Cinque Terre
GT 021. Antropologia e tecnociência: teorias, métodos e perspectivas
Fabíola Rohden (UFRGS) - Coordenador/a, Marko Synésio Alves Monteiro (UNICAMP) - Coordenador/a, Jane Araújo Russo (IMS-UERJ) - Debatedor/a, Fabrício Monteiro Neves (Universidade de Brasília) - Debatedor/a, Guilherme José da Silva e Sá (Departamento de Antropologia - UnB) - Debatedor/a)
O objetivo deste GT é promover a discussão sobre as interfaces entre ciência, tecnologia, sociedade e poder, a partir da produção antropológica contemporânea. Dessa forma, busca ampliar o espaço de discussão do campo da Antropologia da Ciência e da Tecnologia, tanto no sentido de consolidar debates em andamento quanto na intenção de refletir sobre as perspectivas dessas investigações para o futuro. Temas como biossocialidades, biomedicalização, práticas de produção de conhecimento em laboratórios e as interfaces entre conhecimentos científicos e não científicos têm sido muito investigados em anos recentes. Ao lado desses temas, questões como as relações entre humanos-não humanos (dentro e fora de instituições científicas), redes de produção de ciência e tecnologia e as interações entre "nós" e cosmologias não ocidentais vêm dando cada vez mais densidade à reflexão antropológica. Ao lado da renovação dos temas de pesquisa, antropólogos/as envolvidos com a tecnociência vêm também ajudando a reconstruir teorias. Seja na crítica da Teoria Ator-Rede, ou no efervescente campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, temas como associações, performactivity e políticas ontológicas vêm ganhando terreno na análise social, com forte participação de antropólogos/as e do método etnográfico. O GT buscará reunir trabalhos que ajudem a construir uma reflexão sobre o papel que a Antropologia vem tendo nesse cenário de reflexões.
Resumos submetidos
A antidopagem e as suas tecnopolíticas: a emergência e o desenvolvimento das políticas de combate à dopagem no esporte.
Autoria: Marcos Silbermann
Autoria: Como o consumo de fármacos tornou-se um problema para médicos, instituições esportivas e cientistas? Ao mesmo tempo, como as associações sociotécnicas estabelecidas entre esta heterogeneidade de agentes procurou estabilizar as estratégias e formas de combatê-lo? Estas questões atravessam o artigo para explorar como as ações de combate à dopagem no esporte configuraram distintos conjuntos de regulações, mecanismos de controle e instituições com o objetivo de traçar os limites diferenciais (BARAD, 1999) que distinguem entre dopagem e antidopagem. O texto aborda a trajetória destes coletivos heterogêneos, como eles foram constituídos e modificados historicamente, ao passo que, através de suas transformações a dicotomia dopagem e antidopagem ganha diferentes formas de ser realizada. Nesta genealogia partimos de um momento anterior a emergência das primeiras ações de combate à dopagem. Com o objetivo de demonstrar como a transformação do consumo de fármacos entre atletas em uma categoria negativa, que associa imoralidade, insalubridade e artificialidade dependeu da articulação de instituições esportivas e médicas, incipientes técnicas laboratoriais e uma série de casos de mortes de atletas que estavam relacionados ao consumo de anfetaminas. A sua emergência corresponde a constituição da comissão médica do Comitê Olímpico Internacional, instituição responsável por estabilizar estas associações ao integrar à estrutura do movimento olímpico os médicos e cientistas que desenvolveram as primeiras metodologias de análise destas substâncias. Este modelo de ações antidopagem centrado em proibir substâncias e em aprimorar os procedimentos utilizados para detectá-las no organismo do atleta ditou o desenvolvimento das ações de antidopagem nas décadas seguintes. Com a fundação da Agência Mundial Antidopagem em 2000 entra em curso um processo abrangente de padronização das ações de combate à dopagem. Por meio da unificação de regulações e da transformação os mecanismos de detecção da antidopagem em um sistema complexo de monitoramento de atletas o binômio dopagem e antidopagem ganha novas formas de ser performado (MOL, 2002). A AMA tenta reconfigurar as ações de antidopagem ao trazer novos agentes ao coletivos sociotécnicos engajados no controle de dopagem. Estas novas heterogeneidades passam a depender do estabelecimento de fluxos de informações, amostras biológicas, atletas e oficiais de controle para realizar esta oposição e demarcá-la nos corpos de atletas e em instituições. As ações de combate à dopagem no esporte performam diferentes maneiras de produzir materialidades cingidas pela demarcação dopagem e antidopagem que explicitam a emergência de novas formas de controlar a conduta de atletas.
A patrimonialização da produção agroalimentar: a relação entre a pesquisa científica e a produção de queijos de origem reconhecida (AOC) na região da Auvergne, França.
Autoria: Mayra Lafoz Bertussi
Autoria: O escopo deste artigo recai sobre uma das estratégias de patrimonialização de produtos agroalimentares: as denominações de origem. As appellations d’origine contrôlée (AOC), versão francesa mais difundida, são um sistema de certificação baseado na noção de terroir cuja definição remete às especificidades geográficas, sociais e históricas do processo de manufatura de determinados produtos agroalimentares sustentando a proteção da origem como estratégia de valorização. Quando comparados aos produtos de consumo de massa, ou as chamadas commodities, os produtos agroalimentares de origem protegida se diferenciam por uma imagem de especificidade e autenticidade. Nesse sentido, insumos, instrumentos, métodos de fabricação e procedência são agenciados como forma de operar uma reclassificação dos alimentos através da objetivação da distinção. Ideias como tradição, savoir-faire, tipicidade e autenticidade se associam a fim de criar a singularidade do produto protegido. A inserção das AOC para além do território francês, com o seu reconhecimento pela União Europeia (UE) e Organização Mundial do Comércio, desencadeou um processo de legitimação das AOC via intensificação de critérios produtivos. Para o caso dos queijos AOC, esse período foi conhecido como de densificação das normas produtivas e gerou uma série de disputas pela categorização da qualidade dos queijos. A esse período de internacionalização do selo AOC soma-se o esforço em harmonização das regras sanitárias, ou seja, uma homogeneização das regras sanitárias para o conjunto dos estados membros da UE. No que tange a produção de queijos de origem reconhecida, esses dois movimentos – de densificação e harmonização – produziram uma série de pesquisas que visam a legitimação das AOC, seja pelo viés que busca reconhecer a autenticidade de tais produtos, seja pela garantia sanitária dos mesmos. Como recorte, tem-se a interlocução com os works em ecologia microbiana propostos pela Unité mixte de recherche sur le fromage (UMRF) do Institut national de la recherche agronomique (INRA) na região da Auvergne, França. Pesquisas desenvolvidas nesse laboratório buscam conhecer o papel da diversidade microbiológica dos queijos de leite cru e seu efeito de barreira para determinados patógenos. O leite cru é um leite que não tenha sofrido nenhum tratamento térmico e é tema de uma controvérsia. De um lado tem-se os contra leite cru, que entendem a qualidade como ausência de patógenos e, de outro, compreende-se que o leite cru possibilita maior respeito à origem e ao terroir. O artigo se propõe a conhecer o papel dos argumentos pró leite cru no fomento das denominações de origem
A pesquisa antropológica em oficinas virtuais: reflexões sobre pesquisa em uma plataforma online de desenvolvimento de software de código aberto
Autoria: Victor Vieira Paulo
