Cinque Terre
GT 023. Antropologia, gênero e saúde no contexto neoliberal e neoconservador no Brasil: desafios e estratégias de enfrentamento
Rozeli Maria Porto (UFRN) - Coordenador/a, Mónica Franch (Universidade Federal da Paraíba) - Coordenador/a
Nas últimas décadas, o avanço na pesquisa antropológica sobre as articulações entre gênero, saúde e sexualidade tem evidenciado problemáticas importantes no campo dos Direitos Humanos e fundamentais. Reflexões relacionadas à saúde sexual e reprodutiva de mulheres e homens, em suas várias orientações de gênero e sexualidade, têm provocado axs pesquisadorxs em um campo moral a pensarem no entrecruzamento desses direitos com diferentes marcadores sociais da diferença. Essas questões se tornam urgentes num contexto hodiernamente sombrio no país, marcado pela implantação de um projeto econômica e socialmente excludente, que está levando ao desmonte de políticas públicas de saúde. Os direitos relativos ao aborto, ao parto humanizado, o acesso a serviços de saúde para travestis e transexuais ou, ainda, a prevenção e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV/Aids, estão cada vez mais ameaçados diante de tais circunstâncias. Frente aos desafios impostos por esse contexto neoliberal e neoconservador, a proposta deste GT é refletir sobre as estratégias teóricas, metodológicas e políticas que estamos desenvolvendo no cotidiano de nossas pesquisas em torno das questões de gênero, saúde e sexualidade. Podem girar em torno de temas como maternidade, aborto, HIV/Aids, Tec. Reprod., diversidade sexual e transexualidade, e suas articulações entre gênero, classe, raça,etc; relações e/ou conflitos com o Estado; fluxos de poder, influências políticas, morais e/ou religiosas.
Resumos submetidos
"Ortopedias" para as "sexualidades desviantes": experimentos e terapias de "reversão sexual" na endocrinologia do início do século XX
Autoria: Giulia Bauab Levai
Autoria: A chamada “cura gay” é uma ideia antiga, que parece sempre voltar a emergir, sobretudo em contextos políticos instáveis, por nunca ter sido realmente abandonada. No Brasil da crise que vivemos, volta e meia nos deparamos com termos como “reversão sexual” em manchetes que nos dão notícia de projetos de lei, liminar ou experimentos publicados em revistas como a Science. Há algum tempo, por conta do ofício, habituei-me a ler jornais brasileiros do início do século passado. Ora, “cura do homosexualismo” e “reversão sexual” são temas que ganham destaque em publicações dos endocrinologistas mais pavorosos do início do século XX, sobretudo e não por acaso, na década de 1930; agora, o fazem (além de pastores) alguns psicólogos, num cenário político que assiste o fascismo ganhar força. Desde aquela época, e até hoje – por mais que os usos da endocrinologia venham sendo radicalmente ressignificados, por meio de muita luta, para atender aos interesses da população trans –, a “correção” das “sexualidades desviantes” mobilizou muitos profissionais da saúde. Proponho-me a discorrer sobre este tema na endocrinologia sexual de cem anos atrás, para trazer perspectiva histórica e lançar luz à sua contemporaneidade, e às articulações entre ciência e política na medicina do sexo.
As Vozes que gritam tem cor: Violência Obstétrica e o Impacto na vida das Mulheres Negras
Autoria: Ana Claudia Coutinho da Silva, Cintía de Souza Batista Tortato – Doutora – Instituto Federal do Paraná –IFPR
Autoria: Neste artigo pretendo trazer a reflexão sobre a violência obstétrica como violência de gênero atrelada ao racismo institucional e sua relação com o desenvolvimento tecnocientífico. A pesquisa que se encontra em andamento faz parte da dissertação de mestrado interdisciplinar em Ciência, Tecnologia e Sociedade-CTS. Um campo que abre espaço para diversas questões, onde a antropologia se encontra cada vez mais consistente. Nesse sentido o estudo sobre a violência obstétrica se torna necessário, e ainda longe de se tornar obsoleto. O termo violência obstétrica refere-se a um tipo específico de violência contra a mulher que pode ocorrer geralmente em ambiente hospitalar. Essa violência institucional na atenção obstétrica se dá nos períodos da gestação, parto, puerpério e em situação de abortamento. A pesquisa que vem sendo realizado na cidade de Paranaguá, situada no litoral Paranaense, onde levantamos os dados compilados pelo Relatório Dinâmico : Monitoramento de Indicadores (Portal ODM), que no ano de 2015, 52,2% dos partos realizados em Paranaguá foram cesarianas. Percebe-se que na cidade, assim como em todo o País, são registrados muito mais cesarianas do que os 15% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Dessa maneira a pesquisa aqui apresentada pretende demonstrar como o avanço da ciência e tecnologia imbrica o sofrimento e o adoecimento dos corpos femininos e como isso se agrava quando identificamos esses corpos com sua cor/raça.
