Cinque Terre
GT 011. Antropologia da Moral e da Ética
Carlos Eduardo Valente Dullo (UFRGS) - Coordenador/a, Roberta Bivar Carneiro Campos (Universidade Federal de Pernambuco) - Coordenador/a
A Antropologia se desenvolveu debatendo as regras e normas sociais, os processos de julgamento e atribuição de responsabilidade, as formas de sanção e punição, as prescrições e proibições, bem como os efeitos sociais das transgressões. A problemática da moralidade não é, portanto, estranha para a nossa disciplina. Entretanto, não se constituiu, até recentemente, um campo de pesquisa como o da Moral e da Ética. Tendo início com o debate sobre a tensão entre o universalismo moral e o relativismo das moralidades locais, passando pela redefinição dos conceitos de moral e ética sob a ótica específica da Antropologia, esta agenda teórico-metodológica volta-se principalmente para uma preocupação com novos recortes empíricos como as figuras exemplares, as conceituações de “liberdade” e “responsabilidade”, as práticas de cuidado (care), os processos de recuperação após momentos críticos, as respostas sociais a tragédias, entre tantos outros recortes que observem seja o evento ordinário seja o extraordinário momento de quebra ou (re)instituição da moral - bem como as maneiras pelas quais os processos de mudança e de conservação se atualizam. Seguindo, portanto, a proposta de Laidlaw, Fassin, Robbins, Keane e Das (entre outros) uma antropologia que se volte para estes fenômenos comporá, necessariamente, uma chave analítica transversal às mais diversas temáticas: religião, política, economia, família e parentesco, saúde e bem-estar, natureza e animais, direito, gênero e sexualidade etc.
Resumos submetidos
"Ele não é um bom filho de santo!"
Autoria: Emili Almeida da Conceição
Autoria: Sob inspiração do work de Rabelo (2016) tentarei explorar aqui, de maneira despretensiosa, a questão da ética a partir do candomblé (religião afro-brasileira). Compreendendo que para pensarmos em termos éticos diante das práticas desta religião primeiro é preciso voltar a atenção para as relações entre diversos tipos seres (considerando as entidades, por exemplo). E depois, para os contextos práticos, onde os processos de responsabilização e julgamento emergem. A partir da história de um adepto, de um terreiro localizado na periferia da cidade de Salvador-Bahia, de algumas vivências em campo e de leituras como as de Caroline Humphrey (1997) e Joel Robbins (2015) procuro refletir acerca dos modos como um candomblecista (praticante da religião) pode ser avaliado como um bom, ou mau, filho de santo (termo também utilizado para fazer referência aos adeptos). Para além do cumprimento de regras de conduta e da hierarquia presente no terreiro, argumento que é preciso atentarmos para as práticas de cuidado de si e dos outros, que envolvem estas relações, como práticas éticas.
"Maltrapilho como a sociedade me vê? não!": dilemas morais e ética cotidiana entre pessoas em situação de rua
Autoria: Rudrigo Rafael Souza e Silva, Thiago Santos da Silva
Autoria: A presente proposta de comunicação tem por objetivo apresentar uma análise do sentido atribuído por pessoas em situação de rua à noção de dignidade, via antropologia das moralidades. A questão central aqui é discutir quais as modificações que a transição à situação de rua imputa aos interlocutores fazendo com que estes reconfigurem e/ou ressignifiquem sua percepção sobre os valores ético-morais, e consequentemente sobre sua noção de dignidade. Tendo como premissa a ideia de que tal noção é estruturada a partir da relação entre as experiências emocionais (o sentir-se digno) e a reconfiguração dos valores morais (o saber-se digno). Aqui, o que nos importa é olhar a maneira pela qual os interlocutores lidam no seu cotidiano com a atualização da ética, como se distanciam, aproximam ou estabelecem critérios outros para agir no mundo e se perceber nele. Visto que a situação de rua, em grande maioria dos casos, não é um desejo dos sujeitos, mas se coloca como uma fatalidade que, dali em diante, será definidora no âmbito social de seu valor moral e de sua dignidade: são marcados pelo estigma “daqueles que fracassaram”. O confronto entre a imagem “do que deveria ser e do que é”, que não se pode mudar por força do esforço próprio, faz com que a experiência de ser humilhado, desrespeitado e envergonhado seja sempre presente. Contudo, estes sujeitos sabem que estão sob jugo de um estigma social e que não correspondem, de um tudo, a ele. Assim, têm que refazer seus projetos de vida e reconfigurar seus valores morais e são levados a estabelecer novos critérios para a noção do que é uma vida digna. O lastro etnográficos desta proposta está baseado na pesquisa desenvolvida por um dos autores, que é resultado de sua dissertação de mestrado em antropologia, na qual discute as maneiras pelas quais os indivíduos que se encontram em situação de rua, na cidade de Recife-PE, percebem a noção de dignidade e de si como digno.
