Cinque Terre
GT 006. Alimentação, Cultura e Direitos Sociais
Talita Prado Barbosa Roim (Universidade Federal de Goiás) - Coordenador/a, Rogéria Campos de Almeida Dutra (Universidade Federal de Juiz de Fora) - Coordenador/a, Maria Eunice de Souza Maciel (UFRGS) - Debatedor/a, Sandra Simone Queiroz de Morais Pacheco (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA) - Debatedor/a, Talita Prado Barbosa Roim (Universidade Federal de Goiás) - Debatedor/a
O projeto de construção de uma comunidade global baseada em padrões universais e progressivos de decência, moralidade e dignidade humanas constitui uma das grandes transformações do século XX, tendo como marco significativo a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse âmbito, o Direito à Alimentação tem sido objeto da reflexão antropológica desde 1940 e é crescente sua participação no debate contemporâneo em função de sua interconexão com a “crise alimentar” em suas diferentes facetas, tais como: mecanismos institucionais de poder e práticas administrativas, relações de dominação entre grupos e nações, crise ecológica e produção em larga escala, concentração de renda e empobrecimento de grandes contingentes populacionais, relações entre saberes tradicionais e saber científico etc. No Brasil, a Constituição de 1988 representou um avanço significativo na possibilidade de consolidação de um conjunto de Direitos Sociais, dos quais a alimentação ocupa um lugar central, seja na efetivação da dignidade humana e cidadania, seja na possibilidade dos grupos sociais reproduzirem suas existências nos seus lugares de atuação. Assim, o GT busca assegurar e ampliar o espaço de discussão da Antropologia da Alimentação e colocar em perspectiva questões relativas aos riscos e controvérsias sobre a segurança alimentar e nutricional, dos ativismos políticos e das políticas públicas, que assegurem o direito à alimentação, soberania e cultura alimentar nos seus aspectos multidimensionais.
Resumos submetidos
A importância do leite na alimentação rural da Zona da Mata mineira.
Autoria: Daniela Maria Alves Pedrosa, Rogéria Campos de Almeida Dutra
Autoria: Embora o desenvolvimento da pecuária leiteira no estado de Minhas Gerais tenha ocorrido de maneira significativa, sobretudo entre os anos de 1820 e 1930, quando era a principal atividade econômica das fazendas mineiras, o leite permaneceu como alimento básico das populações rurais, ocupando papel central nas práticas alimentares seja por seu consumo in natura, seja utilizado na produção de pratos regionais. Este work tem como escopo compreender o papel ocupado por este alimento no cotidiano de uma comunidade rural da Zona da Mata mineira destacando a importância que o mesmo adquiriu na alimentação de subsistência dos moradores. Com a economia baseada na pecuária leiteira, a localidade também conta com a produção de carne suína, ovos de aves e outros alimentos com grande teor nutricional, provenientes da agricultura campesina. Ainda que a produção leiteira não seja uma prática comum a todos os habitantes, ela se faz amplamente presente dentro da comunidade, que possui com uma cooperativa destinada à pasteurização e comercialização deste alimento. Contudo, há de se ressaltar que mesmo o leite pasteurizado sendo de fácil acesso é comum o consumo diário de leite cru pelos moradores. Neste contexto, os cuidados com a produção e manipulação do leite e seus derivados, que são uma das principais fontes de proteína dos que ali residem, passam a ser cruciais para a compreensão do papel que este alimento desfruta dentro da comunidade.
Alimentação Do Trabalhador – Jornal O Estado De São Paulo – 1937-1945
Autoria: Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla, Maria Clara Pereira Barreto Amorim
Autoria: No Brasil as preocupações do Estado em alimentar braços para o work já vem desde o período colonial. Ações efetivas nesse sentido, no entanto, só se fizeram presentes no século XX. Ainda que foi preciso chegarmos ao século XXI para que saíssemos oficialmente do Mapa da Fome, ainda que, ultimamente o temor de que voltemos a figurar nele nos ronde. As descobertas científicas mundiais da virada do século XIX para o XX chegaram ao Brasil, e trouxeram com elas muitas novidades no que diz respeito às vitaminas, proteínas, e, também às técnicas de conservação e diminuição dos riscos de contaminação. Médicos e biólogos brasileiros se interessavam cada vez mais pelo assunto, e o que mais se destacou foi Josué de Castro. O problema alimentar no Brasil passa a chamar mais e mais a atenção do Estado que passa a reconhecer entre os problemas de saúde pública brasileira a fome e a desnutrição. A partir desse período esse problema passa a fazer parte da agenda política brasileira. Muitas medidas foram tomando forma ao longo do período, até que em 1940, o enfrentamento da fome é formalmente considerado um problema social que necessita de políticas públicas para seu combate, assim é que se propõem ações para introdução de novos alimentos e desenvolvimento de novas práticas educativas para a alimentação. As políticas nacionais de alimentação e nutrição têm início com o SAPS (Serviços de Alimentação e Previdência Social, na década de 1940, cujo principal objetivo era prestar serviço nutricional para a classe dos trabalhadores brasileiros. Diante desse quadro, uma pergunta se impõe, qual o papel do alimento em relação à soberania alimentar e a construção de paradigmas de saúde para o trabalhador num Brasil do Estado Novo? Dessa forma é que a presente pesquisa pretende empreender uma análise sobre as referências sobre a “alimentação do trabalhador” presentes no Jornal o Estado de São Paulo, no período, buscando uma dimensão a partir de indicadores na análise das notícias, receitas, orientações nutricionais, conselhos médicos, entre outros, procurando uma faceta subjetiva da nutrição, com o objetivo de compreender melhor a complexidade alimentar brasileira em seu processo culturalmente constituído.