Contracepção no Brasil: biopolítica e moralidades em jogo
Autoria: Elaine Reis Brandão
Autoria: O planejamento reprodutivo no Sistema Único de Saúde não abrange as mulheres que dele necessitam, penalizando as mulheres pobres e negras. Em geral, elas compram os métodos hormonais (pílulas ou injeção) nas farmácias, sem passar pelos serviços públicos de saúde. Mesmo entre usuárias de métodos hormonais ou de barreira (condom), a contingência da gravidez é frequente, em razão de esquecimentos, falhas ou interrupções neste uso. A contracepção é um processo relacional, sujeito a condições sociais, de saúde e ciclo de vida, parceria sexual (ocasional ou estável) e hierarquia de gênero. Tal aprendizado e controle estão submetidos a muitos aspectos, sendo recorrente a gravidez imprevista. Assim, não é incomum que as mulheres recorram à contracepção de emergência, acessível nas farmácias, sem prescrição médica. Há uma tensão na disputa pelos significados a ela atribuídos no Brasil, onde o aborto permanece ilegal. Aborda-se a contracepção de emergência como objeto multidimensional e intrinsecamente conflituoso, envolto em controvérsias sociais e políticas pelo fato de seu estatuto moral em relação à reprodução estar situado entre aborto e contracepção. Isso faz com que seus significados se desloquem incessantemente, sendo socialmente reelaborados, conforme perspectiva que se tome para enquadrá-la. Na via normativa da saúde, deslizamento ocorre entre prevenção à gravidez e riscos à saúde que contraceptivo hormonal poderia aportar. Pela via das questões de gênero, sexualidade e geração, sobressai capacidade do sujeito de se autocontrolar e se autocuidar, exercitando sua autonomia, com os atributos relativos à (ir)responsabilidade e (in)disciplina sendo frequentemente mobilizados. A discussão mais recente sobre a proposta de introdução dos métodos contraceptivos de longa duração (LARC) – implante hormonal subdérmico, com duração de três anos, e dispositivo intrauterino liberador de levonorgestrel, com duração de cinco anos - no Sistema Único de Saúde permite-nos problematizar as estratégias discursivas utilizadas para justificar a propriedade destes métodos em “populações especiais” ou “populações vulneráveis”. O debate sobre o planejamento reprodutivo precisa compreender melhor as descontinuidades contraceptivas no uso de métodos, a centralidade da contracepção de emergência e o quanto as hierarquias de gênero dificultam uma prática contraceptiva segura. Ao contrário, a ênfase na (in)disciplina ou (in)capacidade da mulher, em especial, adolescentes, no tocante aos cuidados com a prevenção da gravidez termina por reforçar sua condição de menoridade social.