Autoria: A partir de uma pesquisa em estágio inicial que tem por objeto etnográfico o desenvolvimento de software de código aberto através da plataforma online GitHub, pretendo empreender uma reflexão que aponta para algumas possibilidades e questões relativas a pesquisa antropológica nas “oficinas virtuais” de produção de tecnologia, constituídas através de formas de colaboração propiciadas pela Internet. GitHub é uma plataforma que permite aos seus usuários a criação de repositórios para armazenar código fonte de programas computacionais. Os repositórios podem ser de acesso restrito ou público. Um repositório público permite que vários programadores engajem-se no desenvolvimento do programa em questão. Sendo assim, a plataforma faculta a criação de diversas “oficinas”, ou “laboratórios” onde programas são criados e aperfeiçoados. Um fator importante é que o GitHub disponibiliza um histórico de cada projeto, contendo todas as alterações realizadas no código fonte (incluindo data e autoria), as discussões e debates realizadas pela comunidade de desenvolvimento em torno do do objeto técnico, e também diversos dados e estatísticas sobre a atividade realizada em cada repositório. A discussão metodológica proposta visa refletir sobre os procedimentos envolvidos no mapeamento e descrição do processo de emergência dos objetos técnicos criados nestes “laboratórios virtuais”. Para além das questões sobre etnografias em ambiente virtual, cabe uma discussão mais ampla sobre a realização de pesquisas antropológicas nestas plataformas. Neste sentido, nosso questionamento diz respeito à forma pela qual uma pesquisa antropológica pode se apropriar dos dados que as atuais plataformas virtuais produzem incessantemente acerca das atividades registradas nelas, a fim de descrever as redes envolvidas na criação das tecnologias emergentes. As discussões teóricas partem de algumas particularidades dos objetos estudados em relação àqueles comumente descritos na bibliografia. Me interessa pensar, sobretudo, as possíveis consequências do fato de que as tecnologias envolvidas no desenvolvimento dos softwares de código aberto tem como subproduto diversos dados históricos do processo de produção, fazendo com que a história do objeto técnico produzido sempre permaneça visível. Sendo assim, o caso estudado parece apresentar diferenças significativas em relação à tendência apontada na bibliografia para os processos de reificação dos objetos técnicos estabilizados, convidando a uma reflexão sobre a temática.
A testosterona faz mal? Reflexões antropológicas sobre o uso masculino de um hormônio.
Autoria: Lucas Tramontano
Autoria: Esse work parte de minha tese de doutorado, cujo objetivo foi discutir as múltiplas vidas da molécula testosterona em diferentes corpos masculinos, através de relatos de história de vida de homens cis e trans, de diferentes idades, raças/cores e orientações sexuais. O presente recorte trata de uma preocupação frequentemente levantada acerca do uso do hormônio: a testosterona faz mal? Na tentativa de responder a essa pergunta, e inspirado pelo ensaio de Peter Fry e Sérgio Carrara sobre a origem da homossexualidade, construí um quadro com as principais posições sobre a polêmica decisão de usar uma substância química para instaurar uma modificação corporal. Ao que tudo indica, tomar ou não testosterona é balizado por decisões mais morais que sanitárias, e surgem justificativas que poderíamos classificar como progressistas e conservadoras, tanto a favor como contrárias ao uso. Do lado favorável, temos a indústria farmacêutica, numa perspectiva de maximização de lucros e expansão do biocapital; e um discurso mais pós-estruturalista e ativista, que busca autonomia através de usos não legitimados (e muitas vezes ilegais) do hormônio, notadamente numa lógica de recusa ao binarismo de gênero. Do lado oposto, criticando o uso (desde que não associado a um diagnóstico), está o discurso oficial da medicina, fatalista e estereotipado, que mal esconde certo corporativismo e reserva de mercado; e, fechando o quadro, emerge um discurso comum no campo de estudos da medicalização e em parcela da militância feminista, que vê no uso de hormônios um domínio excessivo da biomedicina sobre os corpos, baseado também numa discussão de autonomia. Entre todos esses discursos, estavam meus interlocutores, que se valem dessas diferentes posições em diferentes contextos: justificar a própria escolha, indicar ou não a substância para outro homem, ou para explicar complicações oriundas do uso da testosterona (no outro). Assim, foi possível refletir acerca das complexas relações de poder que envolvem o uso do hormônio em diferentes contextos interseccionais, que confundem dicotomias frequentemente associadas ao uso de medicamentos para fins de aprimoramento, como natural/artificial, legal/ilegal, e, principalmente, controle/autonomia. Em última instância, a própria pergunta – testosterona faz mal? – faz pouco sentido, e suas respostas mais comuns tendem a um achatamento irreal (e contrariado pelos dados empíricos) da polissemia que envolve a testosterona. Por fim, cabe ressaltar que, ainda que tal quadro seja pensado no caso específico da testosterona, a proposta desse work é justamente refletir sobre sua expansão e aplicabilidade para o uso de medicamentos de forma mais ampla, ao menos para aqueles que afetam questões culturalmente associadas ao gênero e/ou à sexualidade.
Aprimoramento bioquímico e reatualizações de gênero. A promoção das descobertas científicas em torno da ocitocina em veículos de comunicação no Brasil.
Autoria: Fernanda de Carvalho Vecchi Alzuguir, Fabiola Rohden
Autoria: Discutimos a promoção da ocitocina como novo artefato tecnológico, capaz de capitanear, ao mesmo tempo, as explicações acerca das supostas diferenças biológicas entre os sexos e as expectativas de aprimoramento individual. O foco de investigação reside na divulgação de descobertas científicas em torno da ocitocina em veículos nacionais de comunicação como revistas de grande circulação, jornais, portais de notícias e sites de clínicas, médicos, farmácias de manipulação, laboratórios. Foram ao todo analisadas 68 matérias publicadas entre 1990 e 2015. Analisamos a promoção de ideias que ajudam a criar as expectativas que tornam possível a existência de um novo recurso de intervenção. Considerando as tecnologias como materializações de diferentes tipos de negociações que envolvem valores e práticas culturais (Oudshoorn, 2004), identificamos a mobilização de valores, normas, prescrições ou ideias que estão completamente imbricados pelo gênero. Além da frequente explicação científica do amor, sexo e prazer, via ocitocina, a partir de 2009 notamos um detalhamento bioquímico cada vez maior destes processos em termos neurocientíficos nas matérias analisadas. As descrições sobre a ação da ocitocina partem da suposição de que os corpos femininos e masculinos são distintos e complementares em relação à economia hormonal e sua relação com funções cerebrais específicas. Ao lado da ocitocina, temos uma cadeia, sempre associada às mulheres, que articula amor, acolhimento, proximidade, empatia, calma, tranquilidade e formação de vínculos duradouros. Enquanto isso, a testosterona, atribuída aos homens, é apresentada pela associação com paixão, desejo, potência, agressividade, infidelidade. Verificamos uma tendência de associar a ação da ocitocina no sentido da feminização e masculinização de corpos masculinos e femininos, respectivamente. Os discursos expressam a naturalização da relação entre sexo e amor como atributos naturalmente associados a uma suposta disposição físico-moral de homens e mulheres, respectivamente. Neste aspecto, a ocitocina sintética parece agir suprindo a atividade “naturalmente” diminuída do sexo para mulheres e da capacidade de amar e de ser fiel dos homens. Promete, em última instância, promover a durabilidade e estabilidade da relação conjugal monogâmica e heterossexual. As possibilidades dessa “administração bioquímica de si” podem indicar, a primeira vista, certo borramento das fronteiras entre os sexos. Contudo, argumentamos que embora seja concebível uma dose extra de hormônio para melhorar a performance de homens e mulheres, no que diz respeito ao que define a existência de cada um, continua sendo privilegiado aquilo que é compreendido como uma diferença inata, original e de cuja manutenção depende inclusive a reprodução da espécie.