Alimentação Escolar entre Povos e Comunidades Tradicionais: aprendizagens e estratégias para a Segurança Alimentar e Nutricional
Autoria: Juliana Dias Rovari Cordeiro, Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca Tamiris Rizzo, Nutes Myrla Mourinho Nobile
Autoria: Este resumo apresenta parte da revisão sistemática da pesquisa “Alimentação Escolar entre Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs): aprendizagens e estratégias para a Segurança Alimentar e Nutricional”. As possibilidades educativas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) nos permitem investigar as práticas alimentares de quilombolas, indígenas, pescadores e pomeranos, a partir de suas culturas, seus modos de viver e saber, conectados com os territórios e as múltiplas cosmovisões. Considera-se a refeição na escola como um espaço-tempo para construção de valores e sentidos relacionados ao Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). A revisão foi realizada na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos CAPES), durante os meses de fevereiro a junho de 2018. A pergunta norteadora nos auxiliou a mapear as principais iniciativas de Educação alimentar e/ou Educação em Saúde em works que abordaram a temática da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e/ou Insegurança Alimentar entre PCTs. Do total de 1284 artigos, 80 foram incluídos no corpus da pesquisa. Na segunda etapa, os textos foram separados foram separados a partir dos países em que foram realizadas as pesquisas O intuito é analisar e refletir sobre questões éticas e metodológicas; avaliação de programas e política públicas; situação nutricional; saberes tradicionais e Doenças Crônicas e não Transmissíveis (DCNT). A expectativa é apontar lacunas e possibilidades para apoiar a construção das capacidades dos povos de participar, decidir e se beneficiar das estratégias de aprendizagens para a assegurar o DHAA e a SAN.
As casas de farinha como território e os processos da farinhada como processos educativos
Autoria: Elina D. Zavasque F. Santana
Autoria: Este work tem como objetivo caracterizar, a partir das narrativas dos trabalhadores e trabalhadoras de quatro Casas de Farinha do Distrito Janarí/Goianésia do Pará, os elementos materiais e simbólicos que compõem as relações e o processo de “saber-fazer” da farinhada, a fim de identificar as características e singularidades dos territórios casas de farinha, concebidos neste work como territórios de aprendizagem. O estudo buscou analisar dados extraídos da pesquisa de campo realizada com moradores(as) das comunidades pesquisadas no Distrito Janarí, em diálogo com o levantamento bibliográfico, que deu suporte aos questionamentos desenvolvidos no decorrer do estudo. Tomou-se com base obras que tratam sobre Território, Lugar, Práticas Pedagógicas, e manuais de casa de farinha da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
As interseções entre comida e sociabilidade no acampamento Luiz Maranhão.
Autoria: Renata Claudino
Autoria: A experiência etnográfica no acampamento Luís Maranhão, circunscrita no munícipio de Campos dos Goytacazes, realizada por, aproximadamente, cinco meses me levaram a elaborar este artigo cujo objeto de análise será a questão da alimentação em consonância com a dimensão de sociabilidade e política do processo de assentamento da localidade em questão. Recorremos a Simmel (2004) para desenvolver o entendimento da importância do ato de realizar uma refeição em conjunto, ela que não só une grupos de um mesmo pertencimento, mas agrega diferenças, hierarquias e estilo, ademais comer não é um ato autônomo ou solitário, comer é união socializar-se, e tornar um inimigo em amigo. Com efeito compreende-se aqui que o elemento de sociabilidade é amplamente debatido pela bibliografia histórico-antropológica. SAHLINS, (2003) destaca o paralelo entre animais e homens, como por exemplo o homem antes de comer irá pensar com quem irá fazer a refeição, já os animais apenas comem para suprir uma necessidade biológica. Para Carneiro (1998) comer é socializar, mas também é um ato dotado de valores, há variação de grupos de relações sociais, os homens atribuem sentidos ao partilhar a refeição. Pensando em especial nas singularidades do impacto das práticas alimentares, da produção e circulação de alimentos e nas formas de constituição dessas redes sociais foi possível identificar a rede de relações da qual as pessoas partilham e compartilham no ambiente de convivência efêmera no Acampamento Luiz Maranhão que anteriormente foi a Usina Cambaiba, grande produtora de açúcar durante o século XX. Ao que pode ser observado, as relações entre os acampados parecem por vezes conflituosas e sutis no dia-a-dia. O presente work tem como objetivo mostrar como a comida e sua circulação formam uma coesão social no acampamento no qual é perceptível no dia da “festa dos sem terrinhas”, a comida não apenas alimenta, mais nutre tais relações. De modo geral a comida além de determinar a identidade social de um grupo dialoga com a memória refletindo com o caráter contextual do momento em que se encontra o acampamento
Bolsa Família, gênero e alimentação: moralidades em uma favela no Rio de Janeiro
Autoria: Viviane Mattar Villela Salles, Rogério Lopes Azize - IMS/UERJ Rodrigo de Araújo Monteiro - UFF
Autoria: O Programa Bolsa Família (PBF) não coloca em circulação apenas um benefício/direito social. Moralidades, acusações e relações também são colocadas em movimento em um contexto no qual a composição do valor mensal varia, de retirada do benefício sem que se saiba a razão, desconhecimento sobre como se calcula o seu valor e o porquê das diferenças. Venho acompanhando narrativas de mulheres a partir deste assunto em uma favela carioca de composição bastante heterogênea, com uma área especialmente pobre, tensionando discursos sobre a perda do benefício – fenômeno em crescimento naquele local – sua manutenção e a percepção local sobre sua variação entre as beneficiárias. Sobre cortes, manutenções e diferentes valores parece circular grande desinformação em termos técnicos, mas muitas opiniões, por vezes confusas e imprecisas; nos casos mais dramáticos, a consequência é sempre em cadeia e a primeira dificuldade mais evidente é relacionada à alimentação. Torna-se importante entender o funcionamento do benefício em contextos etnográficos específicos, como ele é utilizado para suprir necessidades alimentares, mas também o sentido que se atribui aos corpos, às comidas e ao próprio dinheiro, sempre moralizados. Isso diz respeito a como elas projetam as suas vidas e de que forma o recebimento do Bolsa Família influencia nas suas escolhas alimentares e no próprio significado que os alimentos adquirem. Por ter observado que, nessa comunidade, grande parte dos responsáveis pela família (provedoras) são mulheres, o recebimento do PBF permitiu a criação de novas relações de gênero, um contexto no qual as mulheres ganham destaque como e responsáveis pelas decisões sobre a alimentação do grupo familiar. Em um momento de sucessivos ataques aos direitos sociais, com corte e retraimentos no PBF, torna-se indispensável pensar nas consequências à população de baixa renda, não apenas relacionadas à alimentação, mas também aos estigmas vividos por estas pessoas. O benefício ou sua falta acaba sendo um atalho para falar aqui de gênero, corpo, violência, alimentação, pobreza e moralidades.