Criminalização do aborto e as bruxas no século XXI: biopoder e violência estatal
Autoria: Bruno Pinho Chaves, CAMILA MACHADO RAMOS DE CASTRO
Autoria:

Este work tem por objetivo fomentar o debate sobre a criminalização do aborto no Brasil. A elaboração deste se deu a partir de uma análise histórica com embasamento bibliográfico, começando pelo período da caça às bruxas, no início da Modernidade, e terminando na análise de discursos contemporâneos. Ademais, a discussão será trabalhada através da interseccionalidade (gênero, classe e raça). Para compreender a genealogia da proibição do aborto nas sociedades modernas recuo ao período de “transição ao capitalismo” na Europa. Entre as diversas mudanças que marcam o início da modernidade, encontra-se a domesticação dos corpos femininos e o consequente controle reprodutivo da população. Com base na literatura feminista contemporânea aponto a relação entre a criminalização do aborto e o pensamento capitalista, suas origens, continuidades e efeitos práticos, no contexto brasileiro. Para começar é necessário dizer que as bruxas eram as parteiras e as curandeiras, mulheres que curavam, que dominavam práticas de reprodução e contracepção humanas e que eram, sobretudo, mulheres mais velhas, fora da faixa de idade reprodutiva. A caça a elas teve como objetivo o extermínio dessas práticas, pois mostravam-se incompatíveis e um perigo à configuração do capitalismo. De acordo com Silvia Federici (2017), num contexto de privatização das terras comunais, crise econômica e redução populacional, a privatização dos corpos femininos na família nuclear heteronormativa atuou como instrumento do regime de biopoder que se iniciava. Seu objetivo foi administrar o crescimento demográfico, acabando com o controle das mulheres sobre seus corpos e capacidade reprodutiva. Contudo, após a criminalização, os abortos não deixaram de acontecer. Segundo os dados da PNA 2016, cerca de 16% de um total 442 entrevistadas que já realizaram aborto alguma vez tem renda familiar de um salário mínimo, dados significativos em relação às mulheres com rendas maiores. E 15% do total dessas 442 mulheres são negras, proporção muito superior às brancas com 9%. Isso mostra que através da negligência do seu papel, o Estado assume seu caráter racista (KALCKMANN; DOS SANTOS; BATISTA; DA CRUZ, 2007). Por fim, conclui-se que os discursos contra o aborto, no fundo, além de serem formas de criminalizar a pobreza e dar continuidade ao racismo, não são pró-vida, e sim pró-capitalismo. DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa nacional de aborto 2016. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 653-660, 2017. FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Editora Elefante, 2017. KALCKMANN, Suzana., Santos, Claudete G. D., Batista, Luis Eduardo, & Cruz, Vanessa. M. D. (2007). Racismo institucional: um desafio para a eqüidade no SUS?. Saúde e sociedade, 16, p. 146-155.

Empreendedorismo Materno: para início de conversa, uma questão de gênero.
Autoria: Marcela Marques Serrano
Autoria:

Durante as décadas de 1980 e 1990, a concepção de que as pequenas unidades produtivas têm um papel central na tentativa de solucionar os problemas de desemprego e pobreza no Brasil tornou-se hegemônica. A expectativa de um Estado interventor e criador de políticas públicas de emprego e renda que tivesse como norte o assalariamento e o work formal sai do horizonte e do discurso governamental. Mesmo durante os governos petistas, por alguns considerados neo-desenvolvimentistas, as políticas públicas de apoio de incentivo aos pequenos empreendimentos econômicos marcaram presença significativa. Do ponto de vista subjetivo, podemos identificar um processo de glamurização do empreendedorismo. Propagandas e pesquisas apontavam de forma positiva o caráter empreendedor e a capacidade criativa do povo brasileiro. “Ter seu próprio negócio”, frequentemente foi associado a um sonho de “ser o seu próprio patrão”. Conforme vem sendo apontado pela literatura, esse “mito do empreendedorismo” está impregnado da ideologia individualista, que responsabiliza o trabalhador pela sua “empregabilidade”. Contudo, estudos mostram que a realidade do empreendedorismo brasileiro está muito distante de um sonho; empresas de baixíssima lucratividade e com poucos anos de vida predominam. Boa parte dos empreendedores apresentam baixo grau de escolaridade e suas intenções de crescimento são poucas. Normalmente atuam no comércio e setor de serviços, com empreendimentos de baixo valor (tecnológico, por exemplo) agregado. Na grande maioria dos casos, trata-se da luta pela sobrevivência e reprodução social de “trabalhadores sobrantes”, excluídos do mercado de work sem previsão de retorno. Quadro que tende ao agravamento na atual conjuntura. Nos últimos dez anos, uma categoria específica vem se destacando dentro desse universo: o empreendedorismo materno, que abriga especialmente mulheres que se tornaram mães (mas também alguns pais) e optaram por deixar seu emprego para ficar mais próximas dos filhos. Há também aquelas que depois da maternidade encontraram dificuldades de reinserção no mercado de work. Saber quem são essas mulheres, traçar o perfil socioeconômico delas é um dos objetivos dessa pesquisa. Mas para além disso, foi possível perceber a partir das redes sociais, que há uma dimensão política (sobretudo no que tange à questão de gênero) que de certa forma distingue esse segmento. Na presente ocasião, a partir de uma pesquisa exploratória em sites e redes sociais, pretendo apresentar algumas reflexões sobre esse aspecto.

