
A construção da nacionalidade a partir de políticas migratórias: um estudo do caso Britânico
Autoria: Julio D' Angelo Davies
Autoria: Ao levarmos em consideração a farta discussão científica sobre o conceito de nação, nos deparamos com uma encruzilhada: de um lado, autores que defendem que este seja um fenômeno singularmente moderno, fruto de um contexto histórico-político europeu específico. De outro lado, autores que questionam essa visão, defendendo que o conceito de nação é anterior à modernidade, e que portanto seria problemático determinar uma gênese precisa do surgimento da nação (conhecidos como primordialistas). Tomando como ponto de partida a perspectiva “modernista”, que atribui à Grã-Bretanha, aos EUA e à França lugar central nesse processo, irei tomar o primeiro caso como unidade de análise. Procurarei demonstrar que há uma inconsistência profunda entre o conceito de nação moderna liberal (com Estado) e o conceito de nacionalidade moderna posterior que essas mesmas nações empregam, como algo herdado, ou produzido espontaneamente pelo acaso (eu sou porque minha família é; eu sou porque eu nasci aqui). A discussão sobre políticas migratórias pode, a princípio, parecer desconexa do debate sobre nacionalidade. Pretendo demonstrar como, no caso britânico, as definições sobre quem “está dentro” são progressivamente (re)formuladas a partir de quem “está fora”, ou seja há uma disputa política em torno da legitimidade da nacionalidade. As leis britânicas passaram de uma conceituação vaga de nacionalidade que abarcava todos os indivíduos submetidos à administração colonial do Estado-nação no início do século passado, para uma progressiva especificação que tinha como princípio fundamental muito mais excluir quem antes “estava dentro” do que propriamente definir critérios lógicos (se é que existem) de uma definição de nacionalidade. A partir de tantas idas e vindas legais sobre o direito à nacionalidade em uma nação moderna tão antiga, indaga-se até que ponto essas conceituações fazem sentido. Progressivamente, os Estados nacionais modernos demonstram que apesar dos preceitos da teoria do princípio de nacionalidade, a prática é bem mais política e contextual que qualquer teórico pudera prever, e o fim das nações também está mais distante do que se imaginara. Ao longo do século XX a definição da nacionalidade britânica sofreu diversas alterações que foram na contramão do ideal liberal original, sendo fruto do período de surgimento do nacionalismo (1880-1914), a que Hobsbawn (1990) se refere.
Comércio popular na fronteira Brasil – Paraguai: produção da localidade fronteiriça
Autoria: Pâmella Rani Epifânio Soares, Álvaro Banducci Júnior
Autoria: A proposta do work é refletir acerca da localidade fronteiriça produzida entre Brasil e Paraguai a partir do comércio popular estabelecido entre as cidades de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY). Para isso será observada a configuração do comércio popular na linha internacional que se caracteriza pela construção de espaços comerciais, realizada entre 2012 e 2013, por conta de um projeto de revitalização denominado de “Projeto Linha Internacional União de Dois Povos”, elaborado em 2008 através de um work conjunto dos dois municípios que recebeu financiamento da União Europeia através do programa URB-AL III, entre os objetivos do projeto está o fortalecimento dos direitos e obrigações da sociedade civil fronteiriça e reurbanização da infraestrutura da faixa de fronteira. Do lado brasileiro foi construído o Centro Comercial da Fronteira e do lado paraguaio as Casillas Comerciais, os comerciantes que ocuparam os novos espaços foram aqueles que tinham suas bancas nas ruas e que eram vistas como um aspecto de desorganização. Diante da nova configuração espacial que alterou a dinâmica das práticas de venda e de apropriação do local consideramos sua relação com a produção da imagem dessa localidade em questão. A especificidade fronteiriça provoca proximidades pela forma em que o espaço se dispõe e apresenta facilidades no caminhar entre distintos territórios nacionais. Esse cenário possibilita observar a dinâmica das relações e fluxos comerciais, que são também atravessados pelas práticas de regulação do Estado. A discussão segue com o objetivo de refletir sobre a composição dessa localidade fronteiriça, em termos da translocalidade, sendo importante considerar os movimentos que atravessam a fronteira onde as pessoas circulam de acordo com os mais variados interesses e atividades, de modo que o traçado entre as duas cidades é colocado em movimento e depende de relações e negociações, entre aqueles que circulam. Os limites ficam borrados e não totalmente apagados, aparecem para além da paisagem física do ambiente, é possível percebê-los a partir das normas que regulam circulações entre os diferentes territórios, determinando legalidades e formalidades. Os limites são desafiados, pois produzem novos caminhos e dinamizam o cenário urbano, relacionado também as práticas de poder que permeiam a realidade fronteiriça e caracterizam distinções entre as localidades.
