Cinque Terre
GT 001. A antropologia da morte: perspectivas etnográficas em diálogo.
Hippolyte Brice Sogbossi (Departamento de Ciências Sociais/Universidade Federal de Sergip) - Coordenador/a, Thiago Zanotti Carminati (Universidade Regional do Cariri) - Coordenador/a
A importância dos estudos sobre a morte é inegável. Nem sempre teve a atenção adequada esse fato universal. Aos poucos, surgem estudos especializados em vários domínios do conhecimento. A morte é um fenômeno físico, social e cultural e desperta muita curiosidade. Um acontecimento, experienciado, vivido de múltiplas formas que implicam os vivos na situação de observadores da morte do outro. Mas há também a não-morte: a carne ‘morre’ mas a pessoa vive. A atual proposta, considerando a diversidade de enfoques sobre o fato, objetiva acolher e discutir trabalhos transdisciplinares, sendo que o diálogo com a antropologia é fundamental. Estudos comparativos também são bem vindos, e os enfoques deverão questionar e contextualizar as teorias hegemônicas ocidentais sobre a morte. Preferência será dada a etnografias que versem sobre a temática, em situações como o suicídio, a morte por desaparecimento, o falecimento como resultado de doenças, a morte misteriosa, o infanticídio, o assassinato, o fenecimento e os rituais religiosos ligados; enfim, morte como ligada a contextos políticos, sociais, biológicos e culturais.
Resumos submetidos
"Matar e Morrer como um Salvador da Pátria": Religião como Forma de Assujeitamento Profissional em Contextos Militares
Autoria: Vinícius Rodrigues Gonçalves
Autoria:

Tenho pesquisado no Doutorado um curioso Dispositivo, elaborado pelo Exército Brasileiro em sua mais recente atividade padrão: as ocupações e operações urbanas. Podemos tomar como marco inaugural a missão de paz no Haiti (2004 até 2017), que foi seguida pelas ocupações de Alemão e Penha (2010-2012), e depois Maré (2014-2015), e agora expandidas para todo o estado do Rio de Janeiro - primeiro pela promulgação de um decreto presidencial baseado na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em 2017, e depois pela Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado fluminense (2018). Esse tipo de combate exige um novo tipo de sujeito profissional: um militar que tenha o equilíbrio perfeito entre a dificuldade de atirar, e a liberalidade no uso da arma de fogo, em um momento de crise. Isso é requerido dos soldados, uma vez que as ações se dão em ambiente urbano, e no meio das populações - aonde qualquer erro fatalmente levará a morte de civis inocentes, causando sobressaltos e debates na opinião pública mormente indesejados pelas Forças Armadas. Como modelo da atuação esperada desse profissional da guerra urbana, um exemplo da cultura cinematográfica: Robocop. Robocop é um "Policial do Futuro" que atua numa Detroit distópica, sendo resultado de um projeto de Engenharia Cibernética implantado em um policial morto. Após a intervenção, em princípio Robocop perde a maior parte da sua humanidade - mais notadamente, uma das áreas afetadas são as emoções. Despido de suas "fraquezas", Robocop é pensado como aquele que mata não "menos", mais "melhor". Porque ele distingue, em segundos, quem é "inimigo" ("terrorista", "bandido", etc.), e quem é "cidadão de bem". Para efetuar tal assujeitamento, o Exército Brasileiro tem investido em uma série de recursos. Pretendo analisar dois tipos: os capelães do SAREx (Serviço de Assistência Religiosa do Exército), e os militares especialistas nas assim chamadas "Operações Psicológicas " ("OPsico"). Ambos têm operado com base no uso abundante da linguagem religiosa, a fim de convencer aos soldados acerca da legitimidade do ato de matar em nome da Pátria, e de Deus. Acredito que o estudo dessas iniciativas nos ajudem a compreender sobre o que é matar e morrer, no contexto daquilo que Michel Foucault denominava "Biopoder".

A foto do morto: sobre uma categoria de rito funerário
Autoria: Thiago Zanotti Carminati
Autoria:

Morte e vida não necessariamente são dimensões opostas, antagônicas ou mesmo contíguas desta experiência crucial do corpo com a cultura, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista etnográfico, a morte como fenômeno universal e experienciada de formas particulares. O presente work descreve e reflete sobre uma categoria de rito funerário expresso nas práticas votivas (fotografias e objetos de ex-votos) realizadas na Colina do Horto em Juazeiro do Norte-CE. Operando como uma espécie de segundo sepultamento, o uso votivo das fotografias dos mortos evoca também efeitos de presença onde o ente permanece construindo relações dentro de uma dimensão cosmológica que tem a atuação do Padre Cícero sua referência central.

A materialização dos efeitos do morrer: a potencialização da vida na religião em dois candomblés em Maceió, Alagoas
Autoria: Vanessa Silva dos Santos
Autoria:

A ritualização da morte entre as pessoas de religião afro brasileira se faz indispensável. Todavia, seus efeitos extrapolam o conjunto de ritos denominados de axexê. Nesse sentido, interessa aqui descrever e refletir acerca de outros ritos e/ou outras demandas que surgem e são mobilizadas continuamente nos dois terreiros a partir do evento da morte. O campo de pesquisa com o qual construímos nossa descrição etnográfica é a Casa de Iemanjá e o Posú Betá, terreiros de candomblé em Maceió, Alagoas, nos quais se percebe a potente materialização de vínculos entre as comunidades terreiros e seus mortos. Refiro-me as heranças de orixá, aos processos rituais que se destinam à preparação de ogãs ao cargo de ojé e outras cerimônias destinadas aos mortos e ancestrais do terreiro, indispensáveis na antecedência de quaisquer outros ritos do terreiro, este último aspecto se refere especialmente a Casa de Iemanjá.