Etnografias abortivas na cidade de Belo Horizonte.
Autoria: Alessandra Brigo
Autoria: Esse work apresenta uma análise antropológica realizada em 2014 na área de Belo Horizonte, na tentativa de compreender as consequências da criminalização do aborto na saúde e na vida das mulheres, como as mulheres chegam a abortar clandestinamente e quais os meios praticados na área de Belo Horizonte, através de uma pesquisa etnográfica com entrevistas semi-estruturada. Foram investigadas as dinâmicas que determinam o controle social nos corpos das mulheres. A criminalização do aborto tem grandes consequências na saúde e na vida das mulheres, se tratando da quarta causa de morte materna e o estigma do crime deixa as mulheres com o medo de contar as próprias histórias e intimida os profissionais de saúde em ajudá-las. A opressão, a subordinação e a submissão continuam a ser perpetradas, a fim de exercer o controle sobre o corpo e a sexualidade das mulheres. As novas tecnologias médicas na área reprodutiva criaram uma divisão entre a função biológica do corpo e a ordem social, agora as mulheres podem explorar os próprios desejos sexuais sem relacioná-los à reprodução e isso criou uma desestabilização da sociedade. A obrigação de levar a gravidez a termo é um tipo de punição para o ato sexual realizado e portanto o aborto seria a prova de uma sexualidade sem controle ou da imprevidência das mulheres.
Gênero como categoria de análise para a Antropologia: contribuições das abordagens pós-coloniais
Autoria: Priscilla Braga Beltrame
Autoria: O objetivo deste ensaio é realizar uma breve reflexão a respeito das contribuições das teorias pós-coloniais para analisar e compreender sociedades do sul global, caracterizadas por terem sido ex-colônias, como por exemplo o Brasil. Especificamente a questão trazida é a contribuição da teoria pós-colonial feminista de Rita Laura Segato(1998; 2012; 2016) para compreender as particularidades e universalidades de sistemas de gênero. O texto é dividido em três tópicos de discussão. No primeiro tópico é realizado um apanhado de autores(as) pós-coloniais e a caracterização deste conjunto teórico para a Antropologia, citando autores(as) como Talal Asad (1975), Achile Mbembe (2001), Sérgio Costa (2006) e Larissa Pelúcio (2012). No segundo tópico as teorias de gênero construídas no Norte global de Gayle Rubin(1979) e de Joan Scott (1986) são trazidas a cena com o objetivo de poder relacioná-las às contribuições das reflexões de gênero desenvolvidas em países do Sul global. E por fim, no último tópico a teoria de gênero de Segato (1998; 2012; 2016) será abordada com o objetivo de compreender de que forma a partir do diálogo entre teorias de Norte e do Sul pode-se construir ferramentas analíticas melhor adaptadas para compreender gênero em contextos pós-coloniais. A questão teórica do ensaio é inspirado no questionamento de Mbembe (2001) a respeito de que forma teorias pós-coloniais contribuem com construções teóricas para a compreensão de contextos sociais distintos dos contextos nos quais foram construídas teorias antropológicas consideradas mais clássicas. E ainda mais especificamente, e no que se refere a questão central do ensaio, de que forma teorias pós-coloniais podem contribuir para pensar gênero como uma categoria de análise em sociedades da América do Sul.
Gênero e saúde em contexto de duplo fazer: as respostas ao Zika vírus no Brasil
Autoria: Jonatan Jackson Sacramento, Maria Conceição da Costa
Autoria: O objetivo do work é pensar em como as respostas coletivas à epidemia de Zika vírus e a microcefalia à ela associada estão marcadas por gênero. Tomando aquilo que algumas autoras estão chamando de “duplo fazer” entre gênero e processos de Estado (Vianna; Lowenkron, 2017) e de “idioma de coprodução” entre ciência, sociedade e Estado (Jasanoff, 2004), argumentamos que tais respostas estão motivadas por entendimentos de gênero, do que é ser mulher, mãe, entendimentos sobre masculinidades e feminilidades, ao mesmo tempo em que estão produzindo tais imaginários. Partindo da análise das ações de dois atores sociais específicos, o Ministério da Saúde e a ONG Instituto Anis, entre os anos de 2015 e 2016, pretendemos demonstrar como a demanda e a construção de políticas públicas em torno do Zika vírus vem sendo agenciada por diversos atores sociais.