Comunidad cuestionada, frontera cuestionada: los Ashéninka en la frontera de Ucayali con Acre
Autoria: Mario Leonardo Osorio Dominguez
Autoria: En el Alto Tamaya, en la frontera del departamento de Ucayali con el estado de Acre en Brasil, los Ashéninka de la comunidad de Saweto conviven con ribereños y colonos que se movilizan desde ambos lados del límite de frontera para extraer recursos en un contexto de informalidad e ilegalidad, con una débil presencia del Estado, que pone en riesgo su seguridad y dificulta sus aspiraciones a mejores condiciones de vida. A principios del sigo XXI, el alto precio de la madera y la demanda del mercado global incrementó la presión sobre el Alto Tamaya exacerbando los conflictos y disputas por el control de recursos y espacios, afectando la iniciativa de Saweto de constituirse como comunidad nativa y titular un territorio comunal de acuerdo a las leyes peruanas. Saweto busca mejorar sus condiciones de vida asegurando el territorio que le provea de medios de vida y de alternativas de desarrollo en la frontera. A la oposición de madereros que trabajan en el Alto Tamaya, se sumaron las trabas burocráticas que obstaculizan la titulación de territorios indígenas en Perú. El Estado peruano a través de su representación local y nacional van a postergar las demandas de Saweto, dando preferencia a las concesiones forestales a empresas privadas para la explotación maderera, una actividad que en Perú es asociada a redes de corrupción que atraviesan toda la cadena productiva, desde el campo hasta los mercados internacionales. No obstante su marginalidad geográfica, y su lejanía de los centros de poder político y económico en Perú, los Ashéninka de Saweto lograrán crear la comunidad nativa Alto Tamaya – Saweto de acuerdo a las leyes peruanas en el años 2003. Sin embargo, tuvieron que esperar más de 14 años para lograr, a un costo muy alto, la titulación del territorio que reclamaban. En 2015, lograron titular sus tierras en cerca de 80 mil hectáreas, luego que cuatro de sus miembros fueran asesinados en 2014. Entre ellos, sus principales líderes, que denunciaban la tala ilegal de madera que invadía su territorio por lo que eran constantemente amenazados.
Direitos Políticos, Territoriais e Ambientais de Povos Transfronteiriços
Autoria: Senilde Alcântara Guanaes
Autoria: O texto propõe debater as questões territoriais, ambientais e políticas dos povos indígenas situados em regiões de fronteira, mais especificamente na região oeste do Paraná, entre Brasil, Paraguai e Argentina, sob a perspectiva dos direitos humanos e dos direitos civis. São comunidades e aldeias da etnia Avá Guarani e Mbya dispersadas não apenas pelos territórios nacionais, mas também em função de fronteiras agrícolas, coloniais e expansionistas, com forte participação dos estados nacionais e com a garantia constitucional das leis. O work é fruto de pesquisas interdisciplinares, que busca o diálogo entre as áreas de Antropologia, Ciência Política e Direito, com o objetivo de compreender as dinâmicas territoriais dos povos indígenas para além dos limites geopolíticos dos estados nacionais, problematizando os contextos históricos de ocupação fundiária, os deslocamentos forçados e as violações promovidas pela formação dos estados no período republicano, que aliados ao capital internacional marcaram e marcam a história recente da América Latina e de outras regiões e continentes. Tais questões passam também pela discussão dos projetos desenvolvimentistas contemporâneos, normalmente vinculados ao setor do hidroagronegócio e às políticas de integração territorial e econômica do bloco, que inclui projetos de grande porte como IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana, culminando na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e das demais comunidades que têm seus territórios afetados por esses empreendimentos.