"Mexer" com conflitos de terra no sul do Pará: ética do work de base entre agentes de pastoral
Autoria: Igor Rolemberg Gois Machado
Autoria: Na região do sul e sudeste do Pará, agentes da Comissão Pastoral da Terra realizam um work de base junto a comunidades rurais em áreas de disputa por terra desde 1975. Esse tipo de ação pastoral, pensada como "pastoral de fronteira”, ou “pastoral de conflito”, deu-se inicialmente junto a comunidades de “posseiros”. Hoje são grupos de “sem-terra”, organizados em ocupações e acampamentos, que são "acompanhados" pelo serviço dos agentes de pastoral. O que se chama work de base desdobra-se em ações de assessoria de três tipos, apreendidos pela forma como os agentes definem a agenda e repartem tarefas: (i) serviço pedagógico e "animação" para fomentar a criação ou reforçar a existência de associações e movimentos; (ii) assistência técnica agrícola, que nos últimos anos passa por estimular o reconhecimento e desenvolvimentos de práticas agroecológicas; (iii) assistência jurídica. Essas ações se desenvolvem num conjunto de diversas situações (atendimentos no escritório, visitas às áreas, encontros de formação, manifestações, atos-memória) que constituem os lugares onde realizo minha pesquisa etnográfica. Nessas situações ordinárias, onde se "mexe" com os conflitos, é possível apreender uma ética do work de base, pautada por alguns valores e idéias morais, notadamente três, que busco descrever: (i) "animar" o inconformismo diante de uma situação de violência (rebeldia); (ii) denunciar, produzindo dados e informações acerca dessa situação (memória); (iii) refletir sobre novas configurações de viver a partir da terra (esperança). Fazem parte da "mística" e integram o work rotineiro de identificação de problemas ligados às disputas de terra, atribuição de responsabilidades, proposição de soluções, enfim, de elaboração da “causa”, de que trata muitos estudos de antropologia da mobilização social. Dentro de uma perspectiva pragmática, interessa-me a tecnologia empregada pelos atores em cena para comunicar esses valores nas situações ordinárias acima citadas, quando interagem com membros das comunidades rurais ou com as agências de Estado que atuam sobre o conflito. O material para o artigo advém da pesquisa de campo que realizo junto a esses agentes desde 2014.
A criança e a moralidade no cotidiano dos Xangôs da Região Metropolitana do Recife
Autoria: Zuleica Dantas Pereira Campos
Autoria: Através da evidência etnográfica de que as crianças pequenas circulam livremente durante os rituais nos terreiros de Xangô da Região Metropolitana do Recife e, tendo em vista que a religião parece ser definida por essas mesmas crianças como intrinsecamente ligada ao seu cotidiano, esta pesquisa baseada em investigação de campo nos terreiros de Xangô da RMR, trabalha com a ideia de que a postura do adulto em relação a criança no universo religioso afro-brasileiro é inversa ao entendimento do tratamento dado a criança nas religiões cristãs. As formas de sanção, punição, postura corporal e transgressões quando relacionadas às crianças são entendidas nesse espaço sagrado de forma bastante diferenciada. Penso aqui a categoria do simbólico não em sua suposta natureza ou permanência, mas como construída ao longo dos primeiros anos de vida de uma pessoa. Os dados foram produzidos através da observação participante.
Carisma e Política nas redes sociais: uma análise sobre as razões e sentimentos dos seguidores de Jair Messias Bolsonaro
Autoria: Eduardo Henrique Araújo de Gusmão, Leonídia Aparecida Pereira da Silva
Autoria: Na sétima legislatura e vinculado ao Partido Social Liberal, Jair Messias Bolsonaro é uma das principais lideranças de um grupo que se define como liberal em economia e conservador no que diz respeito aos usos e costumes. Os registros de aprovação do seu nome para o pleito de 2018, bem como as diversas pesquisas de opinião que o colocam como alternativa aos postulantes mais conhecidos da conjuntura política nacional tem deixado jornalistas e estudiosos, intrigados. É na direção desse cenário que o presente work lança um olhar de investigação. No âmbito de um recorte estabelecido pela variável "gênero", esse artigo considera a análise do apoio dirigido a Bolsonaro por homens homossexuais e mulheres, uma etapa necessária à compreensão do alcance de sua influência e portanto, das razões morais que justificam o seu nome como candidato à presidente da república no corrente ano. Ora, não obstante ampla parcela da imprensa destaque a ofensiva conservadora da qual Jair Bolsonaro faria parte, ou que a sua ascensão seja interpretada como um presságio weberiano de desencanto e desvalorização da política, permanece como importante e revelador fenômeno social o apoio e a aceitação da agenda e das opiniões desse candidato, em um universo bastante significativo de pessoas. Nesse work, afirmamos com o intuito de provocação: permanece o carisma! A sua criação e circulação nestes fundamentais e imprescindíveis espaços de trânsito da política no século XXI: as redes sociais. E o carisma, diga-se de passagem, posto em circulação por grupos que são definidos pelos cientistas sociais como "suffering subjects", nos termos esclarecidos por Joel Robbins na crítica que dirigiu a mudança de enfoque ocorrida na antropologia no final da década de 1980, quando esta passou a colocar aquele que sofre, a pessoa submetida a condições de pobreza, opressão ou violência no centro de suas preocupações. E nos perguntamos, portanto: quais elementos compõem as razões de defesa do nome de Jair Bolsonaro para presidente? Quais sentimentos e afetos estão sendo postos em circulação? Como é construída a simbólica desse nome, nos termos estabelecidos por Marcel Mauss no clássico artigo de 1921, "A expressão obrigatória dos sentimentos"? Estamos falando, portanto de dinâmicas sociais que salientam a necessidade de um retorno aos debates sociológicos clássicos e contemporâneos sobre o fenômeno carismático. Ao examinarmos tais dinâmicas, salientamos em nível metodológico que o faremos ao longo de um diálogo com a Escola de Análise Crítica do Discurso. Por último, considerações atinentes aos dilemas do work do antropólogo serão apresentadas.
