Cinque Terre
GT 009. Antropologia da Criança: conjugando direitos e protagonismo social
Fernanda Cruz Rifiotis (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) - Coordenador/a, Clarice Cohn (UFSCar) - Coordenador/a, Emilene Leite de Sousa (UFMA) - Debatedor/a, Antonella Maria Imperatriz Tassinari (Universidade Federal de Santa Catarina) - Debatedor/a
O objetivo do GT é reunir trabalhos que tenham como foco os modos pelos quais as crianças se constroem enquanto sujeitos, a fim de mapear e problematizar os desafios teóricos e metodológicos no campo da Antropologia da Criança. Como forma de dar continuidade aos GTs realizados em outras RBAs, interessa-nos trazer para o primeiro plano das reflexões, o potencial das crianças para revelarem o que nem sempre é objeto de atenção em estudos focados exclusivamente nos adultos. Gostaríamos de receber trabalhos sobre infâncias diferenciadas (crianças urbanas, campesinas, quilombolas, indígenas, de populações tradicionais, em situação de institucionalização, entre outras) que suscitem questões de gênero, raça e direitos específicos. Considerando o tema da 31 RBA, destacamos a importância de pensar sobre os direitos e a proteção desses sujeitos, assim como também sobre os sujeitos desses direitos e seu protagonismo social. A proposta do GT é congregar pesquisas etnográficas recentes que suscitem discussões teóricas, metodológicas e éticas em diferentes contextos nacionais e internacionais abarcando: estudos que pensem as experiências de construção das crianças enquanto sujeitos, que empreendam análises das tecnologias de governo voltadas às crianças, que exercitem reflexões metodológicas sobre a pesquisa com crianças e discutam as noções sociais de infância e que coloquem em perspectiva a questão da proteção e dos direitos desses sujeitos e seu protagonismo social.
Resumos submetidos
"Era uma vez um bairro", crianças, emoções e conflitos em uma comunidade de Niterói/RJ.
Autoria: Betânia Mueller
Autoria: Esse work faz parte de minha pesquisa de doutorado em antropologia na Universidade Federal Fluminense. Minha pesquisa consiste na etnografia de um work social que realizei durante dois anos como psicóloga voluntária junto a crianças de 5 a 12 anos em uma comunidade de Niterói/RJ. Através de grupos terapêuticos semanais, busquei explorar junto a elas suas vivências, emoções e conflitos, da forma que foram aparecendo, dando ênfase não somente aos conflitos provenientes da vida na comunidade, como os relativos aos traficantes de drogas e à polícia (o que para os adultos pode parecer mais relevante), mas também aos que lhes eram importantes enquanto crianças e sujeitos de suas próprias percepções sobre o mundo. Para isso, lancei mão de recursos os mais diversos no work com as crianças, como brincadeiras, jogos, desenhos, conversas, confecções de histórias, dentre outros. Assim, entre os desafios que se colocam, agora em fase de análise e escrita da tese, está o de me afastar da ótica adulta e olhar atentamente para tudo o que eles consideravam importante, como conflitos entre pares, irmãos, familiares, na escola, emoções suscitadas, noções de justiça, além de suas percepções sobre a vida e suas temporalidades. O objetivo desse work é trazer para o debate algumas dessas percepções e conflitos trazidos pelas crianças, de modo a buscar me aproximar de suas especificidades, respeitando o ponto de vista das crianças e suas construções.
A luta pela terra e experiência de infância em um acampamento de reforma agrária
Autoria: Fábio Accardo de Freitas, Ana Lúcia Goulart de Faria
Autoria: O presente texto tem como objetivo compreender a maneira pela qual as crianças Sem Terrinha do acampamento Elizabeth Teixeira, em Limeira-SP, além de sujeitos testemunhas passam a ser protagonistas da luta pela terra. A pesquisa teve como espaço e tempo de observação as atividades da Ciranda Infantil, entre 2010 e 2014, entendido como um dos poucos espaços de encontro do coletivo de crianças no acampamento. Compõem o acampamento cerca de 60 crianças de 0 a 12 anos, filhos e filhas das 100 famílias que lá vivem. A terra foi ocupada em abril de 2007, foram despejados/as violentamente em novembro do mesmo ano e voltaram a reocupar a terra em dezembro. Após onze anos vivendo embaixo da lona preta, a área foi afirmada como de interesse social e o acampamento está prestes a se regularizar. As crianças vivenciaram todo esse processo. Elas contam as lembranças da ocupação, dos fatos marcantes do despejo e da reocupação. Elementos e memórias que se transformam em brincadeiras na Ciranda Infantil. Se num primeiro momento o espaço do acampamento era o lugar compartilhado de vivência das crianças entre elas, no processo de reorganização interna da área, decidiu-se pelos lotes individuais, fato que impactou na relação entre as crianças, tornando-se evidente o afastamento do convívio coletivo e cotidiano entre elas. A Ciranda Infantil, a partir desse contexto, tornou-se um dos poucos espaços de vivência do coletivo infantil do acampamento. Lugar em que a maioria das crianças podiam se encontrar, brincar, discutir, aprender, etc, enfim, produzir as culturas infantis (Fernandes, 2004) participando da construção da realidade social. As questões aqui colocadas são provenientes do work educativo e investigativo realizado por Freitas (2015) com as crianças Sem Terrinha em um acampamento de reforma agrária. Reflexão e prática em que as crianças foram modificando o olhar do pesquisador, apresentando as suas realidades e se colocando como ativos/as pequenos/as sujeitos no mundo e da construção e resistência daquele acampamento. Ao reconhecer as crianças como sujeitos, pode-se observar suas produções de significados e interpretações do mundo, como cultura infantil produzida entre elas através das brincadeiras e atividades realizadas na Ciranda Infantil. Os processos vivenciados pelas crianças são foco deste texto, que tem como fundamento e pano de fundo as observações e relatos das atividades com as crianças proveniente do exercício etnográfico do pesquisador, o qual coloca em evidência seus pontos de vistas, que possibilitam falarem de si e de suas experiências de infância no acampamento, assim como das possibilidades de transformação da realidade em que vivem, da luta por direitos e de sua constituição como sujeitos e protagonistas da história e da luta pela terra.