A morte por jejuvy e batotaa: suicido entre os Guarani Kaiowa e Karaja no Centro Oeste brasileiro.
Autoria: Sofia Santos Scartezini, Claudemiro Lescano Guarani Kaiowa.
Autoria:

A questão do suicídio é o que funda o campo semântico que constrói este work. Esta pesquisa é um esforço metodológico em discutir os casos alarmantes de suicídio em duas populações indígenas: Guarani Kaiowa e Karajá. Superando as limitações intrínsecas a um estudo comparativo entre os grupos linguísticos Tupi-Guarani e Macro-Jê, este work não se limita a um estudo que objetiva meramente construir paralelos, mas em discutir a situação “epidêmica” dos casos de suicídio relacionada a essas duas populações. Nesta pesquisa as pluralidades epistêmicas desafiam a construção do conhecimento antropológico desde a pesquisa etnográfica até a escrita: é uma pesquisa conjunta de uma mestranda, não indígena, em antropologia que trabalha com a população Karajá desde 2013 e um mestre Guarani Kaiowa formado em Educação. Os dados mais recentes apontam que a taxa de suicídio entre indígenas apresenta índices 2,3 vezes superior ao número de mortes entre os não indígenas brasileiros. No contexto Karajá, em 2002 o primeiro caso foi registrado, oficialmente. Em 2010, um caso atípico de suicídio por enforcamento deu início a um alarmante período em que esta modalidade de suicídio tomou dimensões de crise, tendo ocorrido 02 óbitos e 33 tentativas. O método preponderante de suicídio passou a ser enforcamento. Os números tiveram um grande pico entre 2011 e 2012, com mais 15 óbitos. Até 2016, dados do Ministério da Saúde através da Secretaria Especial Indígena (SESAI) e do DSEI/Araguaia (Diretório de Saúde Indígena responsável pela região) atualizam o número de suicídios para 35 óbitos. Desde 2017 não há dados governamentais atualizados disponíveis, entretanto, dados etnográficos apontam que o número sequer estabilizou-se. (Nunes, 2016) (Torres, 2012). O motivos são subjetivos, os Karajá atribuem a feitiçaria. No contexto Guarani Kaiowá, de acordo com os registro do Polo Base da SESAI-MS que atende a 07 aldeias na região de Amambai- MS, aponta taxas alarmantes de suicídio até 2015. Após este ano, os dados apontam uma diminuição dos casos. De acordo com registro, em 2015 ocorreram 16 suicídios. Já em 2016 foram registrados 03 casos. Em 2017, registrou-se 08 suicídios. E em 2018, total de 04. O suicídio é considerado um mistério, uma manifestação de algo imaterial que é causado por xamanismo que em Guarani chama-se mohãy, araguaju, simpatia: são rezas proibidas. Trata-se de uma reza Guarani, mas a simpatia vem do conhecimento do Paraguai, não é aceito pelos rezadores. Os casos acima demonstram a relevância e necessidade de um estudo reflexivo sobre esses casos no Centro Oeste brasileiro.

As memórias narradas e as trocas sociais que se configuram na prática do rito funerário da Coberta d’Alma na cidade de Osório/RS
Autoria: Cristian Leandro Metz, Ana Luiza Carvalho da Rocha
Autoria:

Os ritos de passagem (VAN GENNEP, 1977) aparecem presentes em todas as culturas e religiões e, por meio deles, ocorre a transição de estado (TURNER, 2005) entre os/as envolvido/as. Este work objetiva compreender as memórias da prática do rito funerário da Coberta d’Alma por meio do estudo das histórias de vida de senhoras que tiveram contato com o costume, como forma de sua salvaguarda. A Coberta d’Alma é um rito de perpetuação da memória do ente falecido no seu seio familiar e social ainda praticado ocasionalmente em cidades do litoral sul do Brasil. Após a morte de um membro, a família do falecido elege e doa uma muda de roupa completa a um amigo ou a uma pessoa da comunidade que a usará em momento específico: a pessoa escolhida pela família vestirá a roupa doada na missa do 7º ou do 30º dia de falecimento do doador. Por acreditarem que a roupa com a qual o morto é enterrado apodrece junto com a matéria, fazendo com que a alma se desprenda nua do corpo, as pessoas praticantes do ritual creem que, com este gesto, a alma da pessoa falecida estará vestida para apresentar-se perante Deus. Além disso, ao enxergar-se vestida em outro corpo, toma consciência de sua nova condição, libertando-se para seguir em paz. A pessoa que veste a roupa da Coberta d’Alma acaba por assumir, moral e afetivamente, o papel da pessoa falecida perante sua família, sendo tratada como se o (a) morto (a) ali estivesse. Esta prática, além do já mencionado, cria novas relações de parentela ficcional entre aqueles/as envolvidos/as no costume, promovendo um tipo de “intercâmbio social” ao que Mauss (2003) trata como trocas sociais ou reciprocidade. O universo desta pesquisa abarca as reminiscências desta prática entre mulheres no contexto das transformações dos rituais fúnebres na cidade de Osório, litoral norte do Rio Grande do Sul. As memórias das interlocutoras transitam por suas trajetórias sociais e apontam para as metamorfoses no enfrentamento do fenômeno morte entre os/as praticantes do rito e sobre a importância da veste ritual para a perenização da memória da pessoa falecida em seu meio social e familiar. As informações presentes neste work provêm de uma pesquisa etnográfica, realizada por meio de entrevistas não diretivas e semiestruturadas (THIOLLENT, 1998) e, como complemento às falas das interlocutoras, é feita uma análise do documentário “A Coberta d’Alma – um ritual para os mortos de Osório”. Tais informações serão utilizadas, por meio da transcrição dos depoimentos e textos, da forma mais próxima à linguagem utilizada pelas interlocutoras, a fim de preservar a manutenção da realização do ritual da Coberta d’Alma na memória do povo que a pratica.

Corações artificiais como pedagogia para a morte
Autoria: Marisol Marini
Autoria:

Diante do alto índice de mortes associadas à insuficiência cardíaca, os corações artificiais são pensados e projetados como alternativas ou soluções auxiliares ao transplante de órgãos, dada a alta demanda e a indisponibilidade de órgãos suficientes para todos os pacientes candidatos ao transplante que se tornam refratários aos tratamentos medicamentosos. Além de produzirem novos corpos e corporalidades, os corações artificiais trazem novos dilemas e recursos para a gestão da vida, podendo operar como uma pedagogia ou preparação para a morte, como procurarei argumentar, ao suspendê-la ou prorrogá-la, porém mantendo-a próxima (ao menos na maneira experimental como os dispositivos têm sido empregados até agora). Desde os primeiros dispositivos de assistência circulatória utilizados na década de 1950, que permitiram manter pacientes vivos com formas artificiais de circulação sanguínea, tais tecnologias têm transformado as concepções de morte. A possibilidade de substituir as funções cardiorrespiratórias está relacionada à redefinição legal da morte – considerada como a morte clínica cerebral – o que autoriza a retirada do coração e de outros órgãos para que sejam transplantados. A ideia de pedagogia ou preparação para a morte surgiu da observação dos modos como Nona, um dos interlocutores da pesquisa, relacionava-se com a vida após receber o dispositivo artificial. Além de valorizar a extensão da vida proporcionada pelo coração artificial, ele parecia aproveitar os dias recebidos para resolver as pendências, preparar a casa e as condições para sua família viver em sua ausência. O prolongamento da vida possibilitado pelas novas relações com a tecnologia cardíaca o permitia preparar-se para partir. Do ponto de vista dos profissionais da saúde, que lidam com a frustração de perder pacientes de forma inesperada, incontrolável – já que a morte é tomada como um fracasso no discurso hegemônico da biomedicina – os dispositivos permitem um maior controle e previsão da ocorrência da morte (embora ainda existam muitos imponderáveis). Tudo se passa, portanto, como se possibilitar aos pacientes e seus familiares a oportunidade de despedirem-se e de preparar os profissionais da saúde para a iminência inevitável da morte fosse suficiente para defender a legitimidade dos corações artificiais (ao menos como uma tecnologia ainda experimental e instável) – sem considerar, é claro, os custos insustentáveis a um sistema de saúde a quem cabe a escolha de quem poderá ser “salvo” ou quem estará destinado a morrer. Nesse sentido, é como se não importasse quanto tempo os pacientes ganharão de vida, desde que tenham a oportunidade de despedirem-se de seus familiares e possam desfrutar de uma qualidade de vida melhor.

Corpos dilacerados: violência urbana e o cenário de crescentes conflitos em Fortaleza.
Autoria: Suiany Silva de Moraes, Ítalo Barbosa Lima Siqueira Maria Izabel Feitosa Accioly
Autoria:

A experiência urbana contemporânea é reveladora de certos perigos. Nesse contexto, a cidade de Fortaleza se converteu em cenário de dramáticos conflitos e múltiplas formas de violência. A crueldade aparece como ritualização das maneiras de matar e fazer sumir os sujeitos em suas margens urbanas. Marcado com uma das mais altas taxas de homicídios do Brasil, a cidade concentra a expansão do uso de armas de fogo, confronto entre bandos armados pelo controle do mercado de drogas e altas taxas de letalidade em seus bairros. Na presente comunicação, objetivamos refletir sobre a rotinização da crueldade e da execução como recurso para operações de poder e potencialização do caráter seletivo e diferenciado da violência. As percepções, as vivências cotidianas, os afetos e as emoções vão sendo impactados com as figurações da violência que afetam a experiência social urbana. Em nossas incursões etnográficas, percebemos que viver em territórios em disputa marca as trajetórias de nossos interlocutores em eventos emblemáticos que modificam a organização simbólica do mundo dessas pessoas inseridas no contexto dos homicídios, massacres e chacinas. A sujeição de corpos subjetivados pelo crime aparece nas narrativas daqueles que consideram o envolvimento com práticas criminais, como condição de vidas matáveis, desvelando a precariedade da vida na cidade de Fortaleza. A pesquisa acompanhou a trajetória de pessoas “envolvidas” com o crime, consideráveis “matáveis”, criou relações e empatias que foram desenvolvidas por observações e vivências nas ruas da cidade. Compreender os processos sociais do extermínio, significa refletir sobre os estigmas que aumentam consideravelmente as possibilidades e as de forma de letalidade. A banalização dessas mortes visa o terror e as suas marcas desencadeiam, em seu desfecho imediato, alterações nas rotinas e redes de sociabilidade. Nos casos específicos das mortes de “envolvidos”, essas se apresentam de modo ritualizado, pois emergem as proibições e liminaridades entre dominantes e sacrificados. Desse modo, se faz cada vez mais urgente refletir sobre os problemas que envolvem as narrativas de vida e morte nas periferias de Fortaleza. Por fim, interessa-nos discutir as problemáticas e dilemas que envolvem pesquisa em contextos marcados pela conflitualidade.

Entre os vivos e mortos: o sacerdote do culto á ancestralidade masculina
Autoria: Cassio Oliveira dos Santos
Autoria:

Na gama de religiões afro brasileiras, o culto aos eguns trata de homenagear os ancestrais. Nele se reverenciam homens que uma vez falecidos, passados do plano terreno para o plano dos espíritos são investidos da missão de se fazerem presentes novamente em nosso mundo. Denominam-se eguns os espíritos dos mortos do sexo masculino, especialmente preparados para serem invocados em rituais, eles surgem em público de maneira característica cobertos de panos coloridos que permite aos espectadores visualizar vagamente formas humanas de diferentes alturas e corpo. Os Ojés, cargo de exclusividade masculina, são os guardiões dos eguns, sacerdotes que lidam diretamente com as entidades. Responsáveis por evocá-los e fazê-los aparecer em público, assim como proteger as demais pessoas do contato direto com as entidades. Posicionam-se, dessa forma, entre os vivos e os mortos. Desta maneira, a proposta desse work é caracterizar através da observação em rituais religiosos públicos a atuação dos ojés, descrevendo suas habilidades e diversas atribuições na sua relação com os eguns (mortos).

Estratégias Coletivas diante da morte: Associações Funerárias e mecanismos de entreajuda no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses
Autoria: Maristhela Rodrigues da Silva, Benedito Souza Filho
Autoria:

Os eventos associados às situações de morte podem ser entendidos como expressão de solidariedade múltipla e de defesa da autonomia das famílias que formam as comunidades do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (PNLM). Antes mesmo da criação dessa unidade de conservação de proteção integral, muitas famílias já viviam no Parque, consolidando um modo de vida, bem como organização econômica, social e cultural específicas. Entre as várias especificidades dessas comunidades tradicionais podemos observar formas de organização, como as “associações funerárias”, criadas para responder às necessidades materiais e cerimoniais em torno da morte. As Associações Funerárias referem-se a um modelo organizacional formado pelas famílias residentes em diferentes localidades no PNLM para fazer frente as despesas relacionadas aos chamados acontecimentos (como denominam as situações de morte). Cada associado contribui com uma quantia entre 3 a 5 reais e o montante transforma-se em fundo destinado a cobrir todos os itens indispensáveis aos rituais funerários. Essas formas de associação, além de romper com antigas dependências do poder local, funciona como elemento de autonomia das famílias que integram tais associações. O modo como as associações funerárias se estruturam, e a disposição dos seus integrantes por várias localidades espalhadas em diferentes setores do PNLM, configuram o que denominamos de “territórios de solidariedade múltipla”, caracterizados por perímetros específicos ou intercruzados, consolidados a partir de um conjunto de regras ancoradas em princípios morais, econômicos, jurídicos e simbólicos. Na caracterização desses territórios de solidariedade múltipla o work procura dar conta desses mecanismos de entreajuda, da lógica da ação coletiva e dos mecanismos de solidariedade apresentados pelas Associações Funerárias no PNLM.