As contribuições dos Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias para se pensar os conhecimentos indígenas
Autoria: Tiago Ribeiro Duarte
Autoria: No campo interdisciplinar dos Estudos Sociais das Ciências e Tecnologias (ESCT), surgido em meados dos anos de 1970, com algumas poucas, porém notáveis exceções, pouca atenção tem sido dada aos conhecimentos indígenas. Apesar disto, diversos/as autores/as da área realizaram contribuições teóricas que ajudam a pensar o tema. Além disso, um grupo de autores/as, apesar de restrito, realizou estudos relevantes sobre as interações entre conhecimentos originados em sociedades não-ocidentais e suas tensões e convergências com as ciências modernas. Nesse work, baseado em uma revisão da literatura dos ESCT, procuro mapear as diferentes contribuições desse campo para o estudo dos conhecimentos indígenas, a partir de quatro eixos analíticos: a) As contribuições de estudiosos/as construtivistas que ajudaram a formar o campo nos anos de 1970, dentre eles/as David Bloor, Barry Barnes e Harry Collins, que propuseram explicar tanto a crença em teorias científicas como em outras formas de conhecimento a partir de fatores sociais. Bloor, em particular, retomou a discussão sobre o pensamento dos Azande, a partir da obra de Evans-Pritchard, e defendeu a possibilidade de haver formas alternativas de raciocínio lógico com relação à lógica ocidental. b) Os estudos sobre a localidade de todas as formas de conhecimento, sejam elas científicas, indígenas, etc. Estes estudos em larga medida estiveram associados ao surgimento da teoria ator-rede nos ESCT. David Turbull, em especial, se dedicou a realizar estudos comparativos entre ciências ocidentais e conhecimentos indígenas entre o fim dos anos de 1980 e o fim dos anos de 1990, demonstrando como ambas são formas locais de conhecimento que podem adquirir maior ou menor alcance. c) Os estudos de diversos autores/as, particularmente a partir do fim dos anos de 1990, que realizaram estudos de caso revelando as tensões ontológicas entre conhecimentos indígenas e científicos. Helen Verran, por exemplo, no contexto australiano, buscou encontrar formas de conciliar as ontologias distintas de cientistas e populações aborígenes em situações de tomadas de decisão política. Na América Latina, destacam-se as obras de Mario Blaser e Marisol de la Cadena, orientados por noções que emergiram nos ESCT na esteira da teoria ator-rede, tais como políticas ontológicas e cosmopolítica. d) O recente surgimento de uma geração de estudiosos indígenas nos ESCT, dentre os quais se destacam Kyle Whyte e Kim TallBear. Enquanto o primeiro tem se dedicado aos conhecimentos indígenas sobre questões ambientais, a última tem como foco questões relacionadas à genética e indigeneidade.
Disputando diagnósticos: coprodução de conhecimento e controvérsias em torno dos “excessos do sexo” no DSM-5 e no CID-11
Autoria: Sarah Rossetti Machado
Autoria: O presente work parte de reflexões feitas em pesquisa de doutorado em andamento, que toma como objeto as controvérsias envolvidas na coprodução de conhecimento medico-científico acerca do diagnóstico do Impulso Sexual Excessivo no Brasil, em seu entrecruzamento com a produção internacional, que tem mobilizado mais recentemente os diagnósticos Hypersexual Disorder e Compulsive Sexual Behaviour Disorder. O objetivo geral da pesquisa que fundamenta tal artigo é analisar a emergência da categoria diagnóstica Impulso Sexual Excessivo em sua relação com os campos da biomedicina, da ciência e da sociedade, refletindo acerca das disputas de sentidos em relação à categoria e das convenções de gênero e sexualidade mobilizadas nos discursos biomédicos nacionais e internacionais sobre o tema. Neste work pretendo apresentar e analisar as controvérsias em torno da proposta de inclusão da categoria diagnóstica Hypersexual Disorder no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), publicado em 2013 pela APA e, mais recentemente, da inclusão da categoria Compulsive Sexual Behaviour Disorder no CID-11 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), publicado em Junho de 2018 pela OMS. O diagnóstico Compulsive Sexual Behaviour Disorder é definido, segundo o CID-11, “por um padrão persistente de falha no controle de impulsos sexuais repetitivos e intensos ou impulsos que resultam em comportamento sexual repetitivo”. A recente aprovação do diagnóstico aparece como mais um capítulo de uma intensa disputa no campo médico-científico a nível internacional, que têm ocorrido de maneira mais forte na última década, especialmente a partir de controvérsias envolvendo a correta padronização do transtorno, a circulação internacional do mesmo através dos manuais diagnósticos, além de temores quanto ao risco de patologização da sexualidade e a má utilização da categoria em âmbito forense. A observação dos processos de produção do DSM-5 e do CID-11, especialmente no que tange os diagnósticos mencionados, aparece como central para a compreensão das controvérsias e da produção de tais diagnósticos, sendo momentos nos quais aparecem alguns dos principais embates para a legitimação dos mesmos. Sendo assim, este work tem a intenção de refletir acerca das mudanças que têm ocorrido em relação à categorização dos “excessos do sexo” ao longo das últimas publicações de manuais diagnósticos como o DSM e o CID, a partir da análise de diferentes materiais que façam referência e atravessem as controvérsias em questão, como artigos científicos publicados na última década em revistas relevantes da área da Sexologia, Psiquiatria e Psicologia, matérias jornalísticas, material audiovisual e proveniente de observações online e offline.