Consumo e cidades: o acesso ao alimento considerado saudável no contexto urbano
Autoria: Janine Helfst Leich Collaço
Autoria: Esta proposta deu continuidade ao work desenvolvido anteriormente no qual analisei, sob diferentes aspectos, dinâmicas urbanas e mudanças alimentares, pensando a partir de distintas perspectivas teóricas da antropologia para explorar novos aspectos da relação entre alimentação e cidades. Neste ponto, partiu-se do pressuposto que a cidade permite o encontro entre distintos grupos culturais, com seus modelos e práticas atuando diretamente no consumo alimentar, na apropriação do espaço, bem como naquilo que é considerado saudável, confrontando lógicas que vão desde o discurso científico e médico até o discurso cotidiano, popular, doméstico. A questão levantada foi pensar o comer considerado saudável e o seu acesso na cidade, ampliando a perspectiva para além da produção. Nesse sentido, a pesquisa ainda está em andamento mas já foi possível vislumbrar alguns aspectos que operam em diferentes níveis e impactam as escolhas alimentares que articulam produção, distribuição, diversidade cultural e social, concepções do que é local, universal, global. A pesquisa se valeu da comparação de três cidades: Goiânia, Brasília e São Paulo o que permitiu, inicialmente, rever a literatura sobre os conceitos de segurança e soberania alimentar, bem como a ideia de food deserts. Surgiram várias questões: o que há de diferente nessas cidades que se apropriam de formas particulares do alimento? Quais os impactos dos imaginários urbanos? A importância dos novos espaços de consumo em comparação aos espaços mais tradicionais de comércio como mercados públicos e feiras livres? Assim, apresento aqui alguns dados preliminares das primeiras explorações do campo, ressaltando a extrema complexidade do tema, pois não basta oferecer alimentos considerados saudáveis pelos especialistas, mas discutir as bases dos sistemas alimentares e avaliar os meios pelos quais seria possível alterar o acesso desigual a diferentes tipos de alimentos.
Direito Humano à Alimentação adequada: notas sobre uma pesquisa com a comunidade dos gramachinhos.
Autoria: Fabiana Bom Kraemer, Verônica Oliveira Figueiredo Lisa Helena Corrêa de Moura Fabiana Bom Kraemer Flávia Milagres Campos
Autoria: A fome pode ser produzida pelo contexto social, político, econômico e histórico, mas encontra seu significado e expressão no cotidiano. Assim, a pesquisa aqui descrita sobre questões em torno do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) está circunscrita a uma realidade específica, um grupo social da comunidade do antigo aterro sanitário em Jardim Gramacho, Duque de Caxias-RJ. Partimos do pressuposto que a (re)descoberta de caminhos para a conquista do DHAA pode se dar a partir de um processo de reflexão crítica pelos sujeitos sociais inseridos em um contexto desfavorável, por meio de rupturas de mecanismos sociais que perpetuam o distanciamento dos direitos humanos. O presente texto tem como objetivo apresentar as primeiras aproximações com o campo de estudo. Insere-se no projeto ‘Direito Humano à Alimentação Adequada para populações inviabilizadas: uma realidade dos gramachinhos’ e tem como desenho de estudo a ‘pesquisa participante’, modalidade ‘pesquisa-ação’. A aproximação ao campo foi através do Projeto Gramachinhos, uma Associação sem fins lucrativos, que oferece atividades diversas para crianças e adolescentes residentes no bairro. Para o reconhecimento do espaço geográfico, percorremos o bairro e visitamos moradores. Para a interpretação analítica dos elementos, buscamos apreender o conceito de território, compreendendo-o como uma categoria de análise social, por se apresentar como uma fração do espaço vivido pelo homem, percebendo, no campo, sua influência em questões associadas ao DHAA. O espaço geográfico revela características físicas que instiga a reflexão sobre a existência de alguns objetos que se tornaram instrumentos materiais da vida naquele lugar, podendo ser resultado de uma história pregressa e, ainda contada, de processos de marginalização e distinção social. Nesse sentido, observamos ruas sem pavimentação; casas construídas com o auxílio de materiais como madeira, papelão, ferro e qualquer outro que pudesse ser aproveitado para tal fim; mangueiras de grosso calibre nas ruas, que auxiliam na captação de água para as casas; porcos que se aproveitavam das poças de lama e, ainda, pessoas que acessavam frutas oriundas de sacos de lixo com a presença de insetos. O acesso aos alimentos se dá, majoritariamente, por meio de doações, seja daquele oferecido pronto como lanches ao final das aulas de reforço para crianças ou por cestas básicas semanais aos inscritos em alguma atividade da Associação, que geralmente contém leite, arroz, açúcar e biscoitos. Nesse primeiro momento, entendemos que conhecer a dinâmica territorial de acesso aos alimentos por essa comunidade nos ajuda a compreender as questões sociais, ambientais e políticas que envolvem e, de certa forma, determinam a realidade dessa comunidade em Jardim Gramacho.