A promessa da infância protegida: uma etnografia das práticas de documentação do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança na região metropolitana de Maringá
Autoria: Lucilene Cristina Calza, Fagner Carniel
Autoria: O texto apresenta reflexões etnográficas a respeito das maneiras pelas quais documentos oficiais inscrevem subjetividades, trajetórias, moralidades e expectativas que traduzem as experiências de crianças em condição de vulnerabilidade social para uma linguagem estatal especializada. Protocolados entre os anos de 2017 e de 2018 em uma Promotoria de Justiça de Proteção à Infância da região metropolitana de Maringá, no Paraná, os documentos analisados reúnem aspectos de um “fazer estatal” que sobrepõe narrativas tão diversas quanto a que pessoas demandantes constroem a partir dos eventos que vivenciam e a que os funcionários e as funcionárias públicas reformulam por meio da ideia universalista de que certas “infâncias diferenciadas” dependeriam da intervenção estatal para assegurar seus direitos. Assim, ao mergulhar no cotidiano das relações institucionais, procuro descrever práticas de documentação estatal que se organizam em torno de tecnologias de governo formalistas. Com elas, a promessa de proteger a infância transfigura-se, por vezes, na proteção simbólica das próprias instituições envolvidas no processo de significação “moral” da infância.
Antropologia e Interculturalidade: Uma Interpretação da Educação Escolar de Crianças Indígenas inseridas em Escolas Não-Indígenas
Autoria: Clotildes Martins Morais, Clotildes Martins Morais Obonyo Guerra
Autoria: O diálogo e o reconhecimento das diferenças é uma prática educativa emancipatória, é um ato de democratizar espaços, de reconhecer o direito do outro de ser diferente. Historicamente, vem sendo um desafio, concretizar o espaço escolar enquanto palco das diferenças, fundamentado no respeito e valorização da diversidade. As relações que se estabelecem entre os alunos de diferentes culturas, inseridos em um mesmo espaço educativo. Neste contexto, o presente work, tem como intento interpretar os desafios da interculturalidade no contexto escolar, em que estudam crianças indígenas e crianças não indígenas. A partir de uma perspectiva interculturalista, procurarei refletir sobre as práticas educacionais coexistentes nas relações sociais e pedagógicas estabelecidas no cotidiano escolar, tendo como protagonistas, alunos indígenas e não indígenas, cursando as séries iniciais, do ensino fundamental, no âmbito de uma Escola Pública Municipal da cidade de Dourados, Mato Grosso do Sul. Apresentarei, alguns aspectos da Cultura, das famílias dos alunos indígenas, de diferentes etnias, que vivem em aldeias e áreas de retomadas, na Região da cidade de Dourados – MS.
Aprendizagem de música na perspectiva da criança
Autoria: Juliete Cristina Lobo Rodrigues
Autoria: A presente pesquisa pretende contribuir com um olhar antropológico para ensino de música nas escolas de educação infantil da cidade de Santarém, buscando identificar o papel da criança para a valorização das aulas de educação artística em que a música está inclusa. Em 2008 foi promulgada a Lei nº 11.769 de 2008, que determina o ensino da arte a partir do contexto sociocultural em que o aluno esteja inserido. Isso implica em que ela precisa ser aplicada não de forma isolada, mas sim levando em conta a realidade vivenciada pela criança. Através de uma análise do cotidiano escolar e da relação da criança com a música tal como é ensinada nas escolas, percebeu-se a importância em desenvolver uma abordagem que leve em conta o protagonismo da criança. Pretendo levar em consideração que a música se faz presente em nosso cotidiano ao longo de nossa vida, seja no meio familiar ou fora dele, e que sua abordagem vai além da formação de músicos e recursos pedagógicos. Essa investigação visa compreender como tem sido as tentativas de aplicação da lei que torna obrigatório o ensino de música a partir de uma premissa que supõe a criança como protagonista de seu próprio aprendizado. Por tanto, acredita-se que o contato com a música possa proporcionar além do bem-estar, interação a partir de experiências desassociadas ao ambiente escolar e que a criança venha manifestar expressões pessoais contrarias a imitações e repetições em suas práticas musicais.
Aprendizagem, ajuda ou work infantil: como pesquisar a participação de crianças nas atividades produtivas familiares?
Autoria: Antonella Maria Imperatriz Tassinari
Autoria: A participação das crianças nas atividades produtivas familiares, em contextos indígenas, camponeses ou de comunidades tradicionais, pode ser entendida como processo inerente à reprodução do grupo e à formação da pessoa de maneira plena e saudável. Essa abordagem vai de encontro a certas medidas que vem sendo adotadas pela rede de proteção à infância, que tem criminalizado os modos tradicionais de educação baseados na prática. Mesmo após a Resolução n.181/2016 do CONANDA, que apresenta procedimentos que a rede de proteção deve adotar para a construção de serviços culturalmente adequados, temos presenciado constantes situações de desrespeito à autonomia dessas populações. Essa comunicação busca refletir sobre o potencial da Antropologia da Criança para contribuir para essa questão, diminuindo os ruídos entre uma abordagem universal e colonialista de infância adotada pela rede de proteção e as múltiplas infâncias vivenciadas nos contextos de populações tradicionais. Com base em exemplos de pesquisas etnográficas desenvolvidas pela autora com crianças indígenas Galibi-Marworno do Amapá e com filhos de agricultores familiares do Paraná, pretende-se discutir estratégias metodológicas que permitam investigar essas situações, a partir do diálogo com as crianças e com o reconhecimento do seu protagonismo. Noções próprias de família e parentesco, de corporalidade e saúde e formas produtivas de relação com o ambiente devem ser levadas em conta nessas investigações. A exposição pretende contribuir também para refletir sobre o potencial dessas estratégias de pesquisa para a realização de perícias envolvendo crianças oriundas de comunidades tradicionais que se encontram em situação de abrigo.