Iluminando os mortos: um estudo sobre o ritual de homenagem aos mortos no Dia de Finados em Salinópolis – Pará.
Autoria: Marcus Vinícius Nascimento Negrão
Autoria:

A Iluminação dos Mortos, realizado no município de Salinópolis (PA) – e em alguns municípios do nordeste do Pará –, consiste em um ritual de homenagens aos mortos, que ocorre anualmente por ocasião do Dia de Finados, no dia 02 de Novembro. Neste município, há uma maneira muito particular de prestar tributo aos mortos, na qual seus túmulos, no período da noite, são iluminados com o acendimento de velas para, em sequência, ocorrer um momento de confraternização entre os familiares dos falecidos. Dessa maneira, os principais aspectos que problematizo neste work dizem respeito às questões simbólicas subjacentes a este ritual de homenagens aos mortos. Assim, a iluminação dos mortos funciona como um dispositivo que aciona sociabilidades em torno da morte, reintegrando, simbolicamente, os mortos à vida social e os vivos à vida espiritual.

MAPEANDO SILENCIAMENTOS: morte, biopoder e a gestão estatal de corpos de pessoas em situação de rua em Porto Alegre
Autoria: Calvin Da Cas Furtado
Autoria:

Este projeto de pesquisa pretende investigar casos de morte que envolvam a situação de rua no município de Porto Alegre. Pretende-se tensionar a gestão racional burocrática estatal destes corpos e as consequências políticas, sociais e culturais que a regularidade destes casos evidencia. O foco da análise é a produção da legibilidade estatal situando a gestão estatal enquanto um mecanismo que aciona e articula biopoder e produção de legibilidade. Propõe-se uma pesquisa etnográfica que, por um lado, situe a morte atrelada, atenuada ou derivada da situação de rua em uma rede de poder-saber povoada por técnicas estatais, mapeando os registros em documentos que interligam setores e práticas da ciência, saúde, segurança e justiça. E que, por outro lado, acompanhe grupos de pessoas em situação ou trajetória de rua vinculadas ao movimento social (Movimento Nacional da População de Rua) para refletir sobre uma forma de morrer outra que acaba por revelar determinadas condições de possibilidade da vida em situação de rua. Passagens que evidenciam a transição do luto à luta, gênese de um movimento social que possui como ato fundacional um massacre. Esta investigação encontra-se em andamento desde o início de 2017, quando passei a acompanhar regularmente as atividades do movimento social desta categoria no Rio Grande do Sul. De lá para cá, pelo menos um caso emblemático é possível de ser descrito no sentido de ilustrar aquilo que chamei acima de consequências políticas, sociais e culturais que a relação entre morte e situação de rua evidencia. Em uma praça no Centro Histórico de Porto Alegre, a luz do dia, um homem que se encontrava em situação de rua é morto a tiros. A localização do homicídio em questão é digna de nota: situa-se a poucos metros das sedes dos poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado do RS. A partir da retirada e da perícia, o corpo fica disponível no necrotério até que se consiga a localização de algum familiar para o sepultamento. Inicia-se uma mobilização por parte do grupo que vivia com a vítima naquele espaço, juntamente com pessoas que integram o movimento social, reivindicando o corpo para o enterro. Na imprensa, o caso é apontado como resultante de uma disputa de território vinculada ao tráfico de drogas. Abre-se uma investigação policial para apurar o caso. Após uma longa estadia no necrotério, finalmente o corpo é liberado para o enterro a partir da localização de familiares da vítima. Caso não houvessem familiares, apesar do apelo do movimento social, o corpo seria catalogado como não-reclamado e o sepultamento seria realizado sem cerimônia fúnebre, tal como acontece com aproximadamente outros cem corpos anualmente em Porto Alegre segundo estimativa do Instituto-Geral de Perícias.

Maré Morta: Uma etnografia sobre movimento, maré e morte na Vila de Matarandiba (BA)
Autoria: Renata Freitas Machado
Autoria:

A maré morta não é só um indício de dias e noites com pouca movimentação das águas. Mas também um indício de dias menos propícios para a pesca e principalmente para a mariscagem. O título, Maré Morta, é uma referência a uma categoria nativa que define um período de maré de menor amplitude, ocorre durante as fases de quarto crescente e quarto minguante. A maré é morta porque perde sua oscilação, ela não gera perigo, mas também não traz vida. É quando a maré não enche totalmente e nem esvazia por completo. Deixando na maior parte do tempo descoberta a pequena faixa de areia branca que a comunidade convencionou chamar de restinga. São dias mortos, poderiam ser dias de descanso, mas são dias que o produto mais rentável, se não o único rentável da comunidade, se torna mais escasso. Os pescadores e marisqueiras vendem os excedentes das noites de lua cheia, das marés pujantes. Esse work trata do mar, do ponto de vista de sua pluralidade: as atividades produtivas realizadas, as relações de parentesco estabelecidas, o movimento das marés e o mar como lugar dos mortos. O fio condutor são as narrativas das comadres que tem a mariscagem como ganha pão. Questionada sobre a aparição dos mortos no mangue, Dona Mercedes (mariscadeira local) indaga: “Vê a gente sempre vê, porque a gente tá mariscando com quem a gente conhece, as amigas, às vezes a amiga morre e a gente fica. O que faz na vida, faz na morte, não é assim que diz? Eu sempre ouvia dentro dos mangues batendo, eu olhava pra um lado, olhava pra outro e não via ninguém.” Dentro desse contexto etnográfico, procuro entender as relações de parentesco e afetividade entre vivos e mortos que se dão através da maré. Com base nos dados do campo esse work também é um exercício de reflexão a cerca da proximidade linguística de palavras de origem banto que nomeiam mar e morte. E nessa perspectiva, esse artigo se apresenta como uma travessia da kalunga (águas do rio ou do mar) (SLENES, 1992). Atravessar a Kalunga significa morrer, se a pessoa vinha da vida, ou renascer, se o movimento fosse no outro sentido.” (SLENES, 1992 p.53). Assim, também costuro não só uma aproximação entre o mar e a morte, mas com os orixás ligados ao mar e ao mangue, as particularidades e narrativas locais que giram ao seu redor. Essa reflexão é o amalgama que liga as diferentes partes que compõem um work de doutorado mais amplo sobre o mar e a morte. O contexto etnográfico é a comunidade de Matarandiba, localizada na Ilha de Itaparica na Bahia, uma pequena comunidade pesqueira formada principalmente por uma população negra.

