Cinque Terre
GT 013. Antropologia da Técnica
Fabio Mura (PPGA-UFPB) - Coordenador/a, Eduardo Di Deus (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS/UnB) - Coordenador/a, Carlos Emanuel Sautchuk (Universidade de Brasilia - Debatedor/a, Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias (Universidade de Caxias do Sul) - Debatedor/a, Alessandro Roberto de Oliveira (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - Universidade Federal de Goiás) - Debatedor/a
O GT Antropologia da Técnica chega a sua terceira edição tendo contribuindo para a ampliação do interesse pelo tema e a consolidação desta área de estudos na antropologia brasileira. A partir da definição de técnica como “ato tradicional eficaz”, oferecida por Mauss, a compreensão dos processos técnicos se desenvolveu com especial atenção para a diversidade de relações e interações entre humanos, artefatos, plantas, animais, minerais e ambiente de modo geral. Para compreender tais processos resulta significativo focar as práticas, os conhecimentos e as habilidades que estão na base das cadeias operatórias, não como mera projeção de uma tecnologia, mas como propriedades de ação sobre materiais. Neste sentido, pretendemos aqui salientar, entre os processos técnicos, o trabalho como ato que coloca “as mãos em obra”, centrado justamente na manifestação de habilidades práticas, fruto da experiência no ambiente, ele mesmo entendido como meio técnico, nos termos de Leroi-Gourhan. Ênfase também será dada aos efeitos oriundos das intenções e de práticas técnicas que redundam na configuração de relações de poder. Tal proceder permite focar atos políticos voltados a mobilizar, ordenar e hierarquizar forças e materiais, não como em oposição à dimensão material, mas como técnicas de uso e de controle, fundamentais na formação de sistemas técnicos. Assim, espera-se aqui reunir trabalhos etnográficos e analíticos que foquem os processos técnicos na direção de tais preocupações.
Resumos submetidos
A arte da construção naval para a pesca artesanal: um estudo comparado de etnografias entre o litoral sul do RS, Brasil, e o litoral leste do Uruguai sobre conhecimentos e habiidades.
Autoria: Gianpaolo Knoller Adomilli, Leticia D’ Ambrosio Camarero Francisco Romani
Autoria: Este work apresenta comparativamente os conhecimentos e habilidades no âmbito de processos técnicos da construção naval para a pesca artesanal entre regiões costeiras do extremo sul do Brasil e do leste do Uruguai. Para isto, objetiva-se identificar as singularidades de grupos e práticas, suas associações/conexões com outros atores sociais (humanos e não humanos), bem como suas relações com contextos mais amplos, de caráter regional e global. Os dados e interpretações que trazemos dizem respeito principalmente, a três experiências de pesquisas etnográficas realizadas junto a comunidades de work na pesca artesanal, situadas na região dos campos litorâneos do bioma pampa, que envolve o litoral sul do RS e a costa Uruguaia. Mais especificamente, as investigações ocorreram em comunidades pesqueiras de municípios do entorno do estuário da Lagoa dos Patos, RS – Brasil, e da costa leste do Uruguai, nos departamentos de Rocha e Maldonado, buscando em um segundo momento uma análise comparada, com vistas a pensarmos as singularidades destes grupos, bem como suas aproximações relativas ao viver e ao habitar o ambiente costeiro. Identificamos nesses lugares a existência de certa tradição de práticas de work, que são em parte transmitidas geracionalmente, ao mesmo tempo em que as novas gerações incorporam tecnologias relacionadas com as condições do mercado e, sobretudo com as condições dos materiais utilizados e as agências de humanos e não humanos, imbricadas ao ambiente marítimo costeiro. Outro ponto importante e a relação com a noção de arte, no sentido da criatividade individual dos carpinteiros navais, relacionada às suas práticas de work atravessadas pelos fluxos do ambiente costeiro. Buscamos, portanto, pensar como se configuram redes e se operam mudanças dentro de uma relativa tradição, a partir das práticas/experiências dos carpinteiros navais, nas associações/conexões que se estabelecem enquanto redes que envolvem o processo técnico de construção de embarcações.
Abordagem técnica das práticas interespecíficas de cuidado humano no sistema de saúde convencional brasileiro.
Autoria: Ivana dos Santos Teixeira
Autoria: Esta apresentação trata da construção do processo terapêutico conduzido através da Zooterapia tomando como foco analítico a dimensão técnica da prática e baseando-se na troca de ações entre homem e animal tanto no processo de produção do animal terapeuta quanto no momento da sessão terapêutica. Contando com um conjunto de dados etnograficamente fundamentados e centrados na prática a respeito da interação entre os seres e dos efeitos observados e relatados, serão trazidas à discussão proposições a respeito da técnica como o work de André Georges Haudricourt e a abordagem de Carole Ferret para, em seguida, dar luz aos gestos e ações trocadas entre humanos e animais durante a sessão terapêutica. Pretende-se ainda, colocar em perspectiva metodologias de coleta de dados que possam satisfazer uma etnografia que congregue a participação de humanos e não-humanos no desenvolvimento de processos técnicos. Por fim, apoiando-se nas considerações anteriores, indica-se que embora a zooterapia apresente algo enigmático do ponto de vista comunicacional, ela deixa aparecer uma série de ações socialmente aprendidas tanto pelo homem quanto pelos animais e algumas considerações interpretativas a respeito dos movimentos que ela provoca no homem, são levantadas.