Do ultrassom e suas materializações: sobre a produção, circulação, usos e efeitos de imagens médicas
Autoria: Marcos Castro Carvalho
Autoria: Trata-se de uma apresentação sobre o fazer etnográfico com imagens médicas. Tomo como ponto de partida minha pesquisa de tese (CARVALHO, 2015) – um estudo etnográfico das práticas experimentais de um Laboratório de Ultrassom Biomédico (LUB)-, buscando também delinear os primeiros desdobramentos de uma pesquisa de pós-doutorado centrada, dessa vez, no ultrassom de imageamento diagnóstico. No LUB, os pesquisadores e pesquisadoras ou estão envolvidos com o ultrassom de alta frequência, para a produção de imagens diagnósticas de tumores e inflamações, ou então trabalhando com o ultrassom de baixa frequência para o work fisioterapêutico no tratamento de lesões musculares ou ósseas. Nesse segundo momento da pesquisa, abordo o estudo laboratorial do ultrassom diagnóstico no LUB, conectando com outros investimentos empíricos paralelos, em uma etnografia multifacetada da produção, circulação, usos e efeitos de imagens ultrassônicas. Outro caso etnográfico da pesquisa é o de um Laboratório de Design, no qual fetos humanos são impressos em resina a partir de impressora 3D e de uma combinação computadorizada de diferentes imagens fetais (Ultrassom, Tomografia Computadorizada e Ressonância Magnética). Nesse segundo centro de pesquisa, muitas das imagens são realizadas tendo em vista a clientela de mulheres gestantes e suas famílias. Por fim, o universo das gestantes, dos médicos, dos técnicos e das clínicas de imagem também compõe essa cartografia das redes do ultrassom e suas diferentes formas de agência, que também busca pensar a questão da circulação imagem fetal no espaço público. Ou seja, o objetivo é atentar para a produção científica e laboratorial de tecnologias de imageamento biomédico, mas sem desatrelá-la dos movimento, associações e transformações das imagens e tecnologias ao longo de redes diversas, podendo abordar dessa forma a questão que Isabelle Stengers (2006) denominou como “saída do laboratório”.
Encriptando denúncias e revelando opressões: a internet enquanto plataforma para denúncias de violências de gênero e a agenda ciberfeminista
Autoria: Flora Villas Carvalho
Autoria: Este work é parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa Institucional de Iniciação Científica Voluntária (ICV) pela UFMG. A pesquisa, ainda em desenvolvimento, tem como objetivo entender como a internet tem servido nos últimos anos enquanto uma plataforma de denúncias de assédios e violências de gênero no Brasil e qual o papel dos ciberfeminismos neste cenário. Com a utilização de meios virtuais para apontamento de violências de gênero, as campanhas e movimentos das hashtags #meuamigosecreto e #meuprimeiroassédio, apesar de importantes para o movimento feminista, estiveram perpassadas por um perigoso problema: a exposição das denunciantes, uma vez que as denúncias eram feitas em seus perfis pessoais com todos os seus dados disponíveis junto à denúncia e, por outro lado, a preservação da identidade dos agressores pelo medo das retaliações. No entanto, não são poucos os casos de mulheres que sofreram e sofrem com as retaliações por parte destes homens e os processos legais de difamação e calúnia. A questão então é como preservar a identidade, a segurança e os dados destas mulheres que querem denunciar seus agressores e assediadores? Esta questão é central para vários coletivos e sites ciberfeministas que tentam criar espaços virtuais e programas seguros para mulheres, construindo uma agenda coletiva que discuta feminismos e suas lutas, articulando-as com as discussões de vigilância na internet e segurança de dados. Isto, pois a solução oferecida muitas vezes pelos governos é de combater os crimes de violências contra a mulher (dentro e fora da internet) através de um processo de diminuição da proteção de dados e identidades na internet e de combate às redes de navegação anônima. No entanto, estas ciberfeministas defendem que este tipo de estratégia, além de pouco eficaz, vai contra as propostas e lutas por uma internet menos vigiada, menos regulatória e mais segura para todxs, especialmente as mulheres. Além disso, defendem ainda a internet enquanto um potente espaço de luta e disputas de poder e discursos que deve ser ocupado. Desta forma, a pesquisa se desenvolve em três partes: levantamento e análise de campanhas virtuais como o #meuamigosecreto e #meuprimeiroassédio através do Facebook e do twitter, avaliando também seus ganhos, repercussões e as problemáticas que levantam por serem formas não-anônimas de denúncia pela internet; levantamento e análise dos coletivos e plataformas ciberfeministas que discutem as violências de gênero e suas denuncias através da internet; avaliação do crescimento das formas de violência virtuais de gênero e, por outro lado, das técnicas de denúncias e investigação destes crimes por parte de coletivos autônomos, que funcionam como formas de resistência a este movimento crescente.
Experimentos e mutações: a politização da vida através do aconselhamento genético
Autoria: Bruno Lucas Saliba de Paula
Autoria: Cada vez mais comum no Brasil, o aconselhamento genético (AG) pretende medir a probabilidade de que indivíduos sejam acometidos por enfermidades genéticas. Uma vez detectado esse risco, os pacientes são aconselhados, de forma imparcial e “não diretiva”, por uma equipe de especialistas de várias áreas. Com base nas informações assim obtidas, cada sujeito tomará, livremente, as providências que julgar necessárias: ajustar sua dieta, praticar exercícios físicos, ter ou não filhos, etc. Diante disso, nos propomos a abordar algumas questões: em que medida a autovigilância e o cuidado individual com a saúde conseqüentes do AG aproximam-se da subjetividade e das formas de controle social típicas da governamentalidade neoliberal, tal como pensada por Foucault? Se prefere não dar à luz um bebê possivelmente afetado por alguma irregularidade genética, estaria um casal perseguindo e sustentando tipos biológicos humanos tidos como normais e melhores? Estariam as informações obtidas através do AG relacionadas a modos de subjetivação e de sociabilidade específicos, praticados por cidadãos-pacientes responsáveis e engajados em coletivos de “biossociabilidade”? Buscamos responder essas questões a partir do repertório teórico-conceitual dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Interessa-nos identificar como estado, empresas, cientistas e indivíduos envolvidos com o AG tratam de temas como a implementação de políticas públicas relacionadas a genética clínica, os debates éticos em torno do AG e as controvérsias acerca dos avanços da medicina genômica. A medicina genômica e o AG se desenvolvem num contexto de redução dos encargos estatais, em que instituições privadas e indivíduos devem perseguir o bem-estar e a saúde. Cada um busca investir, voluntária e individualmente, em seu “capital humano” e “genético” através de cuidados com o corpo e com a saúde, numa série de práticas de autovigilância e de controle dos riscos. Portanto, com essa crescente responsabilização de cada sujeito, poderia estar a surgir um novo tipo de eugenia, desta vez mais individualizada. A diferença é que o AG seria praticado por indivíduos autônomos em busca da minimização dos riscos que podem acometê-los, enquanto as políticas eugênicas eram grandes empreendimentos estatais, de cunho coercitivo. Por outro lado, essa mesma dinâmica neoliberal parece favorecer o surgimento de movimentos de contra-subjetivação, de cidadãos-pacientes que engendram importantes redes “expertise leiga” e de participação política. Seria o caso das associações de portadores de doenças raras, que experimentam um novo tipo de ativismo ao lutar por recursos destinados ao tratamento de suas doenças, auxiliar médicos e cientistas em suas pesquisas, compartilhar de forma horizontal informações sobre suas enfermidades.