Morte na moderna metrópole; Morrer sozinho e (in)visibilidade
Autoria: Jacqueline Lobo de Mesquita
Autoria:

Uma das características da vida na metrópole nos dira Zimmel é o efeito blasé, vivemos na modernidade uma aproximação, mas tambéml um afastamento e um anonimato tamanho que em um prédio onde apartamentos medem menos de 26 metros, as moscas e o cheiro são alarme de uma morte. O abrir e fechar de portas de mais de 700 unidades habitacionais em um mesmo espaço de moradia permitiu esse anonimato ? ou foi a condição da vida privada que o fez? Fato ou desfato, sábado, descobriu-se pela manhã que aquele senhor alto esguio, estava morto. Chamaram os porteiros para descobrir como confirmar a morte do sujeito sem nome, porém com identidade.Localizado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro o prédio conta com aproximadamente dois mil moradores, dentre todas as chaves de analise possiveis de compreender as relações que ocorrem neste micro-cosmos da sociedade selecionamos a morte anônima de um morador para o foco deste artigo.Levi-Strauss ao estudar certas comunidades indigenas percebe que o castigo para determinados delitos é a morte social, o homem que faleceu não sofrera tal castigo, planejado, direcionado, e reflexo de um código, mas ele era um desconhecido. Seria possível então pensar que o anonimato da vida urbana cria espaços para a morte social. Temos como principal fonte metodologica a observação participante, e os relatos percebidos durante a semana pós- morte.É importante mencionar que em relaçao a metodologia, o meu posicionamento dentro deste campo, como moradora deste edificio tendo a ter uma relação muito próxima com as historias que ocorrem e seus desdobramentos. Como escrever e descrever a morte de um ser humano, são tantas emoções envolvidas. “Tiveram que tirar ele pela janela,o corpo estava enorme, fazia eram dias que ele estava morto, o corpo tava dando dois do meu, você lembra dele?. Morrer sozinho, que triste” (Mulher,aproximadamente 60 anos que mora com uma cachorra) Sua questão girava sempre em torno do tamanho que o corpo tinha ficado e no fato dele ter falecido sozinho sem que ninguém notasse sua ausência. A fala desta moradora nos revela como o controle da vida dos outros resulta em uma falta de privacidade, mas o fato de não saber o nome e tampouco seus habitos apresenta um outro lado sobre a ideia de ser observado e vigiar. Ser observado e observar supostamente o tempo todo e em todas as situações produz um efeito que vai muito além do “Panóptico” de Foucault (1987). As experiências em um espaço de pouca privacidade e muito controle acabam produzindo comportamentos que refletem questões, e dentre estas questionar quais os significados de morrer sozinho na metrópole podem ter uma valiosa contribuição acadêmica dentro dos estudos sobre morte e etnografia.

No máximo um ano de vida...: fatalidade de um desaparecimento em família no Benim, África
Autoria: Hippolyte Brice Sogbossi
Autoria:

No Benim, o meu irmão foi diagnosticado com um câncer no rim direito em estágio avançado, o que implicaria numa intervenção cirúrgica urgente a fim de reduzir as chances de morrer. Florentin era Diretor de Lazer do Ministério da Juventude, Lazer e Esportes, e recebeu apoio e ajuda integral do governo central. Como em muitas sociedades africanas, a morte não é um fato natural, e sim provocado por algum parente (muitas vezes a esposa ou o irmão). A partir do descobrimento da doença inicia-se um processo de especulação sobre quem seria o provável suspeito de ter provocado tal desgraça. Acompanho de perto e de longe todo o processo de deslocamento do paciente desde o Benim passando pelo Rio de Janeiro, onde ele foi submetido a uma cirurgia para retirada de um câncer no rim, e onde foi dado um ano de sobrevida para o paciente, devido à metástase do tumor; até a Tunísia, onde após um ano de tratamento intensivo, não houve mais chances de sobreviver, o que culminou em falecimento no país de origem do paciente. O prazo dado traduz-se, ao mesmo tempo, por uma sentença dada pelos médicos brasileiros sobre a irreversibilidade de mal, mas também de maneira oculta, pelos supostos causadores do mal. A presente proposta consiste em descrever e analisar esse acontecimento doloroso e lento que durou quinze meses. A metodologia consistiu em conversar com vários atores, sobretudo por telefone sobre os distintos momentos dessa tragédia, inclusive a vítima, e envolvendo familiares supostamente culpados; e em compilar correspondências por e-mail. A literatura sobre a morte e a bruxaria em contexto africano foi explorada com a finalidade de revisar algumas posturas já consagradas na antropologia. Evans-Pritchard, Ziégler, Louis-Vincent Thomas e Adoukonou, são alguns deles.

O aparente e o oculto nas relações com os mortos no semiárido cearense
Autoria: Antonio Renaldo Gomes Pereira, Antonio George Lopes Paulino
Autoria:

Este work tem como objetivo analisar aspectos da vida do sertanejo refletidos no sagrado e amparados, de certa forma, na religiosidade popular que possui características híbridas e traços plurais. Partimos de uma visão histórica e cultural do culto aos mortos e das suas características. Para tanto, realizamos entrevistas semiestruturadas com habitantes de trinta e seis povoados situados nos municípios de Cariré, Meruoca e Ibiapina, região norte do Ceará, onde este tipo de atividade votiva ocorre com frequência. Ponderamos sobre as adversidades enfrentadas pelo camponês, sobretudo a escassez de água que é ressignificada e passa a refletir de forma direta no trato com os mortos, em especial, os que têm uma morte por ‘causa desconhecida’ onde é apontada como causa real do falecimento a sede enquanto se deslocava de uma comunidade à outra, tendo em vista a distância, resultando em uma morte agonizante e solitária. O falecimento à beira da estrada dá origem a covas comuns com cruzes ou pequenos túmulos em homenagem aos mortos. Nessas sepulturas, as pessoas do povoado colocam garrafinhas de água na tentativa de saciar uma sede que, segundo eles, seria “uma sede eterna”. Essa tradição é o resultado do hibridismo entre culturas indígenas, europeias e africanas que ao longo do tempo se solidificaram no imaginário reconstruindo a memória coletiva local e, hoje, se apresenta como um evento original, posto que se desenvolve em um ambiente geograficamente diferenciado habitado por um povo singular imbuído numa religiosidade expressivamente plural, do qual surgiram ramificações dentro do próprio culto sendo possível verificar óticas distintas sobre o papel da água dentro do ritual. Constatamos, assim, a importância dada ao elemento água nos rituais fúnebres e até mesmo como manutenção de vínculo com os mortos na tentativa de satisfazer ou reparar algum sofrimento vivenciado pelo indivíduo nos seus últimos momentos.