Crente também é cidadão: os evangélicos e a constituição ética de si na relação com o político
Autoria: Cleonardo Gil de Barros Mauricio Junior
Autoria: Este work tem como objetivo compreender a forma como jovens crentes pentecostais constituem a si mesmos como sujeitos éticos diante de um código moral, compartilhado por sua comunidade de fé, que exige dos fieis uma conduta diligente e inequívoca na esfera pública a respeito de temas como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na esteira de eventos que tem colocado em rota de colisão as igrejas pentecostais e os movimentos sociais, pastores como Silas Malafaia têm exortado os evangélicos a se posicionarem a respeito de temas que se contraponham à moral cristã em seus locais de work, estudo, em sua vizinhança, etc. “Crente também é cidadão”, repete Malafaia, e por isso não deve hesitar em se posicionar. Como os crentes ordinários têm assumido, então, esse dever moral de participarem de debates políticos em suas vidas cotidianas? Meu principal interesse é compreender como eles e elas têm atrelado essa moral baseada em um posicionamento político diligente a uma ética do testemunho, ou seja, a uma postura proselitista que tenta convencer quem está ao seu alcance a tornar-se também evangélico. “Falar de Jesus” para os seus colegas de universidade ou work parece exigir uma postura de acolhimento, diferente da prontidão para o confronto requerida em um debate onde o tópico levantado seja, por exemplo, a descriminalização das drogas. Como os evangélicos negociam e julgam sua constituição como cristãos em meio a essas posturas aparentemente divergentes? Meus dados baseiam-se em work de campo realizado na sede nacional da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja do pastor Silas Malafaia, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro. Os jovens de sua igreja criaram o Universe, grupo formado para discutir os obstáculos enfrentados pelos evangélicos para vivenciar a plenitude da vida cristã na universidade. Os jovens crentes universitários reuniam-se para discutir qual a melhor postura nos momentos de discussão de temas chave na universidade, bem como investiam tempo em aprender os melhores argumentos a serem utilizados nessas ocasiões. Intrigantemente, não usar a bíblia, mas argumentos científicos era a principal estratégia veiculada. Alternar a gramática dos argumentos do registro bíblico para o científico, portanto, tornou-se uma das virtudes indispensáveis à vida cristã plena. Como, então, a constituição de um sujeito religioso informa o exercício de uma cidadania política (ou de uma ética pública)? É, portanto, com essa pergunta em mente, e a partir de minha observação participante nas reuniões do Universe, como também com as entrevistas em profundidade realizadas com seus membros, que pretendo trazer minhas contribuições para o debate a respeito da relação entre pentecostalismo e esfera pública no Brasil.
Da esperança ao ódio: os jovens bolsonaristas da periferia de Porto Alegre
Autoria: Rosana Pinheiro Machado, Lucia Mury Scalco
Autoria: Este work é fruto de uma etnografia longitudinal que vem sendo realizada desde 2009 sobre consumo e política entre jovens do Morro da Cruz, a maior periferia de Porto Alegre. Nós acompanhamos grupos juvenis desde antes da polarização política e pudemos observar as transformações pelas quais eles, suas famílias e seus entornos passaram de acordo com momentos chave da história recente do País, marcados, respectivamente, pela emergência e colapso do crescimento econômico. Essas fases do desenvolvimento nacional afetam não apenas as condições materiais da existência, mas igualmente o self individual, a capacidade de aspirar e as formas de fazer política e de compreender o mundo. Esperança e ódio não são categorias totalizantes na perspectiva adotada aqui. São antes tendências que nos ajudam a pensar como a subjetividade política é moldada em contextos diferenciados. Havia ódio na esperança e parece haver esperança no ódio - e essa sutileza é, na verdade, central no nosso argumento. Na lógica dualista presente nas redes sociais, cada integrante de um pólo pensa dentro um pacote de valores políticos e morais que é oposto ao seu antagônico. Logo, uma análise superficial poderia sugerir que a juventude bolsonarista é, inexoravelmente, protofascista. A realidade do cotidiano é mais complexa que o binarismo em sua forma ideal e aponta a existência de sobreposição entre os pólos. Com efeito, os limites entre a esquerda e a direita, o lulismo e o bolsonarismo e a esperança e o ódio são mais turvos do que se pode imaginar e coabitam ganhando maior ou menor espaço conforme o contexto. Isso nos ajuda a compreender porque não se pode falar em uma “virada conservadora”. De um lado, poderia-se inferir que a adesão bolsonarista tem algumas de suas raízes no próprio modelo de desenvolvimento lulista focado na agência individual e no consumo - e não na mudança estrutural dos bens públicos atrelada a um processo de mobilização coletiva. Esse argumento é legítimo, porém incompleto, já que nosso esforço aqui foi mostrar que mesmo políticas liberais tinham potência política contestatória. De outro lado, também poderia-se inferir que o crescimento do “bolsomito” nas periferias é fruto do golpe de 2016. Este também é um argumento legítimo e incompleto, uma vez que o lulismo foi incapaz de promover transformações estruturais e democráticas que sustentasse na crise. Logo, a agenda de austeridade de Michel Temer mais profunda do que inaugura uma vida de exclusão. Por isso, temos preferido pensar em um continuum histórico em que a violência estrutural - o racismo, a discriminação de classe, o patriarcado e a presença da igreja, do tráfico e da polícia sempre foram os modelos preponderantes, juntamente com práticas cotidianas de resistência, criatividade, amor e reciprocidade.