Gênero, Saúde e Direitos Sexuais Reprodutivos: Uma Análise da Lei 9.263/96 e a Questão do Aborto: Desafios e Estratégias de Enfrentamento para a Efetivação das Políticas Públicas.
Autoria: Sandra Regina Alves Teixeira
Autoria: O presente work tem o escopo de analisar a Lei 9.263/96 intitulada de Planejamento Familiar, refletindo sobre os desafios dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres pós década de 90. Abordar-se-á categorias de teóricas (os) e militantes feministas, enfatizando a temática do corpo, sexualidade, saúde reprodutiva, e a questão do aborto. A metodologia utilizada é qualitativa, através do exame de bibliografias específicas, documentos institucionais e sites especializados, problematizando sobre o perfil social dessas mulheres e representações dos movimentos sociais, pautando se existe de fato eficácia e efetividade da legislação na garantia de políticas públicas, porém observando o papel do governo e sociedade civil, no controle social dessas políticas atinentes aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres considerados como direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana. O Planejamento Familiar é importante, pois o Estado tem o dever de implementar políticas públicas com garantia de efetividade e eficácia, conforme determina a legislação na área da concepção, contracepção e educação sexual e deve ser debatido por todos os setores sociais envolvendo os diferentes perfis sociais masculinos e femininos. Por outro lado a questão do aborto é fundamental também ser discutida, não apenas pelas mulheres feministas ou não, mas também incluir os homens e os diversos setores da sociedade, poder executivo, legislativo, judiciário e sociedade civil organizada, movimentos sociais, pois as mulheres não devem ser criminalizadas e julgadas, conforme mencionou Safiotti (2004, p. 23) ao parafrasear a teórica Benediet. “As mulheres são treinadas para sentir culpas. Ainda que não haja razões aparentes para se culpabilizarem, culpabilizam-se, pois vivem em uma civilização da culpa”. Portanto é necessária a construção de políticas públicas, que atendam os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, na perspectiva de romper com a violência, criminalização e preconceito que esta mulher vivencia no seu cotidiano permeado de violações de direitos fundamentais. Portanto é necessário e urgente salvaguardar os direitos fundamentais da saúde reprodutiva das mulheres, pois a criminalização eivada de misoginia, patriarcalismo, machismo, preconceito perante as que optaram pelo aborto, recaem apenas para as negras, pobres periféricas, enquanto as que possuem recursos financeiros procuram as clínicas particulares e as pobres têm que solicitar autorização judicial para realizar um procedimento inseguro violando o princípio da dignidade da pessoa humana, respeitando a autonomia sexual e reprodutiva, liberdade no direito de escolha e empoderamento do próprio corpo desta mulher que muitas vezes está sozinha sem o apoio e responsabilidade do papel social masculino.
Mediação e moralidades sobre medicamentos de gênero: A implementação das Profilaxias Pré-Exposição ao HIV num hospital da rede pública do Natal-RN.
Autoria: Antônio Ricardo Ximenes de Araujo
Autoria: Neste work, temos como objetivo o desenvolvimento de uma reflexão sistemática sobre dinâmicas institucionais que estão relacionadas à saúde sexual e reprodutiva de pessoas atravessadas por marcadores sociais da diferença, tais como: gênero, sexualidade, classe, geração, raça e etnia. Gostaríamos de abordar, dessa forma, uma problemática de estudos focada nas mediações de profissionais de saúde e no agenciamento de moralidades sobre processos de saúde e doença, que possuem relações, diretas ou indiretas, com os medicamentos farmacêuticos que parecem ocupar um espaço político relevante nas relações de gênero e sexualidades, os medicamentos de gênero. A pesquisa está sendo construída a partir de uma entrada etnográfica num campo específico, um Hospital da rede pública de saúde da cidade do Natal-RN que passou recentemente (desde maio de 2018) a oferecer a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP). A PrEP consiste na administração de medicamentos farmacêuticos antirretrovirais de forma contínua, os quais visam conferir uma parcial “resistência” à infecção por HIV em grupos de sujeitos, tidos pelos saberes biomédicos como: “populações chave (trabalhadoras do sexo, gays e outros HSH, pessoas trans, pessoas privadas de liberdade e pessoas que usam álcool e outras drogas) ou populações prioritárias (população negra, adolescentes e jovens, pessoas em situação de rua, indígenas)” (sic). A implementação desta tecnologia farmacológica pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, a partir de 2016, constitui-se como um campo fecundo para a realização de uma etnografia institucional que esteja atenta às maneiras como são construídos itinerários terapêuticos, que estão intrinsecamente ligados às experiências da doença. Pretendemos, dessa forma, desenvolver uma contextualização das relações políticas cotidianas que estão imbricadas pelos fluxos de poder, moralidades e práticas religiosas, específicas do contexto etnográfico em que acontece a pesquisa.