Concepções sobre alimentação e práticas alimentares de crianças em escolas públicas de Osório/RS no contexto do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Autoria: Cíntia Hoffmeister Rizzi
Autoria:

Este work é fruto de discussões sobre alimentação e infância realizadas durante o curso de mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS) entre 2017 e 2018. A pesquisa tem por objetivo refletir sobre as práticas alimentares de crianças na escola e suas concepções sobre alimentação no contexto do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no município de Osório, região Litoral Norte gaúcho – Brasil. O PNAE é o maior e mais antigo programa de alimentação escolar do mundo (1955), fazendo parte da Política de Segurança Alimentar, que consiste na realização do direito de todos ao acesso regular permanente a alimentos de qualidade, que respeitem a diversidade cultural e sejam ambientalmente, culturalmente, socialmente e economicamente sustentáveis. O programa prioriza as compras diretas de agricultores familiares/grupos locais de produção e tal encontro – da alimentação escolar com a agricultura familiar – tem promovido importante transformação na alimentação escolar, ao permitir que alimentos saudáveis e com vínculo regional possam ser consumidos diariamente pelos alunos. Ouvir o que as crianças têm a dizer sobre a alimentação oferecida pela escola e refletir sobre suas práticas e concepções sobre alimentação pode contribuir para a compreensão das mudanças nas formas e maneiras de se alimentar de nossa sociedade que atualmente são reproduzidas e se constroem e reconstroem a partir da infância. As crianças de uma sociedade aprendem a comer com outras crianças e com os adultos e mudanças nos hábitos alimentares da população mundial podem ser observadas e compreendidas através das crianças. Considerar seu olhar e suas opiniões sobre o que comem na escola amplia a noção de direito à alimentação, presente em nossa Constituição Federal, e pode descortinar todo um sistema de classificações de uma sociedade. A alimentação como prática cotidiana, e olhar da criança sobre ela, pode ser revelador. Além de discutir essas relações entre alimentação e infância, questões metodológicas e éticas sobre pesquisar sobre e com crianças são levantadas em meu work e podem trazer contribuições pertinentes para a Antropologia da Criança e para os debates sobre alimentação na infância e políticas públicas de alimentação.

Crianças Calon: Pensando a multiplicidade das infâncias produzidas entre os ciganos na Paraíba.
Autoria: Edilma do Nascimento J. Monteiro
Autoria: Quem é criança aqui? Foi partindo deste questionamento central que mergulhei na pesquisa sobre as crianças Calon na Paraíba. Buscando conhecer como a noção de infância é compreendida que tracei como objetivo de pesquisa compreender como vai sendo construída a ideia de ser criança entre dois grupos de Calon na Paraíba. Os contextos etnográficos são localizados em municípios centrais para a análise dos grupos pertencentes as Redes da pesquisa. Na Costa Norte paraibana, o munícipio de Mamanguape é o local que centralizo como ponto da Rede da Costa. No Sertão paraibano, o município de Sousa é o ponto que focalizo o olhar para a dinâmica construída pelos Calon no Sertão. Esboço neste work como crianças e adultos falam sobre “o que é ser criança?”, “quem são as crianças daqui?”, “quando se deixa de ser criança?”. Assim buscando como vai sendo definida a partir das relações internas do grupo a noção de infância, e, como esta concepção é relacionada e vivenciada com/no universo não-cigano. Ressalto no texto como estas concepções criadas em seus respectivos contextos vão sendo norteadas e tangenciadas pelos fatores geracionais, geográfico e relacional com o universo não-cigano. Busco então, construir um ponto de Interseccionalidade sobre a categoria geracional de infância para estes grupos Calon na Paraíba que situam-se historicamente com trajetórias diferenciadas a partir de suas relações locais. Os dados obtidos para esta análise são resultantes da pesquisa etnográfica com observação participante realizada entre os anos de 2013 à 2018, em etapas intercaladas. Realizei também grupo focal com as crianças com a realização de desenhos temáticos. Assim, apresento como estas Redes de ciganos que percorrem a Paraíba concebem a infância e negociam com as instituições do Estado os direitos de suas crianças nas perspectivas de saúde, educação e família.
Crianças protagonistas: performances de estudantes de escolas públicas do Distrito Federal/Brasil
Autoria: Luciana Hartmann
Autoria: Esta comunicação pretende compartilhar os resultados do projeto “Pequenas Antropologias: uma proposta colaborativa de formação de educadores para o work com a diversidade cultural no Ensino Fundamental”, desenvolvido entre 2014 e 2016 em escolas públicas do Distrito Federal. Promover o protagonismo das crianças, através da etnografia compartilhada e do uso de metodologias oriundas das Artes Cênicas, como jogos teatrais, contação de histórias, performances e produção de material audiovisual, visando a problematização do lugar da diversidade em sala de aula, foi o objetivo do projeto. A partir da apresentação das diferentes etapas do work, que foi coordenado por professores de teatro e antropólogos, e contou com a participação de bolsistas de iniciação científica dos Cursos de Licenciatura em Antropologia e em Artes Cênicas, esta comunicação pretende defender que, por meio de “pedagogias performativas” (PINEAU, 2005; ICLE E BONATTO, 2017), se pode potencializar a agência das crianças em exercícios concretos de reconhecimento da diversidade. Com esta pesquisa propusemos o enfrentamento das diferenças no contato com as histórias, corpos, imagens destes “outros”, colegas de sala de aula, reconhecendo a instabilidades, incertezas e desconfortos que surgem na relação com a alteridade. Ao apostar nas crianças como “pequenos antropólogos”, ampliamos as possibilidades de compreensão e partilha de seu universo.
Da casa à escola e vice-versa: Experiência de investigação etnográfica com crianças em Maputo
Autoria: Hélder Pires Amâncio
Autoria: Nos últimos anos têm crescido significativamente os investimentos na investigação com crianças, que deriva da reconceptualização da infância e consideração das crianças como atores sociais (FERNANDES, 2005, p.VII). Entretanto, esse tipo de investimentos ainda é muito escasso em África (WELLS, 2015), particularmente em Moçambique, salvo raras exceções (COLONNA, 2011; 2012; 2014; PASTORE, 2014; AMÂNCIO, 2016). Neste GT sobre Antropologia da Criança, pretendo partilhar a minha experiência de pesquisa com crianças, realizada em Maputo. A mesma envolveu crianças de seis anos de idade, que frequentavam uma turma da primeira classe (equivalente à primeira série no Brasil) em uma escola pública, localizada no bairro do Infulene, na periferia de Maputo, em Moçambique. O meu principal objetivo da pesquisa foi compreender as experiências de início escolar na perspectiva dessas crianças. Procurei compreender junto delas, durante aproximadamente quatro meses, entre fevereiro e maio de 2015, o significado de ir à escola e ser criança na perspectiva delas e como elas construíam sua relação com a escola. Esse novo espaço que passaram a frequentar e que ocupa uma parte significativa dos seus tempos, durante cinco dias úteis da semana e por aproximadamente nove meses do ano. Não obstante a exiguidade do tempo para a realização do work etnográfico, a pesquisa seguiu “uma perspectiva não escolar no estudo sociológico da escola” proposta por Marília Sposito (2003), na tentativa de captar o contexto mais amplo de vivência cotidiana e educativa das crianças para além da escola. Da turma observada faziam parte quarenta e seis crianças das quais, dezassete meninas e vinte e nove meninos. Desse total, acompanhei com alguma minúcia o cotidiano e rotina de dez crianças, cinco meninas e igual número de meninos. A investigação através da etnografia centrada nas crianças dentro e fora da escola permitiu compreender que as crianças gostam do espaço escolar. Porém, gostam dele não só porque nele aprendem a ler e a escrever, mas, sobretudo, porque a escola junta amigos, colegas e, proporciona momentos e tempos para lanchar, brincar e jogar, bem como, cria oportunidades de libertação do controle dos adultos. A escola mostrou-se como um espaço de fronteira na perspectiva apresentada por Antonella Tassinari (2001), pois, ao discorrerem sobre ela, as crianças falam também de suas vidas, das suas amizades, do ser criança, do brincar e aprender, entre outras coisas. É entre todas essas coisas que a escola se localiza, como espaço de limites e possibilidades.