Arte, ciência e o ofício do montador: Apontamentos a partir de um estudo comparativo
Autoria: Pedro Afonso Branco Ramos Pinto
Autoria: Definido amplamente, o work do montador de cinema consiste em tomar decisões informadas sobre como articular materiais audiovisuais heterogêneos de forma a transmitir, adequadamente, narrativas, ideias e emoções. Seu modus operandi se fundamenta, em grande medida, em considerar um conjunto de fatores complexamente interrelacionados, que incluem desde a aderência do material a padrões técnicos definidos até a potência ‘emocional’ de uma tomada no contexto de uma sequência editada. Sobre este processo, diversos modelos foram propostos a partir de diferentes fundamentações (por exemplo, Pearlman 2009, Much 1995 e Reisz & Millar 2010). Ainda assim, a montagem cinematográfica permanece um ofício pouco estudado e sub-teorizado. Partindo de um estudo comparativo de dois filmes etnográficos de curta metragem realizados a partir do mesmo material-base —O Arpão e o Anzol (Dir. Carlos Sautchuk, Mont. Marcelo Santos, Cor, 7min, 2007) e A Cobra (Dir. Carlos Sautchuk, Mont. Pedro Branco, P&B, 20min, 2016)—, este artigo propõe esboçar os fundamentos de uma investigação sobre dois conjuntos de questões afins: os liames entre arte, ciência, estilo e epistemologia, e os modos de relação entre montador e material fílmico —tangenciando, também, suas relações com outros atores importantes, como o diretor. A análise centra-se nas materialidades dos dois filmes e em relatos sobre seus processos de edição, com vistas a fazer inferências sobre as diferentes formas de conhecimento técnico mobilizados pelo montador, particularmente no contexto de produção de filme etnográfico. Considera-se quais princípios e prioridades são formulados para orientar suas decisões, e até que ponto o compromisso do filme etnográfico com a antropologia preceitua demandas, restrições e desafios específicos no processo de edição. Sugere-se que o processo de edição instala uma investigação estético-epistemológica do material fílmico e que montagem constitui uma modalidade de pensamento técnico que, ainda que fundamental no work de edição, não lhe é exclusiva.
As habilidades e técnicas dos “bike messengers” em Florianópolis a partir de uma abordagem ecológica
Autoria: Larissa Schwedersky
Autoria: Esta pesquisa procura realizar uma etnografia com os ciclistas que trabalham como tele entregadores (também conhecidos como “bike messengers” ou “bike couriers”) na cidade de Florianópolis, procurando analisar e compreender como ocorre o engajamento destas pessoas com o ambiente e quais são as habilidades perceptuais e motoras envolvidas nessa prática. Para isso me apoio na ideia de uma abordagem ecológica baseada em autores como James Gibson e Tim Ingold, para delinear as cadeias operatórias envolvidas nesta ação e os diferentes processos de individuação. Por meio de uma discussão a respeito das técnicas e habilidades envolvidas nesta prática é possível despertar a atenção para um outro olhar, uma outra maneira de se fazer antropologia, que pensa as práticas e o movimento também como uma forma de conhecimento, ao compreender o desenvolvimento das habilidades perceptuais-motoras e dos processos técnicos e a maneira como estes determinam (e são determinados) pelo modo como nós compreendemos e nos relacionamos com o ambiente. Esta etnografia procura compreender a interferência da cultura na percepção. Mas o conceito de cultura aqui é outro. A proposta é pensar a cultura também como habilidade e técnica. Não mais redutível a um sistema simbólico (re)produtor de representações do mundo, e sim como uma forma de relação direta com o mesmo, que requer engajamento e “educação da atenção” (INGOLD, 2015). Por isso proponho pensar em nossa própria existência como algo que depende da técnica, no sentido de concebê-la como uma condição da cultura e não apenas parte dela. Aqui também está colocada uma importante discussão sobre o papel da percepção como um processo de conhecimento que ocorre por meio da ação, e não mais como um meio de codificar um conhecimento a ser externalizado na ação. Conhecimento este que é elaborado o tempo todo através das práticas.
Caçadas Perdigueiras - um estudo etnográfico sobre individuação técnica de homens e cadelas
Autoria: Paulo Olivier Ramos Rodrigues
Autoria: O presente artigo diz respeito a uma pesquisa etnográfica feita nos anos de 2015 e 2016. Acompanhei caçadores da serra gaúcha, que anualmente, durante a temporada de caça, na estação do inverno, locomovem-se na direção dos campos uruguaios para encontrar a presa desejada, a perdizes. Viso refletir acerca das técnicas envolvidas nessa prática, no que tange os humanos e os não-humanos participantes, (cães, perdizes, espingardas, etc.), a partir de uma perspectiva ecológica.
Colônias de estimação: uma análise sobre técnicas artesanais de produção alimentar envolvendo o cultivo de microbiodiversidade
Autoria: Leandra Oliveira Pinto
Autoria: Neste estudo analiso o cultivo de kefir - um organismo multiespécie formado por lactobacilos e leveduras, cujo produto residual fermentado é considerado popularmente como um alimento com ação probiótica. Sendo difundido globalmente como conhecimento tradicional para conservação de alimentos, a produção artesanal de kefir no contexto contemporâneo tem sua prática associada à legitimidade proveniente dos discursos científicos quanto à eficácia de seu consumo para o bem-estar da saúde humana. Seguindo o debate no campo da antropologia da técnica, ciência e tecnologia, em diálogo com os estudos multiespécie, face às considerações em torno dos agenciamentos humanos e não-humanos nos processos de produção de modos de saber e fazer no mundo, proponho uma análise sobre o cultivo dessa técnica artesanal de produção alimentar, tendo como referência sua performatividade na vida cotidiana. Como universo de estudo, acompanho as redes locais de doações e trocas de colônias de kefir na cidade de PortoAlegre/RS, a partir da perspectiva de uma etnografia multiespécie, no sentido de seguir as redes sociotécnicas compostas por pessoas e micoorganismos, mas também por ambientes virtuais, nos quais afloram discursos sobre experiências e informações acerca de seus modos de cultivo. Em síntese, partindo das continuidades e rupturas entre os métodos de produção do kefir observados durante o work de campo, busco apontar algumas potencialidades e controvérsias do cenário político atual em torno da co-partilha e co-produção do mundo ocasionadas pela convivência com a microbiodiversidade.