Entre mangue,terra e mar: O sabor da Resex Mocapajuba, São Caetano de Odivelas (PA).
Autoria: Lorena Carolina Marques Monteiro, Ana Paula Melo de Morais Flávio Henrique Lobato Liria Natasha Sena do Vale
Autoria: O município de São Caetano de Odivelas comporta em sua extensão territorial a Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba (RESEX-Mar), que é fortemente marcada por atividades ligadas à pesca, à roça, à mariscagem e à coleta de crustáceos. As práticas cotidianas de mulheres e de homens que nessa ambiência (sobre)vivem estão diretamente atreladas à terra, às florestas, às águas e aos mangues, assim a sua cultura é expressa por uma dinamicidade de saberes, de fazeres e de identidades relacionadas à natureza. Este work buscou retratar a culinária de comunidades da RESEX-Mar enquanto fruto do conhecimento e das relações entre natureza e cultura nas localidades de Alto Camapú e Camapú Miri. A incursão metodológica percorrida se estabeleceu a partir de uma abordagem qualitativa. De caráter exploratório e descritivo, o estudo foi conformado por pesquisas bibliográficas e de campo, fazendo a adoção de diferentes instrumentos de coleta, a saber: observações e conversas informais; aplicação de questionários e entrevistas; realização de Cartografias Sociais; preparo das receitas pelas cozinheiras; e registros fotográficos, que contribuíram de maneira profícua para a obtenção de dados acerca das tradições culinárias dessa região pesqueira, bem como da diversidade sociocultural das comunidades. Os resultados alcançados, à luz de referenciais da Antropologia da alimentação, permitem compreender que o conhecimento identitário de uma população se materializa na forma de seus hábitos alimentares. No cotidiano das comunidades, notou-se que as cozinheiras, a partir de suas práticas sociais – que são reflexos de seus modos de vida –, são também as responsáveis pelo manejo dos recursos naturais, dado que eles figuram as suas fontes de alimentação.
Globalização e gourmetização: a gastronomia em Belém do Pará.
Autoria: Guilherme Bemerguy Chêne Neto, Renata Medeiros Paoliello Lourdes Gonçalves Furtado
Autoria: Belém do Pará foi contemplada, em 2015, com o título de Cidade Criativa de Gastronomia, dado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A cidade, que já era conhecida pela "originalidade" de sua gastronomia, tornou-se agora uma referência em gastronomia amazônica e muitos estudiosos das ciências gastronômicas e chefs de cozinha passaram a incluí-la em seus roteiros culinários no Brasil. Nesse ensejo, tanto o Estado, na figura da prefeitura da cidade e do governo estadual, quanto empresários argumentaram que esse título dado pela UNESCO visa valorizar a tradição e identidade belenenses, a partir de sua culinária, que começa, então ser inserida mais intensamente numa cadeia global de consumo, sendo mais uma possibilidade nas prateleiras do “supermercado cultural global” (MATHEWS, 2002). Esse fenômeno de inserção da culinária belenense em “comunidades transnacionais de consumidores” (CANCLINI, 1999) tem como causa, de acordo com Jesús Contreras Hernández (2005), o impacto da progressiva homogeneização e globalização da comida. O processo de globalização impacta diretamente na alimentação, onde a busca por alimentos adquiriu um intrínseco caráter mercadológico (PETRINI, 2009). O gourmet vira palavra-chave do novo conceito de gastronomia, que, agora, tem no regional a grande “novidade”. As comidas populares passam por um processo de gourmetização feita por grands chefs de cozinha nacional e internacional, com um discursos pautados na valorização das tradicionalidades. Essa pesquisa vem sendo desenvolvida em forma de tese de doutorado e almeja compreender qual o real impacto do contínuo, e inevitável, processo globalizador na gastronomia de Belém do Pará.