O morto no lugar dos mortos: classificações, sistemas de controle e necropolítica no Rio de Janeiro
Autoria: Flavia Medeiros Santos
Autoria:

Neste work apresentarei reflexões elaboradas a partir de etnografias que realizei em instituições policiais que atuam na gestão de mortes e mortos na região metropolitana do Rio de Janeiro/Brasil entre 2010 a 2014. Particularmente, apresento dados produzidos no âmbito do Instituto Médico-Legal e da Divisão de Homicídios para demonstrar como a violência que produz mortos é tratada pelos mecanismos de classificação e poder mobilizados por agentes do estado, através de suas instituições policiais. Pela descrição de práticas, burocracias e moralidades, demonstro como agentes policiais organizam um regime necropolítico presente, tanto pela centralidade da morte no cotidiano dos sujeitos e instituições quanto na multiplicidade de tempos e espacialidades que os mortos constituem. Neste sentido, abordo o papel do controle estatal da vida social dos mortos, para discutir o que os mortos alvo da violência submetidos a essa política de morte podem vir a produzir

Olubajé: o banquete do rei
Autoria: Lina Regina Geralda Nunes dos Santos
Autoria:

Sabe-se que a diáspora africana no Brasil teve um aspecto singular pelo seu tempo de duração. E dentro dessa conjuntura um aspecto peculiar permeia a culinária em nosso país, a dieta de terreiro faz parte do cotidiano em muitas mesas brasileiras. Uma espécie de simbiose une o rito e o sistema alimentar num mesmo contexto. O candomblé é resultado da resistência negra no Brasil, suas cerimônias podem reconstituir os grandes feitos dos ancestrais cultuados. Cria-se um universo místico de aproximação com o sagrado, e a simbologia se faz bastante presente nesses rituais como forma de devoção e reverência. Do ano de 2016 ao ano de 2017 foi feita uma pesquisa de campo no Ilê Axé Alarokê situado na cidade de São Cristóvão-SE, povoado Umbaubá km 13, onde foram feitas entrevistas com o Babalaxé da casa e as principais pessoas que trabalham na cozinha. Que variam numa idade entre 14 e 52 anos. Tivemos como objetivo descrever sobre como são narrados os mitos do universo ioruba e jeje do orixá Omolu e sua ligação com a morte, observando a forma como são reproduzidos espetacularmente na memória coletiva no tocante as oferendas sacrificiais e o rito de comensalização. Descrevendo como se desdobram o conjunto de expressões simbólicas, na elaboração dos pratos, na disposição deles durante a cerimônia e o momento em que socializam o ato de comensalidade. Entender como refletem as representações através da memória coletiva e os comportamentos ritualizados espetacularmente organizados. Para tal iremos apresentar uma etnografia que irá trabalhar uma descrição densa sobre o papel fundamental da cozinha no candomblé na reprodução dos mitos, este sem dúvidas foi à plataforma de sustentação e de resgate nesse processo de reconhecimento e de adoração aos seus encantados.

Para além do medo e da morte: “Eles não querem só nos matar”. Apontamentos sobre a vitimização dos terreiros de Candomblé nos territórios de domínio armado
Autoria: Rosiane Rodrigues de Almeida
Autoria:

Este paper reúne os primeiros dados da pesquisa que desenvolvo para minha tese de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, circunscrita à Linha de Pesquisa Antropologia e Política, sobre os conflitos que envolvem os terreiros de Candomblé em áreas de domínio armado (Miranda e Muniz, 2018) nas cidades do Rio de Janeiro, Belém e Aracaju. Neste sentido, a proposta deste work é a de refletir como a criminalidade violenta (Silva, 1999), cometida contra terreiros e sacerdotes do Candomblé, tem sido representada pela imprensa nas coberturas jornalísticas e apontar quais tipos de efeitos a publicização desses crimes tem causado nas mobilizações dos religiosos em torno da garantia de direitos. A construção dos dados para esta etnografia partiu da pesquisa exploratória solicitada pelo Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSAPOTMA), em setembro de 2017, ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Administração Institucional de Conflitos da UFF - que teve por objetivo o levantamento de dados sobre os crimes tratados como ‘intolerância religiosa’ pela mídia brasileira, no período compreendido entre fevereiro de 2011 e setembro de 2017. O referido levantamento destinou-se à justificar o pedido que o Fórum pretende fazer ao Congresso Nacional para instalação de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso com intuito de apurar, segundo a fala dos interlocutores, “o genocídio dos povos tradicionais de matriz africana em andamento no país”.

Ritos fúnebres e sociabilidade entre mortos e vivos no sertão pernambucano
Autoria: Roberto Barreto Marques e Silva Júnior
Autoria:

Morte renegada. Morte interditada. Morte esquecida. Distanciamento da morte. Negação da morte. Tabu da morte. Estas são algumas expressões que apresentam a morte na contemporaneidade como um fenômeno relegado ao interdito, ao impronunciável, ao que não deve fazer parte da rotina cotidiana. Ariès (2000a; 2000b; 2003), Morin (1997), Thomas (1993) e Gorer (1965) são alguns nomes que influenciaram toda uma geração de estudos da morte, sejam eles no campo da historiografia ou da antropologia da morte. Eles cunharam, desenvolveram e difundiram alguns dos termos mencionados, expondo que a morte na contemporaneidade é completamente diferente da verificada em outras épocas da história do ocidente, onde ela estava intimamente ligada à vida cotidiana. Atualmente, para estes e tantos outros autores, as pessoas temem a morte ao ponto de abominarem a simples menção à ela. A transferência dos mortos das igrejas para os cemitérios, a criação de leis sanitárias mais rígidas, a edificação de necrópoles muradas e afastadas das cidades, os ritos fúnebres cada vez mais transferidos para o âmbito privado e das funerárias e seus planos mortuários; a vida cotidiana atribulada devido à rotina focada no work, que consome o indivíduo contemporâneo; o individualismo; o velho e o moribundo transferidos para asilos e hospitais; o prolongamento da vida por meio dos avanços da tecnologia médica; a possibilidade de clonagem humana e as ideias de perenidade alimentadas pela ficção e criogenia são elencadas por autores como Ariès (op.cit), Gorer (op.cit) e Baudrillard (2011) para explicar este distanciamento entre mortos e vivos e a repulsa à morte. Mas como pensar com estes autores quando tais inferências não são visualizadas em um município inteiro, seja em sua área rural ou urbana? Trata-se de Floresta, cidade a 433 quilômetros da capital pernambucana, de população diminuta e extensão territorial expressiva, localizada no sertão, na mesorregião do São Francisco, onde a morte faz parte do cotidiano dos vivos e está devidamente imbricada nas falas e eventos da cidade. Neste cenário o campo parece contradizer a teoria dominante, sendo a intenção desta pesquisa inicial levantar questões sobre este campo ainda mais diante de um pleno desenvolvimento da antropologia da morte.