Do ponto de vista das crianças: educação e relações étnico-raciais em escolas públicas do município de Itapetinga-BA
Autoria: José Valdir Jesus de Santana
Autoria:

Nesta pesquisa tivemos como objetivos analisar como crianças de escolas de Educação Infantil e primeiros anos do Ensino Fundamental, da rede pública do município de Itapetinga/BA, acionam, vivenciam e compreendem noções como racismo e discriminação racial em suas relações com outras crianças; compreender o ponto de vista das crianças sobre o que significa pertencer a uma categoria racial (branco e não branco) e como as crianças lidam com essas categorias. Utilizamo-nos dos aportes teóricos/metodológicos trazidos pela Sociologia da Infância e Antropologia da Criança que têm nos permitido pensar a criança como sujeito e ator social de seu processo de socialização e também construtora de sua infância, de forma plena, e não apenas como objeto passivo desse processo e/ou de qualquer outro. Nesse sentido, como nos adverte Cohn (2005), o que as crianças sabem é qualitativamente diferente do que os adultos sabem. A pesquisa tem nos revelado que as crianças, tanto brancas quanto negras, ao indicarem os padrões de beleza hegemônicos na nossa sociedade, expressam falas e atitudes de negação dos traços fenotípicos das crianças negras; por outro lado, as crianças brancas constroem para si uma ideia de superioridade racial. Contudo, esse processo de “captura” nunca ocorre de forma total, na medida em que as crianças reagem a ele: através das brigas, “inventando” novos corpos e interpelando professoras quanto ao descaso frente às ações de discriminação no espaço escolar.

Famílias em ação: construindo estratégias e cruzando caminhos de políticas de acesso à creche em Porto Alegre
Autoria: Ranna Mirthes Sousa Correa
Autoria: A presente pesquisa tem o objetivo geral de discutir o acesso das mães, pais ou responsáveis às vagas para sua filhas/os quando não conseguem realizar a matrícula em creches (para crianças de 0 a 3 anos) e pré-escolas (para crianças de quatro a cinco anos e onze meses). O conselho tutelar da microregião 4 do bairro Partenon em Porto Alegre é considerado como a porta de entrada para se pensar quais são os caminhos utilizados pelas famílias até a judicialização do pedido de vagas para a prefeitura do estado do Rio Grande do Sul via Secretaria Municipal de Educação. Ao mesmo tempo em que pode ser visto como viabilizador do primeiro acesso às famílias para estar atenta às suas diferentes formas de ação, estratégias e articulações próprias e locais diante dos entraves burocráticos frente ao estado diante da realidade em casos de ausência de vagas nas creches. A perspectiva teórico conceitual utilizada até o momento está situada entre áreas como a antropologia do Estado e considera, em particular, a burocracia como uma das diversas tecnologias de governo para se pensar as engrenagens do estado em seus diversos níveis. Levando em consideração a dinâmica que envolve aparatos organizacionais e interações cotidianas que envolvem as famílias, funcionários da burocracia estatal e dos conselheiros tutelares para se pensar o acesso às creches via conselho tutelar. Pensar sobre a noção de tecnologias de governo implica em considerar formas de intervenções possíveis a partir de um agregado de forças, sejam elas legais profissionais, administrativas, orçamentárias; técnicas de implementação (capacitação, execução, avaliação) e conhecimentos autorizados cunhados para regular as decisões e práticas de indivíduos, grupos e organizações, conforme determinados critérios. (FONSECA&MACHADO, 2015). Nesse sentido, o presente work propõe pensar a partir do work realizado pelos conselheiros tutelares de judicialização de acesso a vaga tanto as estratégias legais quanto cotidianas das famílias que estão na fila de vagas da secretaria municipal de educação para vaga. O objetivo inicial da pesquisa que se encontra em fase inicial consiste em identificar se existem outras redes locais alternativas criadas e/ou utilizadas pelas mães que não conseguem matricular seus filhos nas creches e perceber de que maneira isso acontece a considerar a vida cotidiana dessas famílias.