Entre bonecos e bonecas: por uma antropologia visual da técnica
Autoria: Darllan Neves da Rocha
Autoria: Na comunidade artesã do Alto do Moura dois conhecimento técnicos de modelagem em barro são disputados como elemento tradicional: o saber fazer bonecos e o saber fazer bonecas. Com base nas cadeias operatórias para produção destas peças de barro, envolvem conhecimentos e habilidades distintos que mobilizam, ordenam e hierarquizam a comunidade em torno da legitimidade de representação social da tradição. Estas distinções são reflexos e refletem relações de poder baseadas no aperfeiçoamento técnico dos artesãos, na criação de materiais técnicos e nos estilos criados que acarretam numa hierarquização social baseada em relações de prestígio social e de afrontas sociais. O saber fazer bonecos implica num posicionamento de maior prestígio social pela autonomia e capacidade criativa, enquanto o saber fazer bonecas caracteriza-se como prática baseada na reprodutibilidade técnica com forte dependência da criação de estilos e materiais padronizados. A partir deste contexto, o presente work objetiva abordar estas cadeias operatórias como formas de fazer uma coisa, como “um ‘acontecer', ou melhor, um lugar onde vários aconteceres se entrelaçam” (INGOLD, 2012), através da análise da produção de um filme etnográfico realizado com os artesãos. Seguindo as perspectivas da reflexividade, proposta por Giddens e Sutton (2017), focada nas reflexões dos atores sociais e em seu contexto social, e no método polifônico, seguindo James Clifford (1998), esta pesquisa busca compreender os processos técnicos através da gesticulação técnica e das reflexões dos próprios artesãos, “dando ênfase às intencionalidades políticas, às relações de poder e às necessidades de uso, bem como à confrontação de diferentes designs” (MURA, 2011).
Entre o projetar e o fazer: Um estudo sobre os processos técnicos da produção de designer e artesãos
Autoria: João Inacio dos Santos Neto
Autoria: As atividades de work entre artesãos e designers são recentes no Brasil. Elas se configuram como algo de grande relevância, tanto no meio das políticas de apoio a produção artesanal como na formação dos designers. Por exemplo, o Programa de Artesanato Brasileiro (PAB), determina como parte de sua metodologia de apoio aos artesãos, a produção de análises de mercado e estudos de desenvolvimento de novos produtos que melhor atendam as demandas de consumo global. Algo intrinsicamente ligado a características do conhecimento técnico dos designers. Essas relações podem ser caracterizadas por diversos sistemas colaborativos de interferências e ações dos designers no artesanato, algo que relaciona métodos de design a processos produtivos de artesãos. Com base nisso, pretendo pesquisar designers e artesão em seus ambientes de work separadamente. Observando as diferentes formas de tradição de conhecimento no mundo do design e no de artesãos. Tentar entender como esses agentes técnicos distintos desenvolvem as suas atividades. Observar suas semelhanças e diferenças através dos estudos da antropologia do conhecimento e da técnica. Este artigo tem o interesse de apresentar as primeiras incursões dessa pesquisa em um grupo de artesãos da comunidade do Alto do Moura, Caruaru/PE, com estudantes de projeto de produtos do curso de design, UFPB, Rio Tinto/PB e com os designers da empresa Presentes Especiais em João Pessoa/PB.
Entre peneiras e pentes: as técnicas dos trançados Waiwai a partir de coleções etnográficas
Autoria: Igor Morais Mariano Rodrigues
Autoria: Ainda que frutos de seleção por parte dos colecionadores, podendo refletir mais as “etnografias” do que os “etnografados”, objetos etnográficos, como apontou Lucia van Velthem, testemunham manufaturas elaboradas de acordo com materiais e técnicas locais obedecendo aos parâmetros da sociedade que os produziram, possibilitando diversas reflexões sobre as escolhas responsáveis pela variabilidade dos artefatos e as etapas de sua manufatura. Em alguns casos, a depender das informações contextuais, as coleções etnográficas, concebidas enquanto documentos materiais, podem até mesmo fornecer elementos para abordar mudanças e continuidades técnicas ao longo do tempo, entrelaçando passado e presente numa perspectiva histórica. O povo Waiwai, de língua Karíb, atualmente está localizado no sul da Guiana, no sudoeste de Roraima, no norte do Amazonas e no noroeste do Pará. A partir da segunda metade do século passado, este povo vivenciou diversas mudanças, dentre as quais pode-se destacar a integração de diversos povos (yanas), culminando em uma situação multiétnica em que a língua Waiwai predomina, mas os indivíduos podem se autodenominar Waiwai, Mawayana, Xerew, Katuena, Karapawyana, Tunayana, Hixkaryana, Txikyana, entre outros yanas. Não obstante, antes da referida situação ganhar as proporções hodiernas, coleções etnográficas foram formadas por pesquisadores norte americanos, ingleses e dinamarqueses, na primeira metade do século passado, quando os Waiwai estavam praticamente concentrados no sul da Guiana. A partir da análise de objetos depositados em cinco instituições, nacionais e internacionais, cujas datas de formação das coleções perfazem aproximadamente cem anos, a comunicação exibirá os primeiros resultados do estudo sobre variabilidade técnica e artefatual dos objetos trançados presentes nas mais variadas esferas da vivência do povo Waiwai, englobando artefatos cotidianos, como peneiras, abanos e cestos cargueiros; objetos usados em iniciações, como os destinados para fins vesicatórios; artefatos pessoais como caixas, cocares e pentes. Apresentar-se-á as técnicas observadas conforme as diferentes categorias de artefatos, indicando as permanências e mudanças observadas até o momento, recorrendo, sempre que possível, à informações e contextualizações etnográficas disponíveis. Buscando articular os conceitos de estilo tecnológico, proposto por Pierre Lemonnier, e o de identidade técnica, proposto por Olivier Gosselain, o conjunto das técnicas levantado será brevemente comparado com o que se conhece na bibliografia de outros povos Karíb das “Região das Guianas”, no intuito de iniciar uma reflexão sobre as tramas de conhecimentos, habilidades e saberes técnicos inseridos nas conhecidas “redes de relações” guianenses.