Neoextrativismo, Bem Viver e Segurança e Soberania Alimentar: um estudo da experiência quilomba e de novas racionalidades de consumo alimentar na Amazônia
Autoria: Maycom Douglas Ferreira do Nascimento
Autoria: Este ensaio é parte de uma pesquisa em âmbito nacional no Brasil, envolvendo três regiões distintas: Norte, Centro-Oeste e Sul. Intitulada:"Comida de Quilombo no Brasil: saberes, práticas alimentares e experiência em contextos do Sul, Centro-Oeste e Norte". O estudo se insere na discussão da soberania e segurança alimentar e vem buscando no seu esforço analítico inicial tratar sobre a experiência de resistência contra-hegemônica em contexto de comunidades quilombolas na Amazônia, em particular, na Ilha do Marajó/Salvaterra (um dos sítios de pesquisa) que reforça a necessidade de superação dos atuais modelos de desenvolvimento no espaço rural na América Latina e, ao mesmo tempo, evidencia esses sujeitos não como meros objetos de estudos, mas como protagonistas da elaboração de uma nova racionalidade civilizatória de consumo alimentar. A partir de estudo de caso em comunidades quilombolas na Ilha do Marajó, este work se propõe analisar como as ações inseridas em contextos de desenvolvimento neotrativistas operam no respectivo território e influenciam diretamente no direito à alimentação desses grupos, colaborando com a destruição dos modos de criar, fazer e viver, especialmente em relação à segurança e soberania alimentares, e atingindo diretamente a busca pelo bem viver de povos e comunidades tradicionais. Dando corpo a chamada pesquisa-ação, empregamos abordagem qualitativa e acionamos procedimentos metodológicos de observação direta e participante e de entrevistas semiabertas e estruturadas. Os dados apontam que há processos de desterritorialização em curso, capitaneados por indivíduos que se opõem aos movimentos quilombolas e pelo próprio Estado. Em geral, essas violações de direito estão associadas à expansão de criação de gado, ao uso extensivo de agrotóxicos para plantação de capim e arroz e a diferentes modos de apropriação de recursos naturais. Em comum, tem-se um cenário de reivindicação por regularização fundiária encampado pelas comunidades perante órgãos do Estado ou da União, no qual sustenta-se a necessidade de titulação territorial como meio de efetivação de direitos e de consecução do bem viver almejado. As estratégias adotadas pelos grupos acabam recuperando o que a literatura aponta como teorias pós e decoloniais e concretizando práticas reais de contra-hegemonia, que podem contribuir com o repertório de ações coletivas de outros povos e comunidades tradicionais da América Latina, especialmente em contextos políticos nacionais e regionais pós-democráticos.
O consumo alimentar como ato político: a experiência do Grupo de Consumo Responsável da Rede Espaço Agroecológico, Recife-PE.
Autoria: Fabiana de Lima Sales
Autoria: O presente artigo, extraído de uma tese de doutorado em construção no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE, pretende discutir a perspectiva política presente no consumo alimentar, a partir da experiência do Grupo de Consumo Responsável (GCR) da Rede Espaço Agroecológico, localizado na cidade de Recife-PE. Tendo como ponto de partida a preocupação com a qualidade do alimento e a consequente demanda por uma alimentação saudável, e adentrando o campo do consumo como ação política, os Grupos de Consumo Responsável se apresentam como iniciativas de comercialização de produtos orgânicos ou agroecológicos, nas quais os participantes acessam produtos de qualidade, produzidos sob a égide da economia solidária, agricultura familiar e agroecologia. Apesar de poucas em termos numéricos (cerca de 30 GCRs registrados), as experiências dos Grupos de Consumo Responsável se alastram pelo Brasil, levando aos consumidores dos centros urbanos uma alternativa de comercialização de alimentos que foge dos circuitos convencionais beneficiadores das grandes cadeias da agroindústria, seja na produção ou na distribuição dos alimentos. A metodologia utilizada neste work se apoia em pesquisa bibliográfica e documental, de natureza exploratória, mas, principalmente, na prática etnográfica a partir do envolvimento pessoal da pesquisadora, enquanto consumidora, no Grupo de Consumo Responsável em análise. Esta participação, pela própria concepção do GCR, caracteriza uma participação ativa, colaborativa, que não se resume à mera compra semanal de produtos agroecológicos. Além da participação no GCR, desde o início de suas atividades, entrevistas com outros consumidores estão sendo realizadas no intuito de captar suas percepções individuais não apenas em relação à sua participação no grupo de consumo, como também no que toca as relações estabelecidas entre o consumo alimentar e um possível posicionamento político que questiona os efeitos econômicos, sociais e ecológicos do modelo convencional de produção e distribuição de alimentos vinculados à agroindústria. A experiência nos Grupos de Consumo Responsável vem mostrando que os consumidores assumem um compromisso social ao transformar o seu ato de compra em um ato político que visa à sustentabilidade da vida dos homens e do ambiente em que se encontram. Resultados preliminares apontam para um consumo que, no contexto dos GCRs, pode ser compreendido enquanto uma ação não institucionalizada que leva as discussões no campo da sustentabilidade ambiental, produção alimentar, agricultura familiar, economia solidária, entre outros pontos, para o cotidiano destes consumidores, ressaltando a dimensão política da alimentação.
O Discurso do Saudável - Dieta vegetariana e orgânica: recorte de classe de uma identidade alimentar.
Autoria: Andrea Lima Duarte Coutinho
Autoria: Este ensaio surgiu de uma experiência desenvolvida na área dos Estudos dos Hábitos Alimentares, em que foram realizadas visitas a campo, com o objetivo de observar práticas alimentares descritas de maneira espontânea, assim como analisar o discurso e a compreensão dos entrevistados/participantes da pesquisa, sobre o tema da Alimentação e sua ligação com a Saúde. As abordagens foram realizadas na cidade de Salvador, em três restaurantes de comida vegetariana. Vale ainda lembrar que, foi considerado o indivíduo em sua escala social, valendo ressaltar que também o valor nutricional dos alimentos e suas propriedades foram aqui tomados como atribuições culturais. A tentativa foi entender como a escolha pela alimentação “alternativa” não está totalmente relacionado com imagem corporal e sim está muito mais direcionado a busca pelo equilíbrio e pela saúde. A imagem corporal como objetivo para essas pessoas ocupa um espaço secundário. Existem nesses casos uma enorme relação entre alimentação e saúde e a alguns foram atribuídas funções curativas. Outro paradigma alimentar percebido na pesquisa ( realizado por um impulso pessoal, com o aporte do Núcleo de Estudos Ambientais e Rurais-FFCH/UFBA), é o tratamento que se dá ao significado atribuído a esses alimentos: esses alimentos configuram a identidade social de indivíduos que não possuem relações de parentesco ou alianças. Se trata de um extenso grupo que possui características pautadas no bem-estar, na busca pelo equilíbrio, na “iluminação” e no discurso da “pureza”.O recorte de classe, se mostrou necessário já que os subjetivismos que compõem esta identidade social pauta status social e condições de acesso. A comida nesse caso, funciona como um elemento dissociativo entre aqueles que se alimentam “bem” ( e por conseqüência estão a caminho do equilíbrio físico e mental) e aqueles que ainda não se preocupam com tais questões e consequentemente estão ao largo da pureza.