Fé na Ciência: notas etnográficas sobre a pesquisa científica no contexto da Síndrome Congênita do Zika Vírus (Recife/PE)
Autoria: Aissa Simas Petronilho
Autoria: A epidemia do vírus zika em 2015 causou uma alteração substancial no padrão epidemiológico de ocorrências de microcefalias no Brasil. As repercussões do vírus no desenvolvimento fetal eram até então desconhecidas, e esse sentido de novidade se aliou à atmosfera de calamidade gerada por tamanha emergência de saúde pública, voltando grande atenção e interesse científico para o epicentro do fenômeno no nordeste brasileiro. Essas microcefalias logo passaram a ser entendidas dentro de um quadro mais amplo, caracterizado como uma síndrome congênita do zika vírus – outro fenômeno sem registro prévio na literatura, que demandou um esforço exploratório continuado. Nessa conjuntura, os corpos e experiências das mães infectadas e de seus filhos nascidos com a síndrome congênita serviram como objeto empírico para as novas descobertas científicas, e continuam a ser mote de estudos para ciências biomédicas e humanas. O presente work se insere nesse contexto com o propósito de pesquisar sobre a pesquisa sob o marco de uma antropologia da ciência, analisando as relações de uma mãe e sua filha afetada pela síndrome congênita com pesquisadores no contexto da produção científica em torno do zika e da síndrome congênita em Recife/PE.
Governança digital e o processo de "mineração": especialização e controvérsias no sistema peer-to-peer Bitcoin
Autoria: Bruno Campos Cardoso
Autoria: Considerado a primeira "criptomoeda" e em operação desde 2009, o Bitcoin é, por um lado, um protocolo para a troca de valores eletrônicos e, por outro, um sistema complexo de máquinas, técnicas e atores humanos, associados em comunidades e mercados de tipo descentralizado. A produção coletiva de um estado de consenso distribuído se dá por meio do emprego ostensivo de algoritmos criptográficos, da mobilização de aglomerados de máquinas com alto poder computacional e da atuação de programadores, investidores e usuários em uma rede de troca transnacional que opera sem a necessidade de autoridades reguladoras centrais. Nos últimos anos, para além da crescente adoção e da alta volatilidade de preço, o sistema peer-to-peer Bitcoin também tem sido palco de uma série de controvérsias em seu ecossistema de usuários, desenvolvedores, empresas, serviços e indústrias. Neste artigo tenho como foco uma dessas controvérsias, a que tem se dado, nos últimos anos, por conta da superespecialização de certos atores da rede conhecidos como "mineradores". A partir do desenvolvimento de hardware dedicado (ASICs) à "mineração" -- um processo de validação de transações essencial ao funcionamento da criptomoeda -- tal atividade, antes desempenhada por computadores domésticos e pequenos rigs (acoplamentos de componentes, como séries de placas de vídeo, para maximizar o poder computacional de uma instalação) é agora dominada por empresas que desenvolvem, produzem e empregam em larga escala o uso de máquinas ASIC (Application-Specific Integrated Circuit). Uma vez que se trata de um processo que demanda grande quantidade de poder computacional e, por conseguinte, um alto consumo de energia elétrica, essa atividade tem passado por um processo de centralização em torno desses atores e de suas instalações. Tal processo de centralização é motivo de intensas controvérsias sobre o funcionamento do sistema, uma vez que este se pretende descentralizado e autônomo. O fato da concentração de poder nas mãos de poucos atores, bem como suas implicações econômicas e técnicas, serão abordados a partir da interface da antropologia e da política, visando a descrição etnográfica da rede a partir do processo de "mineração" e dos seus desdobramentos mais recentes. A intenção é mostrar como uma rede peer-to-peer de tipo distribuído, como a do Bitcoin, é motivo de disputas técnicas, econômicas e políticas, bem como de processos específicos de centralização e descentralização que transformam a topologia e a governança desta rede sociotécnica.
Guerra por água: os Mebengokre-Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá e os Juruna (Yudjá) da Volta Grande do Xingu contra os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte.
Autoria: Thais Regina Mantovanelli da Silva
Autoria: Em vinte de abril de 2010, o leilão para concessão e comercialização de energia da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi realizado pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) com uma duração histórica de apenas sete minutos. Esses sete minutos alteraram de forma irreversível a vida dos vários povos indígenas e ribeirinhos da região de Altamira, inaugurando o que chamo de “era dos impactos”. Minha apresentação irá se referir aos impactos da barragem do ponto de vista de dois povos especificamente: os Juruna Yudjá da Volta Grande do Xingu e os Mẽbengokre-Xikrin da Terra Indígena Trincheira-Bacajá. Trata-se de destacar etnograficamente os engajamentos estéticos e as práticas narrativas dos impactos desses povos que são negligenciados nos documentos oficiais de monitoramento dos impactos da obra. Apesar desse negligenciamento, os Mẽbengôkre-Xikrin e os Juruna Yudjá insistem em afirmar suas assustadoras teorias de impactos decorrentes do barramento do Xingu e da drástica diminuição dos regimes de cheia. Em vários momentos, especialmente em situações de reunião com a empresa concessionária, esses povos tem questionado com veemência os dados do monitoramento oficial apresentado pelo órgão empreendedor e por técnicos especialistas contratados pela Norte Energia. Ao expressarem seus questionamentos que contradizem os dados oficiais, ambos povos defendem a validade das teorias e das narrativas de impacto condizentes com as formulações das pessoas moradoras das aldeias em suas Terras Indígenas: a Trincheira-Bacajá e a Paquiçamba da Volta Grande do Xingu. Assim, proposta dessa apresentar é levar essas reivindicações às últimas consequências, de modo a problematizar maneiras pelas quais as teorias de impactos desses povos afetados pela barragem de Belo Monte impactem também discursos científicos presentes nos relatórios de impacto, elaborado pelas empresas, e análises antropológicas da escrita etnográfica.
Menstruapps e possíveis interseções entre corpo, tecnologia, política e gênero
Autoria: Gabriela Cabral Paletta
Autoria: Com a criação de aplicativos de celular cujo objetivo é o monitoramento e acompanhamento do ciclo menstrual, muitas das questões relacionadas ao ativismo menstrual e feminismos retornam, acompanhando o crescimento de debates políticos que dizem respeito à saúde da mulher, produção de conhecimento, direitos sexuais e reprodutivos. A forma como as mulheres entram em contato com seu próprio corpo pode estar mudando através de uma combinação de toques sobre uma tela sensível. As fronteiras do corpo estão borradas, tal qual as nossas digitais sobre o blackmirror. Neste caso, tempestades de dados e informações viscerais estão sendo produzidas e disponibilizadas através destes dispositivos que prometem ser cientificamente fundados, mas que, em contrapartida, não deixam claro para onde vão as nossas informações ou mesmo quem mais tem acesso a elas. Mas que ciclo é esse que é monitorado? Essas ferramentas, cujo combustível são os nossos dados, também funcionam como laboratórios para a observação de padrões fisiológicos e comportamentais, que começam pela frequência da menstruação e de sintomas associados, até hábitos off-line. De que menstruação estamos falando agora, uma vez instrumentalizada por aplicativos móveis? A partir do momento em que você digita a palavra “menstruação” nas lojas de aplicativos, como o Google Play e na Apple Store, mais de 1.000 apps aparecem disponíveis, entre eles softwares de downloads gratuitos e pagos (MOGLIA et al., 2016). Para conseguir explorar os questionamentos colocados acima, trabalharei com aplicativos de monitoramento menstrual disponíveis nestas mesmas lojas, com enfoque nas lojas brasileiras. Dentro do universo de aplicativos ‘Saúde e Fitness”, foram selecionados quatro aplicativos que se propõem a monitorar e acompanhar o ciclo menstrual e suas fases. Com os menstruapps, monitorar seu ciclo significa, para além de tudo, informar regularmente ao aplicativo se você saiu, bebeu, fumou, se estava com muito tesão, se gozou, em que posição, como estava seu cocô, se dormiu bem, como vai seu muco vaginal. Estes apps performam, por sua vez, menstruantes que sangram, bebem, fumam, gozam, cagam... Não que isso não existisse ou acontecesse antes do aplicativos, mas o que está sendo mobilizado, e a forma pela qual se concretiza, parece diferente em sua repetição. Uma vez que a proposta aqui se coloca como um emaranhar entre as fronteiras de polegartela, de tocar e ser tocado, de corpomáquina, do ciborgue, da menstruaçãoaplicativo, trata-se também de propor uma desestabilização espacial e adentrarmos o ciberespaço como campo e objeto de interesse.