Etnografando o Meliponário do Mestre Antônio Martins: engajamento ecológico, experimentos técnicos e educação ambiental na localidade do Sítio Bananal, em Guaramiranga, no Ceará.
Autoria: George Arruda de Albuquerque, Francisco Levi Jucá Sales Antônio Martins Rodrigues João Yerú D’Ávila Albuquerque
Autoria: O presente work tem o objetivo de expor os resultados preliminares da etnografia que vem sendo realizada no meliponário do Mestre Antônio Martins Rodrigues, desde março, 2018. Inúmeros fatores tem causado o desaparecimento das abelhas nativas sem ferrão (meliponíneos) (NOGUEIRA-NETO,1997) no Brasil, impactando diretamente a flora e a fauna de diferentes biomas. Esse fenômeno tem preocupado por não apenas ocorrer em escala nacional, mas em nível mundial. Mateiros e meliponicultores têm verificado e alertado há bastante tempo acerca do sumiço das abelhas silvestres de seus habitats naturais. O meliponário do Mestre Antônio, localizado no Sítio Bananal, no município Guaramiranga, Ceará, tem alcançado êxito na reprodução das espécies nativas. Ele adquiriu habilidades durante a sua vida (SAUTCHUK, 2015) que permitiram criar e aprimorar diferentes técnicas (MAUSS, 1948) de manejo a partir de seu engajamento (INGOLD, 2010) no contexto ecológico das abelhas. Para tanto experimenta diversos métodos a fim de resolver os problemas que vão surgindo no decorrer dos processos, obtendo resultados objetivos, capazes de serem replicados. Outras fontes contribuem para o seu aprendizado, como por exemplo: a conversa com criadores, pesquisadores e na leitura de livros que ganha de presente das pessoas que o visitam. Contudo se sobressai sua competência técnica (MURA, 2011). O meliponário recebe muitos visitantes, brasileiros e estrangeiros, interessados em conhecer e aprender sobre os procedimentos que utiliza para cada situação, principalmente pesquisadores, para entender e atestar a eficácia técnica de suas invenções. Ao visitarem o meliponário são recebidos pelo mestre, seguindo um roteiro planejado por ele. Esses momentos (ele chama de “aulas”) podem ser vistos como uma oportunidade das pessoas passarem por uma “breve formação” em educação ambiental (RODRIGUEZ; SILVA, 2009), visto que sua apresentação ao mesmo tempo em que descreve técnicas de reprodução, observação na mata, divisão de colmeias, conservação, coleta, tratamento do mel, usos farmacológicos, contribuindo para perpetuação da espécie e a preservação do habitat, tem o propósito de multiplicar o conhecimento sobre as abelhas nativas, alertando das consequências da sua extinção. Decidimos realizar uma pesquisa colaborativa, tendo em mente que mestre Antônio participaria do work como coautor, discorrendo sobre suas práticas. Utilizamos como método de pesquisa: a fotografia, entrevistas, observação participante, diário de campo, acompanhamentos periódicos as suas atividades, dentre outros. Reunimos um corpus documental cujo foco está direcionado para os assuntos: abelhas nativas sem ferrão ou abelhas indígenas.
Investigações sobre o kikré Mebêngôkre, a casa Kayapó.
Autoria: Julia Sá Earp de Castro
Autoria: O work que proponho apresentar nesta 31a RBA é uma síntese da pesquisa de recém iniciada no doutorado em Antropologia no IFCS (PPGSA), que dá continuidade ao work desenvolvido no mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-rio. Assim, intenção deste artigo é realizar uma análise situada (Abu-Lughod, 1991) com o objetivo de comparar as experiências de campo entre os Kayapó Mekragnoti e os Kayapó do Leste, a partir do mesmo ponto que as enlaçam e as distanciam: a construção de casas nestas aldeias. Proponho a realização de um estudo comparativo buscando desdobrar insights sobre a casa Kayapó, o kikré mebêngôkre, seguindo o emaranhado da materialidade (Ingold, 2015) de suas casas junto as relações sociais (Strathen,2014), simbólicas e cosmológicas embutidas no processo de habitar e de construí-las. Segundo Clarisse Conh, a casa kayapó é um “lugar de fabricação de pessoas belas”, assim, com o objetivo de executar um debate interdisciplinar entre a Arquitetura e Antropologia trilharei um caminho através do debate epistemológico pondo em relação as múltiplas interpretações da casa Kayapó com Lea (1993), Cohn (2001) e Montovanelli (2014) a partir do intuito de adentrar este universo por meio de suas maneiras e práticas de estabelecer laços, adornar seus corpos e prepará-los para um estado mey (belo), tendo como principal objetivo rascunhar um acesso sensível a sua arquitetura. Por meio deste cruzamento espero instigar uma reflexão sobre os materiais que estão sendo agenciados e agenciam a fabricação destes corpos, buscando conexões e ressonâncias no work de Noberg-Schulz (1976) e Gottfried Semper (1851) com o objetivo de refletir sobre a materialidade e os reflexos criativos que circundam o ambiente tramado e erguido neste território em busca de uma atualização da visão sobre suas casas. Com isso refletirei sobre o conceito de hibridismo (Lagou,2015) em um movimento que aproxima o bricoleur de Levi-Strauss (1973) a reflexão processual de Ingold (2010) em direção ao fluxo criativo de apropriação e incorporação de técnicas e materiais que pertence a alteridade desta cultura.