Entre igrejas e aplicativos: sobre virtudes e virtualidades entre um grupo de mulheres pentecostais
Autoria: Lorena Mochel Reis
Autoria: No quadro de disputas e reinvenções no interior do cenário religioso pentecostal brasileiro, o que escapa ao tecido institucional das igrejas tem servido como mais um espaço para a análise das experiências religiosas na cidade. Os arranjos produzidos por lideranças femininas ajudam a compreender algumas destas diferentes formas nas quais vêm se organizando a circulação de pedagogias produzidas e voltadas para mulheres neste contexto, sobretudo no que diz respeito às possibilidades de transformação na centralidade histórica e contextual da autoria religiosa masculina. O presente work busca analisar como noções sobre corpo, gênero e moralidades sexuais circulam entre mulheres que fazem parte de um grupo predominantemente feminino, nomeado como "Mulheres Graciosas" por seus líderes, um casal formado por uma pastora e um pastor que se autodenominam pastores voluntários de uma igreja de grande destaque nacional. É sobretudo através da figura da pastora que categorias como "autoestima" e a ideia de uma sexualidade marital "saudável" configuram pedagogias eróticas e maritais que são acessadas por meio de "campanhas" virtuais periódicas, com o objetivo de aprimorar a intimidade feminina com Deus através de sacrifícios como jejum e oração. Em geral, as fiéis são frequentadoras de diferentes igrejas pentecostais distribuídas pelo país e, de forma concomitante, também acompanham a circulação da pastora, utilizando um grupo de whatsapp homônimo como principal meio de comunicação neste intercâmbio. É principalmente através do aplicativo que elas compartilham pregações diárias via mensagem de áudio e texto, sendo incentivadas a aprender a orar e perder seus medos, vergonhas e inseguranças para interagir através do envio de orações simultâneas às mensagens de áudio e texto da Pastora, principal liderança deste coletivo. Atravessando questões que envolvem sensibilidades éticas (Hirschkind, 2006) relacionadas ao uso coletivizado da tecnologia virtual como importante mediadora entre sagrado e secular, estes fluxos de intimidades religiosas acionam debates metodológicos para mapear moralidades e sociabilidades que trafegam entre online e offline, igrejas e aplicativos. Faz-se importante, nesse sentido, compreender os modos como o ideal de self virtuoso (Mahmood, 2005) mediados pelas virtualidades em questão produzem significados às experiências pentecostais femininas urbanas. Estas e outras categorias empíricas fundamentais na organização do trânsito entre essas fronteiras apontam para tensões nos debates entre estudos feministas e da religião, sobretudo para refletir sobre afetos e agências que não se incluem nos ideais ocidentais de autonomia e liberdade.
Entre restaurar e criminalizar: uma genealogia da lei federal de combate ao bullying
Autoria: Juliane Bazzo
Autoria: Esta comunicação configura uma narrativa etnográfica que traça a “genealogia”, num sentido foucaultiano, do Programa de Combate à Intimidação Sistemática - Bullying, estabelecido enquanto Lei Federal n. 13.185 no ano de 2015. Parte de minha tese de doutoramento, tal problematização destrincha a “trama histórica” em que tal política pública legal floresce, no âmbito da qual são discutidas as “linhas de força”, os “pontos de confronto” e os “efeitos políticos” a gravitar em torno da criação, da funcionalidade e do impacto dessa legislação no quadro brasileiro contemporâneo. A análise considera o Estado enquanto entidade em permanente construção pelas ações de seus atores, entretecidas por contextos ideológicos e por relações de poder. Sob essa luz, na esteira de Didier Fassin, explora de um lado uma “economia moral” que percebe o bullying como problemático a ponto de gerar uma lei de mitigação e, de outro, destrincha certas “subjetividades morais” envoltas a essa baliza legal. O instrumento jurídico em foco possui uma história enraizada no Rio Grande do Sul, unidade da federação onde a pesquisa de campo se concentrou. A partir desse terreno local, a reflexão conectou-se a debates legislativos nacionais, acerca da redução da maioridade penal e sobre a abordagem escolar do gênero e da sexualidade, ambas discussões coevas àquela em torno do bullying no domínio estatal brasileiro.