O Programa Bolsa Família (PBF) entre os Akwen-Xerente do Tocantins: mudanças alimentares e transformações nos papéis de gênero
Autoria: Reijane Pinheiro da Silva, Cássia Araújo Moraes Braga
Autoria: A proposta desta pesquisa é identificar e analisar os impactos do Programa Bolsa Família entre os Akwen-Xerente do Tocantins, considerando, especialmente, as mudanças nos hábitos alimentares intensificadas nos últimos anos (Silva, 2015), bem como possíveis mudanças nas relações sociais e de gênero, além da relação entre essas mudanças e o aumento de doenças crônicas não transmissíveis. A pesquisa de caráter qualitativo e etnográfico está com previsão de finalização em outubro de 2018. Conforme o Censo 2010 o número de indígenas no Brasil corresponde a 896.917 pessoas. Em junho de 2018, 13.736.341 famílias indígenas receberam o Bolsa Família. Entre os Akwen convém destacar as intensas transformações sociais associadas ao impacto dos projetos de desenvolvimento, depois da criação do estado do Tocantins, em 1988. Como exemplo citamos construção da Usina Hidrelétrica de Lajeado, TO (UHE), que extinguiu as roças de vazante e fez diminuir o plantio das roças de toco. Neste contexto, a implantação de programas como o PBF, possibilitou aos Akwen a garantia de um relativo acesso regular a alimentos, mas ampliou o consumo de processados, enlatados e de alimentos de baixo valor nutritivo e alto teor calórico, como refrigerantes e biscoitos doces, consumo simultâneo de massas (exemplo macarrão, batata e arroz) e de alimentos com altas quantidades de sódio. Nessa direção a pesquisa aponta a relação entre as mudanças alimentares e o aumento de adoecimentos associados a problemas cardio-vasculares e o aumento de agravos como diabetes tipo II. Aponta, ainda, mudanças no papel das mulheres Akwen que, de posse do cartão do PBF, passaram o ocupar espaços antes exclusivo aos homens, como, por exemplo, a prerrogativa de decidir o destino dos recursos financeiros da família.
Percepções e apropriações do comer nos fluxos migratórios
Autoria: Bruna Pratesi de Oliveira
Autoria: “Aqui estão todos, certo? Todas as nações estão nesta cidade. Trazer algo assim para São Paulo é agregar ainda mais a essa diversidade e, mais do que isso, mostrar a cultura de refugiados é trazer um outro nível de resiliência”. A seguinte fala é de Joanna, empreendedora e refugiada síria em entrevista para uma reportagem em agosto de 2018. Sua fala ilustra a recorrência recente de notícias que lançam luz ao florescimento da “culinária que chega ao Brasil fugindo da guerra” em forma de narrativas de “recomeço” e “esperança” em grandes cidades brasileiras. O retrato é composto por famílias e pessoas sírias, venezuelanas, congolesas (entre outras) partindo de seu país pela falta de direitos fundamentais como o direito à alimentação e buscando mobilidades e reconhecimento no país de destino. Valores atreladas aos sentidos do comer circulam nas redes midiáticas atraindo um crescente gosto pela diversidade e produzindo um imaginário de interações cosmopolitas: “Se você quer comida étnica de verdade, vá às casas dos refugiados sírios. Aos chineses da Liberdade. Aos africanos. Aos árabes tradicionais”. Tais discursos acabam por ofuscar desigualdades nas equações de poder e relações localizadas. Neste sentido, o ideal de comensalidade, ao mesmo tempo que evoca a soberania e produz a possibilidade de uma maior presença política, corre o risco de essencializar a ideia de “cultura” expressa nos discursos integracionistas. Na via de oxigenar as discussões sobre culturas alimentares, o work pretende investigar os discursos costurados às expressões culinárias e cozinhas de grandes cidades brasileiras no que tange os sentidos atribuídos à categoria de refugiados enquanto valor na comodificação (Comaroff, J; Comaroff, J, 2009) do comer. Nesta esteira, pretendo refletir sobre a circulação de significados, nas mídias digitais, com fins de realizar uma pesquisa etnográfica e refletir sobre o imaginário dos refugiados e suas cozinhas na concepção de comunidade global. O estudo se pretende enquanto parte de uma pesquisa que busca reflexões interseccionais e que trazem uma lente multirracial para os estudos dos percursos alimentares e direito à cidade. Ao provocar uma articulação entre o trânsito de símbolos e informações nos discursos do comer, podemos aprofundar as discussões sobre inclusão e participação e o direito à alimentação. O work buscará explorar questões como: Quais ressemantizações da experiência migratória circulam nas mídias e notícias? O que a ideia de “culinária refugiada” comunica e quais seus efeitos na indústria da identidade? Quem tem direito à alimentação nesse enredo e quais são os limites entre o discurso da comensalidade e as práticas assimilacionistas? Qual o sabor autêntico da atual experiência migrante no projeto de modernidade?