Ritos pós-morte e práticas simbólicas: Maria Caboré e o imaginário social na memória fúnebre da cidade do Crato – CE
Autoria: José Felipe de Lima Alves, Hayane Mateus Silva Gomes
Autoria:

A proposta de escrita deste work surge especificamente a partir de uma pesquisa de campo realizada no Dia de Finados (02/11/2014) na cidade do Crato, localizada na região do Cariri, no Estado do Ceará. Tendo como objeto central de estudo os rituais fúnebres nesta cidade, partindo de uma perspectiva de análise dos ritos pós-morte, mediante a realização da pesquisa alguns fatos nos chamaram a atenção, tendo em vista que muitas pessoas visitavam com frequência dois túmulos específicos. Um dos túmulos mais visitados era o de uma mulher conhecida como Maria Caboré. Desta forma, ao longo do work entendemos quem foi esta figura e sua representação na cultura fúnebre da cidade. Assim, o objetivo do work é o de traçar uma trajetória de uma figura feminina que permanece no imaginário popular e na memória funerária da cidade. Nos apropriamos da observação participante, estabelecendo conversas informais e o registro fotográfico como metodologia central para escrita do presente relato etnográfico, bem como a realização de entrevistas com o objetivo de produzir elementos necessários a materialização da pesquisa, especialmente sobre a história da personagem que permanece no imaginário e na memória da morte na cidade. Vale ressaltar que o Dia de Finados é um dia simbólico, no qual os individuos se apropriam para prestarem homenagens aos seus entes queridos que já morreram. A narrativa dialoga com a teoria de alguns autores que escreveram sobre esses eventos, e também sobre a perspectiva dos estudos de gênero a exemplo de Ariès (2003); Candau (2011); Gennep (1978) e Scott (1990), dentre outros. Podemos assim, a partir dessa etnografia, compreender a dinâmica dos ritos pós-morte na cidade do Crato, sobretudo o Dia de Finados, as práticas simbólicas construídas pelos sujeitos que participam desses ritos, e ainda sobre a história, os fatos e as figuras que compõem a memória fúnebre e o imaginário social do lugar.

Sangrando em página dupla: representações da morte na imprensa brasileira durante o regime militar
Autoria: Marcelo Eduardo Leite, Leylianne Alves Vieira
Autoria:

Historicamente, a morte foi objeto de variadas interpretações e representações nas mais diversas sociedades, em lugares e tempos distintos, provocando maneiras singulares de processos rituais. Dentre as mais variadas formas de representação da morte, em sentido amplo, e do morto, em âmbito privado, as imagens ganharam importância. Desde máscaras e pinturas, construídas ao longo dos séculos, até o uso da fotografia, em tempos mais recentes, as imagens fotográficas de pessoas mortas passaram a integrar as narrativas dos álbuns fotográficos. É fundamental que reconheçamos que as representações da morte potencializam aspectos da memória, tanto no âmbito privado, como no coletivo, permitindo que tenhamos algo que diminua o sentimento de perda. Imagens de mortos também estiveram presentes em variadas narrativas midiáticas do século XX. Em muitos casos, o propósito é sobrepor a presença da morte às lembranças do indivíduo em vida. Tais imagens representam o morto, evocando uma presença física e, ainda, sua representação visual, seja no sentido de exaltar sua relevância, ou de tornar pública sua morte. No século XX a fotografia passou por um intenso processo de transformação técnica que permitiu a projeção de uma pluralidade de discursos, dentre eles o da morte, sobretudo relacionada aos eventos políticos. Na história recente temos alguns exemplos da exposição fotográfica de personagens determinantes da vida política e social, cuja representação imagética da morte foi muito além de uma comprovação, tendo ainda o objetivo de promover o esfacelamento das ideias e o fim de uma liderança, como é o caso de Antônio Conselheiro, fotografado por Flávio de Barros, ou de Che Guevara, fotografado por Marc Hutten. No caso brasileiro, alguns dos principais veículos de mídia ajudaram a corroborar o discurso da ditadura militar. Após a promulgação do Ato Institucional Nº 5, a censura foi instituída e passou-se a enfrentar problemas para publicar determinadas versões dos acontecimentos. Neste contexto, duas das principais revistas do país publicaram fotografias que estampavam os corpos crivados de bala dos principais ‘inimigos do regime’: Carlos Marighela (O Cruzeiro, 1969) e Carlos Lamarca (Manchete, 1971). Nestes casos, a publicação das imagens atendia a ao menos dois objetivos: 1) ampliar a sensação pública de combate ao terrorismo e 2) comprovar a morte dos personagens. As cenas foram montadas pela polícia para a tomada das fotografias, apontando para a existência de determinados interesses. Propomos, portanto, analisar como estas imagens foram inseridas dentro do contexto de ditadura militar, assumindo um papel na narrativa do combate às esquerdas armadas. Mesmo após estas tentativas de morte das personagens, elas continuam vivas nos campos político e social.