Gênero, raça e classe em narrativas de crianças sobre embelezamento
Autoria: Vanessa Paula da Ponte Monteiro Neves
Autoria: Esta proposta de comunicação é fruto de uma pesquisa de doutorado em andamento, cujo foco consiste no estudo da construção da imagem corporal entre meninos e meninas, pertencentes a diferentes realidades sociais e econômicas, na faixa etária entre seis e doze anos, moradoras de Brasília, frequentadoras de salões de beleza. Partindo do princípio de que as crianças são agentes e intérpretes sutis de seus contextos culturais, são priorizadas as narrativas desses sujeitos sociais sobre os processos de construção de sua beleza. Busco desenvolver um work etnográfico, com abordagem socioantropológica da infância, fundamentado nos estudos de gênero, a partir de uma perspectiva interseccional com outros marcadores sociais de diferença, tais como classe e raça. Tomando como base os estudos de Kramer (2001), que priorizam, em todos os momentos da pesquisa, a preocupação ética – extremamente necessária em works envolvendo os atores infantis –, tenho desenvolvido os seguintes objetivos: a) analisar as experiências relacionadas ao convívio de meninas e meninos com os serviços oferecidos por salões de beleza, compreendendo como as categorias corpo e beleza – operadas cotidianamente nesses estabelecimentos – são manejadas pelas crianças, reverberando nos processos de produção de suas autoimagens e percepções corporais; b) compreender os modos pelos quais crianças de diferentes classes vivenciam e significam a construção de suas aparências físicas, identificando o que isso revela sobre o meio social em que estão inseridas; c) fomentar uma reflexão acerca da construção social da beleza e suas relações com os marcadores sociais da diferença (gênero, classe, raça). Para realizar este estudo, fundamento a metodologia nas reflexões de Sarmento (2003), Cohn (2005) e Corsaro (2011), os quais ressaltam a importância da realização de pesquisas socioantropológicas que primem pelo protagonismo dos pontos de vistas das crianças, valorizando, assim, works feitos com elas e não simplesmente sobre elas. Nesse sentido, me engajo em desenvolver formas colaborativas de construção do conhecimento, buscando empreender um work que confira ênfase às expectativas das crianças e as compreenda em sua diversidade. Ressalto que o desenvolvimento deste estudo destaca os posicionamentos e as negociações de crianças frente às presenças incisivas, em seus cotidianos, do mercado da beleza e da valorização social de um restrito padrão estético. No Grupo de work, apresentarei reflexões da pesquisa em curso a partir da análise de cenas etnográficas.
Impactos e efeitos do Programa Bolsa Família na vida das crianças beneficiadas
Autoria: Patrícia Oliveira Santana dos Santos, Flávia Ferreira Pires (UFPB)
Autoria: O objetivo desse artigo é apresentar uma revisão de bibliografia no que diz respeito aos impactos e efeitos do Programa Bolsa Família na vida das crianças beneficiadas; ao mesmo tempo em que discutiremos pesquisas já realizadas e em andamento em Orobó (PE), Catingueira (PB) e João Pessoa (PB). Falamos de crianças por que entendemos que elas são o ponto chave para que se atinja o objetivo central do programa, o rompimento de um ciclo intergeracional de pobreza. Poucas pesquisas (Pires e Jardim, 2014; Pires, Falcão e Silva, 2014; Nascimento e Amoras, 2017; Silva, Nogueira e Santos, 2018; Santos e Pires, no prelo) partem do ponto de vista das crianças para compreender os efeitos do programa, por isso optamos por incluir works sobre o tema que tragam as crianças como objetos de pesquisa, embora nem sempre sujeitos. As pesquisas têm apontado mudanças na vida das crianças no que diz respeito a vários aspectos: frequência escolar, qualidade do ensino, indicadores de saúde e nutrição, por exemplo. Em que medida são impactos e efeitos sociais significativos? Sobretudo quando pensamos o atual contexto social e político que estamos vivendo, em que há um sentimento de insegurança diante dos avanços sociais já conquistados, como a vida das crianças foi afetada pelo PBF é uma pergunta importante a ser respondida.
Kagaiha etü: o lugar não indígena e a circulação das crianças Kalapalo
Autoria: Veronica Monachini de Carvalho
Autoria: Esta comunicação visa refletir sobre o direito das crianças indígenas da etnia Kalapalo, do Alto Xingu/Mato Grosso, a terem acesso à cidade - bem como suas diversas implicações - como uma reivindicação vinda delas mesmas enquanto protagonistas sociais. Em julho de 2018 a prefeitura de Querência - MT abriu uma estrada que conecta esta cidade à aldeia Kalapalo, por requisição dos próprios indígenas. As crianças, minhas principais interlocutoras, em todo o processo de abertura da estrada demonstraram muito interesse e curiosidade nas novas possibilidades de caminhos, que foram desde a longa descida do rio – caminho utilizado em minhas primeiras idas a campo -, passando por uma difícil, porém rápida, trilha de moto – aberta por facão e motosserra por seus pais -, até a então abertura oficial da estrada, já cotidianamente utilizada por não-indígenas e indígenas de diversas etnias do Território Indígena do Xingu. Toda a comunidade da aldeia Kalapalo e das aldeias da região estiveram mobilizadas neste processo, o que – evidentemente – envolveu diretamente as crianças. Em nossas conversas elas relataram o fato como uma grande conquista, apesar de toda a polêmica que pode envolver a abertura de uma nova estrada, que torna a aldeia acessível não só para os indígenas, mas por possíveis não-indígenas que poderiam utilizar a abertura de forma inadequada. As crianças costumam ir para esta cidade com uma certa frequência, normalmente acompanhando os pais a cada dois meses para acessar benefícios sociais de transferência de renda. Estas idas e vindas envolvem diversos desejos e expectativas, que fazem com que as crianças Kalapalo se façam presentes na cidade, e serão exploradas ao longo desta exposição.
Movimentos sociais e direitos da criança: protagonismo, participação e proteção
Autoria: Maria Cristina Soares de Gouvea, Isabel Oliveira e Silva
Autoria: A Declaração Universal de Direitos da Criança, promulgada pela Onu em 1989, depois de 10 anos de negociações, pretende-se documento regulador de discursos e práticas de educação da criança pelos países signatários. A afirmação de sua universalidade expressa tanto a representação de que todas crianças são sujeito de direitos, como a tensão sobre a concepção de infância que a sustenta. O texto é definido por três princípios: participação, proteção e provisão. Se a provisão e proteção eram elementos presentes em declarações anteriores, o princípio da participação encerra maior fragilidade na sua definição. Como indica a literatura crítica sobre o documento, o princípio da participação é descrito em termos de fomento à escuta individual das crianças sobre temas relacionados ao “universo infantil”, espelhando a experiência social de crianças dos países centro europeus, caracterizada por privatização da vida social e separação do mundo adulto. Observa-se no texto o apagamento de experiências distintas da infância, especialmente de crianças pobres de países ditos "periféricos" Busca-se neste work resgatar a singularidade dos processos de participação de crianças inseridas em dois movimentos sociais organizados no Brasil, destacando seu caráter coletivo e dimensão política. Inicialmente será resgatado o protagonismo do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua na formulação e implementação do Estatuto da Criança e Adolescente (1990, ainda em vigor). Posteriormente será analisada a participação de crianças do Movimento dos Sem Terrinha no MST (Movimento dos sem terra) em ações de luta pela terra e nos procesos educativos no interior das Cirandas A partir do levantamento e análise da extensa produção acadêmica brasileira e estrangeira sobre tais movimentos, tem-se em vista avaliar as condições históricas que possibilitaram sua emergência, as estratégias de promoção e desenvolvimento da participação e protagonismo infantil. Busca-se analisar a construção de formas de governança da criança, no interior de relações de poder com adultos, considerando que os processos participativos e decisórios são atravessadas por hierarquias sociais e geracionais. Por outro, busca-se analisar como as lógicas de participação e protagonismo infantil tensionam o princípio da proteção do adulto na gestão do cuidado das crianças.