Práticas alimentares entre os Ye'kwana
Autoria: Karenina Vieira Andrade, Viviane Cajusuanaima Rocha
Autoria: Este work debruça-se sobre a análise de práticas alimentares entre os Ye’kwana, povo indígena que vive no Brasil, no noroeste do estado de Roraima. Os Ye’kwana são agricultores e cultivam uma diversidade de alimentos em suas roças, dentre os quais destaca-se a mandioca, além de outros cultivares (batata-doce, inhame, cará, banana, pimenta, abacaxi, abóbora, milho). Além das roças, a alimentação tem por base a caça, a pesca e a coleta de alguns frutos. Analisamos a história e o surgimento dos alimentos hoje consumidos pelos ye’kwana e como este consumo está associado a uma série de restrições a depender da faixa etária e de outros marcadores importantes na vida das pessoas (o nascimento dos filhos, a primeira menstruação das meninas, dentre outros). Além de analisar as práticas de produção e consumo de alimentos, especialmente aqueles cultivados nas roças, debruçamo-nos também sobre as narrativas tradicionais wätunnä que contam do surgimento dos alimentos e seu preparo, trazidos da dimensão celeste para a dimensão onde hoje vivemos, e especialmente refletimos acerca do conceito de adooni, que remete a todas as plantas e animais que são utilizados para promover a boa saúde e a construção de corpos ye’kwana saudáveis, e ensina o manejo dos recursos alimentares de modo apropriado. A partir dos dados etnográficos e da análise das práticas alimentares ye’kwana, refletimos sobre o lugar do conhecimento tradicional face ao conhecimento científico, no que tange especificamente às políticas de segurança alimentar. Como fomentar um debate entre o saber ye’kwana associado ao cultivo de alimentos e a importância da comensalidade para a produção de “pessoas saudáveis” e ao mesmo tempo promover uma tradução possível entre este saber e as políticas de segurança alimentar pautadas no conhecimento científico? Procuramos aqui oferecer “pistas” para responder a esta questão. O work é fruto de uma pesquisa colaborativa da antropóloga Karenina Andrade, que realiza pesquisa etnográfica nas aldeias ye’kwana brasileiras desde 2005 e Viviane Cajusuanaima Rocha, Ye’kwana que atualmente desenvolve sua pesquisa de mestrado em antropologia acerca do tema das práticas alimentares em sua comunidade.
Quem é você no bandejão? O papel do OcupaIFCS na subversão paradigma de exclusão alimentar na UFRJ
Autoria: Millena Juliette Teles Moraes Ventura, Isabelle Ferreira Nogueira Rhayssa Dandara Nogueira da SIlva
Autoria: Após uma longa greve no ano de 2015, que estendeu o segundo período letivo na Universidade Federal do Rio de Janeiro até 2016, eclodiu uma ocupação no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e no Instituto de História, que são abrigados pelo prédio localizado no Largo São Francisco, nº 1 no Centro do Rio de Janeiro. Chamada por seus ocupantes de Ocupa IFCS , o movimento teve um mês e quatro dias de duração, no qual somaram a participação de discentes do campus em questão, discentes de outros cursos da universidade , secundaristas que ocupavam seus respectivos colégios e pessoas que simpatizavam com esse tipo de ação, sendo marcado por uma pluralidade de perfis. Identificados pelos próprios participantes como um movimento, o grupo tinha como pauta maior a instalação de um Restaurante Universitário - popularmente chamado como bandejão- no campus, uma vez que era uma questão antiga de reivindicação, devido a mudança de perfil dos estudantes e o alto valor gasto por dia para a alimentação, principalmente para cursos integrais. Entretanto, por mais que essa fosse a pauta que guiou o inicio da ocupação, ela não era a única. O presente work busca demonstrar papel da alimentação como um ato político, não apenas pelo verbo comer enquanto um direito fundamental, mas também como uma pauta que perpassa outros direitos fundamentais como a educação. Buscamos entender como a alimentação pode ser um parâmetro para identificação das desigualdades dentro do ensino superior, a construção da narrativa de conquista e fracasso e em como a antropologia da alimentação pode contribuir no entendimento de um movimento de grande amplitude.
Restaurante Popular: um estudo etnográfico da rede de atores sociais na Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN)
Autoria: Stefany Ferreira Feniman
Autoria: Este work tem como como objeto de reflexão a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) por meio de um de seus mais antigos e expressivos programas, o Restaurante Popular. Interessa discutir o modo como este programa se realiza através da rede de atores sociais envolvidos. No fluxo histórico contínuo da PNSAN se evidenciam diferentes planos, ações e tecnologias, tanto estatais, quanto externas ao Estado Nacional, por meio de variadas organizações e movimentos sociais atuantes na institucionalização da política. Esta rede ocorre em múltiplas escalas espaciais, com temporalidades variáveis, a partir do entrecruzamento de atores e amplos espaços de disputas: gestores públicos (municipais, estaduais e nacionais); agências políticas internacionais (FAO [Food and Angry Organization], agências de fomento); organizações privadas (aquelas que prestam o serviço ou aquelas que obstam o processo); instituições financeiras para o financiamento de recursos; movimentos sociais; meios de comunicação; as universidades e outras instituições de produção do conhecimento; dentre outros. Para elucidar a dinâmica do programa Restaurante Popular, isto é, o modo como ele se consolida na pratica, promovemos as seguintes indagações: Quais as instituições e os atores envolvidos? De que modo esses atores se movem no sentido de alcançar os objetivos indicados? Quais as motivações que carregam e as retóricas que assumem? Quais os atravessamentos e desdobramentos suscetíveis no cotidiano da política? A justificativa para esta reflexão repousa no atual panorama político, econômico e cultural, no qual o Brasil, em 2014, havia deixado as estatísticas do “Mapa da Fome”, conforme divulgação periódica da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação). Contudo, o último Relatório em julho de 2017 trouxe o alerta de que o país está na iminência de voltar. Esta crise reflete também no cotidiano do Restaurante Popular, já que depende também de outra ação governamental, o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) que praticamente deixou de existir no volume de compras dos pequenos produtores da agricultura familiar e no volume de itens entregues às entidades sociais, inclusive àquelas responsáveis pela gestão dos restaurantes populares. A presente proposta considera todos os atores de forma não reificada, mas que se entrecruzam em múltiplos espaços de disputa. Enquanto uma metodologia de pesquisa privilegiada para estudar políticas sociais e culturais, no sentido mais pleno e mais abrangente, o objetivo é fomentar uma etnografia acerca da rede de atores sociais envolvidos na política governamental de SAN. Interessa debruçar-se sobre o cotidiano do serviço, dos atores e das instituições, buscando compreendê-las a partir do Estado visto “de baixo”.