Livro artesanal: o fazer e o agir em comunicação com a Teoria do Ator-Rede
Autoria: Maria Candida Vargas Frederico
Autoria: Sobre o livro como objeto sólido é possível dizer, ancorando esta pesquisa na Antropologia dos objetos de Bruno Latour (2012), que a sua apreciação tátil é potente e criadora de sentidos, o livro possui agência e por isso pode falar por si em uma dinâmica de assimetria com as relações humanas e não-humanas. O livro seria corpo e veículo de subjetividades no universo explicitamente material, seria um porta-voz do texto, seria um auto-retrato do artista, seria uma aparelhagem de proposições e habilidades criativas transversais, multisituassionais e agregadora de um social de conexões. As técnicas do fazer livro serão investigadas neste work, as suas relações com instrumentos e ferramentas, os procedimentos desencadeados pela técnica da criação em oficinas de artífices. A técnica do cálculo da força mínima de Richard Sennett, as técnicas corporais de Marcel Mauss, a habilidade e sensibilidade do toque das mãos em David Le Breton, serão alguns dos aportes teóricos tratados. O domínio do fazer é o desejo de conhecer a experiência material do saber e a contemporaneidade, ainda que virtualizada, se mostra tarada nas coisas. Instrumentos, ferramentas e máquinas desempenham fazeres ao mesmo tempo que possibilitam saberes no aperfeiçoamento da sua execução e, assim, nos desafiam. Apresento apontamentos do desenvolvimento etnográfico de tese de doutorado, onde a oficina da editora Bendita Gambiarra, situada na cidade do Rio de Janeiro, participa da pesquisa. Os livros desta oficina são costurados, furados, cortados, ilustrados e escritos à mão por duas artistas que também xilogravam em lambes e posteres distribuídos nas ruas da cidade.
Os aparatos técnicos e a têmpera do work
Autoria: Rainer Miranda Brito
Autoria: O work como tema e categoria tem séculos de embate nas Ciências Sociais; raras foram as bibliografias que não o mobilizaram. Pensado ora como questão fundamental e moral, ora como efeito dos mecanismos produtivos e políticos dos povos, o work parece ter se mantido pouco alterado quanto à sua equivalência com a Humanidade. Mas ao se questionar a densidade dessa equivalência, conformadora de um par work-humanidade, um elemento parece capaz de desafiá-la: os aparatos técnicos. Para além serem notados como elo de ligação entre work e Humanidade, os aparatos técnicos parecem capazes de flexionar work e Humanidade a ponto de torná-los produtos das atividades de suas séries mecânicas. Por meio de um contido itinerário histórico-bibliográfico nas Ciências Sociais do século XX, este texto oferece pistas e lacunas de três ocasiões onde os aparatos técnicos criam relevo e se mostram determinantes na formação do par work-humanidade: (1) o work como exercício de um estatuto; (2) o work como um intervalo de dispêndio; (3) o work como circunstância modular do vigor. Ao forjarem uma têmpera que se revela histórica e socialmente imprescindível, os aparatos técnicos parecem furtam dos povos o protagonismo da efetividade de seus works, garantindo aos povos extensão e intensividade em seus obras.
Plantar, colher: works mais-que-humanos na cadeia operatória em uma lavoura de feijão
Autoria: Patrícia Postali Cruz
Autoria: Este work etnográfico é apresentado como parte da tese que está sendo desenvolvida junto ao programa de Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina e em parceira com o grupo de pesquisa CNPq Coletivo de Estudos em Ambientes, Percepções e Práticas – CANOA/UFSC. Essa exposição apresentará processos da cadeia operatória envolvendo os ciclos de vida e morte de coletivos de feijão em ambientes habitados por agricultores ecologistas. Procuro, também, enfatizar práticas cotidianas formuladas a partir da noção de eficiência, intimamente conectada aos esquemas locais de simbiose e perturbação, conceitos propostos por Tsing (2015). O work de campo foi realizado em terreiros de famílias de agricultores ecologistas na região sul do Rio Grande do Sul. Acompanhei o work de três famílias durante ciclos agrícolas entre verão e inverno de 2016/2017. A tese tem como proposta central intensificar a atenção aos processos de cultivo e às mediações entre intenções dos humanos e o fazer dos diversos trabalhadores nas lavouras, sejam eles humanos ou não-humanos. Assim, as propostas desta pesquisa acabaram reforçando o work de campo em uma família de agricultores de maneira mais intensa. Além disso, estas experiências consolidaram um entendimento em que as técnicas empregadas ou a própria utilização de uma ferramenta no percurso de uma atividade não são meramente uma sucessão de ações que levam a um resultado. Elas possuem uma ordem processional, onde o desencadeamento de uma atividade que leva à outra é mais importante do que o efeito final produzido por este processo. Ingold (2015) aborda este tema a partir da ideia de sequência operacional, uma chaîne opératoire – conceito proposto por Leroi-Gourhan e atualizado por Ingold –, o qual seria uma série de passos. Eles juntos comporiam a montagem de um objeto completo, onde a relação estaria o tempo todo sendo ajustada. Assim, os ajustes rítmicos da cadeia são chaves para compreender as habilidades técnicas que estão envolvidas no processo. Outro elemento importante no que se refere às cadeias operatórias do fazer agricultura é a iminência da perturbação por agentes não-humanos, também feitores agrícolas. A atenção se volta aqui para o cuidado e um certo juízo que a tarefa executada exige. Plantar feijão não se trata tão somente sobre aquilo que os humanos que habitam os terreiros desejam retirar ou obter de seus ambientes, mas se trata também de ações direcionadas a outros seres vivos que fazem o outro fazer alguma coisa. Nesse processo, cheio de riscos, os direcionamentos técnicos buscam lidar com as manipulações dos mais diversos trabalhadores que fazem agricultura.