O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ASSENTAMENTO MANDACARU/SUMÉ-PB: uma análise sobre as múltiplas expressões e a rede de proteção
Autoria: Valdonilson Barbosa dos Santos, Maria do Livramento Mamede Bezerra
Autoria:

Esta pesquisa teve por objetivo desvendar o fenômeno da violência contra a mulher no contexto das comunidades rurais do munícipio de Sumé-PB, em suas múltiplas expressões, e a eficácia da rede de proteção a partir da perspectiva das mulheres rurais, gestores e profissionais que atuam no referido município. A pesquisa pode ser definida como qualitativa e descritiva. Para fins de análise, foram fontes de dados os áudios transcritos dos grupos focais que foi realizados em três Agrovilas do Assentamento Mandacaru/Sumé-PB, município que tem uma carência muito grande de estudos sobre as violências de gênero. Se torna importante, então, fazer uma análise sobre essas violências, tomando como ponto de partida o contexto rural, explorando o que as mulheres pensam e explicam sobre as práticas violentas de gênero, como simbolizam sua posição e papel no contexto familiar e a relação desses com as práticas de violência. Sempre procurando responder as seguintes questões: Existe rede de apoio institucional para as mulheres que sofrem violência conjugal nas comunidades rurais do município de Sumé estudadas? Qual a rede de proteção existente para a mulher rural em situação de violência doméstica e intrafamiliar? Qual o conhecimento e acesso à Lei Maria da Penha pelas mulheres rurais? Quais as violências sofridas pelas mulheres que vivem no meio rural? Dessa forma, obteve-se subsídios teóricos e práticos que aprofundaram o conhecimento e informações sobre a problemática social da violência contra a mulher em contexto rural que se constitui dentro de um vasto leque de situações que, por sua vez, implicam em subjetividades, valores e cultura, mas também em questões mais estruturais, a exemplo das condições de pobreza e desigualdades.

Perspectivas morais e religiosas sobre gênero que influenciaram a deposição de Dilma Rousseff: uma etnografia dos discursos neoconservadores de congressistas durante o processo de impeachment de 2016
Autoria: Alessandra Caroline Ghiorzi
Autoria: No ano de 2016, a primeira presidenta brasileira eleita, Dilma Rousseff, foi deposta por um processo de impeachment tramitado no Congresso Nacional. Rousseff foi acusada de cometer “crimes de responsabilidade” passíveis de deposição. Para analisar os crimes, o processo passou por diversas instâncias da Câmara Federal e do Senado: comissões especiais, debates em plenárias, votações em assembleias, bem como o julgamento final no Senado Federal. Assim, entre os meses de março e agosto de 2016, o Poder Legislativo brasileiro autorizou, avaliou, investigou e julgou a denúncia de “crime de responsabilidade” contra a presidenta da República, aprovando sua deposição em 31 de agosto de 2016. Durante os debates no Congresso Nacional, parte das falas foram pautadas na análise dos “crimes de responsabilidade”. Entretanto, uma parcela considerável dos discursos ultrapassou ou se misturou à temática pertinente, sendo que o gênero foi um campo discursivo mobilizado para justificar o impeachment de Dilma. O objetivo do presente work é descrever etnograficamente o contexto e o conteúdo dos discursos de congressistas que utilizaram como justificativa o gênero como fator legítimo para a aprovação do impeachment, como por exemplo a “defesa da família” e o combate à “ideologia de gênero implantada pelo Governo Dilma”. Este texto é parte da pesquisa de mestrado qualitativa realizada por meio de etnografia on-line, entre outros espaços, nos sites do Congresso Nacional que transmitiram e gravaram as sessões dessa instância política. Após a realização da pesquisa, ficou concluído que apesar de os “crimes de responsabilidade” terem sido debatidos durante o processo, o gênero, visto a partir de perspectivas morais e religiosas, foi um dos fatores que influenciaram o resultado desse processo, demonstrando o contexto neoconservador vivido pelo Brasil atual.