Falso cristão, mau cristão: processos de acusação da fé no mundo evangélico das montanhas haitianas
Autoria: Mézié Nadège
Autoria: Nesta comunicação pretendo descrever e analisar as categorias ordinárias de classificação que definem o que seria um “bom” ou “verdadeiro” cristão (bon kretyen, vrè kretyen) e, inversamente, o que seria um “falso” ou “mau” cristão (fò kretyen, movè kretyen) para camponeses evangélicos nas montanhas do sudoeste do Haiti. Trata-se de categorias morais baseadas em julgamentos de valor que expressam as frequentes tensões e conflitos entre correligionários e vizinhos desta região. Apresentarei uma recensão de expressões vernaculares que se referem a essas categorias e uma série de situações nas quais elas são mobilizadas. A análise recorre à sociologia pragmática que reflete sobre questões que me interessam aqui: a moral, o conceito de processo, com suas lógicas de imputação, de acusação e de defesa (Boltanski e Claverie) e as categorias ordinárias de classificação dos indivíduos (Boltanski e Thévenot). As categorias utilizadas em contexto de conflito por meus interlocutores, que fazem coincidir o “bom” com o “verdadeiro” e o “mau” com o “falso”, insistem sobre aparências que podem ser enganosas, sobre as incoerências entre interior e exterior e revelam assim uma moralidade, de inspiração religiosa, que valoriza a virtude da verdade, da autenticidade e da sinceridade.
O mal e os amores difíceis: efeitos da “condenação” por “estupro de vulnerável” em tecidos relacionais densos.
Autoria: Everton Rangel Amorim
Autoria: Neste artigo, resultado de uma etnografia que tem como interlocutores homens “condenados” por terem cometido “estupro de vulnerável” e pessoas a eles vinculadas afetivamente, descreverei os efeitos da “sentenças condenatórias” em tecidos relacionais densos, dando especial atenção ao problema do mal, causador de sofrimento, e às formas de engajamento com o outro que perpassam, sobretudo, mas não exclusivamente, a prática do amor. O work, a um só tempo afetivo, burocrático, moral e narrativo, ao qual os meus interlocutores se devotam sugere a necessidade de produção de relações em que os “sentenciados” possam habitar como homens injustiçados, vinculados a pessoas que os amam em atos e junto a eles combatem a substância do mal. A minha aposta mais abrangente é a de que devemos entender esse work como um atividade relacional de cunho ético. Busco, ao fim e ao cabo, descortinar uma série de nexos entre emoções, moralidade, Estado e gênero. Para compreender a injustiça narrada, inspiro-me na proposição de Austin (1962): a linguagem não é meramente referencial, simples constatação discursiva do mundo. Ao contrário, os enunciados operam como atos, pois produzem as relações, que, alegadamente, apenas designam. Embora saiba que a injustiça, assim como toda narrativa, estabiliza-se através de sinuosidades, acentuarei o quadro estabilizado de relações que os homens “sentenciados” e as pessoas afetivamente vinculadas a eles buscavam fomentar com frequência notável porque busco responder as seguintes perguntas: o que é habitar em tecidos relacionais afetados pela acusação, vivida como falsa, porém transformada em verdade jurídica? Quais gestos éticos a estabilização de relações, centrada na maldade inscrita no passado, suscita no presente? Qual a relação entre o Estado e o mal? Como amores fazem, dia após dia, a injustiça? A “sentença condenatória” é um “evento crítico” (Das, 2007) na vida dos meus interlocutores, afinal, ela produz não somente uma quebra temporal (um “antes” e um “depois do processo”), como também pessoas morais distintas. Pablo, Carlos e Altair, dada a dimensão monstruosa do “crime” que empreendedores morais e a Justiça afirmam que eles cometeram, não mais podem ser os homens que eram antes do “processo”. Ao voltar-me à vida afetada pelo mal e cuidada por intermédio de gestos de amor, como os de Roberta e Helena, distancio-me dos estudos que, na antropologia, analisam o discurso de homens “sentenciados” por “estupro” em aproximação aos escritos da psicanálise (Machado, 1999; Segato, 2003). Faço esse movimento na esperança de retirar rendimentos analíticos dos tecidos relacionais que os meus interlocutores estabilizavam em narrativas congeladas sobre o passado, bem como dos tecidos relacionais nos quais eles habitavam durante a pesquisa.
O problema da autenticidade da conversão: algumas notas sobre a ética da transformação em centros de recuperação
Autoria: Beatriz Brandão Meirelles, Cesar Pinheiro Teixeira
Autoria: Este work reúne elementos oriundos de duas pesquisas distintas, realizadas pelos respectivos autores, em suas teses de doutoramento, sobre centros de recuperação pentecostais. Se, por um lado, a “sinceridade”, a “autenticidade” ou mesmo a “verdade” dos relatos de conversão não são questionados pelos pesquisadores, a fim de compreender da forma menos assimétrica possível os valores e as lógicas em jogo; por outro, a “sinceridade”, a “autenticidade” e a “verdade” da conversão é investigada recorrentemente pelos próprios atores pesquisados. Para boa parte deles, é fundamental saber, por exemplo, quem “realmente quer mudar” e quem “se esconde atrás da Bíblia”. Nesse sentido, acabam por desenvolver, na prática, uma espécie de ética da transformação, que lhes auxilia, em seu cotidiano, a operar com o “falso” e o “verdadeiro”, “intenções boas” e “intenções más”, “testemunhos autênticos” e “falsos testemunhos”. As consequências de possíveis confusões são de extrema relevância sociológica, pois saber operar com essa ética da transformação é fundamental para a para a construção da credibilidade desses centros e, principalmente, para sua expansão.