O discurso da vulnerabilidade da criança como estratégia de resistência no contexto de luta pelo direito à moradia nas ocupações urbanas
Autoria: Luciana Maciel Bizzotto
Autoria: Os estudos sociais da infância trouxeram a compreensão da criança como ser humano, para além de um vir a ser adulto, tirando-a do lugar natural em que assumia os adjetivos de incapaz, imatura ou digna de proteção. Dentre os variados discursos que alimentam a controvérsia da concepção de infância nos estudos sociais, encontra-se o da vulnerabilidade da criança. Esse embate implica, também, na tensão entre os direitos à autonomia e à proteção, a qual, muitas vezes, constituiu um entrave à garantia dos direitos da criança. Este pôster trata da emergência do discurso da vulnerabilidade da criança em meio aos demais argumentos que alimentam a controvérsia em torno da concepção de infância. Para tanto, pretende-se compreender em que medida a criança tem assumido a posição de sujeito de direitos no campo teórico dos estudos da infância e como essa trajetória vem sendo historicamente tensionada por meio de um debate institucional entre protecionistas e autonomistas. Essa tensão será discutida especificamente no contexto do movimento de resistência de uma ocupação urbana, quando, na busca pelo direito à moradia, o discurso da vulnerabilidade da criança emerge enquanto estratégia de luta e resistência para a garantia dos direitos da criança. Diferentemente da favela, que constitui uma ocupação paulatina e desorganizada de um terreno, a ocupação urbana se destaca pela ação planejada e estruturada por movimentos sociais e moradores. Assumem um discurso que ultrapassa o problema habitacional per se, mas que reforça a oposição política ao status quo, tomando forma com a iniciativa das famílias desejosas por se livrarem do aluguel que corrói a renda familiar. Reunindo a parcela da população com menor acesso aos direitos básicos, na qual as crianças assumem certo protagonismo quando se trata da sociedade brasileira, as ocupações apresentam iniciativas voltadas ao público infantil na tentativa de garantir direitos negados pelo Estado, para além do direito à moradia, tais como: o direito à educação, com a criação das creches comunitárias; o direito ao lazer, com a organização de eventos festivos locais; o direito à alimentação, com a organização de refeições coletivas; o direito à participação, com o incentivo da presença em manifestações e assembleias comunitárias. O caso pretende elucidar a estratégia do emprego do discurso da vulnerabilidade na luta pelos direitos da criança, e traz à tona outra perspectiva da infância que se constitui a partir das relações tempo-espaço. A noção das culturas infantis contribui, assim, para elucidar novas concepções de infância que se conformam dentre os diversos mundos sociais da criança. Contudo, é preciso cuidado na análise, uma vez que esse mesmo discurso pode contribuir para potencializar os processos de sua marginalização.
Os Encontros das Crianças Sem Terrinha e o seu lugar na luta do MST
Autoria: Luciana de Matos Rudi
Autoria: A presente proposta busca apresentar, de maneira geral, o projeto de pesquisa intitulado Infância, saberes e militância: uma etnografia dos Sem Terrinha do MST em desenvolvimento no doutorado, bem como os primeiros achados etnográficos do V Encontro Estadual dos Sem Terrinha (São Paulo, 2017) e do I Encontro Nacional dos Sem Terrinha (Brasília, 2018). A pesquisa tem como objetivo geral compreender o que significa para as crianças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ser Sem Terrinha, englobando todas as possíveis relações que isso implica, com as outras crianças, com o Movimento, com suas famílias, educadores e com o próprio projeto de transformação social, fundado na reforma agrária e proposto pelo movimento. Os Encontros foram realizados tendo com foco os direitos das crianças à educação em primeiro lugar, além do direito à terra, à saúde e ao work. O MST explicita, seja em seus documentos ou na promoção dos Encontros, que as crianças Sem Terrinha, assim denominadas pelo movimento, ocupam um lugar de importância na luta pela reforma agrária, e que os encontros são para as crianças e com a participação delas na sua realização, enfatizando o protagonismo presente nas suas atividades. Os primeiros achados etnográficos revelam que o protagonismo das crianças parece estar amparado num modelo de protagonismo que é proposto pelo movimento, e guiado pelos adultos. Mas a etnografia dos Encontros também revelou que os adultos/educadores e educadoras se surpreendem, e muito, quando as crianças fazem desvios nesse caminho proposto por eles. De forma que a discussão sobre o que é, e o que significa protagonismo das crianças Sem Terrinha se faz mais do que pertinente para compreender o que é ser Sem Terrinha.
Os sonhos das crianças: circulação de saberes e a concepção de infância indígena através da participação na experiência onírica Ava-guarani.
Autoria: Denize Refatti
Autoria: O work apresentado tem como objetivo principal, descrever as relações existentes entre os sonhos e os Ava-guarani da aldeia indígena Ocoy, em São Miguel do Iguaçu – Paraná, partindo do princípio de que os sonhos são compreendidos, vivenciados e interpretados de diferentes maneiras relacionadas aos contextos sócio-culturais, portanto, busca-se discutir principalmente sobre o modo como as crianças Ava-guarani se relacionam com este universo onírico. Apresento uma breve discussão sobre a infância indígena e sobre o modo como as crianças são iniciadas na experiência do sonhar, a partir da analise de desenhos e de narrativas oníricas feitas pelas crianças do Ocoy, durante minha pesquisa de mestrado em antropologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina PPGAS/UFSC. Destaca-se ainda que experiência onírica pode ser entendida enquanto fonte de conhecimento, uma vez que a atividade de sonhar para os guarani é algo que se aprende e se ensina, ou seja, a experiência onírica é também um processo importante de transmissão de saberes, iniciado ainda na infância uma vez que, as crianças ouvem e aprendem sobre estas técnicas e intepretações dos sonhos desde cedo e igualmente são estimuladas a contar seus sonhos e a escutar com atenção quando alguém está fazendo a narrativa de um sonho. Nesse sentido, ao entrarem em contato com o universo onírico as crianças também são inseridas nos processos de conhecimento guarani, já que sonho também é utilizado como instrumento no qual é possível tomar conhecimento do sagrado, aprender sobre músicas, cura de doenças, e os perigos aos quais são expostos, sejam estes do mundo físico ou espirituais. Este modo legitimo de conhecimento ocorre no tempo de cada criança, e do mesmo modo que elas não são excluídas do universo dos sonhos, elas também não são pressionadas a falar sobre eles, afinal, trata-se de um processo que ocorre espontaneamente e, à medida que a criança começa a demonstrar interesse pelos seus sonhos, recebe grande incentivo de seus familiares para se dedicar aos conhecimentos que cercam o universo onírico.