Notas sobre conhecimento e autoridade científicos em tempos de mídias digitais e neoliberalismo
Autoria: Leticia Maria Costa da Nobrega Cesarino
Autoria: Nas três últimas décadas, muitos autores no campo CTS em geral, e na antropologia em particular, têm discutido a erosão da autoridade da ciência nos moldes “clássicos” e a consequente necessidade de refazer o pacto político dentro e entre o pólo social do grande divisor natureza-cultura. Noções como a de sociedade do risco, cosmopolíticas e Antropoceno vêm apontando para a incapacidade da ciência de controlar os híbridos que ela própria faz proliferar, e assim de se manter como porta-voz exclusiva dos não-humanos na modernidade. Embora este enfoque faça sentido por refletir a função auto-atribuída da ciência de fazer a mediação legítima entre natureza e sociedade, é possível que outros aspectos do problema estejam sendo sub-explorados pela literatura. Este paper pretende levantar e discutir algumas dessas possibilidades, relativas à difusão das tecnologias da informação e mídias digitais, por um lado, e ao contexto contemporâneo da globalização neoliberal, por outro. Sugiro que essas duas temáticas apontam para processos que, por vias diferentes, também têm contribuído para minar a autoridade científica conforme ela se organizou nos moldes originais da “Constituição moderna”.
O work de se fazer ciência: mosquitos e humanos no controle de arboviroses
Autoria: Luisa Reis Castro
Autoria: O mosquito Aedes aegypti pode transmitir o vírus de doenças como dengue, Zika ou chikungunya. Novas estratégias de controle vetorial propõe utilizar o próprio mosquito para controlar essas doenças. Uma dessas propostas visa infectar o Aedes com a bactéria Wolbachia, que inibe a replicação e transmissão dos vírus. Essa estratégia instrumentaliza a reprodução do Aedes: mosquitos com Wolbachia devem copular com mosquitos “selvagens” e a prole também terá Wolbachia. Porém, experimentos mostram que o mosquito Aedes aegypyi não voa longas distâncias. Assim sendo, a expansão geográfica da população de mosquitos com Wolbachia depende da mobilidade de humanos. A partir de uma work etnográfico com a equipe do projeto soltando mosquitos com Wolbachia pelas ruas do Rio de Janeiro, essa apresentação visa analisar a relação humano-mosquito através da categoria "work". Divulgadores do projeto focam na “auto-sustentabilidade” da estratégia: uma vez soltos, os mosquitos com Wolbachia fazem o “work por conta própria”, se reproduzem e disseminam a bactéria pela população de mosquitos. Proponho refletir sobre essa “naturalização do work” (Besky e Blanchette 2018) dos mosquitos, e contrastá-la com o work dos agentes e técnicos que precisam se mover pela cidade do Rio.
Onde está o ambiente? Questões sobre genética, organismos e seus mundos de relações
Autoria: Beatriz Demboski Búrigo
Autoria: Moléculas, genes, códigos fazem parte de um conhecimento relativamente novo, que revolucionou a forma de compreender os seres deste planeta - incluindo os humanos. Atualmente, a noção de pessoa e a busca da compreensão do que é ser humano, a partir dos conhecimentos biomédicos, se concentra e se esgota em partículas cada vez menores, como por exemplo, em nosso código genético. Separando-se, assim, cada vez mais, de uma noção de organismo envolto e submerso por/em um ambiente (compreendido aqui, no seu mais amplo sentido, mundo "natural" e "social", se é que podemos separá-los). Apesar do surgimento de novas teorias a considerar este ambiente na constituição de um organismo - por exemplo, as novas concepções sobre evolução, desenvolvimento, epigenética -, tanto as correntes teóricas hegemônicas, como os discursos médicos mais difundidos, ainda são extremamente pautados por ideias ‘neodarwinistas’ que negam em suas análises qualquer noção de características adquiridas pelo organismo em seu desenvolvimento. Estas ideias acabaram por ancorar, de tal maneira, suas concepções nos conhecimentos sobre genética e biologia molecular. Porém, onde está o ambiente? Quais são as maneiras do conhecimento médico sobre genética apagar e/ou evidenciar a participação do ambiente na constituição de um organismo? O que implica este apagamento e/ou evidenciação na nossa compreensão da constituição do ser humano e na nossa noção de pessoa? Além do mais, há muito a Antropologia preocupa-se com questões que acabam por opor inato/adquirido, natural/cultural, corpo/mundo, nas compreensões sobre constituição de seres. Desta forma, de que maneira a biologia e a genética também poderiam contribuir para esta discussão e para a conceitualização de um ambiente mais completo e complexo? Portanto, neste work, apresento reflexões sobre genética e ambiente a partir dos discursos médicos presenciados no Primeiro Congresso Brasileiro de Neurogenética, em São Paulo, em contraposição com reflexões propostas em um Grupo de Estudos em Evolução, no departamento de Biologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Desta forma, apresento de quais formas estão sendo articuladas as noções de genética e ambiente nestes espaços, e, consequentemente, quais são as noções de organismo, pessoa e indivíduo que acabam por decorrer de um individualismo que os afastam de todas as relações circundantes que os constituem: de seu ambiente.