O que faz a improbidade no serviço público? Notas sobre a conjugação de princípios legais e práticas funcionais em processos disciplinares
Autoria: Ciméa Barbato Bevilaqua
Autoria: A partir da análise do processo de demissão por improbidade de um funcionário do Ministério da Fazenda, este work propõe discutir diferentes conjugações pragmáticas da moralidade administrativa e da dignidade do serviço público. O caso em questão envolve um procurador acusado de acesso indevido aos sistemas de informações do ministério para a elaboração de denúncia anônima sobre irregularidades cometidas por colegas. Após três processos administrativos, cuja tramitação se estendeu por sete anos, o servidor foi demitido em 2010. Embora tenha baseado sua defesa na lealdade à instituição e no dever funcional de denunciar ilegalidades, sua conduta foi caracterizada como grave infração disciplinar por ensejar a quebra do “princípio da confiança” na relação entre o servidor e a administração pública. A mesma conclusão prevaleceu no julgamento dos recursos apresentados pelo ex-procurador ao poder judiciário, o último dos quais em 2017. Ao analisar esses diferentes processos, busco descrever como a “improbidade administrativa” emerge de um work concomitante de abstração (a conversão de certas condutas no descumprimento de determinados princípios legais) e de concretização (a conversão de certos princípios legais em consequências administrativas). Desse modo, a própria diferença entre “princípios” (legais) e “práticas” (funcionais) é uma questão etnográfica sobre formas específicas de definir, diferenciar e relacionar o que conta como uma coisa ou outra ao longo da tramitação dos processos.
O trans do corpo transexual é o mesmo trans de transcendente? Reações públicas contemporânea em torno da figuração do Cristo no Brasil
Autoria: Evandro de Sousa Bonfim
Autoria: O objetivo da comunicação é mostrar como a questão da figuração de personagens religiosas, i.e. a apresentação pictórica de pessoas pertencentes aos diferentes repertórios religiosos, constitui-se um problema de expressão de moralidades ao colocar em confronto distintas configurações de regimes imagéticos formados não apenas por referências visuais, mas igualmente por valores acerca da possibilidade mesma de visualização dos entes religiosos e das maneiras preconizadas ou socialmente sancionadas de realizar a operação de iconicidade, ou seja estabelecer correspondentes necessários entre uma forma sígnica (um corpo, um retrato, uma ilustração ou uma estátua tridimensional) e um referente (sensus Peirce). Os casos abordados se ocupam da apresentação de Cristo por uma atriz transexual na Parada do Orgulho Gay da cidade de São Paulo em 2015 e da corrente realização da peça “O Evangelho de Jesus, a rainha do céu”, por uma atriz que se coloca como trans para encenar Cristo, gerando movimentos de considerados como censura a partir de atos administrativos de municipalidades envolvidas com a peça. O título da comunicação remete justamente a um dos autores que atualmente tem chamado atenção para a questão dos valores no mundo contemporâneo, Joel Robbins, deslocando a escala das questões pública que a partícula trans suscita.
Objetos morais na constituição da pessoa no Xangô de Recife
Autoria: Pedro Henrique de Oliveira Germano de Lima, Ligia Barros Gama Roberta Bivar Carneiro Campos
Autoria: Buscamos nesse artigo compreender e analisar o processo de constituição da pessoa religiosa no xangô pernambucano dando ênfase ao modo de participação que existe entre pessoa e coisas, doravante analisadas como objetos morais. O xangô é uma religião de participação. Nesse ambiente tudo participa de/com tudo, mas os modos e as intensidades de participação é que fazem distinguir uma pessoa da outra. Esta religião como conhecemos com base em work de campo é estruturada por forças místicas, estas são os orixás, antepassados chamados eguns e o odum (espécie de destino de cada membro) que é relacionado ao orixá. No plano social, existe uma miríade de coisas materiais que dão sentido pragmático à componencial mística. Estas coisas materiais/ objetos morais constrangem, restringem ou ampliam as participações e hierarquizam a complexa malha de pessoas presentes na religião, o que nos leva a compreensão de que objetos funcionam como códigos normatizadores e hierarquizadores de enquadramento da pessoa na religião e da sua constituição. Entendemos que a pessoa é constituída por suas relações e no processo de constituição todo e qualquer membro se relaciona não apenas com os deuses, mas também com as materialidades do sagrado que carregam a força dos deuses ou que são os próprios deuses. O sangue, fio de contas, roupas e assentamentos são alguns exemplos de objetos morais com os quais as pessoas participam. Estes objetos por carregarem a força do sagrado são elementos disciplinadores da religião. A adesão ao grupo implica na submissão a força do sagrada presentificada não apenas nas pessoas, mas também nestes objetos. Por entendermos que as materialidades são agentes, buscamos discutir na comunicação em tela o modo pelo qual as forças morais se materializam no sangue, fio de contas e nos assentamentos. Compreendemos a partir do princípio durkeimiano que toda força moral é um amplo sistema de interdições, que este não se sustentaria em abstrações. Sem as materializações à força do social (social é a própria religião) se perderia em abstrações. A força precisa se materializar. No caso do xangô antes de se materializar nas pessoas, ela se faz presente nos objetos morais que ordenam e constituem a religião como um todo. Desse modo buscamos analisar e compreender como é que nas participações com os objetos as pessoas se constituem. Operamos desse modo coadunados com a proposta de Webb Keane em repensar a religião (em nosso caso o processo formativo da pessoa religiosa) a partir da moralidade como uma semiótica que nos permite compreender a relação que existe entre materialidade, moralidade, ética e ideias religiosas.