Reflexões a partir das pesquisas etnográficas com as crianças Guarani Mbya e Baniwa
Autoria: Amanda Rodrigues Marqui
Autoria: Esta comunicação pretende explorar algumas possibilidades do fazer etnográfico com crianças indígenas tendo em vista duas pesquisas realizadas; a primeira no mestrado, com os Guarani Mbya no sudeste do Pará e a segunda no doutorado, com os Baniwa do Alto Rio Negro. Na primeira pesquisa a intenção era observar os significados que as crianças Guarani Mbya produziam sobre seus processos de ensino e aprendizagem escolares e não-escolares. No doutorado o objetivo foi compreender as relações entre infância, escola e religião dos Baniwa. A entrada em campo e os modos como a pesquisadora estabeleceu relações com seus interlocutores, as crianças Guarani Mbya e Baniwa, serão analisadas pois a observação participante é uma das principais propostas da antropologia. Neste sentido, apresentaremos algumas questões pertinentes aos desafios de fazer pesquisas com crianças indígenas. Além disso, é importante destacar a experiência e o envolvimento da pesquisadora com esta temática. Com isto, espera-se que a reflexão dessas etnografias contribua com os debates e as produções da antropologia da criança.
Vivências de crianças e adolescentes no Marajó: sexualidade, gênero e relações de colonialidade.
Autoria: Avelina Oliveira de Castro, Avelina Oliveira de Castro Maria Angelica Motta-Maués
Autoria: Este artigo é resultado de uma pesquisa ainda em desenvolvimento que visa identificar, e interpretar, antropologicamente, narrativas de crianças e adolescentes (além de adultos) moradores do município de Breves, no Arquipélago do Marajó, sobre as múltiplas ideias e vivências de sexualidade entre crianças e adolescentes, sejam estas construídas, afetivamente, em relações de namoro, casamento e outras formas de enlaces, ou em situações de violência e exploração. O material aqui apresentado é parte da pesquisa de doutorado da autora, que tem realizado work etnográfico na sede do referido município, desenvolvendo como metodologia, a observação direta e participante, interagindo com os interlocutores, por meio da elaboração de desenhos, rodas de conversa, entrevistas, conversas informais e observação das interações sociais, analisadas sob a perspectiva de gênero. A partir das observações realizadas até aqui, chamo para diálogo para realização de minha análise, referenciais teóricos do feminismo e dos estudos de colonialidade que nos possibilitam inferir que as vivências dessas meninas estão atravessadas, historicamente e culturalmente, entre outras matrizes intervenientes, por uma relação de colonialidade que o município (não isoladamente) possui com a capital do Estado, Belém, para a qual tem desempenhado um papel de fornecedor de matérias-primas, da flora e fauna, mas também humanas, da gente marajoara que vem, secularmente, trabalhar na cidade, muitas vezes em verdadeiro regime de ‘servidão’, em que a personagem que melhor encarna esse regime é a menina, a chamada “cria de família”, que em muitos casos é abusada sexualmente pelos patrões e filhos destes. Além disso, tem-se observado na região também situações em que as meninas estão submetidas em uma rede de exploração sexual existente na orla do município (e arquipélago), fenômeno que tem as denominado de “meninas balseiras”. Além disso, há ainda situações diversas em que em relações de namoro, as meninas são entregues por suas famílias aos meninos quando engravidam destes. Todas essas realidades chamam a atenção porque possibilitam visualizar uma relação de colonialidade, não só de saber e de poder, mas também em uma forma que estou aqui chamando de “colonialidade de corpos”.
Viver entre ruínas: remoção e direito à cidade da perspectiva das crianças da favela Metrô Mangueira, RJ
Autoria: Leticia de Luna Freire
Autoria: Este work consiste em um recorte do projeto de pesquisa que vimos desenvolvendo, desde 2016, na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com o objetivo de investigar os efeitos dos processos de mobilidade residencial forçada, em particular aqueles relacionados à realização dos megaeventos esportivos na capital fluminense, sobre a experiência escolar de crianças das famílias atingidas e matriculadas em instituições públicas de ensino fundamental e médio. Embora se oriente pela perspectiva antropológica, priorizando o ponto de vista das crianças sobre suas próprias experiências, o projeto busca fortalecer o diálogo entre distintos campos disciplinares (antropologia urbana, antropologia da criança, sociologia urbana, sociologia da educação, urbanismo, etc.), assim como a combinação de diferentes metodologias de pesquisa qualitativa (work de campo de caráter etnográfico, entrevistas, realização de oficinas, percursos comentados, etc.). Mais especificamente, apresentamos alguns resultados da pesquisa em desenvolvimento na favela Metrô Mangueira, situada na Zona Norte da cidade, vizinha ao Estádio Mário Filho, à estação de metrô Maracanã e à própria UERJ, com o intuito de analisar o ponto de vista dessas crianças sobre o processo de remoção quase total das moradias levado a cabo pela prefeitura entre os anos de 2010 e 2016, no bojo de um projeto de renovação da região com vistas à realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Inspirados no livro “Como as crianças vêm a cidade” (1995), escrito por uma equipe interdisciplinar a partir de material produzido pelas crianças de um bairro carioca que sofria um processo radical de renovação urbana, partimos do pressuposto de que as crianças da favela são “usuárias competentes da cidade”. Desse modo, buscamos valorizar suas narrativas, produzidas sobretudo em oficinas realizadas pela equipe do projeto, a fim de apreender como elas vivenciaram e atribuem sentido ao processo de remoção e à sua inserção na cidade, mas também como tais construções simbólicas se refletem na sua vida cotidiana, familiar e escolar. Não buscamos, porém, falar dessas crianças sem nos despir de um lugar de autoridade e poder sobre elas nem sem entender os significados de ser “criança” nesse lugar, mas concebê-las como sujeitos capazes de criar seu próprio sistema simbólico e sua visão de mundo sobre a favela e o direito à cidade, abordando questões pouco exploradas pelos estudos urbanos. Como muitos works produzidos na área de “Antropologia da Criança” tem evidenciado, estudar a criança é importante, por sua vez, tanto por ela expressar o que os adultos normalmente não o fazem quanto por fazê-lo de forma distinta, revelando uma dimensão sensível particular da constituição da cultura.