Tradições, patrimônio, segurança alimentar e sustentabilidade
Autoria: Mônica Chaves Abdala
Autoria: Na presente discussão, refletimos sobre um conjunto de movimentos para documentação do mosaico de culturas e tradições de Minas Gerais-Brasil, assim como para preservação de seu patrimônio cultural e as diferentes formas pelas quais essas tradições são ressignificadas, fazendo sentido para os grupos que as reafirmam. Entendemos como elementos centrais para a análise o reconhecimento de singularidades, de reputação, de valorização de saberes e experiências relativas a conhecimentos ancestrais com foco na segurança alimentar. Nesse quadro, há movimentação e articulações em defesa da gastronomia como possibilidade de resgatar identidades e de desenvolvimento econômico sustentável, que se constituem em vários níveis da sociedade. Nos grupos que se estruturam por meio de Projetos e Frentes reunindo estudiosos, profissionais da gastronomia, empresários, políticos; nos sujeitos que formam a base de toda a cadeia produtiva, organizados ou não em comunidades e associações, que são protagonistas de suas histórias e dão exemplo de experiências de sustentabilidade. Nas políticas públicas e no investimento político e, não raras vezes econômico, do Estado, que desempenha papel fundamental na construção da imagem de Minas associada à gastronomia, desde os anos 1980, como vimos demonstrando em nossos estudos. São amplas e variadas documentações sobre tradições culinárias de Minas Gerais produzidas por todos esses grupos, ao longo dos anos, que resultam de numerosas viagens a campo, parcerias e assessorias. Por parte da Academia, parecem inesgotáveis as possibilidades de investigação de um campo que não cessa de crescer e se reinventar e que contribuem desvelando os contextos históricos regionais ou locais em que esse verdadeiro mosaico de experiências vai se articulando e fazendo sentido. Compreender esse investimento de diferentes setores na chamada gastronomia mineira, da perspectiva acadêmica, nos obriga a retomar a construção histórica que fez da cozinha elemento central em diferentes formas de sociabilidade, compreender como se estrutura um mito da mineiridade e como a cozinha contribui nessa estruturação, e também investigar como as tradições são manipuladas e ressignificadas no bojo da reconstrução permanente dessa mineiridade. É preciso explorar essa rica documentação, os inúmeros movimentos e eventos, trazendo à tona seus fundamentos históricos, intelectuais, políticos e econômicos que, construídos e reconstruídos permanentemente, possibilitam compreender a dinâmica cultural e política desse jogo de identidades e tradições mineiras.
“Orgânico? Isso, sem veneno!”: conversando sobre segurança e soberania alimentar em uma feira do subúrbio do Rio de Janeiro
Autoria: Patrícia da Veiga Borges
Autoria: O título deste resumo foi inspirado no primeiro cartaz de divulgação da Feira Orgânica da Leopoldina/Olaria, realizada desde 31 de maio de 2014 na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, em uma praça de nome Marechal Maurício Cardoso situada entre os bairros de Olaria e Penha. Na representação, duas mulheres foram desenhadas conversando diante de uma barraca repleta de hortaliças e frutas, em um cenário urbano, com a Igreja da Penha aos fundos, trocando informações sobre a palavra “orgânico”. Tal imagem nos levou ao mercado – pertencente ao Circuito Carioca de Feiras Orgânicas – no dia de sua inauguração, momento em que encontramos um fim de feira, o início de um almoço em praça pública e um grupo preparando-se para assistir a “O veneno está na mesa”, de Sylvio Tendler, com a presença do diretor. Passamos a frequentar o espaço e ali permanecemos por dois anos, de 2014 a 2016, buscando conviver com atores diversos (consumidores, comerciantes, ativistas socioambientais, agricultores), conhecer seus contextos (indo até eles, no caso dos agricultores, em outros municípios do Rio), vivenciar as relações estabelecidas no âmbito da feira e em seus bastidores, bem como compreender possibilidades de vinculação para além do pequeno mercado. Neste texto abordaremos, especificamente, o debate acerca da segurança e da soberania alimentar, travado por nossos interlocutores em momentos diversos: enquanto se vendia/comprava os produtos, em conversas paralelas, durante o “microfone aberto” que acompanhava a programação da feira e da praça, no ato das entrevistas concedidas. Remontaremos discursos e situações em que assuntos como uso de agrotóxicos, fluxos da cadeia alimentar, condições de produção dos agricultores, alimentação saudável, direito ao território etc. entraram na agenda dos coletivos locais, foram objeto de polêmica e contribuíram para novas reflexões. Ao fim do processo, que culminou em tese defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM/UFRJ), identificamos na Feira Orgânica da Leopoldina/Olaria, mais que um espaço de consumo, um ponto de encontros e disputas, a oportunidade de partilhar discursos e produzir dissensos, o despertar de mobilizações locais referenciadas na alimentação.