Povos Indígenas e Ética em Pesquisa: (re) discutindo o poder tutelar
Autoria: Eliene Rodrigues Putira Sacuena
Autoria:

A discussão sobre o conceito de ética e a compreensão da ética em pesquisa não podem ser tomadas somente por meio da leitura e do debate de textos. É necessária sua compreensão a partir da experiência do (a) pesquisador (a) e da dinâmica das relações sociais que se apresentam e se constroem na medida em que surgem os problemas em contextos epistemológicos que urgem análise. Os Princípios de Nüremberg, a Declaração de Helsinque, a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, todos esses documentos são relevantes para o desenvolvimento e construção do conhecimento. A discussão de ética em pesquisa em um contexto decolonial de formação de conhecimento científico fruto das pesquisas elaboradas por e com coletivos etnicamente diferenciados, mais precisamente, falo de conhecimentos científicos indígenas. Em relação aos documentos legais, podemos mencionar a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, a qual data do ano de 2005, na Conferência Geral da UNESCO. Dividida em 26 artigos, a Declaração diz que atinge casos de questões de ética suscitadas pela Medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias quando envolverem seres humanos, em suas dimensões social, jurídica e ambiental; coloca-se também que o documento é dirigido aos Estados, que devem proporcionar um enquadramento universal dos princípios bioéticos. O work é para verificar como os ditames das normas internacionais e aplicação por intermédio dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) no Brasil acabam reproduzindo um discurso tutelar, reforçando um ideal de nação que oprime os povos indígenas a partir de políticas indigenistas oficiais. Pautaremos nossa exposição nos conceitos de autodeterminação e autogoverno estabelecidos na Convenção nº 169 da Organização Internacional do work e no artigo 231, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. É necessária a compreensão do contexto normativo para projetar seu entendimento no exercício prático da disciplina em questão. O art. 231, caput, da CRFB/1988 reconheceu aos indígenas o direitos à organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, direito originário as terras que tradicionalmente ocupam. Gersem Baniwa (2012), a Constituição Federal de 1988 correspondeu à positivação de direitos dos povos indígenas fruto de várias articulações de agência e do próprio movimento indígena, em virtude da quebra do monopólio estatal e das antigas missões religiosas que o Estado e a Igreja aplicavam com a justificativa da doutrina civilizatória e poder tutelar. Tratar sobre ética em pesquisa entre povos indígenas, significa discutir relações de poder em um contexto genocida de opressão legitimado pela ordem Estatal. Dessa forma, propomos o presente estudo para alavancar o debate sob outro olhar, o olhar indígena.

Regimes morais e ilegalidades no cotidiano de work da Polícia Militar do Ceará
Autoria: Letícia de Sousa Araújo, Jania Perla Diogenes Aquino
Autoria: Este work aborda regimes de moralidades que orientam agentes de segurança da Polícia Militar do Ceará, profissionais imersos em um grupo coorporativo que compartilha de uma estrutura organizacional e institucional própria. Vemos que a atuação das forças policiais militares como um todo aponta para a prática de ilegalidades permeadas de um discurso pautado em regimes de moralidades que dão sustentação e legitimam tais práticas. É ilegal (do ponto de vista jurídico), mas moralmente justificável (do ponto de vista policial). Partindo de um esforço analítico de work anterior, tornou-se claro que a vivência da prática da atividade policial, para além do caráter normativo das regras oficiais, possui arranjos e agenciamentos próprios de sobrevivência e reprodução que, inúmeras vezes, modelam as ações policiais. Percebe-se que é cada vez mais comum que a aplicação das regras ou o simples cumprimento da Lei sejam reinventados (TELLES, 2009) pela prática do work policial e que neste limiar entre o oficialmente “permitido” e o “não permitido”, o “certo” e “errado” existe um grau de tolerância moralmente justificado e legitimado entre os policiais e, inúmeras vezes, compartilhado por diversos setores da sociedade. Neste caso, parece ser engendrada uma moralidade peculiar compartilhada entre eles e dotada (por que não dizer disfarçada) de um caráter cívico, em que a violência e a violação dos direitos humanos surgem como uma espécie de dever ou comprometimento moral de “limpeza” da sociedade e manutenção da ordem, que estariam iminentemente ameaçadas pelas figuras do “meliante”, “vagabundo” ou “marginal”. Este work visa, portanto, compreender os dispositivos morais que orientam e embasam determinadas práticas ilegais por parte daqueles que oficialmente têm a função social de proteger e garantir o cumprimento da lei trazendo algumas questões que serão importantes na condução desta investigação: Que valores morais são acionados para justificar as ilegalidades praticadas em sua rotina de work? Como são construídas determinadas prescrições morais dentro de um grupo específico como a Polícia Militar que compartilha de uma estrutura organizacional e institucional própria? De que forma esses mecanismos, por vezes intersubjetivos e morais, modelam estigmas e determinam códigos de classificação que colocam certos indivíduos e grupos em condição de inferioridade moral e irrelevância social? Até que ponto a prática do work policial militar produz esses mecanismos intersubjetivos e morais em determinadas ações?