“Abrasileirar o Brasil” a partir das crianças: a pesquisa em arquivos sobre a emergência de uma infância na cidade de São Paulo nas primeiras décadas do século XX
Autoria: Marcos Vinicius Malheiros Moraes
Autoria: O objetivo deste work é discutir aspectos metodológicos do exercício etnográfico no arquivo, pensando sobre como pode ser feita sua apropriação na pesquisa antropológica de modo a destacar a atuação das crianças na análise da emergência de uma infância na cidade de São Paulo nas décadas de 30 e 40 do século XX, considerando dois contextos sócio-históricos: os parques infantis e as trocinhas. Os primeiros foram criados em 1935, quando Mário de Andrade era diretor do Departamento de Cultura e Recreação da cidade de São Paulo, e eram voltados à educação e recreação das crianças provenientes das classes trabalhadoras, em geral descendentes de imigrantes (Faria, 2002), tornando central, para Mário de Andrade, a questão de “abrasileirar o Brasil”; já as trocinhas eram grupos de brincadeira formados por crianças que se reuniam nos bairros centrais da metrópole em formação, tais grupos despertaram o interesse de Florestan Fernandes (2004), que analisou, a partir de pesquisa de campo realizada em 1941, seus aspectos folclóricos e sociológicos. Esses contextos podem indicar como a criança e sua educação tornaram-se cruciais às discussões sobre nacionalidade e modernidade empreendidas por artistas, educadores e cientistas sociais nas primeiras décadas do século XX, instituindo a nacionalidade como dispositivo de saber-poder que constitui, por meio de discursos e práticas, sujeitos e objetos (Foucault, 2010). Para evitar a compreensão da criança como ser passivo neste processo sócio-histórico, faz-se necessária uma reflexão metodológica que indague, em primeiro lugar, o que é um arquivo e como sua análise pode ser feita (Castro, 2008), sobretudo em uma antropologia que considere a criança como ator social e produtora de cultura (Cohn, 2005). Com o intuito de guiar a elaboração de uma etnografia no arquivo, serão analisados três tipos de fontes documentais: textos, fotografias e desenhos. Para enfatizar a atuação das crianças, a análise dessas fontes buscará: (1) efetuar uma leitura a contrapelo dos textos, a qual apresente sua polifonia, isto é, as diversas falas que o autor procura organizar em sua composição (Clifford, 2008); (2) analisar indícios, presentes nas fotografias, da perspectiva das crianças sobre o mundo sócio-histórico, pois a imagem fotográfica instaura um inconsciente óptico (Benjamin, 1994), com elementos que escapam à intencionalidade do fotógrafo, contribuindo para sua polissemia; e (3) destacar como os desenhos - entendidos como produção cultural (Gobbi, 2004) - das crianças dos parques infantis são significativos não apenas como sintoma de um desenvolvimento psicológico, mas, sobretudo, como performance que transforma os sentidos das experiências dos atores envolvidos no processo social em curso na instituição (Turner, 2005).
“Aprendendo a escutar”: Infância, gênero e subjetividade em duas biografias norte-americanas de crianças transgênero
Autoria: Luiza Ferreira Lima
Autoria: O presente work se propõe a iniciar uma investigação sobre elementos organizadores da composição literária que visam dar inteligibilidade e legitimidade ao processo de formação e reivindicação de identidade de gênero de crianças transgênero em biografias publicadas nos Estados Unidos. Parte de minha pesquisa mais ampla de doutorado, que se debruça, em uma perspectiva comparada, sobre processos de subjetivação inscritos em e produzidos por biografias e autobiografias elaboradas por ou sobre pessoas transexuais e publicadas no Brasil e nos Estados Unidos, neste paper me concentro em 2 obras: “Raising My Rainbow: Adventures in raising a fabulous, gender creative son”, de Lori Duron (2013); e “Raising Ryland: Our story of parenting a transgender child with no strings attached”, de Hillary Whittington e Kristine Gasbarre (2015). Escritos por mães e publicados nos últimos anos, tais livros surgem em um momento de intensificação do debate público sobre a articulação entre infância e transgeneridade nos Estados Unidos, e de acirramento de conflitos jurídicos levados a cabo em reivindicação de direitos referentes à identidade de gênero de crianças transgênero, em especial no contexto escolar – como envolvendo uso de nome social e pronomes escolhidos pelas crianças em documentos institucionais, acesso a banheiros, prática de educação física e enfrentamento de segregação e bullying. Subjacentes a essas dissidências estão sentidos não só de permanência ou transitoriedade de gênero, seu aspecto natural ou socialmente construído, bem como modelos de feminilidade e masculinidade, mas também sentidos de infância – constituídos por pressupostos de (in)capacidade de entendimento do mundo social, (in)comunicabilidade, (ausência de)autoconsciência. De que modo as duas publicações citadas reagem a esse contexto social tenso e a esses sentidos? Considerando a articulação entre condições histórico-sociais que estruturam a existência da produção literária, este work é norteado pelas seguintes questões: quais representações de pessoa, infância e transgeneridade são reproduzidas e quais são questionadas nestas duas obras? Quais regimes de discursividade são acionados e quais são afastados? O que essas crianças estão comunicando sobre si, sobre quem são e como vivenciam o gênero e o corpo, quem as está levando a sério e quais são as estratégias narrativas mobilizadas pelas autoras para fazer com que o dito seja não só compreendido mas também a ele se atribua aceitabilidade? De que modo a relação entre mãe e filho marca os motivos e os caminhos da escrita e quais os efeitos desejados que esses textos assinalam em termos de constituição da subjetividade política destas crianças?