Possíveis contribuições da Antropologia da Técnica aos estudos das relações humanos-animais.
Autoria: Bernardo Peixoto Leal Ferreira Silva
Autoria: Apesar de ter sido introduzido há mais de um século, o que não a qualificaria como um fenômeno recente na agropecuária nacional, a produção piscícola ainda engatinha em termos de produtividade. Porém, vêm apresentando crescimento significativo nos últimos anos. Segundo o documento Produção da Pecuária Municipal 2016, PPM16, “atingiu um valor de produção de R$ 4,61 bilhões” em 2016, valor 4,4% maior que o de 2015 (IBGE, 2017). A Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) — principal organização orientada aos esforços de erradicação da fome, afirma haverem expectativas de que esse crescimento continue na América Latina, especialmente no Brasil, devido a investimentos significativos no setor (2016, p.172). As principais espécies de peixes sendo cultivados no Brasil, são a tilápia, e o tambaqui, esta última espécie nativa da Amazônia, ambas compondo respectivamente, R$ 1,33 bilhões e R$ 879 milhões do valor total produzido em 2016 citado acima (IBGE, 2017). Seja em um aquário, em um pesque-pague, na beira de um rio ou na beira da praia, as relações costumeiras possíveis com os peixes não são muito amplas. Os peixes habitam ambientes totalmente diferentes daqueles em que habitamos e que compartilhamos com a maioria dos animais aos quais atribuímos a qualidade de pet, assim como àqueles que atribuímos a qualidade de comida. Através do exame e participação nas atividades envolvidas na domesticação — captura, reprodução assistida, alimentação — desses peixes criados em cativeiro, percebemos que somos, de alguma maneira, "recém chegados”, como diria Marienne Lien (2015), ao ambiente aquático dos peixes, com os quais raramente trocamos olhares de identificação. Diante do cenário de crescimento da piscicultura no Brasil, a relação entre humanos e peixes criados em cativeiro parece crescer enquanto ambiente possível para refletirmos sobre questões antigas da antropologia, como aquelas relacionadas à convivência entre humanos e animais, e as polêmicas em torno do conceito de domesticação. Busco então apresentar um panorama do que se tem discutido sobre esse tipo de relação na antropologia demonstrando o potencial de algumas elaborações já realizadas, e elaborar como as abordagens da antropologia da técnica francesa podem contribuir para esse campo.
Queimadas como meios técnicos: apontamentos para uma mesologia do gerais do Jalapão (TO)
Autoria: Guilherme Moura Fagundes
Autoria: Não apenas no Jalapão (TO), mas talvez em toda a grande área do Brasil central compreendida como ambiente de gerais, queimada é uma categoria geográfica distinta do ato mesmo de queimar, tal qual costuma aparecer na legislação e no debate normativo sobre o uso do fogo agrícola. Ela se refere, antes, aos caminhos por onde o fogo passou eliminando o cru (capim agreste), fomentando a rebrotada da vegetação nativa e possibilitando interações técnicas variadas entre humanos, animais e plantas. No intuito de melhor qualificar as queimadas como “meios técnicos” (Leroi-Gourhan, 1984), nesta comunicação me apoio em materiais etnográficos e visuais desenvolvidos junto a quilombolas habitantes do gerais do rio Preto, região do Jalapão. Mais particularmente, adentro no universo da caça, criação de gado no regime de solta e extrativismo do capim-dourado (Syngonanthus nitens) – atividades que se estabelecem no interior das queimadas. Para tal, sugiro uma abordagem antropológica da técnica a partir da mesologia (Berque, 1990), ou ciência dos meios, como alternativa metodológica à ecologia de matriz naturalista. O objetivo consiste tanto em colaborar para a compressão etnográfica das queimadas, como também esboçar uma mesologia do gerais paralela ao esquema padrão das fitofisionomias do Cerrado. Referências bibliográficas: BERQUE, Augustin. 1990. Médiance de milieux en paysages. Montpellier : Reclus. LEROI-GOURHAN, André. 1984. Evolução e Técnicas: II- Meio e Técnicas. [1945] ed. Lisboa: Edições 70.