Os hormônios contraceptivos entre antigas e novas controvérsias: (re)negociações em torno de contracepção, gênero e saúde
Autoria: Bruna Klöppel
Autoria: O presente work, fruto da minha pesquisa de doutorado em Antropologia Social em andamento na UFRGS, tem como objeto as controvérsias públicas em torno dos hormônios contraceptivos no Brasil. Lançados em 1960, seus efeitos foram alvo de controvérsia em diferentes mídias entre 1968 e 1980 (Pereira, 2016), sendo apenas no final da década de 1980 que um consenso foi obtido em torno de sua segurança. Entre 1990 e 2014, os riscos, quando apareciam publicamente, eram naturalizados e vistos como efeitos colaterais controláveis e mínimos quando em comparação às vantagens. Nesse mesmo período, os hormônios passaram a ser promovidos em seus efeitos extracontraceptivos: controle da menstruação e da tensão pré-menstrual, diminuição da oleosidade da pele e cabelo, diminuição de pelos, dentre outros (Nucci, 2012). Desde 2014, no entanto, a segurança da contracepção hormonal voltou a ser questionada publicamente, tornando-se alvo de controvérsias tanto na mídia tradicional quanto nas novas mídias sociais. Tendo em vista as pesquisas que indicam a centralidade dos hormônios nas explicações sobre corpo, gênero, sexualidade e saúde, verifica-se que há, por um lado, um aumento da propaganda e da prescrição de substâncias à base de hormônios para resolução de supostos problemas (Rohden, 2016; 2018) e, por outro, há um aumento da desconfiança em relação ao consumo desses mesmos hormônios, o que tem feito diversas mulheres jovens escolarizadas de classe média interromperem o uso da contracepção hormonal e se tornarem bastante críticas a ela (Klöppel, 2017; Santos, 2018). Dessa forma, meu objetivo nesse artigo é esboçar uma comparação entre as controvérsias públicas que ocorreram entre as décadas de 1960 e 1980 e as que estão se dando nos últimos anos. Quais as semelhanças e diferenças? O que fez com que a contracepção hormonal voltasse a ser questionada em sua segurança? O que está sendo renegociado? De que forma? Para responder a tais perguntas, realizo pesquisa documental em artigos científicos e midiáticos nos quais pesquisas e relatos de casos sobre efeitos adversos dos hormônios têm sido divulgados, observação participante em grupos no Facebook tratando da temática e em congressos de Ginecologia, além de entrevistas semiestruturadas com médicos ginecologistas, com uma representante farmacêutica e com mulheres críticas aos hormônios contraceptivos. Com o apoio dos estudos sociais da ciência e tecnologia, objetiva-se, com a descrição dos diferentes conflitos e estabilizações em jogo, mostrar algumas das ontologias políticas (Mol, 2007) dos hormônios contraceptivos. Dessa forma, busco compreender de que forma as performances assumidas por esses hormônios têm efeitos conformadores de fronteiras relativas a sexo/gênero, natureza e saúde.
Precariedades oportunas: economias políticas da doença e da saúde na experimentação farmacêutica
Autoria: Rosana Maria Nascimento Castro Silva
Autoria: A participação brasileira na geopolítica global da experimentação farmacêutica industrial tem sido marcada por sua posição como um país no qual são recrutados grandes contingentes de sujeitos para os experimentos. Diante do reconhecimento de que no Brasil há uma grande diversidade de pessoas adoecidas e sem acesso a tratamento adequado, diversos atores do campo da pesquisa clínica vêm mobilizando esforços para aumentarem o afluxo e a eficiência de estudos farmacêuticos para o país. Tais iniciativas têm como eixo central a produção de condições que facilitem a aprovação sanitária e ética para condução desses experimentos para, assim, expandir a inclusão de sujeitos de pesquisa nos experimentos. Os argumentos e estratégias para tanto são também relacionados a questões éticas e de saúde pública. Autoridades públicas nacionais, empresas de pesquisa clínica e centros de pesquisa articulam a importância da pesquisa clínica para o Brasil apresentando-a como um caminho para ampliação e qualificação do acesso a serviços e tecnologias de saúde, já que os tratamentos experimentais devem ser fornecidos gratuitamente durante os estudos. Nesse contexto, é notória a caracterização das próprias fragilidades do funcionamento do Sistema Único de Saúde como um facilitador das oportunidades para condução de pesquisas clínicas no Brasil. Considerando que, aqueles sujeitos que não recebem tratamento adequado seriam aqueles mais disponíveis e dispostos a se candidatarem aos experimentos, tais atores convertem as precariedades do sistema público de saúde e das experiências terapêuticas de indivíduos que as vivenciam em oportunidades de negócios. A partir de pesquisa de campo realizada com profissionais de empresas de pesquisa clínica, pesquisadores e com sujeitos dos experimentos, este work procura discutir as imbricações e implicações mútuas entre precariedades no acesso à saúde e oportunidades de realização de experimentos pela indústria farmacêutica a partir da categoria “economias políticas da doença e da saúde”. Por meio dela, busca-se identificar e refletir criticamente a respeito de como esses empreendimentos globais se configuram, nas experiências de diferentes sujeitos engajados em experimentos farmacêuticos, como simultaneamente arriscados e redentores, um negócio privado e um compromisso público, um empreendimento e uma dádiva.
Propriedade intelectual, cartografia de patentes: a agência do medicamento
Autoria: Flora Rodrigues Gonçalves
Autoria: O objetivo desse work é compreender como as patentes de medicamentos acionam uma multiplicidade de mundos e agentes que parecem, à primeira vista, invisíveis. As patentes fazem parte de um mecanismo que nem sempre envolve apenas inovação e competição. Assim como a noção de autoria e de indivíduo “ocidental”, as patentes de medicamentos traduzem relações entre propriedade, entre corpos, entre os pacientes e, principalmente, sobre o que chamamos de produção da “Ciência”. Essa discussão, fruto de minha pesquisa em andamento no Doutorado, surgiu da necessidade de discutir a proteção patentária de alguns remédios quando eu tive, como experiência pessoal, de acionar a Farmácia de Alto Custo do SUS e conviver com todas as questões que os remédios e seus usuários enfrentam diariamente. A Farmácia de Alto Custo é uma assistência realizada de forma sistêmica desde 1993, que envolve medicamentos de alto custo para doenças graves e incapacitantes. Além dos medicamentos apresentarem um alto valor, são geralmente de uso prolongado. O subsídio pelo governo faz com que o acesso a esses medicamentos seja garantido, porém, recentemente, os medicamentos não têm sido disponibilizados pelas Farmácias de Alto Custo, seja pela mudança de produção dos fármacos por outro laboratório, seja pela negociação pelo barateamento do valor unitário dos remédios pelas empresas farmacêuticas. Dessa forma, a partir de uma análise antropológica, pretendemos compreender porque as patentes são formas de experimentar o mundo. E talvez, uma das formas mais violentas possíveis.
Radares da Violência: infraestruturas digitais de uma política de segurança pública
Autoria: Jonathan Madeira Rocha
Autoria: Este é um projeto da área de Ciências Humanas, cujo foco são as discussões a respeito da ciência e tecnologia e seus desdobramentos sobre a vida e controle dela. O tema desta pesquisa é a tecnologia empregada na análise e mapeamento de estatísticas criminais e sua repercussão na política de segurança pública do município de Canoas/RS. Para isso, utilizo minha inserção de um ano como estagiário no Observatório de Segurança Pública de Canoas. O Observatório é um órgão vinculado a Secretaria Municipal de Segurança com Cidadania de Canoas, e é responsável pelo acompanhamento das estatísticas do município. Neste empreendimento, diversos atores são mobilizados: técnicos, gestores, policiais e infraestruturas digitais, descritas aqui como componentes tecnológicos utilizados para analisar, mapear e apresentar os indicadores observados. São computadores, redes virtuais, softwares, câmeras de vigilância, radares, sensores, smartphones e outros dispositivos informacionais. Este work pretende apresentar os primeiros resultados da pesquisa orientada por Jean Segata, coordenador do GEMMTE – Grupo de Estudos Multiespécie, Microbiopolítica e Tecnossocialidade, do PPGAS da UFRGS. Para descrever como se relacionam tais atores, proponho uma etnografia do laboratório onde as análises são feitas, buscando tencionar o modo de produção destes artefatos científicos e seu emprego nas políticas de segurança do município. Esta é uma tentativa de mapear controvérsias nos discursos que sustentam as políticas públicas. Para realizar este work serão utilizadas duas formas de abordagem. (a) Observação participante no próprio laboratório, o que garante aprofundamento ideal para descrever como são negociadas estas relações, além de reuniões e apresentações. (b) Entrevistas não-diretivas com interlocutores centrais como, um Guarda Municipal, especialista em Tecnologia da Informação que atua a 2 anos no Observatório e o atual Secretário de Segurança Pública de Canoas. Por fim, cabe localizar o Observatório em um modelo de gestão que se constrói e se transforma ao longo de dez anos, e minha posição de estagiário tentando reconstruir sua trajetória, as atuais tensões na produção de dados e o possível impacto nas políticas de segurança pública do município.