Ressentimento, ironia e recomposição moral da normalidade normativa: os moradores do bairro Varjão/Rangel como empreendedores morais de um trauma cultural
Autoria: Raoni Borges Barbosa
Autoria: Este artigo tem por objetivo analisar os impactos morais e emocionais no cotidiano dos moradores de um bairro popular da cidade de João Pessoa - PB, o Varjão/Rangel, de um crime banal e cruel, entre iguais, ali ocorrido no ano de 2009. O crime em questão, intensamente escandalizado pelos empreendedores morais locais da cidade (a mídia, a igreja e a administração pública), foi transformado em uma narrativa moral e moralizante para a apropriação moral do bairro como lugar de degradação, ameaça à ordem social, contágio e falência moral paradigmáticas da pobreza urbana da cidade de João Pessoa. Nesse sentido, a análise antropológica parte de relatos etnográficos sobre as fofocas e as conversas informais, os silêncios, os interditos e os processos de rememoração e de organização simbólica dos atores e agentes sociais moradores do Varjão/Rangel em relação às varias tentativas e investidas moralizantes de seu lugar de pertença, reconhecimento e interação pessoalizada, para, assim, buscar compreender a postura ressentida e irônica que se desenvolveu no processo de recomposição moral da normalidade normativa do bairro passados nove anos desde o surto de violência que chocou e envergonhou os moradores do Varjão/Rangel. Trata-se, com efeito, de um esforço em entender a relação tensa de construção de moralidades e de imposição de condutas em relação aos usos morais de uma situação de vergonha-desgraça para empreendimentos morais de reconfiguração, real ou imaginária, da cultura emotiva e dos códigos de moralidade de um lugar tido como problema e como problemático para a imagem oficial e pública de cidade.
Um Papo de Responsa: dispositivos morais entre polícia e juventude.
Autoria: Rachel Paula de Souza Machado, Dra. Nalayne Mendonça Pinto (PPGCS-UFRRJ)
Autoria: O presente work é fruto da pesquisa em andamento no PPGCS - UFRRJ sobre o programa da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro chamado: “Papo de Responsa”. Esse programa foi organizado por um pequeno grupo de policiais e é direcionado à jovens em idade escolar, visando uma aproximação da polícia civil com a juventude através de palestras e debates com objetivo principal de prevenção de delitos, prevenção ao uso de drogas e construção de discursos sobre práticas e ações “responsáveis” durante a juventude. A pesquisa busca compreender como se estabelecem as relações entre os policiais e os jovens durante a atuação do programa nas diversas escolas, percebendo como são produzidos pelos policiais que atuam no programa os discursos e explanações sobre a vida no crime e controle moral das ações pelos indivíduos. Partindo da hipótese de que os policiais que compõem o grupo, acreditam que é possível produzir mensagens que de algum modo venham a afetar as trajetórias dos jovens, como uma espécie de papel redentor para uma possível carreira criminal juvenil. Nesse sentido, busca-se analisar os discursos e dispositivos de controle, ordenamento das condutas e governo das populações, que estão presentes nas ações policiais. Compreender a atuação do programa Papo de Responsa nas diversas escolas, implica em identificar e analisar os discursos e moralidades sobre a forma de ser jovem. A partir do lema: “A escolha é sempre sua”, os policiais fazem um “papo de responsa” com os alunos sobre o que é ser um jovem “cidadão”, um jovem que se cuida, que valoriza sua educação no âmbito escolar e familiar, que assume o controle sobre sua vida, é responsável por seus atos, consciente de que toda escolha gera consequências. Em seus discursos, os policiais levam os alunos à compreensão de que se a polícia é corrupta outros profissionais também são, uma vez que todos são produtos da sociedade. Assim afirmam que a polícia não vem de “Poliçópolis”, cada um deve assumir a sua responsabilidade e saber o que faz, no lugar de culpar o outro por suas atitudes. Dessa forma, esse work propõe compreender como os policiais apresentam aos jovens esses padrões de boa conduta, disciplina e prevenção ao crimes/drogas, explicitando nos relacionamentos e diálogos construídos as tecnologias de poder que se constroem.