SEMIÓTICA DOS FAZERES: Os atributos cerâmicos e sua relação com o contexto de sítios arqueológicos na região do Cariri Ocidental, PB
Autoria: Carlos Xavier de Azevedo Netto
Autoria: A partir das evidências cerâmicas encontradas em dois sítios arqueológicos da região do Cariri Ocidental e seu entorno, no Estado da Paraíba, procura-se verificar o grau de especialização e refinamento que seus espaços de ocorrência assumem. Os três sítios abordados possuem características ocupacionais distintas, mas com os artefatos cerâmicos muito semelhantes, em uma análise macroscópica. Entendendo o conjunto de bens materiais produzidos, utilizados ou apropriados pelos humanos como signos, recorreu-se a semiótica peirceana para tratar dessas evidências. O primeiro deles, denominado de Várzea Grande II, localizado no Município de São João do Tigre, possui evidências de grafismos rupestres, associadas à Tradição Nordeste, provavelmente a Subtradição Seridó, com fragmentos cerâmicos em superfície. E o terceiro é o sítio Barra, no Município de Camalaú, que é um sítio cemitério, com cerâmica associada, entre outros elementos. Nas análises acerca das técnicas de confecção dos artefatos cerâmicos foi possível observar algumas distinções, que possivelmente se relacionam com as formas de ocupação desses espaços. Como a aparência dos fragmentos, em uma primeira observação, era muito semelhante, não permitindo nenhuma distinção, recorreu-se aos atributos relacionados às técnicas de confecção dos artefatos, que são as espessuras dos vasilhames, dimensões dos grãos de antiplástico e da combinação de antiplásticos utilizados. Através de um instrumentos estatístico de estabelecimento de intervalos, foi possível verificar que o material cerâmico possui tratamento diferenciado de acordo com cada função dos sítios, onde o material do sítio cemitérios apresenta elaboração mais acurada que os demais, em função da delicadeza de seus fragmentos no tocante a sua espessura, dimensões dos grãos e seletividade do tempero, já o sítio Várzea Grande II, observando os mesmos atributos dos artefatos, apresenta menor cuidado na sua elaboração.
Técnicas e moralidades no work exercido por fotógrafos de casamento
Autoria: Cristina Teixeira Marins
Autoria: O artigo ora proposto parte de pesquisa etnográfica realizada junto a fotógrafos de casamento: um work que serviu de base para minha tese de doutorado cujo principal objetivo é refletir sobre processos de construção social de prestígio e reputação neste campo de atuação profissional (Hughes, 1963). A maior parte de meu work de campo — realizado entre os anos de 2015 e 2017 — se desenrolou em espaços de intercâmbio entre fotógrafos, tais como congressos, premiações, palestras e cursos. Fotógrafo de casamento é uma concepção nativa hegemônica em meu campo empírico que denomina profissionais cuja atividade central (Hughes, 2003) consiste em produzir registros fotográficos de rituais matrimoniais. Igualmente importante para a compreensão dos sentidos atribuídos à profissão, contudo, é a análise de outras atividades desempenhadas por fotógrafos de casamento, tais como a edição de imagens e diagramação de álbuns, mas também ministração de palestras e cursos de capacitação. Neste artigo, procurarei refletir sobre o modo como meus interlocutores articulam saberes técnicos e concepções morais em suas práticas profissionais. O empreendimento que proponho aqui é o de pensar na técnica a partir da formulação de Mauss (2003 [1934]). Operando um desdobramento das reflexões deste autor, entendo por técnica os modos pelos quais os fotógrafos de casamento se servem de seu equipamento, de seu corpo (mãos, dedos, joelhos) e sentidos (em especial, o olhar) a fim de desempenhar seu work a partir de um processo de caráter eminentemente social. O work de fotógrafos de casamento alia elementos de ordem técnica e elementos de ordem moral, posto que ao fotografar ritos matrimoniais, tais profissionais reproduzem, validam e constroem concepções em torno de temas como casamento, família e amor. Assim, inspirada pelo work de Duarte (1986) que, em investigação sobre as perturbações físico-morais que acometem classes trabalhadoras urbanas, conjuga estas duas dimensões do indivíduo como estratégia analítica, pretendo abordar o work dos fotógrafos que conformam meu universo de pesquisa a partir da articulação das dimensões técnicas e morais que concernem esta atividade profissional. Referências bibliográficas: DUARTE, Luiz Fernando Dias. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986. HUGHES, Everett C. Professions. Daedalus, vol. 92, no. 4, pp. 655–668, 1963. HUGHES, Everett C., Careers. In.: HARPER, Douglas e LAWSON, Helene (orgs.). The cultural study of work. Rowman & Littlefield Publishers, 2003 [1997]. MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In.: ____ Sociologia e antropologia, São Paulo: Cosac Naify, 2003 [1934].
“Eu ainda tenho fome!”: considerações técnicas sobre um problema agrícola entre os Panará.