Uma medicina para a longevidade: controvérsias da abordagem médica do envelhecimento.
Autoria: Fernanda dos Reis Rougemont
Autoria: Este work tem o objetivo de analisar mudanças no processo de biomedicalização da velhice a partir das controvérsias suscitadas pela Medicina Anti-aging no Brasil. Busca-se identificar o diferencial da abordagem anti-aging na experiência do envelhecimento. A análise tem como ponto de partida o conflito entre os médicos praticantes da Medicina Anti-aging e as instituições oficiais de medicina, na medida em que essa vertente não é reconhecida pelas autoridades em saúde. O enquadramento teórico-metodológico da pesquisa foi constituído principalmente pelos princípios da Teoria Ator-Rede na perspectiva de Bruno Latour. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com médicos praticantes da Medicina Anti-aging, membros do Conselho Federal de Medicina e pacientes que se submeteram aos tratamentos anti-aging, observação em campo e análise de documentos produzidos pelos profissionais. Para compreender o que é a chamada Medicina Anti-aging, é preciso considerar que ela é praticada por profissionais formados em instituições tradicionais de medicina, que participam das sociedades profissionais reconhecidas e reivindicam fazer parte do modelo biomédico do qual são, ao mesmo tempo, críticos e dissidentes. A discussão apresentada no work busca abordar a ambiguidade da medicina Anti-aging no contexto biomédico a fim de explorar transformações na concepção médico-científica do envelhecimento como fenômeno. Este work tem como foco a centralidade do holismo nas proposições de abordagem médica do envelhecimento tanto na Geriatria/Gerontologia quanto na Medicina Anti-aging, contrastando as diferentes perspectivas. No contexto de promoção do envelhecimento ativo e de maior responsabilização individual por cuidados com a saúde para um bom envelhecimento, são apontadas mudanças na relação dos pacientes com o cuidado médico institucionalizado. Desse modo, busca-se mostrar que a Medicina Anti-aging é parte de um movimento de questionamentos a respeito dos processos de regulação da saúde no Brasil.
“Algo bom em excesso”: controvérsias científicas e moralidades nas representações da gordura corporal
Autoria: Beatriz Klimeck Gouvêa Gama, Rogerio Lopes Azize
Autoria: A partir de novas hipóteses científicas, especialmente nos últimos vinte anos, a gordura corporal teve seu papel deslocado entre as funções do corpo humano, passando a ser compreendida enquanto fundamental órgão metabólico de proteção e regulação. Em uma sociedade considerada lipofóbica, que rejeita e oprime corpos gordos, as representações negativas da gordura extrapolam o âmbito da Medicina, mas também se alimentam de sua ampla validação. O discurso biomédico que associa o corpo magro (ou emagrecido) à saúde reforça e fornece embasamento para a estigmatização de pessoas gordas, mas também produz conhecimento sobre esses corpos a partir dos preconceitos da sociedade. Através de livros acadêmicos utilizados no ciclo básico de cursos de graduação em Medicina, o presente work busca compreender controvérsias técnico-científicas, agenciamentos pressupostos (em, por exemplo, textos que posicionam as células como “menos” ou “mais ativas”) e as metáforas e metonímias médicas mobilizadas em torno da gordura corporal, cujo estatuto varia entre o excesso e a falta.
“Errar (meioticamente) é humano”: controvérsias em torno dos casos de mosaicismo embrionário na prática clínica dos screenings pré-implantacionais
Autoria: Janaína Freitas
Autoria: No ano de 1967, um manuscrito, publicado na revista Nature por Robert Edwards e Richard Gardner fez a primeira menção científica ao que hoje é conhecido como diagnóstico ou screening pré-implantacional. O diagnóstico e o screening pré-implantacional prevê a identificação de alterações genéticas e cromossômicas nos embriões através da biópsia e da análise de algumas células com vistas à seleção de embriões saudáveis para a implantação uterina. Durante entrevistas com médicos e embriologistas que realizam esses diagnósticos, empreendidas como parte da minha pesquisa de doutorado, me deparei com um interessante achado etnográfico: altas taxas de mosaicismos embrionários identificadas através do screening pré-implantacional. O mosaicismo é uma ocorrência biológica, desenvolvida durante a fase de divisão celular, em que há a presença de células euploides (normais) e aneuploides (anormais) em um mesmo embrião. O screening pré-implantacional para aneuploidias demonstrou que as taxas de mosacismo embrionário, consideradas falhas genéticas, são tão altas que, a depender da idade materna, podem inclusive ser superiores as taxas de normalidade, tal como me relatou um médico entrevistado: “se viu em laboratório que 50% a 60% dos embriões, feitos em laboratório, são aneuploides, são cromossomicamente alterados (...) E com a idade, isso aumenta, acima de 45 anos é 70%.” Os mosacismos podem apresentar diferentes taxas de células euplóides e aneuploides incorrendo em complicados dilemas técnicos e éticos na prática do screening pré-implantacional no que se refere à seleção embrionária. Tendo em vista que a biópsia embrionária é realizada apenas em algumas das células do embrião podendo gerar uma alta ocorrência de erros de diagnóstico, e que nem todos os casos de mosaicismos produzem alterações fenotípicas (e mesmo quando produzem, nem todas apresentam riscos graves à saúde), os médicos, embriologistas e pacientes ficam com a dúvida: “transfere ou não transfere?”. O caso do mosacismo embrionário parece ser um produtivo achado etnográfico para pensar sobre as relações entre técnica e biologia, em um contexto de desenvolvimento de diagnósticos genéticos precoces. Afinal, trata-se de uma técnica que pretende selecionar embriões “normais” para implantação e se depara, na prática, com altíssimas taxas de anormalidade cujos efeitos fenotípicos são apenas parcialmente previsíveis. Uma das frases da embriologista: “A gente não sabe quantos de nós somos mosaicos. Quem que vai lá fazer teste genético?”, reflete um pouco essas controvérsias. Este work pretende iniciar a discussão desses recentes achados etnográficos que sugerem que a multiplicidade genética pode ser muito mais comum do que imaginamos, sendo (ironicamente) desvelada por um aparato de normalização.