Sem medo morte: uma análise antropológica sobre narrativas de Experiências de Quase-Morte
Autoria: Arlindo José de Souza Netto
Autoria:

A morte é um fenômeno que revela importantes aspectos socioculturais. As ciências sociais, em especial a antropologia, já demonstraram o potencial desse fenômeno para além dos seus aspectos biológicos. Neste artigo, a partir das concepções socioculturais da morte, o autor realiza uma análise antropológica sobre narrativas de Experiências de Quase-Morte (EQM). Para tanto, o argumento desta análise é desenvolvido em torno do discurso e das categorias presentes nas narrativas de quase-morte de informantes que experienciaram tal fenômeno, a fim de reconhecer formas de subjetivação e como perspectivas individuais revelam contextos culturais. A argumentação desenvolvida pelo autor, enfatiza que essas experiências podem fomentar questões relevantes para a compreensão de categorias epistemológicas caras à antropologia, como biológica e cultural. Por isso, o artigo é dividido em três perspectivas analíticas: (1) a descrição fenomenológica, onde é definido o que é uma experiência de quase-morte, bem como as descrição dos informantes, seus contextos socioculturais e os contextos em que se deram suas respectivas experiências de quase-morte; (2) os aspectos etiológicos, o autor analisa como a medicina compreende a experiência de quase-morte, apresentando e comparando quais as rupturas e continuidades entre as perspectivas presentes nas falas dos informantes; e, (3) os aspectos pragmáticos, onde é descrito a estrutura narrativa da quase-morte, destacando quais processos são acionados para a constituição dos arcabouços culturais decorrente da experiência vivida, e a comparação entre as estruturas narrativas da quase-morte com as de experiências de conversão, na tentativa de identificar possíveis aproximações e distanciamentos. Como aspectos conclusivos da análise, o autor destaca que as narrativas das experiências de quase-morte apresentam a reconfiguração das ideias, posturas e valores morais dos informantes, e que embora a quase-morte seja classificada pela medicina como um fenômeno biológico, ela aparece no discurso dos informantes como um fenômeno cultural, e, ainda, funciona como um operador ontológico, o qual reconfigura a lógica simbólica, operando significados, sentidos e práticas, entre os quais o significado da morte, que, a partir de então, é concebida sem medo.

“Humanização”, ”sofrimento” e o corpo feminino: embates e conflitos entre a medicina, enfermagem e usuárias no Hospital da Mulher Mariska Ribeiro e no grupo de Luto à Luta- Apoio à Perda Gestacional e Neonatal.
Autoria: Juliana Borges de Souza
Autoria:

Este work é uma proposta de pesquisa para o doutorado , trata-se de uma etnografia em dois espaços de cuidado. Pretendo entender a partir da visão dos médicos, enfermeiras e usuárias do hospital da Mulher Mariska Ribeiro, localizado no bairro de Bangu, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, as concepções sobre “humanização da saúde”, ”acolhimento”, “violência”, produção de “assistência” e “sofrimento” formulados não só pela equipe médica, como também pelas integrantes do grupo “Do Luto à Luta: Apoio à Perda Gestacional e Neonatal” localizada no Flamengo, zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Sobre este último, trata-se de um grupo de relacionamento virtual e presencial chamada “Do Luto à Luta: Apoio à Perda Gestacional e Neonatal”. O grupo, denominado como movimento social (MELO; VAZ, 2018), apresenta-se no site como: uma comunidade de apoio à perda gestacional e neonatal! Pedimos tratamento mais humano e empático nas maternidades do Brasil para os casos de perda gestacional e neonatal, em respeito ao sofrimento de gestantes e familiares(LUPI, 2018). . Esse grupo é criado em 2014 pela psicóloga Larissa Rocha Lupi que passou pela experiência da perda de seu filho. O grupo de “Luto à Luta” tem o intuito de pensar uma acolhida diante da perda do filho e uma dimensão política, que reivindica uma assistência mais “humanizada” nas maternidades, do direito do enlutamento do filho, do registro do nome etc, como aponta as coordenadoras do seu site. . De maneira geral, a pesquisa terá como objetivo central investigar o modo pelo qual as dimensões do ativismo, da produção de identidades coletivas e a produção dos saberes médicos e não-médicos, se articulam à ajuda mútua, à produção de práticas sociais e de moralidades a partir do desafio de vivenciar a perda do filho esperado. Desta forma, pretendo dissertar a partir das seguintes questões: Como se atribui os sentidos formulados pelas mulheres e profissionais sobre os sentidos de “dor”, “parto”, “sofrimento”, ”luto”, “direitos” e “violência” nestes dois espaços? Como as mulheres e os profissionais narram sobre suas histórias de “luto” e “assistência” prestadas àquelas que perdem seus filhos no momento que dar à luz e também é o momento de luto? Como se dá a concepção dos profissionais de saúde acercas dos corpos femininos e sua reprodução? Como é produzida o “cuidado” nestes dois espaços? Existe outras formas de terapêuticas não médicas atuando neste espaço (como religiosidade ou medicina de base popular)? Quais são as demandas do grupo e como isso pode refletir em uma política pública? Será que existe significados atribuídos a “assistência humanizada” por mulheres proveniente de camadas sociais diferentes?

¿Qué es un olor peligroso? notas sobre muertos y cuerpos purgados entre los Kechwa de la Montaña peruana.
Autoria: Julián Antonio Moraga Riquelme
Autoria:

Esta ponencia busca analizar la conexión entre los olores y la muerte para muchos indígenas quechua hablantes de la Montaña peruana. El “olor a difunto” es una dimensión inmanente de la relación entre los vivos y los muertos que merece atención por dos razones. En primer lugar, existe una amplia exposición sobre la lógica de lo sensible en la literatura en la etnología que nos permite profundizar especificamente el modo en que es posible entender la socialidad indígena a través de los olores. En el trabajo de Goulard nos encontramos una contribución al respecto, pues allí se analiza la manera en que los olores y los colores son claves para entender los epónimos de los clanes Tikuna. En este trabajo pretendo mostrar como el “olor a difunto” es capaz de unir y separar personas y relaciones. En segundo lugar, la relación que este trabajo pretende analizar la manera en que esta relación se teje en el plano de lo imponderable de lo cotidiano. La muerte de alguien incide en la vida de los nativos de muchas maneras, siendo los rituales mortuorios y post mortem los más documentados; sin embargo, en este trabajo me detendré en el modo en que la muerte puede diseminarse, colocando una encrucijada existencial especificamente en aquellos que están sometidos a un proceso de cura a través de una dieta alimenticia estricta y el uso de brebajes fuertes - purgas fuertes - elaboradas con plantas y cortezas de árboles del monte (sacha y/o machu purma). Las consecuencias desencadenadas de este contacto tiene diversas gradaciones, siendo vislumbradas tanto la anulación del proceso de cura como la muerte de la persona.