Autoria: Fabiano Campelo Bechelany
Autoria: Após a realização de um projeto que teve como objetivo mobilizar o coletivo de agricultoras e agricultores para retomar a produção de alimentos, os Panará permanecem com a inquieta constatação de que as novas roças ainda não os alimentam. Neste work busco me aproximar dessa inquietação e ajudar os Panará e seus colaboradores a superá-la. Para tanto, parto de uma análise do sistema técnico da agricultura dos Panará, grupo que vive na Amazônia meridional e cultiva sobretudo mandiocas, batatas-doces, bananas e amendoins. Observar a estrutura técnica de suas roças é uma forma de tratar um dos pontos sensíveis do problema: a correlação entre as formas de saciar o desejo alimentar e os modos de ação apropriada para produzir suas roças. Processos atuais parecem afetar as operações que ocorrem entre pessoas e plantas cultivadas. Algumas das mudanças se encontram no advento de outras atividades produtivas nas aldeias, como os works assalariados. Essas novas atividades vêm modificando o tempo e o espaço das práticas agrícolas e, consequentemente, seus processos criativos geradores de pessoas e plantas produzem um bom alimento. Outras transformações, como o consumo de comida de branco (ipẽ jõ son) se somam a essas, afetando os valores e os materiais que circulam pelas formas elementares da vida alimentar panará. Este texto se baseia no meu acompanhamento do projeto “Puu popoti – roças tradicionais panará”, realizado entre os anos de 2015 e 2017 e executado pela Associação Iakiô Panará e o Instituto Socioambiental (ISA). Durante esse período, realizamos oficinas temáticas sobre a agricultura panará, associadas à abertura de roças coletivas e novas roças familiares que foram objeto de um concurso da “roça mais bela”. Pontos de vista diferentes sobre o projeto se apresentam. Para os executores não-indígenas (incluído este antropólogo), o projeto foi bem-sucedido ao aumentar consideravelmente o número de roças, ao fazer circular variedades agrícolas e ao mobilizar diferentes gerações para um work conjunto. Porém, entre os Panará há quem tenha avaliação distinta. Notadamente entre os mais velhos, há aqueles que afirmam hoje que ainda estão com fome, uma das queixas que o projeto procurava superar. Se este problema aponta para uma relação entre às necessidades e o desejo alimentar que parece esgarçar-se com as transformações no sistema agrícola panará, uma análise da tecnogênese da “roça redonda panará” (a puu popoti) permite investigar que alimento (não) é produzido para saciar esse desejo.
“NUM EMARANHADO DE FOLHAS E FLORES SÃO TECIDAS AS ESTEIRAS”: Reflexões sobre os fluxos das coisas Inỹ e o estudo da Coleção William Lipkind do Museu Nacional (RJ)
Autoria: Marília Caetano Rodrigues Morais
Autoria: William Lipkind (1904-1974), antropólogo estadunidense, coletou em 1938 e 1939 cerca de 527 artefatos de origem Javaé, Kaiapó, Tapirapé, Karajá e outras que ainda não tem procedência especificada na documentação. A coleção se encontra no Setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional do Rio de Janeiro, denominada por “Coleção William Lipkind” (LIMA FILHO, 2017). Ao fazer das coisas da coleção William Lipkind tema de interesse, o presente work busca problematizar o estudo de coleções/acervos etnográficos considerando os desafios da interação entre grupos indígenas e museus. E, refletindo, a partir de experiência etnográfica compartilhada com professores Inỹ Karajá sobre suas concepções em relação às coisas, estabelecer um diálogo com teorias antropológicas que se esforçam para compreendê-las. A experiência etnográfica que deu base para as reflexões que serão aqui apresentadas, foi desenvolvida a partir de iniciação científica no projeto acadêmico intitulado “Compartilhar Saberes: o fluxo das coisas Karajá e a coleção William Lipkind do Museu Nacional, UFRJ”. Durante a pesquisa, participei como “monitora” no curso de licenciatura intercultural do Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena (NTFSI) da UFG onde estabeleci as relações de interlocução que me possibilitaram, realizar: entrevistas etnográficas sobre os artefatos da Coleção William Lipkind; e uma breve experiência etnográfica em terra indígena, nas aldeias JK e Santa Isabel do Morro (Ilha do Bananal-TO), junto ao comitê de orientação Karajá do NTFSI. Dediquei minha inserção etnográfica a aprender sobre as maneiras que os Inỹ produzem, dão sentido e designam o lugar das coisas no mundo. Com a inquietação de acessar um nível mais complexo e profundo da exegese sobre a materialidade das coisas, concentrei minha atenção na relação entre Raquel Manakiru – professora da Escola Indígena Maluá (aldeia Santa Isabel do Morro, Ilha do Bananal-TO), aluna do NTFSI e principal interlocutora deste work – e a bykyrè, em uma abordagem metodológica disposta a tentar “fazer da ‘participação’ um instrumento de conhecimento” (FAVRET-SAADA, 2005), a submeter alguns conceitos teóricos ao encontro etnográfico e a identificar categorias analíticas na fala de Manakiru, seguindo a indicação de Fabian (2010), quando diz que uma “etnografia de” é sempre também uma “etnografia com”. Nesse sentido, para tentar compreender o fluxo das coisas na cosmologia Inỹ, com foco na relação entre Manakiru e a bykyrè (esteira), mobilizo os conceitos de coisa, malha e educação da atenção de Ingold (2010; 2012) e a noção de contextos sócio-ecológico-territoriais de Mura (2011), sob a perspectiva e o compromisso político da proposta de historicização radical e profunda apresentada por Oliveira (2007).
“Ô nega, tu tá sofrendo! ”: entre aflição e medo da perda material
Autoria: Joelma Batista do Nascimento
Autoria: A convivência é um aspecto essencial na atividade leiteira, compondo um alicerce para diversificadas práticas relacionadas ao manejo e as relações instauradas a partir dele. Através do cotidiano torna-se possível identificar a coexistência de diferentes emaranhados incorporando saberes, técnicas, emoções, solidariedade, moralidade, entre outros. Gostaria de elencar alguns desses elementos tomando como base uma descrição etnográfica da gestação e “queda” de Pretinha após o nascimento de sua bezerra. Enfatizarei, especialmente, uma esfera individual de aprendizagens e técnicas (corporais, sonoras e emocionais) entre criador/bezerra/vaca a partir da lactação, bem como, a ativação de um campo moral que incorpora vizinhos e parentela através dos sentimentos de solidariedade, pesar e angústia.