Sonhos in vitro: maternidade em tempos de reprodução assistida
Autoria: Lídia Marcelle Arnaud Aires
Autoria:

Apesar da ênfase na emancipação feminina que passa pela não obrigação de reproduzir e das significativas reelaborações acerca do que é ser mãe – em grande medida como herança das propostas feministas – que marcam a sociedade contemporânea, não são poucos os ditos populares ainda em voga a exaltar a figura materna. Assim como não é rara a utilização de discursos que mencionam a maternidade como experiência única que permite à mulher ser “verdadeiramente” uma mulher. Concomitantemente, lidamos com frases e propagandas veiculadas por clínicas especializadas em reprodução assistida que “convidam” as mulheres à realização de um sonho, o sonho da maternidade que não pode se concretizar em seus corpos pelas vias da natureza. Trata-se de um sonho construído social e comercialmente (com o precioso auxílio da indústria farmacêutica) e divulgado através de recursos de marketing que atuam no sentido de seduzir seu público potencial. Na busca por filhos/as de seu “próprio sangue”, “carne da sua carne”, é revelado o poder ideológico do sangue na construção do parentesco e da maternidade. Pretendemos, com este artigo, analisar o que motiva as mulheres a procurar e se submeter a tratamentos custosos financeira e emocionalmente sem ter garantia da eficácia ao final do tratamento. O que está por traz desta escolha? Assistimos a uma “retomada” não apenas da necessidade de ser mãe, mas de sê-lo pela via do biológico, com um suposto recrudescimento da família biológica que as novas tecnologias sinalizam. Um sonho que pode ser realizado através do “consumo” das tecnologias disponibilizadas para mulheres que desejam ser mães a “qualquer preço”. A lacuna representada pela incapacidade de gerar descendentes, na sociedade contemporânea ocidental, acabou se tornando alvo de investimentos e os médicos são representados como anjos, como enviados de Deus aos olhos do público que sofre com a ausência involuntária de filhos/as, na medida em que são eles que podem preencher o vazio ou eliminar a vergonha que advém dessa ausência, para muitos casais ou mulheres.

Trânsitos relativos ao HIV/AIDS na rede de atenção à saúde
Autoria: Ivia Maksud, Eduardo Alves Melo Rafael Agostini
Autoria:

Tradicionalmente, o "cuidado" às pessoas com HIV/AIDS no SUS se deu/dá em ambulatórios ou centros de referência, restando à atenção básica a realização de ações de prevenção/educação em saúde, a solicitação de testes diagnósticos e aconselhamento. Entre os anos 2011 e 2012, no bojo da política de redes temáticas, o Ministério da Saúde passa a estimular novas ações na atenção básica, com destaque para os testes rápidos (gravidez, sífilis, HIV) e maior incentivo para o tratamento de pessoas com sífilis. A partir de 2013, o MS passa a incentivar também o acompanhamento (não apenas a oferta de testes rápidos e aconselhamento) de pessoas com HIV na atenção básica dos municípios. Simultaneamente, alguns municípios do Brasil - como Curitiba e Rio de Janeiro - também passaram a realizar ações para descentralização do cuidado a pessoas com HIV para a atenção básica. A pesquisa que dá suporte a essa apresentação objetiva, em linhas gerais, analisar o “cuidado” a pessoas vivendo com HIV/AIDS no âmbito da atenção básica e na atenção especializada, bem como a relação entre essas duas esferas. A pesquisa está sendo realizada em unidades de saúde da cidade do Rio de Janeiro e envolve a participação de múltiplos atores, posicionados em diferentes espaços sociais. Pretendemos discutir no GT os aspectos teóricos-metodológicos para a entrada e permanência neste complexo campo e alguns resultados preliminares. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, ancorada na interlocução entrea literatura das Ciências Sociais com a área de Política, Planejamento e Gestão em saúde, e que tem se beneficiado de um conjunto de métodos e técnicas, tais como estudo de caso, observação participante, trajetórias assistenciais de pessoas vivendo com HIV/AIDS, entrevistas e/ou grupos focais com gestores e profissionais de saúde. Todavia, trata-se, fundamentalmente, de um campo não monolítico, que está em permanente construção ao longo do tempo, e, por dialogar com vários saberes, nos exige lidar com distintos pertencimentos epistemológicos e metodológicos. Em nossas andanças e análises, temos sido surpreendidos pelos diferentes pontos de vista acerca da temática da descentralização do cuidado às pessoas com HIV/AIDS na rede de saúde. É nesse sentido que, a partir de uma análise preliminar dos dados, apontamos um conjunto inicial de questões para provocar o debate sobre os sentidos da atenção às pessoas vivendo com HIV/AIDS num período marcado por trânsitos de diversas ordens, entre diferentes pontos de vista e unidades de atenção à saúde. Tais questões dizem respeito às representações sobre assistência ofertada para e recebida por pessoas vivendo com HIV/AIDS que colocam em xeque noções aparentemente estabilizadas como “básico” e “especializado”.