Interações e estigmas entre brasileiros e venezuelanos na fronteira entre o Brasil e a Venezuela: Redefinição do fluxo migratório
Autoria: Alessandra Rufino Santos
Autoria: O presente work tem por objetivo analisar a estrutura social da fronteira Brasil/Venezuela tomando por referência as relações transnacionais motivadas pelo fenômeno migratório de brasileiros e venezuelanos marcado por interação e estigmas sociais. Para isso, toma como referência parcial os pressupostos teórico-metodológicos da fenomenologia social com a finalidade de retratar a fronteira Brasil/Venezuela como lugar da migração. Neste sentido, o work apresenta e discute as tipificações sociais como produto dos processos de estigmatização. Além disso, articula algumas noções acerca da construção identitária presente na interação social entre os grupos de migrantes já mencionados. Nesse processo, a base de análise é, portanto, a interação social entre os migrantes e o grupo social do lugar de destino. Ainda nesse cenário, a interação social está relacionada, sobretudo, às relações comerciais, às relações de work, às relações familiares e de amizades. Sendo assim, o work objetiva analisar o fenômeno da interação social e da estigmatização dos migrantes brasileiros e venezuelanos a partir dos moradores locais estabelecidos no lado do Brasil e no lado da Venezuela. Objetiva ainda verificar e demonstrar o porquê do impacto da imigração venezuelana ter sido maior para o Brasil, especificamente no Estado de Roraima, do que a emigração de brasileiros para a Venezuela, em especial no Estado Bolívar. Para alcançar tais objetivos, toma por base as seguintes questões norteadoras: como ocorre o processo de interação social dos migrantes brasileiros e venezuelanos com os habitantes estabelecidos na fronteira Brasil/Venezuela? Nesse cenário, os migrantes brasileiros são mais estigmatizados do que os migrantes venezuelanos? Com esses questionamentos, a pesquisa toma como referência os métodos mistos, em especial a abordagem qualitativa, tendo em vista que esta abordagem permite um diálogo com o método fenomenológico. Assim, o uso deste método torna-se importante para que o procedimento de coleta e análise de dados ocorra sob o viés da interpretação compreensiva.
Povos dos Altos Rios Doce, Jequitinhonha, Mucuri e São Mateus: paisagens de “perigos” e “pobreza”, transformações e processos identitários (Século XIX e transição para a República)
Autoria: Izabel Missagia de Mattos
Autoria: A comunicação visa a descrever, por meio de uma etnografia histórica - cujo eixo narrativo é centrado na categoria paisagem, na situação do meio ambiente e suas transformações -, o processo de ocupação de uma região de fronteira nos altos dos rios Doce, Mucuri, Jequitinhonha e São Mateus, conferindo visibilidade aos indígenas em suas relações com os adventícios, naquele contexto de transição para a República e de formação da nacionalidade brasileira.
Relações entre work indígena e decretos e acordos locais, provinciais e internacionais na região do Prata no início do Oitocentos
Autoria: Karina Moreira Ribeiro da Silva
Autoria: No início do século XIX, durante o processo inicial de formação dos Estados argentino, brasileiro e uruguaio, as práticas indígenas foram pauta de negociações ou mote para conflitos entre a monarquia portuguesa, o governo do Rio Grande de São Pedro, líderes orientais conservadores e rebeldes e demais Províncias platinas. As atividades dos indígenas nos arredores das guardas de fronteira entre o império português, a Banda Oriental e as Províncias do Prata eram motivos de grandes preocupações para autoridades administrativas e militares. Em 1814, por um lado, algumas delas procuravam controlar as práticas de arreio de gado vacum e cavalar e saques às estâncias da fronteira; por outro lado, declaravam-se incapazes de conter os avanços de ‘salteadores’ e ‘charruas’ . O transito de indígenas pelos territórios onde habitavam era constante e as negociações estabelecidas com eles nem sempre atendiam aos interesses de estancieiros e autoridades militares, um dos motivos pelo quais tiveram sua condição de homens e mulheres livres cerceadas por arranjos, decretos e acordos locais e internacionais, como por exemplo, o tratado Herrera-Rademaker, firmado em maio de 1812, entre Juan Rademaker, coronel instruído por Dom João VI, e Nicolás Herrera, o secretário interino do primeiro Triunvirato das Províncias platinas. Variáveis burocráticas e brechas legislativas foram acionadas para tornar indígenas escravos. Assim também, distintas estratégias foram postas em prática por eles para driblarem, à medida do possível, a condição de escravizados.