Zika Vírus e Síndromes Congênitas: Impacto da Epidemia em Mulheres “Mães de Micro” no RN em um contexto pós-golpe
Autoria: Rozeli Maria Porto
Autoria: Este work analisa os itinerários terapêuticos (Langdon,1994) de mulheres indígenas e não indígenas que tiveram filhos portadores de síndromes neurológicas congênitas a partir do advento do zika vírus no país. Tem como objetivo compreender o impacto dessa epidemia na vida reprodutiva, cotidiana e laboral das mulheres “mães de micro”, de seus filhos e outros familiares pós-surto em um contexto de crise pós-golpe. A pesquisa em andamento, está sendo empreendida a partir de work de campo etnográfico em algumas instituições (Hospital Universitário Onofre Lopes (Natal/RN), Centro de Saúde Anita Garibaldi (Macaíba/RN) e o Centro Comunitário dos índios Tapuia/Lagoa do Tapara - Macaíba/RN) e fora delas, com realização de entrevistas semiestruturadas a partir do processo “bola de neve” (Becker, 1993; Knauth e Victora, 2000) com as mulheres “mães de micro”, seus familiares e com profissionais de saúde, mediante utilização do TCLE.
“Nem Presa, Nem morta”: O debate sobre a descriminalização do aborto nas redes sociais durante a audiência pública no STF da ADPF 442.
Autoria: Eliana Coelho da Silva, Alba Maria Pinho de Carvalho
Autoria: Este work tem como objetivo analisar os sentidos do debate feito nas redes sociais online (Twitter e Facebook) sobre a descriminalização do aborto a partir da campanha de hashtag “Nem presa, nem morta”, ocorrida nos dias 3 a 6 de agosto de 2018, no mesmo período em que aconteceu as audiências públicas para a aprovação da ADPF 442 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 442) no Supremo Tribunal Federal. A campanha era uma ação online de apoio à ADPF 442, que foi impetrada no STF pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). De fato, a lei que criminaliza o aborto remonta 1940, ano em que foi escrito o Código Penal brasileiro, e a Constituição do Brasil foi promulgada em 1988, portanto, o objetivo da audiência pública era trazer à tona essa disparidade como também realizar o debate público sobre essa questão. A ADPF 442 pede que não seja crime o aborto até 12 semanas de gestação - em qualquer situação. Tendo como base também a pesquisa bibliográfica sobre a história da proibição do aborto no Brasil, esse work se centra fundamentalmente em apresentar análise dos discursos proferidos nas audiências e a recepção deles nas redes sociais. Considera-se aqui essa campanha como ciberacontecimento nas redes sociais online, porém dentro de um nincho específico de militância feminista virtual de páginas online feministas, haja vista que o engajamento durante a audiência se deu mais em torno da defesa da ADPF 442 que contrária a ela. O engajamento dos coletivos e sujeitos que se apresentam como “Pró-vida” contam com o assentamento no senso comum que o aborto é assassinato. Os sentidos desse discurso proferido pela ala conservadora presente no debate também foi objeto de atenção desse work. Por isso, inferi-se que os sujeitos da posição contrária a essa ideia encontram-se sempre em situação conflituosa nas redes sociais online. A emergência da campanha "Nem Presa, Nem Morta" e do engajamento dos sujeitos para que ela acontecesse também offline (“Festival pela Vida das Mulheres”) aponta para o fenômeno da construção de identidades feministas através da militância virtual nas redes (ciberfeminismos), objeto este da tese de doutorado em curso.